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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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sábado, 4 de dezembro de 2021

Mini reflexão sobre a escassa possibilidade dessa coisa rara chamada Idealpolitik expandir-se na representação política - Paulo Roberto de Almeida

Mini reflexão sobre a escassa possibilidade dessa coisa rara chamada Idealpolitik expandir-se na representação política

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Especulando inocentemente, como sempre faço todas as manhãs: metade do eleitorado consciente, ou seja, bem-informado e dotado de postura cidadã, não deve ainda ter ideia em quem vai votar em 2022.

Eu não tenho essa preocupação, pois meu voto não fará nenhuma diferença: os candidatos nos quais eu votaria, ou nos quais estaria disposto a votar, não correm nenhum risco de serem eleitos: são muito idealistas.

 

Meu grau de aderência ao acesso de partidários da Idealpolitik ao Congresso: 2%. A quase totalidade dos eleitores quer ouvir promessas impossíveis: nessas condições, só os mentirosos são capazes de satisfazer tal pretensão, como já disse Thomas Sowell. 

 

Aliás, o que seria a Idealpolitik

Cabe definir!

 

Ser idealista é acreditar, por exemplo, no fim da corrupção na política, no fim da impunidade, na possibilidade real e concreta de punição aos políticos corruptos. Amostras convincentes dos adeptos das rachadinhas — entre elas as familícias — estão à vista de todos, e elas estão sendo constantemente protegidas pelos colegas parlamentares e até por juízes corruptos, o que inclui magistrados das mais altas cortes. Esse tipo de vergonha ocorre mais frequentemente do que se crê. 

 

E por que é difícil terminar com a corrupção na vida política?

Acredito que seja porque, em primeiro lugar, a política atrai os “ambiciosos mas preguiçosos”: a política lida com vastos recursos de dinheiro arrecadados de milhões de trabalhadores, honestos ou desonestos não importa, dinheiro real, arrancado compulsoriamente de todos os trabalhadores ativos por leis aprovadas pelos políticos, isto é, os chamados representantes do povo. 

Essa possibilidade de se servir do dinheiro alheio atrai muita gente, inclusive alguns idealistas, mas geralmente pessoas que gostariam de ter esses recursos à sua disposição, sem ter necessariamente de trabalhar duro para conquistá-lo mediante seus próprios esforços. 

 

Daí se constrói um ambiente de conivência entre partidários do mesmo “credo”: “Vamos fazer de forma a tornar a nossa vida mais fácil, cuidando do dinheiro de todos, por meio de serviços públicos, mas antes vamos tratar de reservar uma boa parte para nós mesmos.”

 

Essa é a fórmula mágica que atrai aqueles que denominei de “ambiciosos mas preguiçosos” para a vida política. Ela é a maneira mais fácil de viver bem, sem precisar mourejar — termo suspeito e discriminatório — exageradamente em alguma atividade ligada à produção de riqueza. É evidente que “manipular” riqueza sem a necessidade de criá-la por suas próprias mãos é bem mais atrativo do que juntar ferramentas ou a inteligência para plantar, fabricar produtos, oferecer serviços úteis à vida de terceiros e outras atividades “desgastantes”. Que prazer ter esta perspectiva: “aqui está o bolo de dinheiro que conseguimos arrecadar de todos aqueles que trabalham honestamente; vamos decidir agora como gastá-lo!” 

(É evidente que os desonestos estão fora dessa equação, pois eles subtraem secretamente recursos de terceiros sem declarar abertamente, ou oferecem “serviços”, drogas por exemplos, que são legalmente proibidos ou sancionados.)

 

Daí surgem os mil e um expedientes feitos para facilitar a vida dos chamados “representantes do povo”: bons salários, casa, comida e roupa lavada, isto é, bons serviços sempre cobertos pelo dinheiro dos outros, o que inclui serviçais de todos os tipos, em geral aspones que fingem trabalhar por algum valor qualquer e que até “consentem” em que parte dos seus salários reverta em favor de quem lhes prodigou tal situação ideal: ganhar algum sem precisar se esforçar muito (ou seja, a mesma situação do “representante do povo”, só que servindo ao próprio).

Esse é o ambiente de conivência que explica as rachadinhas, tão comuns no ambiente político.

As facilidades, prebendas e gostosuras da vida fácil contaminam todo o ambiente político, e servem inclusive aos idealistas (menos aos muito austeros, honestos e desprendidos). Fica quase impossível escapar ao ambiente de mútua compreensão com respeito às “facilidades” da vida política.

 

Mas atenção: não é fácil adentrar nesse meio! É preciso muita capacidade de convencimento, de conversa credível, para conseguir que os trabalhadores comuns deleguem tal poder de representação nos órgãos de serviço público, ou seja, as instituições do Estado, mais exatamente o poder legislativo, aquela parte do Estado que dispõe sobre o seu dinheiro (a maior parte arrecadada compulsoriamente).

É preciso muita lábia, muita conversa convincente para se obter tal mandato de representação. 

Em última instância, é preciso ter alguma capacidade de argumentação, ou então a faculdade de ter ficado famoso em alguma atividade de interesse público, música, esporte, radialismo, lugares de culto religioso, associações de classe, corporações de ofício, ou na própria atividade pública (segurança civil, por exemplo). O reconhecimento público já é a porta de entrada na política, por boas e más razões.

É aqui que os idealistas se juntam, convivem, eventualmente se congraçam, com os oportunistas, aqueles a quem eu chamei de “ambiciosos mas preguiçosos”.

Esta é a natureza humana, feita de todos os tipos de pessoas, entre elas aqueles a quem o cineasta Sergio Leone resumiu num título clássico: “O bom, o mau e o feio”!

Pode ser simplificação, mas é mais ou menos assim que funciona a maior parte da humanidade, sendo que ninguém consegue ser inteiramente uma coisa só o tempo todo: posturas e situações vão se alternando e se substituindo em função de circunstâncias variadas, que não são controladas por alguém em especial o tempo todo. 

Uma coisa, porém, favorece a existência de um maior número de “oportunistas”, com respeito ao menor número de “idealistas”: a lei da inércia, a tendência mais provável e constante, a mais universal, que atinge o ser humano: a propensão a ficar idle, ou seja, inativo, esperando que alguém faça para si aquilo que deve ser feito: cuidar da alimentação, da casa, da segurança, enfim, de todas as pequenas coisas que tornam a vida vivível e suportável.

 

Essa é a razão, também, da existência de certo número de demagogos, de mentirosos e até de autoritários (geralmente demagogos e mentirosos) na arena política: existe uma demanda constante, regular, inevitável, por esse tipo de gente na vida política. 

A lei do menor esforço!

Ela acaba redundando no maior esforço da maioria em seu próprio detrimento e em favor do grande número de oportunistas na vida política.

Os idealistas, que também existem, os partidários da Idealpolitik, estão ali pelo meio…

Sorry pelo exercício de Realpolitik!

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4036: 4 dezembro 2021, 4 p.

 


sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Sobre os impulsos democráticos no chamado “despotismo oriental” - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre os impulsos democráticos no chamado “despotismo oriental”

Paulo Roberto de Almeida

A China pretende ser uma “autocracia democrática”. Cansada de receber “lições de democracia” de potências “ocidentais” — um conceito menos válido atualmente, pois que Ocidente conquistou o mundo e praticamente universalizou o seu modo de produção, inclusive na China, mas menos suas instituições, seus valores e princípios no plano do “modo de governar” —, a atual gestão autocrática-democrática do novo imperador promete mostrar ao mundo como funciona o seu modo “democrático” de governar o Império do Meio.

“China to issue white paper on its democracy

CGTN, 03-Dec-2021

Deputies to the 13th National People's Congress (NPC) leave the Great Hall of the People after the closing meeting of the fourth session of the 13th NPC in Beijing, capital of China, March 11, 2021. /Xinhua 

China's State Council Information Office will release a white paper titled "China: Democracy That Works" at 10 a.m. Saturday, and a press conference will be held by the Office.”

Depois da Grande Fanfarra em torno dos 100 anos do glorioso PCC - o único partido comunista no mundo que conduziu o mais exitoso processo de construção do capitalismo num só país, e que aparentemente funciona melhor que o velho capitalismo manchesteriano —, agora é a vez de demonstrar que o PCC também é capaz de “construir a democracia”.


Vamos fragmentar essa coisa dos 100 anos em partes menores. Os primeiros 30 anos do PCC, de 1921 a 1949, foi de lutas contra o “feudalismo”, contra a burguesia “compradora” associada ao imperialismo ocidental, contra os senhores da guerra, contra o governo ditatorial de Chiang Kaishek, que dominava o Kuomintang, um antigo aliado nos tempos do Sun Yatsen, e contra os invasores japoneses.

Os segundos 30 anos, de 1949 a 1979, fase do maoismo demencial, foram dominados por uma tirania economicamente destruidora do que havia sobrado de sua economia, depois de um século e meio de letargia no crescimento, e de destruição de suas instituições políticas e de suas tradições culturais. O maoismo afundou a China, a despeito de ter afirmado à independência do país e garantido uma certa ordem (mas que várias vezes descambou em pura anarquia).

Apenas nos últimos 40 anos foi que o PCC se redimiu, com Deng Xiaoping, que deu início a um doloroso, mas efetivo processo de recuperação, com alguns percalços pelo caminho (como o massacre da Praça Tian Anmein, em 1989). Seus sucessores, Jiang Zemin e Hu Jintao, deram continuidade à construção do capitalismo com características chinesas.

Agora é a vez do novo Imperador, Xi Jinping — que rompeu com o sistema “helvético” de rotação no poder —, tentar criar o se modelo de “democracia com características chinesas”. 

Será que vai dar certo, essa coisa vinda do alto? Provavelmente sim, pelo menos enquanto o PCC garantir certa ordem na construção da prosperidade geral dentro da maior economia de mercado do mundo. Mas, o problema é que toda liderança eterna, feita em bases autocráticas, acaba restringindo as liberdades de inovação e de economia criativa que brotam naturalmente da energia do povo trabalhador e dos quadros médios, que precisam ter mais espaço para ousar. 

Deve durar mais uma geração.

Depois veremos…

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3/12/2021

terça-feira, 16 de novembro de 2021

O verdadeiro sentido da “coisa pública” — Eiiti Sato

 Publicado em: 16/11/2021

EIITI SATO - A IDEIA DE REPÚBLICA NO BRASIL

EIITI SATO - A IDEIA DE REPÚBLICA NO BRASIL

EIITI SATO, Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.

Ao longo do tempo o termo república assumiu vários significados designando de maneira genérica uma forma de relacionamento entre governantes e governados ou servindo para designar certos Estados tais como Roma, depois da queda da monarquia, e Siena, dos fins da Idade Média. No Brasil, o entendimento mais corrente está muito próximo daquele utilizado por Maquiavel, que inicia O Príncipe afirmando que “todos os Estados ... foram e são, ou repúblicas ou principados”, ou seja, uma forma de governo como alternativa à monarquia. Assim, no dia 15 de novembro é celebrado o dia em que a forma republicana de governo foi adotada no Brasil em substituição à monarquia. Com o passar dos anos a data passou a ter um caráter comemorativo tornando-se um costume fazer dela uma ocasião para discursos e outras manifestações laudatórias das virtudes e das vantagens da forma republicana de governo. Este breve ensaio, no entanto, pensando no que poderia haver de relevante para a compreensão da política brasileira, propõe uma reflexão em outra direção. 

A observação dos acontecimentos na esfera política leva a crer que o sentido mais precioso do termo República não é o de forma de governo que substitui a Monarquia, mas sim o de res publica, isto é o do entendimento das instituições do Estado como coisa pública. Com efeito, olhando-se o Brasil de hoje, conclui-se que o advento da república não significou, após cinco gerações, uma forma mais avançada ou mais eficaz de organizar as instituições políticas. Na verdade, o que se observa nas nações consideradas mais avançadas do mundo é que não há diferença entre regimes republicanos e monárquicos, ao menos no que se refere à idéia de democracia representativa e quanto à capacidade de o Estado cumprir seu papel, como eixo da ordem política e econômica voltado para a promoção da prosperidade. Nesse sentido, a presente análise sugere que seria mais apropriado, a cada dia 15 de novembro, simplesmente examinar a trajetória das instituições políticas do País e, de forma sensata e ponderada, procurar identificar aquilo que poderia ou deveria ser feito para defender e aperfeiçoar a democracia e as instituições que governam o País para que sejam, efetivamente, republicanas. 

REPÚBLICA, DEMOCRACIA E PROSPERIDADE

Em primeiro lugar vale insistir no fato de que uma escolha entre a forma republicana ou monárquica de governo não corresponde, na realidade, a uma opção a respeito do que pode haver de mais essencial na relação entre governantes e governados: liberdade, respeito às leis e direito de escolha. Há muito tempo, a república deixou de ser uma alternativa à tirania de príncipes autocráticos. O sentido essencial da república como expressão da vontade dos governados pode estar perfeitamente presente tanto nas monarquias quanto nos regimes chamados de republicanos. Parafraseando Maquiavel, pode-se dizer que “as grandes e modernas democracias de hoje ou são repúblicas ou monarquias constitucionais ...”. Em outras palavras, não se pode dizer que o apreço pela democracia e o apego ao processo de legitimação do poder político pela vontade dos governados, esteja menos presente na Dinamarca, no Reino Unido ou nos Países Baixos, que permanecem monarquias, do que nos Estados Unidos ou na França, que adotaram a forma republicana de governo. Esse fato sugere também que um conceito como democracia, entendido como princípio orientador da organização do Estado, pode se projetar em instituições muito variadas, não sendo possível, por exemplo, dizer que um sistema bicameral seja superior ou mais eficaz do que um parlamento unicameral, ou que o presidencialismo americano seja melhor do que o parlamentarismo britânico. As instituições resultam de processos históricos vividos de maneira individual e particular pelas nações, refletindo a combinação de uma variada gama de aspectos peculiares aos países que, dessa forma, ao longo do tempo e à sua própria maneira, vão construindo individualmente as instituições políticas que melhor lhes convém.

Mesmo do ponto de vista econômico, onde os dados quantitativos são abundantes, chama a atenção o fato de que não é possível estabelecer correlação entre formas democráticas de governo e formas de interação, entre Estado e economia, capazes de tornar a nação mais próspera. Ao longo da história, nações prosperaram dentro de um ambiente democrático e republicano, mas também prosperaram sob regimes autoritários e, em tempos mais recentes, casos como o da China e de outros países da Ásia lembram uma espécie de versão contemporânea do conceito de “absolutismo esclarecido”, que tanto entusiasmou muitos filósofos nos primórdios do Estado moderno. São governos bastante fortes que, de maneira autoritária, estabelecem padrões e normas de comportamento para os atores econômicos, tornando-os competitivos e gerando riqueza e abundância para suas sociedades. Pode-se argumentar que, no longo prazo, regimes autoritários acabam por tornar-se incompatíveis com o dinamismo exigido pelos negócios e pela inovação tecnológica que sustentam o progresso econômico. Por ora, no entanto, não há dados para confirmar essa hipótese e o analista pode apenas procurar sinais de que regimes políticos autoritários tornam-se, gradativamente, menos centralizadores e menos propensos à interferência na economia, à medida que a sociedade prospera e que, inevitavelmente, vai se tornando mais integrada à ordem econômica internacional. 

Por outro lado, nas grandes democracias ocidentais, a interferência na economia se faz menos por meio de medidas políticas de governantes, que estão sujeitos a leis, e mais por meio das ações do Estado como ator econômico capaz de influenciar e mesmo orientar o ambiente econômico. Todavia, nesse domínio, a participação do Estado na economia varia muito, havendo países, como os Estados Unidos, onde o Estado representa aproximadamente 1/3 do PIB e nações como a maioria dos países mais prósperos na Europa onde o Estado ultrapassa a metade do PIB, sem que se possa dizer que tenham deixado de proteger e valorizar a livre iniciativa e a liberdade econômica, de uma forma mais ampla e que as economias desses países tenham deixado de ser competitivas nos mercados internacionais. Do mesmo modo, não é possível identificar qualquer correlação entre os níveis de participação e interferência do Estado na economia, com a forma republicana ou monárquica de suas instituições políticas. No Japão, que é uma monarquia, o Estado representa uma parcela da economia semelhante à dos Estados Unidos, enquanto na França republicana o Estado é, proporcionalmente, tão grande quanto em outros países europeus, que são monarquias e igualmente prósperas. Nenhum analista e nenhum grande partido político na Europa ou nos Estados Unidos associa eventuais dificuldades econômicas, enfrentadas por qualquer uma dessas economias, às respectivas formas de governo, mas tão somente a ocasionais equívocos na política econômica ou simplesmente às variações cíclicas da economia. 

O ADVENTO DA REPÚBLICA NO BRASIL

Possivelmente, esses fatos ajudam a explicar porque o advento da forma republicana de governo no Brasil não ocorreu dentro de um ambiente político de intensos debates sobre idéias e de disputas dramáticas de poder entre monarquistas e republicanos. A abolição da escravidão, a questão militar, a ascensão de uma classe média e outros eventos considerados pelos historiadores como importantes para o advento da república, eram questões que poderiam ter sido manejadas dentro do regime vigente, uma vez que não há como afirmar que tivessem por origem qualquer incompatibilidade substantiva com o regime e, além disso, nações como o Reino Unido, os Países Baixos ou a Noruega, ao longo do tempo, realizaram seguidas mudanças nas suas instituições políticas, adequando-as às seguidas transformações, por vezes dramáticas, vividas pelas respectivas sociedades no decurso do último século e meio. Em 1889, a monarquia brasileira já era um governo do tipo representativo perfeitamente compatível com os padrões vigentes no mundo, em matéria de instituições que procuravam acomodar as principais forças políticas da nação. Além disso, D. Pedro II estava longe de ser um governante autoritário e centralizador. Alguns historiadores mencionam as disputas entre a Coroa e a Igreja Católica como um desses eventos importantes que teriam desencadeado a queda da monarquia, por ter contribuído para solapar a base política do Imperador. Entre as novidades advindas com a proclamação da república, uma delas foi a separação entre o Estado e a Igreja, mas esse processo ocorreu, de uma maneira ou de outra, em todas as monarquias que se modernizaram. A questão federativa, que aparece em destaque no Manifesto Republicano de 1870, a abolição da escravidão, as dificuldades econômicas ou ainda as inquietações no exército, na realidade constituíam parte de um processo de transformação mais ampla e profunda da sociedade brasileira, diante de um mundo que também se transformava. Na realidade, em toda parte, as instituições políticas sofriam mudanças e se acomodavam às novas circunstâncias sem, contudo, associar esse processo a escolhas entre republicanismo e monarquia. Em resumo, o regime monárquico não constituía empecilho real para as demandas sociais ou para uma eventual revisão nos padrões de participação política das forças econômicas emergentes da nação. 

Talvez o melhor retrato do ambiente em que foi implantada a forma republicana de governo tenha sido dada por Raul Pompéia que, em crônica publicada anonimamente, relata a melancólica partida do Rio de Janeiro de D. Pedro II e da família imperial, logo após o decreto de expulsão promulgado pelo Governo Provisório. No meio da madrugada – diz a crônica – sem manifestações de qualquer tipo, a família imperial partiu para o exílio sem deixar no Brasil nem sentimentos de ódio e nem partidários dispostos a iniciar uma luta política para promover seu retorno. Aliomar Baleeiro, logo na introdução de seu ensaio sobre a Constituição de 1891, também faz uma apreciação na mesma direção: “o povo brasileiro cansara-se da monarquia, cuja modéstia espartana não incutia nos espíritos a mística e o esplendor dos tronos europeus. O Imperador vestia trajes civis, pretos, como qualquer sujeito respeitável da época, sem fardas de dourados ... Conta-se que a Princesa Imperial trazia consigo, no decote, fósforos para acender, ela mesma, as velas à boca da noite.” 

A res publica NO BRASIL DE HOJE

Em nossos dias, de tempos em tempos, a República tem sido abalada por escândalos e a ineficiência crônica do Estado aparece nos mais diferentes domínios das instituições encarregadas do provimento de bens como justiça, segurança dos cidadãos e os inúmeros serviços públicos essenciais, que os Estados modernos prestam hoje às suas populações. Convém refletir sobre o fato de que esses escândalos, assim como a crônica ineficiência do Estado brasileiro, não são produtos da forma de governo, mas da incapacidade de construir e de manter instituições que tornem o Estado brasileiro tão eficaz quanto tem sido em muitos outros países republicanos ou monárquicos. Por exemplo, em países onde a justiça – talvez a componente mais essencial do Estado no que diz respeito à proteção dos direitos individuais e coletivos – se mostra razoavelmente operante, uma lei como a da chamada “ficha limpa” seria completamente inócua e desnecessária, uma vez que, se a justiça funcionasse razoavelmente no Brasil, os políticos indiciados como passíveis de serem enquadrados nessa lei já teriam sido, há muito tempo, devidamente condenados ou absolvidos. Há políticos que tomam posse de cargos executivos ou legislativos apesar de condenados e de procurados pela justiça por terem cometido crimes comuns, e cujo processo judicial tivera seu início bem antes da formalização até mesmo de sua candidatura. Há os tribunais eleitorais ou trabalhistas cuja existência é totalmente dispensável, uma vez que qualquer ação julgada por essas instâncias pode ser levada ou contestada em outras instâncias judiciárias. A menos que o poder dessas instâncias seja efetivamente reconhecido nas matérias de que tratam, a manutenção dessas cortes representa apenas um ônus para o Estado e, principalmente, um custo às vezes impagável para os cidadãos que buscam a justiça para proteger seus direitos. 

A distância entre a noção de res publica e as instituições do Estado brasileiro, que parece aumentar continuamente, assume a feição de um patrimonialismo político, cuja capacidade de adaptação se revela ilimitado. Falava-se de uma política “café com leite” referindo-se à República Velha, quando o poder se alternava entre os produtores de café de São Paulo e os proprietários de terras e criadores de gado de Minas Gerais. Hoje, após a eleição presidencial, Ministérios e agências da administração do Estado são disputados como se fossem espólios ou butins a serem conquistados. As manifestações a respeito de “direitos” a cargos e postos na administração pública ocorrem de forma aberta e sem qualquer pejo ou referência a qualquer propósito de servir à coletividade, que justificaria a existência de um Ministério ou agência governamental. Nos fins da Idade Média, após a tomada de uma cidadela sitiada, os vencedores disputavam entre si os espólios dos vencidos. Essa disputa se afigurava tão natural quanto o é hoje a disputa por cargos e indicações após uma vitória eleitoral. D. Quixote, personagem criado por Cervantes, com toda a sua ingênua pureza, prometia ao seu amigo e escudeiro Sancho Pança uma ilha que seria conquistada com o valor de seu braço. No caso do Brasil, trata-se de um espólio de proporções imensas. Conforme dados de 2009, disponíveis na página do Fundo Monetário Internacional, o Brasil era a oitava economia do mundo e o orçamento do Estado brasileiro, de quase US$ 600 bilhões, seria maior do que o PIB de países como Suíça (US$ 491 bilhões), Suécia (US$ 406 bilhões), Dinamarca ou Argentina (ambos com um PIB de cerca de US$ 310 bilhões). Na verdade, o Estado brasileiro equivalia, em 2009, à posição de 18ª. economia do mundo. Nesse quadro, a pergunta essencial é: para onde vai essa enorme soma de recursos? Além do sistema de arrecadação de taxas e impostos, existe alguma instituição do Estado que efetivamente funcione satisfatoriamente? Existe alguma instituição do Estado que possa ser qualificada como verdadeira res publica, isto é, serve unicamente ao interesse público? Por que as pessoas que possuem meios não procuram a saúde pública, não se utilizam dos transportes públicos, não confiam suas crianças à educação pública? Por que se permite que milhares de pessoas vivam em favelas degradantes à condição humana? Por que todas as organizações e indivíduos que possuem meios precisam contratar serviços privados de segurança? Enfim, a lista de perguntas é interminável. 

Esses fatos, mencionados a título de exemplo, apontam para o risco sempre presente de repetir o que se fez, em certa medida, nos fins do século XIX quando, ao invés de aperfeiçoar e adequar as instituições acompanhando as inevitáveis mudanças dos tempos, preferiu-se atacar as instituições da monarquia constitucional. O ambiente que tem cercado as últimas eleições e seus desdobramentos na forma de partilha do espólio conquistado, revelam que a ineficiência do Estado em prover bens públicos essenciais deve continuar, independente de quem seja eleito. Os recursos do orçamento público brasileiro são enormes, mas não são ilimitados. Pode haver focos de insatisfação na divisão do butim que podem evoluir para defecções e crises. Corre-se o risco de comprometer até mesmo a democracia sem, contudo, atingir efetivamente os procedimentos e costumes viciados existentes nas várias instâncias do Estado que, assim, continuarão servindo de guarida à ganância dos políticos desonestos. Ernest Hambloch, em 1934, escreveu uma interpretação bastante crítica a respeito dos primeiros anos da república – a República Velha (1889-1930) – na qual lembra um curioso episódio: quando Rojas Paul, presidente da Venezuela, soube da queda da monarquia brasileira, teria exclamado triste e profeticamente: “Este é o fim da única república que jamais existiu na América.” Obviamente, o presidente Rojas Paul empregava o termo república na sua acepção mais desejável: o do governo entendido como res-publica.

BIBLIOGRAFIA 

A. BALEEIRO, Constituições Brasileiras, volume II. 1891. Senado Federal, CEE/MCT, ESAF/MF. Brasília, 1999 (p. 13)

E. HAMBLOCH, Sua Majestade o Presidente do Brasil. Senado Federal, Brasília, 2000 (p. 34)

F. M. DA COSTA, Os Melhores Contos que a História Escreveu. Editora Nova Fronteira, R. De Janeiro, 2006 (pp. 461-7)


(Transcrito do blog de Ricardo Vélez-Rodríguez)

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Quão democrática é a China? - Here Comes China (Carta Maior)

Quão democrática é a China? 


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

A defesa da democracia contra a balcanização da nação - João Carlos Espada (ICP-UCP, Portugal)

No momento em que Portugal tem o seu sistema de assistência hospitalar ameaçado de colapso, pelo avanço da pandemia, depois que o país esteve na vanguarda da prevenção e dos cuidados em 2020, o professor João Carlos Espada, diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica de Portugal, me envia seu artigo semanal, na qual ele alerta não apenas contra os populistas de direita, iliberais ou claramente antidemocráticos, mas também contra o "progressivo coercitivo", ao estilo de Bernie Sanders.

Paulo Roberto de Almeida


João Carlos Espada                                        
Director, Institute for Political Studies, Universidade Católica Portuguesa                                     
President, International Churchill Society of Portugal
Latest books: The Anglo-American Tradition of Liberty: A view from Europe (Routledge, 2016/18); Liberdade como Tradição (Távola, 2019).

O dia da democracia /premium

1 Escrevo antes de conhecer os resultados oficiais das eleições presidenciais de ontem. Mas não hesito em prestar homenagem ao civismo dos portugueses neste dia da democracia.

Votei na Escola Raul Lino — o grande arquitecto da doce e conservadora Casa Portuguesa — no Monte Estoril. Cheguei às 14h10 a uma longa e ordeira fila que esperava cá fora. Tudo decorreu suavemente, sob a gentil e “unassuming” liderança de inúmeros jovens voluntários — vários escuteiros devidamente trajados, e várias jovens elegantes com batas brancas. Todos diziam “por favor” e “obrigado”, com um sorriso educado que se adivinhava por trás das máscaras.

Às 14h25,  eu já estava a sair. Com lágrimas nos olhos e voz embargada, agradeci a todos os voluntários que reencontrei no caminho de saída. Qualquer que seja o resultado, foi uma lição de civismo e de democracia. Foi o dia da democracia!

2 “O dia da democracia” foi também como o Presidente Joe Biden designou o dia da sua tomada de posse, a 20 de Janeiro — a data que a Constituição americana claramente define. Foi uma bela cerimónia, em que o novo Presidente proferiu um tocante discurso em defesa da tradição democrática americana e da reconciliação nacional.

“End this uncivil war!”, disse o Presidente. E este foi o título da manchete do conservador The Daily Telegraph  de Londres, na quinta-feira de manhã. A frase do Presidente democrata americano e o enfático apoio do conservador-liberal diário de Londres falam por si: a esquerda e a direita democráticas estão a re-descobrir a causa comum da defesa da democracia civilizada contra a guerra tribal — e não-civilizada, “uncivil” — entre facções rivais.

3 Existe de facto uma “uncivil war” em curso que tem de ser derrotada. O estilo terceiro-mundista do sr. Trump — a que chamei aqui repetidamente general tapioca — levou a incivilidade ao rubro. Felizmente, o general tapioca foi derrotado nas urnas e nos tribunais pela grande democracia americana. Como também já referi neste espaço, é ensurdecedor o silêncio dos apoiantes do sr. Trump, lá fora e entre nós.

Mas há outro tribalismo a alimentar a “uncivil war” na América e no Ocidente. Num longo e muito estimulante artigo na conservadora-liberal The Spectator de Londres, Stephen Daisley chama-lhe, a meu ver apropriadamente, “progressismo coercivo”.

Trata-se de uma cartilha ideológica politicamente correcta que quer redesenhar central e autoritariamente os modos de vida descentralizados e os valores morais livre e espontaneamente partilhados ao longo de inúmeras gerações. Foi o sentimento espontâneo de auto-defesa contra a ofensiva autoritária do “progressismo coercivo” que gerou os 74 milhões de votos no ungentleman sr. Trump — a maior votação até agora alcançada por um candidato republicano ou/e por um candidato derrotado.

4 Esta é uma questão crucial que não pode ser esquecida. Um estudo não partidário citado por Stephen Daisley refere que o sectarismo partidário nos EUA atinge hoje níveis de ódio e tribalismo semelhantes aos registados na Bósnia e no Kosovo. Isto simplesmente significa que a famosa “balcanização” pode estar hoje a ameaçar a democracia americana — e a revelar sinais também preocupantes em várias democracias europeias.

Isto significa também que, em todo o Ocidente, deve existir um esforço comum de combate à balcanização, ao tribalismo e à “uncivil war”. Por outras palavras, o “trumpismo” não deve agora ser combatido com o “progressismo coercivo” do estilo Bernie Sanders (nos EUA), ou Jeremy Corbyn (no Reino Unido) — ambos muito populares entre minorias militantes, mas amplamente e tranquilamente derrotados nas urnas.

Por outras palavras, os extremos tribais de cada lado devem ser combatidos pelos moderados de cada lado. E a causa comum da democracia liberal pluralista — o regime da regra, obra comum de partidos rivais — deve ser reafirmada pela direita e pela esquerda democráticas.

5 Isto implicará um vasto esforço político, mas também e talvez sobretudo cultural e intelectual. Será importante estimular o re-encontro intelectual de vozes moderadas da direita e da esquerda. E será crucial criar espaços de conversação entre essas vozes, em vez de balcanizar a gritaria tribal entre vozes sempre muito zangadas — e em bom rigor, apenas semi-educadas.

Face à gritaria estridente das minorias militantes, da esquerda e da direita radicais e mal-educadas, é sempre gratificante recordar em tom moderado as sábias palavras de Winston Churchill sobre a filosofia política de seu pai — um conservador liberal — e sobre o segredo da mais antiga democracia parlamentar do planeta:

“Ele [Lord Randolph Churchill] não via razão por que as velhas glórias da Igreja e do Estado não pudessem ser reconciliadas com a democracia moderna; ou por que as massas do povo trabalhador não pudessem tornar-se os principais defensores dessas antigas instituições, através das quais as suas liberdades e o seu progresso tinham sido alcançados. É esta união entre o passado e o presente, entre a tradição e o progresso, esta corrente de ouro [golden chain], até agora nunca quebrada, uma vez que nenhum esforço indevido lhe foi imposto, que tem constituído o mérito singular e a qualidade soberana da vida nacional inglesa.”


Aqui envio link para o meu artigo de hoje (1/02/2021) no Observador.

Eleições presidenciais: “Trust the people”


domingo, 22 de novembro de 2020

A revolta CONTRA as elites - Brendan O’Neill, entrevista com Thomas Frank

 "As pessoas têm toda a razão em desconfiar das elites"


Thomas Frank fala sobre seu novo livro, 'The People, No', e por que o populismo pode ser uma força para o bem. Entrevista de Brendan O'Neill, da Spiked, com o historiador Thomas Frank, via Oeste:


Populismo se tornou um palavrão. Cada vez mais, é usado pelas elites para descrever movimentos políticos de que não gostam, em especial aqueles que são populares entre o público mais amplo. Sem conseguirem explicar de nenhuma outra forma as recentes revoltas democráticas desde o Brexit até Donald Trump, essas elites caracterizam suas derrotas humilhantes como resultado da manipulação de eleitores ingênuos por demagogos sinistros. Mas, quando apresentam essas revoltas populares como as agitações ignorantes dos pobres incultos, elas ignoram a história radical e democratizante do populismo.

O mais recente livro do historiador Thomas Frank, The People, No: A Brief History of Populism (O povo, não: uma breve história do populismo), conta essa história democrática. Frank conversou sobre o tema com o editor-chefe da revista Spiked, Brendan O’Neill.

BRENDAN O’NEILL — Em seu livro, você descreve a persistência do antipopulismo. Somos constantemente alertados sobre o “populismo autoritário”, os idiotas, as massas iletradas, que são apresentados como ameaça à democracia. Mas a verdade é o oposto. Os antipopulistas — as pessoas que quiseram anular a maior votação democrática na história da Inglaterra, o Brexit, ou anular a eleição de Trump em 2016 — é que são a ameaça. Você destaca que os antipopulistas contemporâneos não se veriam como os capitalistas dos anos 1890 ou 1930, ou os racistas de Jim Crow da década de 1950. No entanto, eles têm algo bem importante em comum. Eles vêm da classe dominante e estão tentando defender sua autoridade contra as revoltas das classes mais baixas. Ainda que reconheça que o antipopulismo mudou com o tempo, você estabelece uma linha explícita entre a reação antipopulista dos anos 1890 e a dos anos 2020.

THOMAS FRANK — Sim, com algumas ressalvas. Não acho que Trump seja populista — eu o considero um demagogo e uma fraude. Os Estados Unidos têm uma tradição de demagogos e de fraudes. Reagan fez uma performance populista muito boa, assim como Bill Clinton e também o movimento Tea Party. Mas tudo pareceu desenvolvido em laboratório — de tão maligno. O antipopulismo estava e ainda está lá, e ele hoje envenena qualquer tentativa de construção de uma oposição de fato a Trump e ao trumpismo.

As pessoas que desprezam e denunciam o populismo representam a classe dominante. Foi criada uma casta que é definida por onde seus membros são formados e pelo desempenho deles lá. Para eles, os Estados Unidos são o país das maravilhas, e o resto de nós fica para trás. Cada vez mais, eles se identificam com os democratas. Eu nem deveria dizer “cada vez mais” — está feito. A mudança foi feita. O Partido Democrata é o partido dessas elites administrativas, de colarinho-branco, dessa classe de profissionais. Aonde quer que você vá em bairros muito abastados dos Estados Unidos que costumavam ser republicanos, todo mundo está se tornando democrata. Os antipopulistas usam o termo populismo para descrever o que desprezam. Todos deixam de fora o fato de os especialistas terem estragado bastante as coisas ultimamente. É possível escrever um livro inteiro sobre o fracasso da elite. Está diante de você e acontece o tempo todo. No entanto, eles nunca reconhecem isso. Vamos pensar na Guerra do Iraque e na bolha dos subprimes. Vamos pensar no colapso de Wall Street — foram as pessoas mais espertas ali que fizeram isso.

Meu exemplo favorito de fracasso da elite é a campanha de Hillary Clinton em 2016, coordenada pelos consultores políticos com a melhor formação nos Estados Unidos. Sua campanha foi muito mais bem financiada que a de Trump. Houve um encontro de tribos da elite que foram contra o candidato mais odiado da história dos Estados Unidos — Donald Trump. A campanha dele foi comandada por Steve Bannon, que nunca tinha administrado uma campanha política antes, quanto mais uma campanha presidencial. E a máquina do Partido Democrata perdeu para esse cara! Foi como um mestre do xadrez ser derrotado por um jogador do time da escola. Foi absolutamente esmagador.

O momento do Brexit foi bem parecido com muitas das coisas que você descreve em seu livro. Na corrida para o referendo em 2016, toda instituição supostamente especializada estava praticamente de joelhos implorando ao povo britânico para votar no Ficar. Teve o efeito previsível de fazer com que as pessoas refletissem sobre como tinham visto esses especialistas errar e prever coisas que não aconteceram. As pessoas sentiram que os experts tendem a defender os próprios interesses, em vez dos nossos.

As pessoas têm todo o motivo para desconfiar das elites. Não sei como eu teria votado no Brexit, porque não vivo no Reino Unido. Mas lembro do FMI emitindo um alerta para a população britânica dizendo para não ousar votar a favor. Sinto muito — se o FMI me diz para fazer uma coisa, sei muito bem que vou fazer o contrário.

Quero voltar a um momento hilário em 1936, depois de outra reunião das tribos da elite. Elas tinham se juntado e se voltado contra Franklin D. Roosevelt, e perderam de forma impressionante. Os jornais se uniram contra Roosevelt, foram para cima dele com tudo e perderam. Depois que a poeira baixou, as pessoas refletiram sobre o que tinha dado errado. Uma das coisas que notaram foi que Roosevelt foi melhor nas cidades onde não havia um único jornal do lado dele. Ou seja: a unanimidade da elite afastou as pessoas. Existe uma lição para os nossos tempos que parecemos incapazes de aprender.

Quando estava lendo seu livro, pensei na Guerra Civil Inglesa dos anos 1640. O movimento radical Leveller foi descrito por Oliver Cromwell — ele mesmo bastante radical — como uma tentativa de “atiçar a grosseria das multidões contra a sentimentalidade da elite”. Então, nos anos 1700, veio John Wilkes, um grande guerreiro pela liberdade de imprensa, e a reação contra ele. E houve o movimento cartista e as sufragistas, e tudo o que você descreve no livro nos Estados Unidos nos anos 1890 e 1930. Nos últimos trezentos ou quatrocentos anos, um argumento bem parecido foi defendido: as elites sabem o que é melhor, e a grande esperança das pessoas comuns é a democracia representativa, porque ela é bem mensurada e temperada. Qualquer coisa mais direta e exigente é sempre denunciada como estupidez em massa ou ignorância. Você é otimista quanto à possibilidade de esse preconceito antipopulista ser combatido ou transformado?

É aqui que eu rompo com o populismo. O populismo assume um tipo de otimismo que eu simplesmente não tenho. Um dos grandes heróis de meu livro, Lawrence Goodwyn, foi um historiador que escreveu sobre o populismo. Para resumir, é muito difícil. É por isso que esses movimentos são tão raros. Uma das coisas que ele disse é que você precisa praticar o que chamou de paciência ideológica. A razão é porque está trabalhando com pessoas simples — pessoas que não chegaram à universidade. Elas não conhecem o jargão. Você não pode simplesmente usar o jargão policial com elas, estalar o chicote e esperar e voltem para a fila.

Não conheço ninguém que queira praticar a paciência ideológica hoje. Estamos no que chamo de utopia da reprimenda. As pessoas acham que, se repreenderem, riscarem da lista e cancelarem todos os demais, vão vencer algum tipo de competição cósmica. Não faz sentido para mim, porque não é assim que se constrói um movimento.

Brendan O’Neill é editor da Spiked e apresentador do podcast The Brendan O’Neill Show. No Instagram: @burntoakboy.