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sábado, 15 de janeiro de 2022

As pílulas de amnésia do dr. Guido [Mantega] - Alexandre Schwartsman

As pílulas de amnésia do dr. Guido 

PUBLICADO ORIGINALMENTE NA INFOMONEY, 
EDIÇÃO DE 12 DE JANEIRO DE 2022

https://www.chumbogordo.com.br/400093-as-pilulas-de-amnesia-do-dr-guido-por-alexandre-schwartsman/?utm_source=mailpoet&utm_medium=email&utm_campaign=Coluna+Carlos+Brickmann 

Na semana passada, a Folha de S. Paulo publicou artigos de economistas expondo as ideias dos principais candidatos à presidência na área. Chamou a atenção de muitos, inclusive a minha, a peça cometida pelo ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, dentre outros motivos porque trata-se, é bom deixar claro, de um dos principais responsáveis pela extraordinária deterioração tanto econômica como institucional que levou à recessão de 2014-16.

Por mais que haja algum esforço no sentido de, curiosamente, dissociar o artigo da candidatura (afirma que é apenas “resultado das discussões de um grupo de economistas que assessoram o ex-presidente Lula”), não deixa de ser simbólico que o ministro mais associado à chamada Nova Matriz Econômica, hoje uma pobre órfã intelectual e política, seja seu autor.

Ademais, de alguma forma antecipando o que será provavelmente a retórica envolvida na campanha, o ex-ministro fez uma série de afirmações no seu texto que, ou não se enquadram na realidade, ou omitem fenômenos similares que se observaram nos governos petistas, conforme listado logo abaixo, merecendo comentários, no caso dados que confrontam a “narrativa” do ex-ministro.

A inflação estará recuando dos 10% de 2021, para algo em torno de 6%, às custas de uma feroz política monetária contracionista, que vai paralisar a economia brasileira.

O que o ex-ministro omite é que entre 2014 e 2015 a inflação subiu de 6,4% para 10,7% e só caiu (apenas em 2016!) às custas de uma política monetária ainda mais contracionista que a atual, que levou a Selic para 14,25%% ao ano. O juro real (já descontada a inflação esperada) para um ano, quer era de 4,5% ao final de 2014, atingiu 7,5% já em maio de 2015.

No final de 2014 o Brasil era um país pouco endividado, com uma dívida pública líquida igual a 32,5% do PIB.”

A dívida bruta, que é o que interessa, já havia pulado de 51,5% do PIB em 2013 para 56,3% do PIB em 2014, marcando a reversão da tendência de queda. Em 2015 ainda atingiria 65,5% do PIB, avançando ainda para 69,8% em 2016 (67,5% em maio de 2016, quando Dilma foi afastada). Os interessados podem visualizar a evolução da dívida, em particular seu forte salto em 2014, no gráfico abaixo.

Fonte: BCB

As gestões fiscais dos governos Temer e Bolsonaro foram um desastre que, desde 2016, só acumulou déficits primários.”

No caso, o ex-ministro esquece que o superávit primário que existia até 2013, se tornou déficit já em 2014, subindo ainda mais em 2015 e 2016, conforme exposto a seguir. Temer também entregou déficits primários, mas menores do que havia herdado.

Fontes: BCB e estimativas do autor

Convém, aliás, não deixar de lado que as contas públicas foram maquiadas sob a regência de Guido Mantega para esconder sua deterioração, episódio hoje conhecido como “pedaladas fiscais”, muito bem descritas pelos trabalhos de João Villaverde e Leandra Peres. A estimativa do resultado primário livre de pedaladas se encontra no gráfico acima, revelando a extensão do estrago fiscal ainda no governo Dilma.

Não à toa, a partir de 2008 o Brasil passou a receber avaliações positivas de grau de investimento, pelas principais empresas de classificação de risco.”

O Brasil perdeu o grau de investimento em 2015, antes de Temer e Bolsonaro.

Pela primeira vez, em 500 anos, a renda dos mais pobres cresceu mais do que a dos mais ricos e a desigualdade diminuiu no país.”

A razão entre a renda dos 10% mais ricos e 40% mais pobres (não achei dos 50% mais pobres) vinha em queda desde 1993. Caiu 2,2 pontos percentuais no governo FHC, 6,6 pontos percentuais no governo Lula e 1,2 ponto percentual no governo Dilma (dados só cobrem o período até 2014). A afirmação é, portanto, falsa.

Fonte: Ipea

O desemprego caiu para abaixo de 6% da população economicamente ativa.”

Também não é verdade: no ano de 2014, em que se registrou o menor nível da série da PNAD, o desemprego atingiu 6,9%. Em termos mensais, o nível mais baixo foi 6,7% no final de 2013 e início de 2014. Isto dito, o desemprego foi a 13% ao final de 2016, quase o dobro do registrado imediatamente antes da recessão, exatamente no segundo governo Dilma. Vale dizer, não apenas o dado é falso, como o ministro omite a forte elevação do desemprego ainda no governo do seu partido.

Fonte: IBGE (dessazonalizado pelo autor)

É uma herança maldita que fará com que o PIB de 2022 retroceda para os valores de 2013.”

Omite que em 2015 o PIB já era inferior ao observado em 2012. Nos 12 meses encerrados em junho de 2016, ainda sob o governo Dilma, o PIB era menor que o observado em 2011! Por mais que o atual governo insista em políticas equivocadas, nesta base de comparação a “herança maldita” da Nova Matriz consegue ser ainda pior.

Fonte: IBGE

No conjunto da obra, é difícil deixar de notar o esforço extraordinário para fingir que a recessão de 2014-2016 não existiu (outra vertente tenta atribuir a culpa até a fenômenos paranormais, mas não tratarei deste assunto hoje).

A crise de 2014-16, uma das piores recessões (se não a pior) da história recente do Brasil ocorreu sob o governo petista e como resultado das políticas adotadas principalmente após 2008.

Não falamos aqui apenas da supra referida piora das contas públicas, que acabou levando à depreciação do real, aumento da inflação e das taxas de juros, mas também de bilhões de reais enterrados em “campeões nacionais” e investimentos duvidosos (dentre eles estádios de futebol), que fizeram a fortuna de alguns poucos, deixando para a sociedade os custos do seu fracasso. Corrupção e baixa produtividade são fenômenos intimamente interligados, cuja consequência mais imediata é o crescimento econômico medíocre.

Se alguém ainda nutre a ilusão que um possível retorno deste grupo ao comando do país irá marcar a retomada da política econômica do primeiro mandato de Lula, sugiro que reflita a respeito. Neste sentido, o artigo do ex-ministro, ainda que de forma provavelmente involuntária, é bastante revelador acerca do que nos espera caso este cenário se materialize.



quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Deficit em transacoes correntes: mais cabelos brancos em quem nao tem cabelo...

Certas pessoas não tem por que se preocupar já que não tem cabelos, mas elas ficariam de cabelos brancos, se fosse o caso:


Déficit em transações correntes aumenta e preocupa governo

Pela primeira vez em 11 anos o déficit nas transações correntes do Brasil não deve ser coberto pela entrada de investimento estrangeiro direto (IED). Mais que isso: se cumpridas as estimativas feitas pelo Banco Central (BC) para este ano, o déficit nas transações correntes será US$ 15 bilhões superior à entrada dos investimentos estrangeiros - na última vez que houve esse descompasso, em 2001, a diferença foi pequena, de apenas US$ 700 milhões.
Os resultados podem ser ainda piores caso as estimativas mais recentes da equipe econômica para ingresso de investimentos estrangeiros neste ano se realizem, enquanto o mercado trabalha com um déficit na conta corrente ainda maior que o previsto pelo BC.
Oficialmente, o governo Dilma Rousseff trabalha com um déficit de US$ 65 bilhões nas transações correntes neste ano (22,6% superior ao esperado para 2011), e com a entrada de US$ 50 bilhões na forma de investimento estrangeiro direto. Mas os economistas do governo já vêm uma entrada menor de investimentos, na casa de US$ 45 bilhões.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Ainda o ufanismo da sexta potencia economica: o que muda, afinal?

Uma matéria sobre o anúncio, puramente estatístico, que excitou o patriotismo de alguns, o ufanismo de outros, e obscureceu, mais um pouco, um verdadeiro debate sobre as questões reais que infernizam a vida do brasileiro, que podem continuar a ser infernais, mesmo que a economia caminhe para os primeiros lugares.
Ou seja, enquanto essa pujança estatística não se manifestar em termos de bem estar e prosperidade para as pessoas -- e segurança, e disponibilidade de bens e serviços públicos decentes, de produtos baratos, etc,  etc, etc. -- não adianta muito ficar "cantando de galo" em torno desses anúncios estatísticos...
Paulo Roberto de Almeida

O que significa o Brasil ser a 6ª economia?

Para especialista, o resultado pode ser enganoso e, embora traga vantagens, não significa melhora na qualidade de vida do brasileiro
Jornais britânicos publicaram a notícia de que o Brasil ultrapassou a Grã-Bretanha na economia mundial  / ReproduçãoJornais britânicos publicaram a notícia de que o Brasil ultrapassou a Grã-Bretanha na economia mundialReprodução
No último dia 26 de dezembro, um estudo feito pelo CEBR (sigla em inglês para Centro de Pesquisa Econômica e de Negócios) e publicado pelos principais jornais britânicos apontou o Brasil como a sexta economia mundial, ultrapassando a Grã-Bretanha. Com isso, o Brasil fica atrás apenas dos Estados Unidos, da China, do Japão, da Alemanha e da França. Entretanto, o que significa esse resultado?
“Ser a sexta economia significa que temos uma produção maior de bens e serviços no cenário mundial, a sexta a produzir mais bens e serviços no mundo inteiro”, explica a economista e professora do Curso de Relações Internacionais da ESPM, Cristina Helena Pinto de Mello. Ainda segundo a economista, esse resultado, no entanto, pode ser “enganoso”.
"Apesar do crescimento da economia nacional nos últimos anos, que é resultado de políticas acertadas, isso não significa melhora na qualidade de vida do brasileiro", segundo explica Cristina. 

Mais atrativo
“Ultrapassar a Grã-Bretanha aconteceu porque a moeda inglesa desvalorizou, há uma distorção monetária. Em paridade de poder de compra, o Brasil participa com 2,9% do PIB [Produto Interno Bruto] no mercado mundial, de acordo com o FMI [Fundo Monetário Internacional] e a Inglaterra com 2,8%”, diz. “Ultrapassamos um pouco porque temos eventos que vem possibilitando isso e um cenário externo muito favorável, com o papel da China na compra dos produtos brasileiros”, completa.
Apesar disso, o indicador traz algumas vantagens para o Brasil no exterior. “O país fica mais atrativo, à medida em que ele aparece e desponta com capacidade de crescimento, a gente se torna mais atraente para os capitais internacionais. Ser o sexto tem um peso significativo. Estamos bem à frente do México, Argentina e Chile, na América Latina”, comenta a especialista.
Em relação aos países que compõem o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e à África do Sul), “a gente tem a China, que está em segundo, mas estamos à frente em PIB per capta. Em possibilidade de crescimento nos tornamos mais atrativos”, acrescenta ainda. 

Crise 
O crescimento econômico do Brasil deve continuar. As projeções mundiais apontam que o país deve ultrapassar a França em 2015 e chegar ao quinto lugar. Mas, até lá, ainda é preciso cautela. Segundo Cristina, o ano de 2012 não deve ser tão promissor para o país, assim como para o resto do mundo, e a crise econômica deve afetar mais a nossa economia. 
“A gente tem no comércio internacional uma fonte de crescimento grande, mas quando uma economia grande tem problemas, isso começa a repercutir nos outros países. Estamos todos interligados”, comenta a professora. “A gente tinha espaço para agir na crise anterior. Podia fazer crescer o déficit interno, reduzir juros. Mas o espaço para manobras de políticas econômicas está se esgotando. Desta vez, a crise tende a ser mais significativa”, acrescenta. 
Ainda segundo Cristina, nas crises anteriores, os demais países também contavam com esses instrumentos, que agora estão se esgotando. Por isso, para 2012, ela aconselha que as pessoas façam gastos mais conscientes, não entrar em grandes dívidas. “Mas não significa que as pessoas devem deixar de gastar, porque isso compromete nossa possibilidade de expansão”, aconselha.

Investimentos 
Para as empresas, o momento é de ter cuidado com as taxas de juros. “A melhor coisa que as empresas podem fazer é buscar a consolidação de parceiro e aumentar a produtividade”, afirma a economista. Além disso, o governo precisa fazer sua parte.
“A gente precisa de muito investimento em infraestrutura e educação para manter essa trajetória de crescimento. Recuperar a capacidade em investimentos produtivos e melhorar o desempenho na educação. Para chegar ao quinto lugar na economia, como está previsto”, conclui.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Muito imposto, pouco investimento, os males do Brasil sao...

Nos tempos de Macunaíma, os problemas do Brasil eram simples: muita preguiça, pouco trabalho, desorganização, doença, e as saúvas...
Ah, as saúvas. Monteiro Lobato já dizia que ou o Brasil acaba com as saúvas, ou as saúvas acabam com o Brasil.
Hoje já se trabalha um pouco mais: a produtividade não é lá essas coisas, mas a preguiça diminuiu, pelo menos entre brasileiros normais. Não falem disso para os políticos, com sua semana de dois dias, que eles ficam bravos.
E as nossas saúvas atuais parecem todas concentradas no MEC, são as saúvas freireanas, aquelas pedagogas que acreditam nas bobagens do Paulo Freire e vivem para atrasar a educação brasileira.
Pois eu digo, ou o Brasil acaba com as pedagogas freireanas ou elas acabam com o Brasil. Não tem outra.
Olhando-se agora o quadro abaixo, pode-se dizer:
Ou o Brasil controla, contem, reduz o Estado, ou o Estado acaba com o Brasil.
Paulo Roberto de Almeida
PS: Sabem de quanto é o orçamento brasileiro para 2012? R$ 2.258.000.000,00 (isto mesmo: DOIS TRILHÕES E DUZENTOS E CINQUENTA E OITO BILHÕES DE REAIS).
Sabem quanto disso vai para investimentos? Eu também não sei, mas aposto que será uma fração mínima desse valor imenso.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Economia brasileira: o que esperar em 2011? - George Vidor

Um retrato honesto, factual, objetivo.

Desenho de 2011
George Vidor
O Globo, 7/03/2011

O quadro macroeconômico para 2011 no Brasil já está desenhado: juros básicos na faixa de 12% ao ano com o propósito de fazer a inflação recuar para menos de 5,5%, o que também dependerá do ritmo de crescimento do país (em torno de 4,5%). Já existem alguns sinais de redução na velocidade tanto no ritmo da atividade econômica como no da inflação, que ficarão mais evidentes, em breve.

Os números do primeiro trimestre serão acompanhados com lupa pelos analistas financeiros, pois esses indicadores é que darão pistas sobre a provável duração do novo ciclo de aperto monetário. Na quinta-feira, o Banco Central divulga a ata da reunião do Comitê de Política Monetária, descrevendo o cenário que levou as autoridades a se decidirem pelo aumento de 0,5 ponto percentual na Taxa Selic, o que, aliás, já era aguardado pela maioria das instituições financeiras ouvidas pelo próprio BC.

Os juros deverão permanecer elevados ao longo de 2011 e o melhor que se pode esperar é que as taxas parem de subir já na próxima reunião do Copom, marcada para meados de abril.

Entre os sinais de moderação observados pelos analistas estão os da contratação de mão de obra pela indústria da construção civil. No ano passado, as contratações formais, com carteira assinada, deram um salto no setor, com aumento de mais de 20%. Mas muitas das obras em execução, especialmente de novos edifícios e casas, estariam agora numa fase em que a necessidade de contratações se estabiliza (o período crítico teria sido no fim de 2009).

Por efeito estatístico, mesmo que a economia brasileira parasse de crescer daqui por diante, o Produto Interno Bruto de 2011 já evoluiria 1,7% (em 2010, esse efeito foi de 3,7%). Se a economia brasileira vier mesmo a se expandir os desejados 5%, crescerá bem acima da média dos últimos dez anos.

A safra brasileira de algodão em 2011 será a maior da história. Deve atingir o patamar de dois milhões de toneladas, motivada pelos preços internacionais do produto, que, em termos relativos, somente haviam alcançado cotações semelhantes durante a Guerra de Secessão nos Estados Unidos, quando os estados sulistas confederados, na época essencialmente agrícolas, rebelaram-se contra o Norte que se industrializava, deflagrando o conflito fratricida mais sangrento já visto pela humanidade. Mas isso foi na segunda metade do século XIX.

A colheita nem começou e os produtores já se comprometeram com trading internacionais a exportar um milhão de toneladas. Com isso sobrará para o mercado interno — se sobrar... — um milhão de toneladas, exatamente o volume consumido pela indústria nacional.

As empresas do setor têxtil estão apreensivas, pois ficaram espremidas entre o custo da matéria-prima (que, em um ano, aumentou quase 250%) e a concorrência de produtos acabados da China e de outros países asiáticos, que jogam os preços para baixo.

Como não é possível segurar o preço do algodão, ditado pelo mercado internacional, nessa altura dos acontecimentos as indústrias vão negociar com os produtores o fornecimento de matéria-prima (Mato Grosso atualmente responde por 45% da produção nacional).

A indústria têxtil e de confecções cresceu no ano passado 4,5%, menos que a média da economia (7.5%). É uma extensa cadeia produtiva, que envolve também a indústria química, os fabricantes de aviamentos (botões etc.), a rede do varejo, os estilistas, a mídia especializada, e por aí vai.

A Granja Brasil, empreendimento imobiliário lançado há 12 anos em Itaipava, na Região Serrana do Rio, adotou o sistema de fracionamento em novos lançamentos. Para os apartamentos grandes, com área interna de 600 metros quadrados (e preços que podem chegar a R$2,5 milhões) o fracionamento é oferecido como opção para quem sobe a serra eventualmente, pois o proprietário passa a ter direito a ocupar o imóvel por um certo número de fins de semana por ano (com os feriados longos em esquema de rodízio). Tal opção está conjugada ao recém-inaugurado hotel Clarion, dentro do condomínio, cujo foco são altos executivos que vão a Petrópolis durante a semana, a negócios. Os proprietários de apartamentos fracionados terão direito a desconto de 50% na diária do hotel, em fins de semana, e poderão usufruir de serviços de arrumadeira, lavanderia etc.

Nos Estados Unidos e na Europa esse sistema já é comum. No Brasil é relativamente recente, pois havia dificuldade em se lavrar escritura de apartamentos fracionados (no caso de terreno vazio isso já era rotineiro) e os potenciais investidores não se sentiam atraídos por essa opção.

Livro: A Economia Brasileira - Antonio Dias Leite
Com uma versão atualizada e revisada, a Editora Elsevier está lançando a segunda edição do livro do ex-ministro Dias Leite sobre a economia brasileira (com o subtítulo “Onde estamos, para onde vamos”). O prefácio dessa nova edição foi escrito por Arminio Fraga.

Dias Leite, professor emérito do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi presidente da então Companhia Vale do Rio Doce e depois ministro de Minas e Energia nas décadas de 60 e 70. Meu sogro, que foi colega dele na Escola de Engenharia na antiga Universidade do Brasil, no Largo de São Francisco, no Rio, dizia que Dias Leite já se destacava como um dos mais brilhantes alunos da faculdade.

O livro é muito interessante porque alterna análises históricas com alguns conceitos, em linguagem didática e acessível a qualquer tipo de leitor que tenha gosto pela economia, tema geralmente visto como árido demais.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

As tarefas economicas do novo governo - Afonso Celso Pastore

Discordo apenas da parte relativa à valorização do real: não se trata apenas da pequena poupança do Brasil, e sim dos altos níveis de despesas públicas e dos juros, o que atrai inevitavelmente capitais externos. O governo tem de fazer sua parte. Pode aumentar a poupança interna, claro, reduzindo os gastos públicos e abaixando a tributação, mas como isso não vai ocorrer facilmente, tem de se atuar nos juros, que aliás dependem das mesmas ações.
Ou seja, os juros vão continuar altos e a atração de capitais externos idem, até algum desastre pela frente, o que pode demorar mais um ou dois anos...
Paulo Roberto de Almeida

''Há várias perguntas para o novo governo dar resposta''
Leandro Modé
O Estado de S.Paulo, 09 de janeiro de 2011

Para economista, Banco Central já começou a esclarecer algumas dúvidas. Mas ainda restam outras, como a política fiscal e o ritmo de crescimento do País nos próximos anos

SÃO PAULO - O ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore não vê contradição entre a calmaria que o mercado financeiro exibiu durante o processo eleitoral e a leve tensão que tomou conta das mesas de operação dos bancos nas últimas semanas. "Surgem dúvidas após a eleição, o que acho natural", diz. Ele mesmo tem uma série delas. A começar pela condução da política fiscal e da política monetária no governo Dilma Rousseff.

"Eu suponho que o BC terá a mesma independência que teve até aqui. Mas temos de ver todos os sinais da política econômica", observa. As escolhas que forem feitas pelo novo governo vão determinar se os riscos para a economia brasileira - sobretudo o fiscal - crescerão ainda mais nos próximos anos. O que mais incomoda Pastore, hoje, é a evolução do déficit em conta corrente, que, segundo ele, está diretamente relacionado à evolução do gasto público. "Estamos nos expondo a um risco ao qual não deveríamos nos expor." A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado.

Qual o cenário para a economia brasileira em 2011?
O Brasil vai ter um crescimento maior do que a média dos últimos dez anos, mas menor que o do ano passado. Em 2010, expandimos acima de 7,5%. Estávamos saindo de uma recessão e havia capacidade ociosa. O crescimento que temos pela frente é o potencial. Talvez possamos ficar um pouco acima do potencial por algum tempo. Mas minha impressão é de que o número básico é de 4,5%.

Quais os riscos para esse cenário?
Há grande dúvida sobre a economia internacional. Meu quadro é de um crescimento lento nos EUA e na Europa. Mas caindo o risco de duplo mergulho nos EUA por causa dessa última reação de política fiscal do governo Obama. Há um risco de dívida soberana na Europa, mas é pequeno. Considerando tudo, o risco internacional caiu, o que favorece o Brasil. Do lado doméstico, precisamos saber os detalhes da política econômica do novo governo. No meu pressuposto, vão fazer um ajuste fiscal, mas não um ajuste enorme. Para chegar a 2,5%, 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB) de superávit primário, que é o meu número, é preciso muito corte de despesa e aumento de receita. O segundo ponto da política econômica diz respeito ao Banco Central. Suponho que o BC terá a mesma independência que teve até aqui. Escolheram um excelente presidente. Mas temos de ver todos os sinais da política econômica.

Um superávit primário de 3,1% do PIB, que é a meta, está descartado?
Não está descartado, mas é extremamente difícil. Seria necessário fazer cortes de gastos com um custo político muito grande. O governo teria de cortar salários do funcionalismo.

Durante a eleição, o mercado ficou tranquilo. Mas agora há muitas dúvidas sobre a condução da política econômica, inclusive do sr.. Por que a diferença?
Uma coisa é a percepção durante a eleição e outra é o fato concreto. Surgem dúvidas, o que acho natural. O Relatório de Inflação (divulgado no fim de dezembro) e os pronunciamentos do novo presidente do BC começaram a dirimir muitas dúvidas. A afirmação é que, dada a atual trajetória de crescimento da inflação, é necessário uma elevação imediata da taxa básica de juros (Selic). A indicação é de que o ciclo de elevação se iniciará em janeiro e, no total, somará 1,5 ponto porcentual. A sinalização confusa dos últimos meses da gestão Meirelles parece coisa do passado. Mas há dúvidas que permanecem. A primeira é se o governo cumprirá a meta do superávit primário. Como disse, são necessários cortes de gastos de magnitude nunca ocorrida. A outra dúvida é sobre o curso do câmbio, uma vez que a valorização do real tem ajudado a conter a inflação. No longo prazo, também há dúvidas. O governo quer manter o crescimento do PIB em 5,5% ao ano. Em entrevista recente, Nelson Barbosa (número dois do Ministério da Fazenda) afirmou isso enfaticamente. As taxas de investimento necessárias para sustentar um crescimento de 5,5% (em torno de 25% do PIB) nos levariam a déficits não sustentáveis na conta corrente. Cabe ao governo esclarecer como pretende superar tal barreira.

As medidas do BC vão ajudar a conter a tendência de valorização do real?
A nova medida do BC reduz drasticamente a posição vendida dos bancos em dólar. Mas o maior efeito se dará no cupom cambial (juro em dólar dentro do Brasil). É equivalente a uma intervenção no mercado futuro, mas o BC opta por não seguir este caminho, e sim por medidas prudenciais. Dado seu pequeno efeito sobre a taxa no mercado à vista, isso é apenas o topo do iceberg. O governo continua desconfortável com a valorização do real, e provavelmente virão outras medidas.

Por que o real vem se valorizando?
Como no Brasil as poupanças domésticas são baixas, a alta dos investimentos requer a absorção de poupanças externas, o que se faz pelo aumento das importações. Para que essas se elevem, o câmbio tem de se valorizar (barateando as importações). O dilema que enfrentamos é simples: na ausência de poupanças domésticas suficientes, o Brasil terá de conviver com uma moeda forte para elevar os investimentos. Ou descobrimos uma forma de conviver com um real mais forte (elevando a eficiência da economia com reformas) ou temos de elevar a poupança doméstica para permitir um câmbio de equilíbrio mais desvalorizado.

O juro vai ter de subir em 2011, em um ambiente internacional de liquidez ainda farta. Dá para imaginar mais valorização do real?
Se os juros sobem, atrai-se mais dinheiro para o País, o que valoriza o real. O Brasil vai sempre viver com o real mais forte do que viveria se tivesse poupança doméstica maior. O perigo é evitar valorização excessiva. A melhor forma é por meio de intervenções do BC no câmbio.

A balança comercial terá déficit?
A probabilidade de ficar em zero ou negativa é alta. Em 2010, só não foi pior por causa desses enormes ganhos com a relação de troca (produtos que o Brasil exporta se valorizaram mais do que os que importa). Ainda teremos isso em 2011, mas, mesmo assim, nossa projeção é de um déficit de US$ 3 bilhões.

Alguns observadores dizem que os riscos de médio e longo prazos da política econômica vêm crescendo. O sr. tem essa percepção?
Há uma piora de qualidade visível na política fiscal. Este último governo Lula, me desculpe, abriu as comportas e aumentou o gasto como poucos fizeram. Será difícil corrigir isso. Segunda coisa: o uso dos bancos públicos. O governo abriu a porteira e acho que isso também terá um custo que precisaremos arrumar lá na frente. Perdeu-se muito a visão de que é preciso ser prudente nesse tipo de campo. Na medida em que isso aconteceu, aumentou-se o déficit em conta corrente.

Qual o risco disso?
Hoje, muitos acham que não é um problema porque dá para financiar. Dá porque (1) há um fluxo de capitais enorme, que deriva da situação do mercado internacional, que deve permanecer em 2011, mas não durará para sempre e (2) tal condição do mercado internacional produziu esse enorme ganho de relação de troca. Se não houvesse isso, nosso déficit em conta corrente em 2010 não seria de 2,5% do PIB. Seria bem mais alto. Estamos vivendo um momento em que um maná caiu do céu. A crise internacional permite que a economia brasileira tenha um nível de consumo muito maior do que teria caso não existisse a crise. Isso só ocorre porque os EUA estão expandindo liquidez como loucos. Na hora em que saírem dessa crise, veremos menos fluxo de capitais e menos ganhos de relação de troca. Nesse momento, estaremos expostos a um déficit muito grande.

É algo que conhecemos bem...
A história se repete. Precisamos tomar cuidado com a síndrome do "this time is different". Estamos nos expondo a um risco ao qual não deveríamos nos expor.

Poderíamos estar aproveitando esse maná para criar condições estruturais melhores para o País?
Em vez de elevar o consumo na velocidade que estamos aumentando, poderíamos estar poupando mais para financiar um investimento maior e criar condições de crescer com menor dependência externa.

O crédito dobrou nos últimos anos. O sr. vê algum risco de bolha?
Há bolha imobiliária no Brasil? Acho que há certo exagero das construtoras na compra de terrenos bem localizados, que se refletiu no aumento do preço da terra e, por tabela, das casas. Isso é uma anomalia e alguém vai perder lá na frente. Mas como avaliar se é bolha? Antigamente, a demanda por imóveis estava reprimida porque não havia crédito. De uns anos para cá, os bancos passaram a emprestar. Isso deslocou a demanda, que leva a um aumento de preço e de quantidade. Esse aumento de preço não é anômalo. Anômala era a situação anterior, em que não havia crédito.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Esquizofrenia economica mundial

Leio a seguinte chamda de matéria na internet:

Brasil e EUA se unem contra corte de gastos da Europa
Com apoio de Lula, americanos pedirão no G-20 estímulo à economia, diante do aperto fiscal

E me pergunto por que essa notícia seria esquizofrênica, no sentido do título deste post.
É que o Brasil e os EUA estão querendo impedir os europeus, sobretudo os alemães, de começarem agora os ajustes, ou seja, reduzir déficit público, corrigir desequilíbrios fiscais e reduzir a dívida pública.
Por causa desses desequilíbrios, o Brasil vem crescendo cada vez menos, como também crescerão pouco nos próximos anos.
Como, aliás, não deixa de lembrar o economista Ricardo Bergamini:

Conforme informações oficias do governo, o Brasil teve um crescimento medíocre de 3,57% ao ano de 2003/2009 para uma média mundial em torno de 5% ao ano no mesmo período.

Taxa Média/Ano de Crescimento Econômico Real no Período de 1964 a 2009 em Percentuais do PIB
Períodos - Média/Ano
1964/84 - 6,29
1985/89 - 4,39
1990/94 - 1,24
1995/02 - 2,31
2003/09 - 3,57
Fonte: IBGE.

1 – Nos 21 anos dos governos militares, o Brasil teve um crescimento econômico real médio de 6,29% ao ano.

2 – Nos 5 anos do governo Sarney, com moratória internacional e hiperinflação, o Brasil teve um crescimento econômico real médio de 4,39% ao ano.

3 – Nos 5 anos dos governos Collor e Itamar, o Brasil teve um crescimento econômico real médio de 1,24% ao ano.

4 – Nos 8 anos do governo FHC, o Brasil teve um crescimento econômico real médio de 2,31% ao ano.

5 – Nos 7 anos do governo Lula, o Brasil teve um crescimento econômico real médio de 3,57% ao ano.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Aquecimento da economia brasileira? - Antonio Correa de Lacerda

O autor provavelmente tem razão na interpretação dos indicadores. O problema é que como a parte fiscal (Ministério da Fazenda) não faz o seu dever, o BC tem de se encarregar de todo o trabalho de evitar a inflação...
Paulo Roberto de Almeida

Não há superaquecimento da economia
Antonio Corrêa de Lacerda - São Paulo
Terra Magazine
Quinta, 10 de junho de 2010, 08h20

O desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) referente ao primeiro trimestre do ano, com crescimento de 2,7% em relação ao trimestre anterior tem suscitado uma preocupação exagerada e infundada a respeito do risco de um alegado superaquecimento da economia brasileira. Algo que não se sustenta à luz da interpretação dos indicadores. O comportamento das vendas, no comércio varejista ampliado, do próprio IBGE, por exemplo, apontam um crescimento robusto, de 9,6%, no acumulado de doze meses. No entanto, além do efeito estatístico da base de comparação muito baixa dos primeiros meses do ano anterior, há o impacto do estimulo proporcionado pela redução de impostos em setores como móveis e automóveis, por exemplo.

Ambos os efeitos serão amenizados nos próximos meses, na medida em que a base de comparação for maior e também refletir o final da vigência de medidas de incentivo ao consumo. A expansão do crédito, outro fator de impulso das vendas, também mostra sinais de esgotamento, pela própria limitação da capacidade de endividamento dos consumidores. Portanto, o ritmo vai gradualmente refluir.

Já, na indústria, o quadro é bem diferente. Nos doze meses acumulados até março, comparativamente aos doze meses imediatamente anteriores, a produção física da indústria, do IBGE, ainda apresenta uma queda (sic) de 1,2% ! A indústria mergulhou profundo na crise e o vale foi o primeiro trimestre do ano passado. Desde então, vem se recuperando, mas ainda não voltou aos níveis pré-crise.

De forma estratificada, os dados são ainda mais impactantes. A produção de bens de capital, pelo mesmo critério, apresenta uma diminuição de 10% ! Embora haja uma perspectiva de crescimento industrial forte para o ano de 2010, nada indica um quadro de crescimento excessivo.

Não há, por outro lado, um risco de esgotamento da capacidade industrial. O nível de utilização da capacidade industrial, da CNI, vem de fato crescendo mês a mês. Os dados refletem uma pesquisa realizada junto ás indústrias sobre o quanto estão utilizando da sua capacidade instalada. O indicador é proveitoso, mas precisa ser qualificado, por três motivos principais:

i) as empresas têm capacidade de ampliar rapidamente a sua capacidade de produção, sem grandes novos investimentos. Isso se dá mediante adaptações nas linhas de produção, modernização e, o mais importante, adoção turnos adicionais e o trabalho em períodos ociosos, como horário noturno, ou finais de semana;
ii) é muito difícil sistematizar e confrontar a análise da fotografia do uso da capacidade instalada com os novos investimentos em realização e previstos, de forma a indicar qual a nova capacidade de produção que poderá ser atingida no médio prazo;
iii) o coeficiente de importação vem aumentando, o que altera a estrutura da base produtiva, portando gerando mais espaço para crescimento.

Conjunturalmente, há ainda um fator de enorme incerteza que é o desdobramento da crise na Europa e seus impactos para o Brasil. Há, pelo menos três aspectos significativos: i) do lado comercial, com o bloco europeu crescendo menos, isso vai impactar diretamente 22% das nossas exportações para lá direcionadas; ii) a redução dos fluxos de capitais, leia-se investimentos diretos, inversões na bolsa de valores, e financiamentos, que farão diminuir a liquidez no mercado brasileiro; iii) uma queda nos preços, especialmente das commodities.

Há muitas variáveis em jogo, muitas delas imponderáveis. O risco envolvido é o de exagerar no freio de mão, quando as condições da pista já envolvem, seja pelos efeitos estatísticos, seja pela mudança brusca das condições metereológicas, uma redução natural da velocidade média do veículo.

O BCB vai ter que ter muita perícia para tomar decisões sobre taxas de juros e outros, que só farão efeito para o nível de atividades, daqui a cinco, seis meses. Para isso, terá que olhar menos para o retrovisor - os indicadores passados - e mais para o parabrisa, um tanto nebuloso à frente. O que vai lhe exigir muito feeling, intuição. Os dados passados ajudarão pouco e as variáveis estão mudando substancialmente.

Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor do departamento de economia da PUC-SP e autor, entre outros livros, de "Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil" (Saraiva). Foi presidente do Cofecon e da SOBEET.
Fale com Antonio Corrêa de Lacerda: alacerda@terra.com.br

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Comichoes gastadores no governo brasileiro (2): fazendo bondade e deixando a conta para o sucessor

A irresponsabilidade alcança novos patamares em seu constante aperfeiçoamento, em direção à deterioração total das contas públicas...
Prometer manter o mesmo volume de dinheiro numa eventual redução de receitas significa fazer algumas coisas: emitir mais dinheiro, aumentar a dívida pública, viver de empréstimos sobre o futuro. Em qualquer hipótese, a solução só pode ser aumento de impostos, pressão inflacionária, diminuição dos serviços públicos, crise econômica...
PRA>

Lula anuncia pacote de bondade para prefeitos e joga problema para futuro presidente
Simone Iglesias e Fábio Amato
Folha de S.Paulo, 20.05.2010

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou nesta quinta pacote de medidas aos prefeitos, entre elas um mecanismo permanente de compensação para evitar perdas dos municípios nos repasses do FPM (Fundo de Participação dos Municípios).

Com a medida, o governo fica obrigado a transferir aos municípios no mínimo o valor pago de FPM no ano anterior. Isso significa que, caso haja de um ano para o outro queda na arrecadação de impostos que irrigam o fundo, o governo terá que completar o repasse com verba do Tesouro.

A proposta tem que ser aprovada pelo Congresso. Como o governo não enfrenta queda na arrecadação neste ano, na prática os efeitos da medida serão sentidos pelo seu sucessor.

O sistema de compensação é uma forma de estancar as críticas dos prefeitos que reclamam das medidas de desoneração do governo adotadas no ano passado para conter os efeitos da crise econômica internacional, como a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

O FPM é composto de uma parcela do IPI e de uma parcela do Imposto de Renda. As medidas do governo para enfrentar a crise, como a redução do IPI para vários setores, diminuíram a arrecadação desses impostos e, consequentemente, o repasse de verba aos municípios.

O valor a que cada cidade tem direito no bolo é calculado de acordo com o tamanho de sua população. Os municípios pequenos são os mais dependentes do repasse.

Para compensar as perdas ocasionadas aos municípios por conta da queda da arrecadação, o governo liberou uma ajuda extra de R$ 2,3 bilhões que igualou o FPM liberado em 2008.

O anúncio foi feito por Lula durante cerimônia de encerramento das 13ª edição da Marcha dos Prefeitos, em Brasília. O presidente da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), Paulo Ziulkosky, reconheceu a importância da medida do governo, mas disse que ela não resolve a falta de verbas enfrentada pelos prefeitos neste ano.

“[A medida do governo] é um projeto para o futuro e não atende ao momento. É uma manifestação de vontade que vai ficar para o futuro. Os prefeitos atuais queriam uma decisão agora”, disse. O governo informou que o mecanismo passa a valer assim que aprovado pelo Congresso.

Ziulkosky reclamou ainda que o projeto prevê apenas a complementação da verba do FPM, mas o que os prefeitos realmente querem é “coisa a mais.”

A compensação contra perdas do fundo é anunciada por Lula em seu último ano de seu mandato, apesar de ser uma demanda antiga dos prefeitos.

O governo anunciou ainda na cerimônia que vai tocar algumas das obras do PAC-2 (Programa de Aceleração do Crescimento) sem a contrapartida dos municípios, em especial os mais pobres, sem dar mais detalhes sobre o assunto. O presidente também assinou um decreto instituindo um plano de combate ao crack, que prevê o investimento de R$ 410 milhões neste ano em ações de prevenção, tratamento e reinserção social.

Sobre a regulamentação da emenda 29, que trata do rateio entre governo federal, Estados e Municípios do custeio da Saúde e que contou com forte cobrança dos prefeitos, Lula disse que a responsabilidade pela não aprovação do projeto é do Congresso.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

A insustentavel trajetoria fiscal do governo...

...e as chances (mínimas) de crescimento sustentado no Brasil.
O Brasil de fato não consegue crescer com suas próprias pernas. As taxas recentes mais otimistas (antes da crise) foram devidas mais à demanda externa do que ao investimento doméstico. Em um ambiente de estímulo artificial ao consumo, como vem fazendo o governo, o resultado costuma ser mais inflação, inadimplência dos consumidores, estrangulamento das contas públicas e déficits externos. Ou tudo isso junto.
Cabe remediar, quanto antes melhor.
Não existem soluções fáceis em economia, ou remédios sem custo...
Paulo Roberto de Almeida

Nada trivial
SERGIO FAUSTO
O Estado de S.Paulo, 16/05/2010

Peço desculpas pelo economês, mas ele é indispensável para chegar aonde quero com este artigo: o próximo governo não poderá ser um governo de simples continuidade, pois ela não nos levará muito longe, certamente não a tão longe quanto podemos chegar. E aqui falo de continuidade em relação aos governos de Lula e Fernando Henrique Cardoso, ambos. Temos, portanto, difíceis escolhas políticas a fazer depois de 2010.

Nos últimos dez anos consolidou-se um padrão de política macroeconômica com três pernas na área fiscal e duas na área monetário-cambial. As três pernas fiscais são: meta de superávit primário (receitas menos despesas, excluindo juros) alta o suficiente para impedir o descontrole da dívida pública (o governo federal controla a sua meta diretamente e a dos demais membros da Federação, indiretamente); gastos correntes crescendo mais que o PIB; e carga tributária elevada para cobrir o crescimento dos gastos correntes e, ao mesmo tempo, assegurar o cumprimento das metas de superávit primário e o controle da dinâmica da dívida pública. Na área monetária, as duas pernas são os regimes de metas de inflação e câmbio flutuante, pernas que seriam frouxas sem a companhia das pernas fiscais.

Filha do governo FHC, essa política recebeu duas contribuições do governo Lula. Uma, positiva, consistiu em aproveitar os instrumentos disponíveis e o ótimo ambiente externo de 2003 a 2007 para colocar a dívida pública, a inflação e os juros em trajetória declinante. A outra, negativa, consistiu em pisar no acelerador do gasto corrente, dirigindo para esse tipo de despesa 85% do ganho fiscal gerado pelo crescimento da arrecadação e pela diminuição da despesa com pagamento de juros. Além disso, Lula contratou despesas adicionais com pessoal cujo impacto pleno ainda virá.

Até aqui a continuidade dessa política macroeconômica rendeu bons frutos ao País: consolidação da estabilidade econômica com crescimento razoável e maior capacidade de atender às demandas sociais de uma sociedade com muita pobreza e enorme desigualdade. Os pobres, 30% da população no início dos anos 90, passaram a representar menos de 20% nos anos recentes.

Ninguém sensato deseja mudanças nos regimes monetário e cambial. Mas é preciso reconhecer que na área fiscal estamos com os pés trocados e corremos o risco de tropeçar mais à frente.

Os gastos correntes do governo federal têm crescido sistematicamente acima do PIB. Passaram de 14% em 1991 para 22% do PIB em 2009. No mesmo período, a carga tributária deu um salto de aproximadamente 25% para 36% do PIB, um aumento de 11 pontos de porcentagem em menos de 20 anos, fenômeno quase sem paralelo no mundo. Hoje o Brasil tem um nível de carga tributária anômalo para países de renda média, como ainda somos. Cresceu a fatia da União no bolo da arrecadação e aumentou o peso dos tributos em cascata, ruins para a economia e injustos socialmente. Já os investimentos do governo federal não superaram os 2% do PIB no mesmo período. Estados e municípios aumentaram seus investimentos nesses anos, mas não compensaram a queda drástica do investimento público federal em relação ao observado em períodos anteriores.

A atrofia do investimento e a expansão do gasto corrente do setor público se refletem no conjunto da economia. Nota recente da MB Associados mostra que o investimento agregado respondeu por apenas 13% do crescimento na presente década (2000-2010). Já o consumo do governo foi responsável por 20% do crescimento observado, cabendo 70% ao consumo das famílias, estimulado pelo aumento das transferências governamentais (benefícios previdenciários e assistenciais, grandes itens do gasto corrente) e pelo empurrão oficial ao crédito ao consumidor (crédito consignado, "proatividade" dos bancos públicos) no governo Lula. Não é preciso ser economista para saber que essas tendências não são sustentáveis: estamos consumindo demais, poupando e investindo de menos. Cedo ou tarde, isso termina em mais inflação e/ou em crise das contas externas.

Não será fácil mudar a trajetória dessas variáveis. O padrão a que me referi de início tem implícito um acordo social e político. Será necessário fazer escolhas e contrariar interesses. Embora as mudanças possam ser feitas gradualmente, elas têm de começar desde o início do próximo governo. A principal delas consiste em limitar o crescimento do gasto corrente. Ao contrário do que fez o governo Lula, trata-se de pisar no breque, e não no acelerador, fazendo o gasto corrente crescer abaixo, e não acima do PIB e, nele, privilegiando o que há de mais importante: educação e saúde. Só assim será possível aumentar o investimento público e/ou reduzir a carga tributária, sem pôr em risco a "responsabilidade fiscal". Uma saída politicamente atraente é dizer: "Bastam cortes na máquina do governo." Atraente, mas insuficiente: os benefícios previdenciários respondem por quase metade do aumento do gasto corrente do governo federal desde 1991. Tal constatação nos força a repensar a política de aumentos reais do salário mínimo, que remonta a 1995, e recoloca sobre a mesa a reforma da Previdência, à luz do aumento da proporção de idosos nos anos vindouros. O Brasil já gasta com a Previdência mais que o dobro do que gasta com educação, um absurdo.

O ambiente político não é favorável a reformas e ajustes no nível e na composição do gasto público. Desde a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, lá se vão dez anos, não houve uma só medida aprovada no Congresso, com exceção parcial da reforma da Previdência do setor público, em 2003, que visasse a limitar o crescimento do gasto público corrente. A tentativa do ex-ministro Palocci de limitá-lo legalmente foi bombardeada ainda no Executivo, sob o fogo cerrado da ministra Dilma, então chefe da Casa Civil.

Nada trivial é a missão política que o próximo presidente da República, homem ou mulher, tem pela frente.

DIRETOR EXECUTIVO DO IFHC, É MEMBRO DO GACINT DA USP