Não estava planejando escrever sobre isso, mas quando escutei uma entrevista do Secretário de Política Econômica, Márcio Holland, à jornalista Juliana Rosa da Globo News (clique aqui), falando que as contas públicas estão controladas e que os números do SIAFI até junho comprovariam isso, eu não me contive. O secretário falou o seguinte:
“A política fiscal conseguiu resolver esse problema ….. Não está fazendo expansão dos gastos no Brasil. …. o Tesouro só vai divulgar o resultado no final do mês, mas olhando pelo SIAFI dá pra ver em termos reais que os gastos que subiram foram em educação e saúde, que é extremamente importante. Os gastos de custeio da máquina não subiram. Os gastos de juros da divida sobre PIB caíram no semestre, os gastos com pessoal e encargos caíram no semestre.
O que está aumentando é justamente investimentos em saúde, educação e programas sociais, que é exatamente o que a sociedade deseja. O conjunto da obra é interessante, porque os gastos totais do governo não estão se alterando. O que está alterando é a composição. São mais gastos em investimentos em saúde e educação, transferenciais de renda, programas de inclusão produtiva, pronatec, de qualificação do trabalhador, do que gastos com pessoal.”
Se ninguém refuta essas declarações, isso pode sugerir que o titular da SPE está coreto quando na verdade não está. Tem um ponto que ele está correto, quando fala que o crescimento do gasto público é puxado pelo crescimento dos gastos com educação, saúde e política social. Mas esse é o padrão do crescimento do gasto público federal do pós-constituição e por isso que é tão difícil controlar o crescimento do gasto. Ele está equivocado quando fala que o gasto total não aumenta. O gasto público como % do PIB cresce no Brasil e o investimento não vem aumentando como % do PIB.
Para controlar o gasto público do governo federal é preciso controlar o crescimento das transferências (talvez modificando o mix de programas mais caros para os mais baratos e mais eficazes na redução da desigualdade), e melhorar a eficiência do gasto com educação e saúde. Mesmo assim será difícil porque o governo está criando programas novos de custo elevado.
Vamos aos números. Olhando apenas para o SIAFI, qual foi o crescimento do gasto com pessoal (ativo e inativo da união), gasto de custeio (inclusive INSS, programas sociais, etc.) e investimento público (GND-4) até junho deste ano? A tabela1 abaixo mostra que o ritmo de crescimento este ano não diminuiu.
Tabela 1 – Gasto Não Financeiro do Governo Federal – JAN-JUN 2011-2013 – R$ bilhões correntes
Fonte: SIAFI. OBS: GND-3 exclui elemento 81: repartição de receitas
De janeiro a junho de 2012, o crescimento da despesa primária do governo federal (pessoal, custeio e investimento) havia sido de R$ 39,7 bilhões ante o mesmo período de 2011. Este ano, o crescimento foi de R$ 42 bilhões. Em valores nominais não houve queda e a taxa de crescimento nominal foi de 11,3%, no 1osemestre do ano passado, e de 10,7% este ano. Se trabalhamos com valores reais houve uma desaceleração do crescimento do gasto graças à maior inflação. Mas como o PIB real vem crescendo pouco, o gasto público federal não financeiro continua crescendo acima do PIB.
Investimento público: No caso do investimento, ao contrário do que afirma o secretario, a execução não melhorou. Aqui estou olhando para investimento no conceito mais restrito (GND-4) que não inclui capitalização de estatais ou empréstimos (GND-5). Como se pode ver na planilha anexa que traz o investimento público do governo federal (clique aqui), critério SIAFI, para o primeiro semestre de 2011 a 2013, houve uma queda na execução do investimento do ministério da educação de R$ 637 milhões e de R$ 243 milhões do ministério da saúde (a queda em valores reais foi ainda maior). O que sustentou o crescimento do investimento este ano foram dois ministérios: (1) o da integração nacional (+R$ 1,1 bilhão) e (2) da defesa (+R$ 854,8 milhões).
Vale a pena destacar mais dois pontos. Primeiro, o crescimento nominal do investimento público federal no primeiro semestre deste ano foi de apenas R$ 1,5 bilhão, muito próximo do crescimento do investimento do ano passado de R$ 1,1 bilhão. Ou seja, pelo SAIFI, o crescimento do investimento foi de apenas R$ 1,5 bilhões ou 3,5% do crescimento do gasto público primário no semestre que foi de R$ 42 bilhões.
Segundo, observem na planilha anexa o investimento do ministério dos transportes. O investimento desse ministério no 1o semestre deste ano foi de R$ 3,8 bilhões, R$ 200 milhões acima do ano passado e R$ 2 bilhões a menos que o realizado no 1o semestre de 2011: R$ 5,8 bilhões. Ou seja, estamos no terceiro ano do governo e ainda hoje não se resolveu o problema do baixo investimento do ministério dos transportes depois da faxina em meados de 2011.
Gastos de custeio (inclusive previdência e gastos sociais). Agora cheguei na parte mais importante, que merece cuidado na análise. Primeiro, o custeio no ano passado (1o semestre) havia crescido R$ 35,3 bilhões e este ano cresceu “apenas” R$ 32,8 bilhões. No entanto, esse “aparente” desaceleração do custeio é mera ficção. No ano passado, pelos dados do SIAFI, a maior parte do programa Minha Casa Minha Vida se dava por uma despesa de custeio – transferências ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) – uma conta da função 28 (encargos especiais). Neste ano, o financiamento dos subsídios do Minha Casa Minha Vida passou a ocorrer via empréstimos– uma inversão financeira. Assim, a suposta economia não ocorreu, apenas saiu de uma conta do custeio (GND-3) e foi para outra: inversões financeiras (GND-5).
Segundo, como estou cansado de destacar, o que puxa o crescimento do custeio são gastos ligados a basicamente 5 funções de um total de 28 funções. As funções assistência social (LOAS e Bolsa Família), Previdência Social (INSS), Saúde, Educação e Trabalho (seguro desemprego e abono salarial) explicam praticamente quase todo o crescimento do custeio. Essas cinco funções cresceram no primeiro semestre deste ano R$ 36 bilhões, para um total do crescimento do custeio de R$ 32,8 bilhões (a conta de custeio que mais diminui e compensa parte do aumento dessas funções sociais é o gasto com o Minha Casa Minha Vida que, como expliquei acima, apenas troca de conta. (clique aqui para ver a conta de custeio por função).
Terceiro, há ainda outro ponto em relação à execução dos restos a pagar especificamente de custeio. Como se pode observar na tabela abaixo que mostra os restos a pagar (empenho de orçamentos de anos anteriores) processados e não processados, nota-se que: (i) houve uma diminuição no pagamento dos restos a pagar não processados. O saldo que resta para ser pago desse tipo de restos a pagar até o final do ano (R$ 31 bilhões) é 63% superior ao saldo que o governo tinha para pagar no segundo semestre de 2012 (R$ 19 bilhões). Ou seja, o crescimento do custeio só não foi maior porque o governo está atrasando o pagamento de restos a pagar não processados.
Tabela 2 – Restos a Pagar de Custeio: Inscrição, cancelamento, pagamento e saldo de restos a pagar (RP) a ser pago – R$ bilhões
Fonte: SIAFI. OBS: GND-3 exclui elemento 81: repartição de receitas
Praticamente metade do que falta a pagar do saldo de restos a pagar não processados está na conta de “encargos especiais” com destaque para: (i) subsídios devidos ao BNDES para equalização de taxas de juros no âmbito PSI (R$ 6,3 bilhões); (ii) subvenção econômica para projetos de interesse social em áreas urbanas (R$ 4,1 bilhões); complemento da atualização monetária do FGTS (R$ 2,6 bilhões).
Qual a conclusão de tudo isso que foi dito acima? De forma muito simples e direta, a composição do gasto do governo não melhorou, o investimento continua patinando e não dá para pensar em controlar o crescimento do gasto público sem que se olhe para as contas de (i) transferências (inclusive INSS), (ii) gastos com educação e (iii) gastos com saúde. O dado preocupante é o crescimento excessivo no saldo de restos apagar ligado a contas de custeio e o montante que ainda falta a ser pago: R$ 31 bilhões – 63% superior ao saldo de junho de 2012.
Ao contrário do que afirmou o Secretário de Política Econômica, o gasto público continua crescendo tão forte quanto antes e o governo não tem ideia e nem vontade de controlar o ritmo de expansão do gasto, principalmente, depois da queda da aprovação do governo federal. O mais provável, depois da frustração da receita de junho, é que o governo jogue a toalha e reconheça que não vai conseguir entregar a meta de 2,3% do PIB (ou aumente mais ainda os truques contábeis, pois os “feiticeiros” são os mesmos).
A situação fiscal piorou muito e a tendência não é melhorar, mas sim de piorar ainda mais. Não há mais espaço para desonerações como anunciado pelo próprio ministro, o investimento ainda não aumentou e os gastos de custeio (ligado as funções sociais) continuam hoje como ontem puxando a despesa. É muito provável que o superávit primário neste e no próximo ano fique entre 1% e 1,5% do PIB e o ajuste fique para depois das eleições. E vamos continuar aumentando a dívida para turbinar os bancos públicos e não teremos a economia com juros que o governo esperava (ou ainda espera).
É claro que nada disso seria um problema se a economia brasileira estivesse crescendo a 4,5% ao ano. Mas com a economia crescendo a 2% ao ano, o cenário ficou nebuloso. E acho difícil ter um novo choque externo positivo que nos leve crescer a 4% sem antes fazermos o dever de casa.
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