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sábado, 7 de dezembro de 2013

Intervencionismo no Brasil do seculo XIX - Ricardo Velez-Rodriguez

Excelente resumo feito pelo Professor Vélez-Rodriguez de um colóquio organizado pelo Liberty Fund (para o qual eu tinha sido originalmente convidado pelo seu diretor no Brasil, Roberto Fendt), tal como postado no seu blog Rocinante.
Paulo Roberto de Almeida 
Blog Rocinante, 7/12/2013

Introdução.
Realizou-se em Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul, no Hotel Spa do Vinho, entre 28 de novembro e 1º de dezembro de 2013, o colóquio intitulado: “Interventionism in Nineteen-Century Brazil” . O evento foi promovido pelo Liberty Fund sob a direção de Roberto Fendt Jr., (Centro Brasileiro de Relações Internacionais-CEBRI) e tendo como “Discussion Leader” o professor José Luiz Carvalho (Instituto Liberal do Rio de Janeiro e ex-assessor do Banco Nacional de Angola). Participaram, também, os seguintes especialistas: Leonidas Zelmanovitz (Liberty Fund Fellow, Indianápolis - USA), Jorge Luís Nicolas Audy (Universidade Católica do Rio Grande do Sul) Gunter Axt (Universidade Lasalle, Porto Alegre), Adriano Gianturco (IBMEC, Belo Horizonte), embaixador José Botafogo Gonçalves (Centro Brasileiro de Relações Internacionais, CEBRI), Rodrigo Saraiva Marinho (Marinho e Associados, Advocacia Empresarial, Fortaleza), José M. Moreira (Universidade Católica Portuguesa, Porto), Antônio Carlos Pereira (jornal O Estado de S. Paulo), Alfredo Marcolin Peringer (Porto Alegre), Jairo Laser Procianoy (Porto Alegre), Ricardo Vélez Rodríguez (Centro de Pesquisas Estratégicas da UFJF), Sandra Axelrud Saffer (Axelrud Arquitetura & Assessoria, Porto Alegre), Margaret Tse (Instituto Liberdade, Porto Alegre) e Mauro Boianovsky (Universidade de Brasília). Atuou como assistente do Liberty Fund no evento Daniela Becker (Porto Alegre).
Nas seis sessões que se desenvolveram ao longo do colóquio foram discutidos textos selecionados dos seguintes autores: Visconde de Mauá, Exposição aos credores e ao público, 1878 (Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1996); Jorge Caldeira, Mauá: empresário do Império (Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1995); Maria Helena Paulos Leal, “Resenha da obra Mauá: empresário do Império” (Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 17, nº 33, pgs. 306-312, 1997), Ricardo Vélez Rodríguez, Patrimonialismo e a realidade latino-americana (Rio de Janeiro: Documenta Histórica, 2006); Walter Bagehot,  A Description of the Money Market(New York: John Wiley & Sons, 1999); Gustavo Franco, O papel e a baixa do cambio(Rio de Janeiro: Reler, 2005); Ronald I. McKinnon, Money & Capital in Economic Development (Washington: The Brookings Institute, 1973); José Júlio Sena, A mão invisível: problemas e controvérsias da política econômica brasileira(Rio de Janeiro: IBMEC, 1983), Gustavo Franco, “Por que juros tão altos e o caminho para a normalidade” (Rio de Janeiro: CLP – Centro de Liderança Pública e Casa do Saber, Junho de 2011); Luiz Gonzaga Belluzzo e Ricardo Carneiro, “O mito da conversibilidade” (Revista de Economia Política, vol. 24, nº 2, abril-junho 2004); Ricardo Carneiro, “Globalização e inconversibilidade monetária” (Campinas: IE/UNICAMP, Agosto de 2007); Fernando Ferrari Filho, Frederico G. Jayme Jr, Gilberto Tadeu Lima, José Luís Oreiro, Luiz Fernando de Paula, “Uma avaliação crítica da proposta de conversibilidade plena do real” (Revista de Economia Política, 25, nº 1, janeiro-março 2005, p. 133-151) e José Tavares de Araújo Jr. “Conversibilidade do real e inserção internacional da economia brasileira” (Fundação Alexandre de Gusmão e IPRI, Rio de Janeiro, Julho 23 de 2009, p. 1-18).
O intervencionismo estatal é velho na história brasileira. Acompanhou, desde os primórdios, a saga da nossa sociedade na busca pela sua identidade e na elaboração das instituições que lhe permitiriam se firmar como Nação organizada no mundo moderno. Decorre esse caráter exagerado da intervenção estatal da índole patrimonialista que teve, desde o começo, o Estado. Não vimos a luz do dia como sociedade que se organizava de baixo para cima, à maneira daquelas comunidades de imigrantes que, na visão de Alexis de Tocqueville (1805-1859), pareciam “saídas das mãos de Deus” nos Estados Unidos da América e que constituíram, em perfeita sintonia com a defesa dos interesses dos cidadãos, as instituições políticas desse grande país.[1]
A nossa história, pautada pela experiência ibérica, foi bem diferente. Ao invés de ser organizado o Estado como fruto de um contrato social emergente de uma sociedade com grupos bem diferenciados em classes sociais que lutavam pela posse do poder, o que se viu foi, como frisa Max Weber, em Economia e Sociedade,[2]o fortalecimento progressivo de uma autoridade patriarcal original, que alargou a sua dominação doméstica sobre territórios, pessoas e coisas extrapatrimoniais, passando a administra-lo tudo como propriedade familiar. É esse o nosso “pecado original”, a presidir de forma insidiosa a nossa caminhada ao longo dos séculos. Como Sísifos estivemos condenados, desde o início, a empurrarmos sine fine uma estrutura mais forte do que a sociedade, que não servia a esta, mas que se serviu sempre a si própria. Isso explica, na atual quadra das nossas desgraças, a dívida pública incontrolável, amassada por dedicados funcionários patrimonialistas para fazer crescer ainda mais o Leviatã orçamentívoro. Tudo foi devorado pela avalanche do gasto público descontrolado: qualidade de vida, expectativas, projetos e esperanças. Os juros, na história econômica do Brasil, são incomensuráveis, porque incomensurável é o apetite do Leviatã.
O mal não é apenas nosso. É comum aos povos latino-americanos. Deixei isso registrado em obra que dediquei a estudar a representação do Patrimonialismo na literatura[3]. Analisei detalhadamente o caso mexicano, do ângulo da crítica dos pensadores liberais desse país acerca do Patrimonialismo, tema que serviu de matéria para o colóquio sobre “Liberdade e Liberalismo no México” que o Liberty Fund realizou em Tepoztlán, Morelos, em outubro de 2012; a respeito escrevi ensaio publicado pelo Portal Defesa da Universidade Federal de Juiz de Fora com o título de: “Liberdade, liberalismo e revolução no pensamento mexicano” [4].   
Sem pretender abarcar todos os itens abordados no Colóquio de Bento Gonçalves, farei uma análise dos aspectos que achei mais marcantes nas leituras feitas para o evento. Desenvolverei três pontos: 1 – Desgraças de um empresário brasileiro, o barão de Mauá, num Império patrimonialista. 2 – O conceito de Patrimonialismo. 3 – Patrimonialismo e economia no século XIX e na atual quadra do populismo desenvolvimentista.

1 – Desgraças de um empresário brasileiro, o barão de Mauá, num Império patrimonialista.
As leituras sugeridas pelo Liberty Fund para o colóquio de Bento Gonçalves tinham como objetivo ilustrar o funcionamento do Estado patrimonial brasileiro no século XIX, do ângulo do intervencionismo em matéria econômica. As desgraças sofridas pelo barão de Mauá, Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889) decorreram justamente do fato, apontado por Max Weber (1846-1920), de que o soberano patrimonial não aceita sentimentos de honra da parte da sociedade, que ameacem empanar ou por em risco a sua autoridade inquestionável. Embora o Império brasileiro parecesse, para espíritos liberais como François Guizot (1787-1874), como muito civilizado, isso não tirava, contudo, o caráter centralizador e cooptativo do regime. O Poder Moderador certamente definia os rumos da política. Lembremos que parte essencial do arcabouço constitucionalista do Império consistia na teoria da dupla representação elaborada por Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846). Cabia ao Parlamento representar os interesses mutáveis da Nação, aqueles que correspondiam à defesa dos interesses materiais dos cidadãos. Mas cabia ao Imperador representar os interesses permanentes da Nação (entre os quais se situava a soberania do território, bem como a manutenção da instituição do governo representativo no Império). Assim, o poder régio era algo muito grande. Não se revestiu no Brasil de ares caudilhistas, em decorrência da índole humanística de Dom Pedro II (1825-1891). Esse mesmo poder nas mãos de um general platino como Juan Manuel Rosas (1793-1877), certamente ensejaria um regime de opressão. O Imperador contava, para garantir o sucesso dos pleitos eleitorais, com o auxílio da Guarda Nacional, a maior organização preburocrática de homens livres do Hemisfério Ocidental, segundo o pesquisador Fernando Uricoechea. [5]
A triste aventura de Mauá faz-me lembrar conhecido romance de Julio Verne (1828-1905): As tribulações de um chinês na China.[6]Mauá pagou o preço não por ter procurado a ajuda do Império para os seus empreendimentos, mas pelo fato de ter dado provas de que conhecia o jogo da máquina econômica, sendo que, para os “amigos do rei”, esse conhecimento poria em risco a supremacia dos “homens de mil” do Império, aqueles devotados burocratas fiéis ao Imperador e inimigos de qualquer coisa que significasse mudança nas regras do jogo consolidadas verticalmente sem ouvir a sociedade. Ora, em matéria de jogo econômico era mais seguro se ater à visão conservadora que desaconselhava a inovação financeira e a industrialização, que fariam balançar uma economia ainda atrelada ao escravagismo.  Embora Mauá tivesse no establishment liberal alguns amigos, prevalecia a visão retardatária do Ministro da Fazenda, José Maurício Wanderley, barão de Cotegipe (1815-1889).
As dificuldades encontradas não desanimavam Mauá, que pretendia atingir um conhecimento aprofundado das potencialidades econômicas do Brasil. A dinâmica da população ocupando o vasto território era, para o empresário, uma variável a ser levada em consideração, como transparece neste texto: “Com efeito, um país novo, porém de uma extensão territorial que se reconhece ser igual à da Europa, país que ao separar-se da Mãe Pátria, contendo uma população que não excedia 3 milhões de pessoas, diz logo ao ouro e à prata: Desconheço vosso poder; para mim nada representais; posso viver tranquilamente sem vossa intervenção, e no fim quadruplica sua população e tendo convertido em riqueza uma parte insignificante dos seus recursos naturais, elevou todavia sua posição financeira ao mais alto grau de crédito, e conserva a sua independência monetária, sem a quebra de suas relações econômicas, dispensando aqueles régulos das transações do resto do mundo. Não será esse um fenômeno digno de ser estudado?”[7].

2 – O conceito de patrimonialismo.
As páginas sugeridas pelo Liberty Fund como ponto de partida para as discussões em torno ao conceito de patrimonialismo foram tiradas da minha obra intitulada: Patrimonialismo e a realidade latino-americana.[8]Nesse texto destaco três coisas: em primeiro lugar, o que Weber entende por patrimonialismo; em segundo lugar, de que forma o conceito de patrimonialismo foi aproximado por Karl Wittfogel (1896-1988) da categoria de despotismo hidráulico ou despotismo oriental; em terceiro lugar, como esses conceitos passaram a integrar as tipologias sociológicas de alguns autores brasileiros que as aplicaram à nossa realidade.
A – O que Weber entende por Patrimonialismo. O sociólogo alemão considerava que há três tipos ideais de legitimação da autoridade política: o tradicional, o racional e o carismático. No primeiro, a autoridade se legitima mediante a crença da comunidade em determinadas tradições. No segundo, a legitimação da autoridade decorre de uma decisão da comunidade tomada nas urnas. No terceiro, a legitimação fica por conta do valor especial que uma pessoa tem para a comunidade, expresso no seu carisma.
Os Estados modernos, para o sociólogo alemão, surgiram no contexto de processos de legitimação efetivados a partir de determinadas tradições. Duas modalidades consagraram-se historicamente: a feudal e a patrimonial ou patrimonialista. Na primeira, os Estados surgiram a partir de um processo de diferenciação da sociedade em classes sociais que passaram a lutar pela posse do poder. Dessa luta teria emergido um consenso, dando ensejo ao pacto social, origem do Estado.[9]É a modalidade que Max Weber chama decontratualistae que vingou na Europa Ocidental, justamente ali onde houve, na Idade Média, a prática do feudalismo de vassalagem.
Já a modalidade que Weber caracteriza como patrimonialismo decorre de outra tradição em que o poder não se dissemina pela sociedade, mas fica concentrado numa única mão, como se fosse propriedade familiar de quem o exerce. Tal modelo vingou fora da Europa Ocidental e das Ilhas Britânicas, no Oriente notadamente, tendo dado ensejo a modelos hipertrofiados de poder que passaram a ser denominados, genericamente, de “despotismo oriental”, “despotismo hidráulico” ou “asiático”, embora se encontrasse também na Península Ibérica, na  América pré-colombiana entre incas, maias e astecas. Pode-se caracterizar tal modelo como “aquela forma de dominação tradicional em que o soberano organiza o poder político de forma análoga ao seu poder doméstico. Ao lado da organização do poder político, segundo o modelo doméstico, é igualmente essencial ao patrimonialismo a estruturação do quadro administrativo, por intermédio do qual se exerce a dominação. Quando esse quadro recebe do soberano, ou conserva, com o consentimento dele, determinados poderes de mando e as suas correspondentes vantagens econômicas, temos o que Weber chama de dominação estamental[10].
Weber encontrava no Antigo Egito, no Império chinês e na Rússia czarista três casos típicos de dominação patrimonial. “O Antigo Egito foi o primeiro regime burocrático-patrimonial. Desenvolveu-se originariamente a base da clientela real. A necessidade de uma política unitária, em decorrência das condições físicas, levou a um aprimoramento burocrático mediante a ascensão da casta dos escribas e a institucionalização do trabalho compulsório da população livre nas obras públicas” [11].
Além dos trabalhos hidráulicos, feitos na China mediante esse sistema de serviço compulsório dos habitantes livres, Weber salienta a presença de um fator que reforçou o Estado patrimonial: a religião oficial. “Esse papel foi desempenhado pelo confucionismo, que dava base à virtude cardeal da piedade filial, não só no meio doméstico, mas também no âmbito das relações de subordinação dos funcionários em relação ao soberano, dos funcionários inferiores em relação aos superiores e, principalmente, dos súditos perante o estamento burocrático e o monarca” [12]. Já em relação ao outro tipo de dominação patrimonial, o Estado russo, Weber destaca a supremacia do czar mediante a atomização da nobreza, graças ao sistema de sinecuras criadas pelo soberano ao redor dos cargos tschin, que estavam à frente do estamento burocrático e do exército.
O patrimonialismo é definitivamente centrípeto, ao contrário do que acontece com o feudalismo; no primeiro se dá a tendência a pôr em prática medidas tendentes à concentração e à perpetuação do poder unipessoal do monarca. Isso conduz à valorização, no contexto patrimonialista, das funções administrativas apropriadas ou controladas pelo soberano, como instrumentos que garantem seu poder. Por isso, sob este viés, o patrimonialismo colide com o feudalismo, que promove a redução das funções burocráticas. “A fim de controlar qualquer surto de dignidade (de autoridade baseada nos sentimentos de independência e honra das camadas nobres), a dominação patrimonial manipula as massas desprotegidas mediante o paternalismo de Estado, ensejando assim o ideal do pai do povo,tão comum em contextos patrimoniais, como o russo. Essa ideia associou-se à permanência do patrimonialismo na época moderna, pelo menos no Ocidente”. [13]
B – Aproximação, por Wittfogel, da categoria de patrimonialismo do conceito de despotismo hidráulico. Este teórico foi um dos fundadores da Escola de Frankfurt e pertenceu aos altos quadros intelectuais do Partido Comunista, tendo sido secretário de Leon Trotsky (1879-1940), antes de ser preso por Joseph Stalin (1879-1953) e logo pelos nazistas, tendo-se refugiado, depois da II Guerra Mundial, nos Estados Unidos, onde lecionou História da China na Universidade de Seattle (Estado de Washington). Wittfogel, na sua obra mais importante intitulada: O Despotismo Oriental[14]considerava que a Revolução Russa terminou sendo deformada, em decorrência da presença, na tradição cultural desse país, da influência do despotismo oriental, de que era portador Gengis Khan (1162-1227) e os remanescentes do canato da Horda Dourada (1240-1502) que ocuparam o Principado de Moscou.
Para Wittfogel, a modalidade mais antiga do “despotismo hidráulico” deu-se ali onde havia grandes quantidades de água de curso irregular e escassez de chuvas, o que obrigou as comunidades a organizarem uma modalidade de governo agro diretorial que garantisse a irrigação. Tal modelo vingou no Antigo Egito e na Mesopotâmia, bem como na China pós-mongol, nos Califados árabes e nos impérios indígenas pré-colombianos: inca, olmeca, maia e asteca. O autor considera que nessas áreas deu-se o surgimento de uma economia rigorosamente hidráulica. Mas as práticas administrativas centralizadoras e despóticas ensejadas por esses impérios estenderam-se para outras áreas marginais, onde não havia propriamente uma economia hidráulica, tendo contaminado a gestão política com procedimentos despóticos e centralizadores. Foi isso o que ocorreu, por exemplo, no Império Romano após a conquista do Egito por César (100 a. C.- 44 a. C) e Otávio Augusto (63 a. C. – 14 d. C), bem como o que aconteceu na Rússia e na Península Ibérica, ao ensejo da presença mongol, na primeira, e da ocupação árabe de Espanha e Portugal pelos capitães Tárique (670-720) e Mussa bin Nusayr (640-716), súditos do sultanato de Damasco presidido por Al-Walid I (668-715). Tal ocupação, como se sabe, durou oito longos séculos, entre 710 e 1490.
Wittfogel retoma os conceitos weberianos a respeito do patrimonialismo, mas aprofunda nos aspectos diretoriais e despóticos que se tornaram característicos do “despotismo hidráulico”. Levando em consideração que estes regimes buscavam eficiência notadamente no que diz relação ao controle da água, Wittfogel ilustra a capacidade administrativa deles na China, por exemplo, ou dos que foram organizados no Antigo Egito, na Mesopotâmia ou na América pré-colombiana. Em todos eles aparece uma administração centralizada, dotada de uma logística impressionante capaz de mobilizar, alimentar e manter organizadas turmas de 100000 trabalhadores ou mais, mediante a modalidade de trabalho de graça dos homens livres para o Estado ou corveia, com a ajuda de arquivos detalhados acerca das riquezas e dos povos submetidos. O controle militar acompanhava esse esforço administrativo. O resultado dessa empreitada foram obras de grande volume, tanto no que respeita à engenharia hidráulica (como o canal que uniu, na China, as cidades de Beijing e Hangzhou, com 1794 quilômetros de extensão, tendo sido construído entre 604 e 1283), como no que diz relação à construção de grandes estruturas defensivas (a Grande Muralha chinesa, por exemplo, construída entre 220 a. C. e 1600 da nossa era e que se estende por mais de 4000 quilômetros, separando a China da Mongólia). Também são destacadas por Wittfogel, como pertencentes a estas grandes obras, as enormes estruturas rituais ou funerárias, como as pirâmides do Antigo Egito ou as dos Maias e Olmecas, no México pré-colombiano.
Um traço administrativo importante dos regimes hidráulicos é destacado por Wittfogel: a sua capacidade tributária e de cooptação da população livre para trabalhar nas grandes obras do Estado. Os esforços policiais e fiscais não mantém um parâmetro constante, mas estão ligados ao efetivo controle do poder central sobre todos os núcleos secundários de poder no território. A respeito deste ponto, escreve Wittfogel: “Os esforços que faz o regime hidráulico para conservar um controle militar e policial inconteste sobre a população revelam-se mais ou menos rentáveis, até que todos os centros de poder independentes sejam destruídos. As iniciativas levadas a termo para conseguir um conjunto de comunicações e de recenseamentos rápidos seguem um processo análogo, e a extensão da ação fiscal e judiciária aparece como razoável, enquanto satisfaça a vontade de hegemonia política e social do soberano” [15].
A resultante de todo esse processo estudado por Wittfogel é a organização de um Estado mais forte do que a sociedade, que é capaz de grandes obras e que, por outro lado, mantém sobre a população o poder total, sem pejo para utilização da violência no grau que for necessário. A respeito deste ponto escreve Wittfogel: “Os déspotas agro institucionais podem apresentar seu regime como providencial; mas, de fato, e mesmo nas circunstâncias mais favoráveis, eles trabalham pelo seu próprio optimumde racionalidade e não por aquele do povo. Empreendem trabalhos hidráulicos que devem servir ao seu poder e à sua riqueza. Eles tomam sua parte como donos fiscais do excedente nacional e consumidores conspícuos. (...) Uma das variantes do poder total, o despotismo hidráulico, não tolera nenhuma força política que não seja a sua. Nesse sentido, ele vinga no plano institucional freando o desenvolvimento de tais forças; e vinga no plano psicológico desencorajando a aspiração do homem a uma ação política independente. Em última análise, o governo hidráulico é um governo pela intimidação” [16]. Os tanques passando por cima dos estudantes na Praça Tiannamen estão a mostrar que, em pleno final do século XX (1989), permaneciam vivas essas forças despóticas do poder total na China contemporânea, em que pese a abertura ao capitalismo ocidental.
C - Como os conceitos de patrimonialismo e de despotismo hidráulico passaram a integrar as tipologias sociológicas de alguns autores brasileiros que as aplicaram à nossa realidade. A sociologia brasileira, no ciclo de trinta anos que se estende de 1858 a 1988, apropriou-se das tipologias do patrimonialismo e do despotismo oriental e as projetou sobre a análise da realidade do país, constituindo, assim, uma alternativa para os conceitos da sociologia marxista que tinham se apropriado do ambiente acadêmico. Menciono, em primeiro lugar, a obra pioneira de Raimundo Faoro (1925-2003), que introduziu no nosso meio as categorias weberianas com a sua obra intitulada: Os donos do poder [17].
A seguir, refiro-me às obras de Antônio Paim (1927-) [18]e Simon Schwartzman (1939-) [19], que alargaram a análise iniciada por Faoro com o conceito-tipo de neopatrimonialismo ou patrimonialismo modernizador. A partir das reformas pombalinas houve, na cultura política brasileira, um surto de modernidade caracterizado pela adoção da ciência moderna como base para a gestão do Estado e dos negócios públicos, sem que isso implicasse numa democratização da sociedade. O pombalismo efetivou uma modalidade de “despotismo esclarecido”, tão comum no ambiente ibérico e ibero-americano dos séculos XVIII e XIX. O Brasil viu ser modernizada, sem democratização, a sua estrutura colonial, na segunda metade do século XVIII. É claro que esse processo começou em terras brasileiras na primeira metade desse século, quando foi criado, em 1734, “Distrito Diamantino”, em Minas Gerais, que permitiria uma racionalização da exploração das minas de ouro e diamante recém-descobertas. Não se entenderia a história brasileira ulterior sem levar em consideração esse surto de modernidade, como ficou patente na obra intitulada: Pombal na cultura brasileira, coordenada por Antônio Paim e na qual participou a primeira geração de pós-graduandos em “Pensamento Brasileiro” na PUC do Rio de Janeiro. [20]
O que fica patente da leitura das obras de outros autores brasileiros que aprofundaram nos conceitos de patrimonialismo e neopatrimonialismo é que se consolidou, nas nossas terras, um modelo de Estado mais forte do que a sociedade, que assumiu ares de empresário, de um lado, mas que, de outro, vestiu a camisa de “pai dos pobres” ou de “pai do povo”, sem abrir mão, evidentemente, da utilização do porrete quando necessário, a fim de evitar avanços não controlados do processo de modernização. Algo muito semelhante ao que foi caracterizado pelo Prêmio Nobel de Literatura, Octavio Paz (1914-1998), no México, como “Ogro filantrópico” [21]. A sociedade passou a receber, de cima para baixo, as benesses do desenvolvimento econômico, sem que fosse chamada a participar de forma a assumir o controle do Estado. A cultura e a organização do emprego passaram a orbitar ao redor dessa visão tutorial, que se prolongou nos ciclos modernizadores ao longo do século XX. Tais são as conclusões que podem ser tiradas da leitura das obras de autores que se debruçaram sobre o patrimonialismo brasileiro no período apontado, como Meira Penna (1917-) [22], Wanderley-Guilherme dos Santos (1935-) [23], Ricardo Vélez Rodríguez (1943-) [24], etc.

3 – Patrimonialismo e economia no século XIX e na atual quadra do populismo desenvolvimentista.
As leituras sugeridas pelos organizadores do Colóquio debruçaram-se, na última fase, sobre algumas variáveis econômicas, confrontando-as com o momento vivido por Mauá, no século XIX, de um lado e, de outro, com a atual conjuntura de populismo desenvolvimentista que atravessa o Brasil.
A leitura do texto de Walter Bagehot (1826-1877) intitulado: Lombard Street(publicado em 1873) traz, para os não especialistas em história econômica, como é meu caso, uma ideia importante: uma economia nacional amadurecida, fundada na livre iniciativa e no respeito à propriedade privada, com regras claras e sedimentada no jogo do comércio internacional, dá ensejo a instituições monetárias fortes. A moeda forte, no mundo moderno, não é efeito de atos voluntaristas de pessoas ou de governos, mas é a decorrência de uma economia com fundamentos sólidos. As moedas fracas revelam economias com pouco fundamento. Bagehot, ao tratar da moeda, retoma a tradição econômica liberal inglesa, que já desde a época de John Locke (1632-1704) tinha consolidado os aspectos essenciais. [25]
Os autores lidos para o Colóquio, no que tange às sessões quarta (“Comparing the Efficiency of Different Structures of Finantial Markets”), quinta (The Aftermath: Current Public Debt Policy”) e sexta (“The Aftermath: Current Foreign Exchange Regime”) deixam isso bem claro, em que pese a diversidade de posições assumidas no tocante à teoria econômica.
No caso da realidade brasileira das últimas décadas, um fator crescente de instabilidade reside na intervenção excessiva do governo na economia. As distorções causadas por essa prática, no que tange à fixação das taxas de juros, foram destacadas no texto escolhido de José Julio Sena, A mão invisível: problemas e controvérsias da política econômica brasileira.[26]Em obra posterior intitulada: Os parceiros do rei[27]este autor mostrou que, no contexto do Estado patrimonial brasileiro, as intervenções dos governos para estimular “campeões nacionais” entre o empresariado, mais do que robustecer a concorrência sadia e o desenvolvimento sustentado da economia, terminam gerando gargalhos burocráticos e fortalecendo o papel do Estado-empresário.
Essa tradição do Estado empresário, como sabemos, é antiga na cultura luso-brasileira, se remontando à denominada “Aritmética Política” do marquês de Pombal (1699-1782). Os seguintes princípios formavam parte da mencionada “Aritmética”: em primeiro lugar, compete ao Estado empresário garantir a riqueza da nação; em segundo lugar, o Estado deve garantir, também, a moral dos indivíduos e a ordem social e política; em terceiro lugar, o Estado, de posse da ciência aplicada, está apto para resolver todos esses problemas e presidir ao ordenamento racional das instituições políticas. A reforma educacional visava a dotar o Estado dos técnicos de que carecia para cumprir com as suas funções. [28]
Gustavo Franco, no texto que foi objeto de estudo no Colóquio e em recente artigo publicado em jornal de circulação nacional, deixou claro que a dívida pública descontrolada constitui, hoje, o grande lastro para o desenvolvimento do país, chegando a comprometer o futuro das próximas gerações, tal o volume de recursos de que o Estado deverá se apropriar ao longo das próximas décadas, na rolagem da mesma. Segundo o ex-presidente do Banco Central, a dívida pública brasileira anda já pela casa dos 68% do PIB, logicamente sem cair na armadilha da cosmética oficial, mas levando em consideração as normas internacionalmente aceitas de contabilidade.
A respeito, afirma Gustavo Franco: “68% do PIB é um número muito elevado para um país emergente, mas seria ótimo se fosse só isso. Existem muitos problemas ainda não contabilizados. Um exemplo: numa empresa mista como a Petrobrás, se o acionista controlador pratica populismo tarifário, não deveria indenizar a empresa, como era feito no passado através da chamadaconta petróleo? A Moody's reduziu a classificação de risco da Petrobrás em razão de seu elevado endividamento, que cresceu US$ 16,6 bilhões apenas no primeiro semestre. Qual seria o saldo da conta petróleo hoje, caso ainda existisse? Coisa parecida se passa no setor elétrico, onde parte significativa dos custos da redução na conta de luzficou para o Tesouro. E também nos bancos públicos, toda vez que o crédito não é concedido de acordo com as melhores práticas bancárias ou os bancos são instruídos a apoiar campeões. Não há dúvida que os custos de muitas políticas públicas, cujo mérito sempre se pode discutir, ainda não foram contabilizados na dívida pública. É inafastável a reflexão: são anos para consertar, bastam meses para estragar. Mas ainda não acabou: a previdência do servidor, e algumas outras despesas de caráter continuado, como as da saúde, são obrigações que não reconhecemos como dívidas, contrariamente ao que fazem muitos países que capitalizam esses gastos e a eles associam reservas e ativos, às vezes dentro de fundos de pensão. Que tamanho teria a dívida pública se essas contas fossem capitalizadas? Há países à beira de um ataque de nervos com os efeitos do envelhecimento sobre os gastos de seguridade social. Não é o nosso caso, pois uma bomba a uma década de distância é como se não existisse. A conclusão escapista habitual diante de uma dívida impagável é que o problema não é nosso, mas do credor. Porém, nesse caso, o assunto é mais complexo: credor e devedor são a mesma pessoa” [29].
A questão da conversibilidade plena do real, que foi colocada sobre o tapete das políticas econômicas em 2003 por Pérsio Arida[30]parece que fica comprometida com a desordem introduzida pelo governo na má gestão da dívida pública. Após 10 anos de populismo econômico, a casa certamente não está mais arrumada como tinha ficado no final dos anos 90. O futuro é sombrio. A inflação está de volta. Os fantasmas do passado, com a insegurança jurídica como carro-chefe, voltam a assombrar as esperanças dos brasileiros num futuro melhor.

Conclusão
Há algo em comum entre as circunstâncias vividas pelo barão de Mauá e as atuais agruras ensejadas pelo populismo econômico no Brasil: em ambas está presente a figura tutelar do Estado intervencionista, que, com as suas iniciativas, prejudica mais do que favorece o desenvolvimento econômico. Os créditos fáceis concedidos pelo banco oficial no momento de Mauá favoreceram quem se posicionou incondicionalmente do lado do Imperador. A irrigação do crédito “camarada” favorece, atualmente, aqueles empresários que foram escolhidos pelo governo como “campeões de bilheteria” e que, em consequência, receberam créditos brandos dos bancos oficiais, notadamente do BNDES. Os empresários cooptados, poupados do risco e com as suas aventuras malsucedidas, terminam comprometendo os recursos de todos os brasileiros. É o que está acontecendo com a Petrobrás. Como escreve conhecido especialista, Max Calabria: “Quando o estado é dono de bancos, as decisões de concessão de empréstimos ficam cada vez mais determinadas pela política, em vez de serem baseadas em critérios econômicos. Os recursos chegam àqueles que têm influência. Os bancos estatais também costumam subestimar o preço do risco para comprar votos. Se há uma lição que deveríamos aprender com a crise recente, é que, quando intencionalmente se subestima o risco, coisas más acontecem” [31].
A saga do Estado patrimonial, com a sua sequela de intervenções políticas no mercado, atrapalhou, definitivamente, o desenvolvimento do Brasil ao longo dos duzentos anos de sua história. Não se trata de uma questão de pessoas. É uma realidade estrutural: onde há Estado patrimonial há pobreza, embora, em alguns momentos, surjam momentos modernizadores. Mas estes, como frisava o economista americano John Maurice Clark (1884-1963), estão submetidos às incertezas da dinâmica personalista que termina prevalecendo nos contextos regidos por Estados patrimoniais, ensejando o conhecido “voo de galinha” do desenvolvimento. O Patrimonialismo deu lugar não uma racionalidade diuturna, de cunho weberiano. Deu lugar, pelo contrário, ao que Clark denominava de “racionalidade administrativa variável” [32], que é posta em prática quando o senhor patrimonial vê que a sua autoridade pode sofrer abalos e os esforços de racionalização administrativa são envidados única e exclusivamente para superar o perigo. Uma vez vencida a dificuldade do momento, “tudo volta ao que era antes no quartel de Abrantes” como reza o dito popular.

Bibliografia citada
CALABRIA, Mark. “Os bancos estatais atrapalham o crescimento econômico”.América Economia, 06/12/2013.
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WEBER, Max. Economía y sociedad1ª edição em espanhol. (Tradução de José Medina Echavarría et alii). México: Fondo de Cultura Económica, 1944, 4 volumes. As referências ao Patrimonialismo encontram-se nos volumes I e IV.
WITTFOGEL, Karl. Le despotisme oriental: étude comparative du pouvoir total. (Versão francesa de Micheline Pouteau). Paris: Minuit, 1977. A primeira edição da pesquisa de Wittfogel foi publicada em inglês com o título: Oriental Despotism: a Comparative Study of Total Power, Chicago: Chicago University Press, 1957. Existe uma segunda edição desta mesma editora, de 1959.

Notas:
[1] Cf. TOCQUEVILLE, Alexis de. Democracy in America / De la démocratie en Amérique(Edited by Eduardo Nolla; translated by James T. Schleifer). Indianapolis: Liberty Fund, vol. I, p. 50-61.
[2]Cf. WEBER, Max. Economía y sociedad. 1ª edição em espanhol. (Tradução de José Medina Echavarría et alii). México: Fondo de Cultura Económica, 1944, 4 volumes. As referências ao Patrimonialismo encontram-se nos volumes I e IV.
[3]VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. A análise do Patrimonialismo através da literatura latino-americana: O Estado gerido como bem familiar. (Prefácio de Arno Wehling), Rio de Janeiro: Documenta Histórica / Instituto Liberal, 2008, 263 pg.
[4]VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. “Liberdade, liberalismo e revolução no pensamento mexicano”, in: Portal Defesa da UFJF:http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/LLRPM.pdf.
[5]Cf. URICOECHEA, Fernando. O Minotauro imperial: a burocratização do Estado Patrimonial brasileiro no século XIX. Rio de Janeiro / São Paulo: DIFEL, 1978. Segundo este autor, ao passo que, por volta de 1850, o Exército contava apenas com 13000 homens, a Guarda Nacional era um contingente que abarcava 250000 homens livres.
[6]VERNE, Julio. As atribulações de um chinês na China. Lisboa: Editora 11X17, 2013. A primeira edição francesa da obra, intitulada: Les tribulations d´un Chinois en Chineé de 1879, do editor Pierre-Jules Hertzel. O livro conta as desgraças que tem de sofrer um homem rico de Xangai, Kin-Fo, para fugir de uma organização criminosa em que, sem sabê-lo, tinha a sua família mergulhado. A perseguição diuturna de que se viu vítima o barão de Mauá pelos “intendentes” do rei, no caso os Ministros da Fazenda, notadamente Cotegipe, tem elementos em comum com essa trama de suspense e insegurança jurídica (que é o clima que, infelizmente, ainda azucrina a vida dos empreendedores no Brasil).
[7]SOUSA, Irineu Evangelista de, barão de Mauá. Citado por CALDEIRA, Jorge, in: Mauá, empresário do Império. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1995, p. 344.
[8]VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. Patrimonialismo e a realidade latino-americana. Rio de Janeiro: Documenta Histórica, 2006, p. 11-61.
[9]É neste contexto que emerge a teoria do “contrato social” adotada por filósofos políticos como Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu (1689-1755), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), etc.
[10]VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. Patrimonialismo e a realidade latino-americana.  Ob. cit., p. 13.
[11]VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. Patrimonialismo e a realidade latino-americana. Ob. cit. p. 14.
[12]VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. Patrimonialismo e a realidade latino-americana. Ob. cit., ibid.
[13]VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. Patrimonialismo e a realidade latino-americana. Ob. cit., p. 15.
[14]WITTFOGEL, Karl. Le despotisme oriental: étude comparative du pouvoir total. (Versão francesa de Micheline Pouteau). Paris: Minuit, 1977. A primeira edição da pesquisa de Wittfogel foi publicada em inglês com o título: Oriental Despotism: a Comparative Study of Total Power, Chicago: Chicago University Press, 1957. Existe uma segunda edição desta mesma editora, de 1959.
[15]WITTFOGEL, Karl. Le despotisme oriental, ob. cit., p. 139-140.
[16]WITTFOGEL, Karl. Le despotisme oriental, ob. cit., p. 169-170.
[17]FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 1ª edição. Porto Alegre: Globo, 1958, 2 volumes.
[18]PAIM, Antônio. A querela do estatismo. 1ª edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978.
[19]SCHWARTZMAN, Simon. São Paulo e o Estado nacional. São Paulo: DIFEL, 1975. Do mesmo autor, Bases do autoritarismo brasileiro. 1ª edição. Rio de Janeiro: Campus, 1982.
[20]PAIM, Antônio (organizador). Pombal na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro / Fundação Cultural Brasil-Portugal, 1982.
[21] PAZ, Octavio. El ogro filantrópicoBarcelona: Seix Barral, 1983.
[22]PENNA, José Osvaldo de Meira. Em berço esplêndido – Ensaios de psicologia coletiva brasileira. 1ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio / INL, 1974. 2ª edição revista e aumentada, Rio de Janeiro: Topbooks / Instituto Liberal, 1999. Do mesmo autor, O dinossauro – Uma pesquisa sobre o Estado, o patrimonialismo selvagem e a nova classe de intelectuais e burocratas. São Paulo: Queiroz, 1988.
[23]SANTOS, Wanderley-Guilherme dos. Cidadania e justiça – A política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1979. Do mesmo autor,Ordem burguesa e liberalismo político. São Paulo: Duas Cidades, 1978.
[24]VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. Castilhismo, uma filosofia da República. 1ª edição. Porto Alegre / Caxias do Sul: EST / Universidade de Caxias do Sul, 1980. A segunda edição, corrigida e acrescida, (com apresentação de Antônio Paim), foi publicada pelo Senado Federal em 2000. Do mesmo autor, Oliveira Vianna e o papel modernizador do Estado brasileiro. Londrina: UEL, 1997.
[25]Locke destacava (especialmente nos seus Dois tratados sobre o governo civil) que a sociedade é governada por leis que ancoram num conjunto de leis naturais, da mesma forma como o universo é dirigido por leis da Natureza. Essa convicção levou o autor à conclusão de que a lei natural – e não as leis positivas emanadas da vontade dos legisladores – deveria determinar as taxas de juros e o valor das moedas. Os juros, na concepção lockeana, deveriam estar sujeitos à lei da oferta e da procura, que era expressão direta da lei natural da propriedade. Por esse motivo, o filósofo inglês achava ser inapropriado que os mesmos fossem fixados pela autoridade política. A primeira missão do governo consistiria em zelar para que os direitos de propriedade fossem respeitados e garantidos. As posições de Locke sobre as taxas de juros foram uma resposta aos que, na sua época, pretendiam que fossem fixadas pelo governo com o intuito de incrementar o comércio. Lembremos que Locke ajudou o seu colega sir Isaac Newton (1643-1727), diretor da Casa da Moeda de Londres, a superar as dificuldades postas pelos que queriam emissões sem freio. Para Locke, disposições econômicas que se contrapusessem à lei natural de defesa da propriedade e da liberdade dos indivíduos (expressas na prática da oferta e da procura nas transações comerciais) teriam pés de barro, em decorrência do fato de que as pessoas poderiam violar, com facilidade, simples controles legais impostos pela autoridade, dando ensejo ao mercado negro. Locke considerava os juros como o preço pago pelo dinheiro. Qualquer mudança no volume deste teria efeitos sobre o processo monetário de um país. A teoria lockeana consolidou os alicerces da moderna teoria monetária. Cf. LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. (Tradução de Júlio Fischer. Introdução de Peter Laslett). São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 148-149; 470; 517-518.
[26]SENNA, José Júlio. A mão invisível: problemas e controvérsias da política econômica brasileira. Rio de Janeiro: IBMEC, 1983, cap. 5, “O choque das taxas de juros” e cap. 6, “O controle quantitativo do crédito”, p. 95-114. .
[27]SENNA, José Júlio. Os parceiros do rei. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.
[28]Uma análise completa da “Aritmética Política” pombalina pode ser encontrada na obra já citada de Antônio PAIM, A querela do estatismo, capítulo I. A presença dessa tradição nos momentos modernizadores da história brasileira foi documentada por mim no ensaio intitulado: “Persistência do Patrimonialismo Modernizador na Cultura brasileira”, que integra a obra, já citada, coordenada por Antônio PAIM, Pombal na cultura brasileira.
[29]FRANCO, Gustavo. “O tamanho do problema”. O Estado de São Paulo, Seção Economia e Negócios, 24/11/2014.
[30]A questão foi abordada na VI sessão do Colóquio de Bento Gonçalves com a leitura dos textos de Luiz Gonzaga Belluzzo, Ricardo Carneiro, Fernando Ferrari Filho, Frederico G. Jayme Jr., Gilberto Tadeu Lima, José Luiz Oureiro, Luiz Fernando de Paula e José Tavares de Araújo Jr (segundo o listado enunciado na parte inicial deste trabalho). Pérsio Arida é citado no trabalho de Fernando Ferrari Filho e outros, intitulado: “Uma avaliação crítica da proposta de conversibilidade plena do real”, Revista de Economia Política, vol. 25, nº 1 (97), p. 133-151, janeiro/março 2005.
[31]CALABRIA, Mark. “Os bancos estatais atrapalham o crescimento econômico”. América Economia, 06/12/2013.
[32]As análises sobre a crise de desenvolvimento observada por Wittfogel nas sociedades regidas por Estados patrimoniais alicerçaram-se no pensamento de John Maurice Clark, como o próprio Wittfogel destaca ao longo da sua obraLe despotisme oriental.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Politica economica: do neoliberalismo lulista ao intervencionismo dilmista - Cristiano Romero

As lições de Lula que Dilma não seguiu
Cristiano Romero
Valor Econômico, 20/11/2013

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

O ex-presidente Lula tem muito a ensinar à sucessora, Dilma Rousseff. Quando assumiu, Lula encontrou a inflação girando em torno de 20% em 12 meses. Muitos asseveram que o IPCA chegou a esse patamar por culpa do próprio Lula - sua perspectiva de chegada ao poder teria assustado investidores e provocado fuga de capitais, pressionando o dólar e os preços. Talvez seja difícil desmentir esses fatos, mas não importa: uma vez no poder, Lula fez o que precisava para conquistar credibilidade e debelar a carestia.
O que se viu no primeiro mandato do ex-presidente (2003-2006) foi uma aposta firme na estabilização. Contra a vontade de seu partido, Lula deu autonomia operacional ao BC (para manejar a taxa de juros e gerenciar o regime de metas), aumentou significativamente o superávit primário das contas públicas (para diminuir a dívida pública como proporção do PIB) e deixou o câmbio flutuar.
A rigor, com uma única exceção - a acumulação de reservas a partir de janeiro de 2004 -, a gestão macroeconômica de Lula não divergia em nada da de Fernando Henrique Cardoso. E isso foi bom para o país e para o próprio Lula.
Os resultados da austeridade logo apareceram. O IPCA recuou de 12,5% em 2002 (último ano de FHC) para 3,1% em 2006 (último ano do Lula 1). No mesmo período, a dívida líquida do setor público caiu de 60,6% para 47,3% do PIB e o déficit público recuou de 4,4% para 3,6% do PIB (em 2003, atingira 5,2% do PIB).
Lula cumpriu o que prometera na "Carta aos Brasileiros", lançada em meados de 2002, durante a campanha eleitoral, com o objetivo de acalmar investidores e eleitores. Seu primeiro mandato não foi só de sacrifícios, como alegavam muitos petistas. Entre 2003 e 2006, já como resultado das boas políticas, o PIB acelerou o passo de um crescimento anual de 1,1% para outro de 4%.
Nos anos seguintes, todos os indicadores, com exceção da inflação, melhoraram ainda mais. Em 2010, último ano de governo, Lula entregou o país com relação dívida/PIB de 39,2%; déficit público de 2,5% do PIB e crescimento econômico de 7,5%, melhor desempenho em 24 anos. A inflação subiu para 5,9%, mas não saiu de controle.
O escândalo do mensalão, em 2005, debilitou politicamente o governo, mas não impediu que Lula se recuperasse no ano seguinte e ganhasse a reeleição. Sentindo-se em dívida com a esquerda, que o apoiou firmemente no pior momento do governo, principalmente os sindicatos, Lula decidiu fazer inflexões na ortodoxia que abraçara no início do mandato.
É possível resumi-las a duas decisões: a adoção de uma política de correção do salário mínimo, com reajustes bem superiores à variação da inflação; e a concessão de aumentos salariais generosos ao funcionalismo público. Apesar disso, Lula manteve os níveis anteriores de superávit primário.
Com as quedas de José Dirceu e Antonio Palocci, Lula entregou a Casa Civil a Dilma Rousseff. No segundo mandato, sob influência da então ministra, colocou o investimento público no centro da agenda. Ainda assim, manteve a autonomia do BC e as linhas gerais da política adotada em 2003. Em 2008, já deflagrada a crise mundial, autorizou o aumento do superávit primário.
A crise justificou, para Lula, a necessidade de uma nova inflexão. Mais uma vez, ele manteve a responsabilidade monetária, mas, desta vez, tendo uma justificativa plausível (a economia entrou em recessão em 2009), diminuiu o superávit primário. No momento seguinte, cometeu um erro, que foi manter os estímulos fiscais quando a atividade econômica já havia se recuperado. A preocupação era eleger a sucessora.
Claramente, os anos Lula despertaram o espírito animal dos empresários. Confiantes na ideia de que o governo não romperia contratos e de que manteria a inflação sob controle, além da solvência das contas públicas e externas, os empreendedores foram às ruas em busca da farta mão de obra que estava desempregada. Em consequência disso, a taxa de desemprego média anual recuou, entre 2003 e 2010, de 11,7% para 6,7%.
Um sinal de que a confiança na economia foi restaurada está refletida na taxa de investimento. Como mostra o gráfico abaixo, ela acelerou à medida que Lula foi colocando a casa em ordem; recuou durante a crise, mas voltou a subir no pós-crise, só voltando a cair na atual gestão.
Instalada no poder, Dilma repetiu o Lula 1 nos primeiros meses. Depois, sob a justificativa de recrudescimento da crise mundial, mudou tudo. Adotou meta de juro (2% reais para 2014), tolerou inflação mais alta, restringiu a entrada de capitais, administrou o câmbio, congelou o preço da gasolina, reduziu o superávit primário, promoveu desonerações tributárias seletivas, fixou taxas de retorno de investimentos privados em concessões, propôs mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal para permitir o aumento do endividamento dos entes federados, entre outras medidas.

Algumas iniciativas foram revertidas, mas é inegável: trata-se de um padrão de gestão inteiramente distinto do adotado por Lula. Os resultados, pífios, mostram que as mudanças aplacaram o espírito animal. O investimento caiu e o desempenho do PIB piorou (contando com 2,5% em 2013, em três anos a média de crescimento terá sido de 2%, menos da metade da do período Lula). A confiança desapareceu.

sábado, 21 de setembro de 2013

Governo promove e estimula a inflacao - Rolf Kuntz

O principal responsável pela inflação no Brasil não é o tomate, nem o petróleo, nem o câmbio. Tem nome e endereço: chama-se governo brasileiro e mora (pelo menos enquanto durar este) no Palácio do Planalto, e sua obra nefasta em FAVOR da inflação tem a ajuda de keynesianos de botequim, que estão espalhados pela Esplanada dos ministérios, com o apoio entusiasta de milhares de outros keynesianos de araque espalhados pelas faculdades de economia do Brasil afora.
O governo indexou a economia, prometendo aumentos do salário além e acima das taxas de inflação e dos ganhos de produtividade (que são poucos, é verdade, mas estimados pelo governo generosamente e de forma geral para todos os setores da economia, independentemente do seu comportamento efetivo).
O governo concede reajustes tarifários para suas empresas monopolistas e outros carteis privados, em lugar de obrigar as empresas a reduzir preços para os consumidores, com base em ganhos de produtividade, que toda empresa sempre deve buscar (e o governo também).
O governo continua estimulando o consumo, pela via do crédito e outros subsídios pornográficos, em lugar de estimular o investimento e a produção.
O governo taxa demasiadamente, obrigando as empresas a remarcar preços para poder conservar margens de lucro.
O governo protege a economia exageradamente, permitindo que os industriais domésticos cobrem sobrepreços dos consumidores obrigados.
Enfim, o governo gasta demais consigo mesmo, com seus mandarins e marajás, com suas dezenas de milhares de aspones que contribuem para o partido totalitário, com seu intervencionismo nefasto na economia, com suas bolsas-isso e bolsas-aquilo.
O governo é o principal promotor da inflação no Brasil. E o principal violador da legalidade constitucional.
O governo é o principal obstáculo ao crescimento econômico, e a uma vida normal, sem corrupção...
Pronto, já disse o que tinha a dizer, agora podem ficar com o artigo.
Paulo Roberto de Almeida

De novo uma gravidez pequena, mas nem tanto

ROLF KUNTZ - O Estado de S.Paulo, 21/09/2013

A velha comparação da inflação pequena com a pequena gravidez pode ser tão detestável quanto qualquer lugar-comum, mas lugares-comuns podem ser didáticos. Além disso, a inflação mensal brasileira, por enquanto próxima de 0,3% e com tendência de alta, só é pequena para um país acostumado a taxas muito maiores que as do mundo civilizado e, de modo especial, que as de seus concorrentes. Mas os sinais da gravidez são cada vez mais visíveis. A inflação volta a mover-se com vigor crescente, depois de uma breve e enganadora acomodação dos índices. Todos os principais indicadores pioraram nos últimos dois meses, enquanto a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, continuaram alardeando a contenção da alta de preços.
O sinal de alerta mais recente veio com o IPCA-15, prévia do indicador oficial, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Este é medido entre o começo e o fim de cada mês. O outro, entre o dia 16 de um mês e o dia 15 do seguinte. O IPCA-15, divulgado nesta sexta-feira, havia ficado quase estável em julho, com variação de apenas 0,07%. A taxa mais que dobrou em agosto (0,16%) e continuou a aumentar em setembro, quando atingiu 0,27%. A acomodação no meio do ano foi enganadora, para quem gosta de ser enganado, é claro, porque resultou de pequenos truques de um governo empenhado em jogadas eleitorais.
Durou pouco o efeito, nada mais que ilusório, da redução política das tarifas de transporte urbano. Em agosto, ainda em consequência desse lance, o custo dos transportes incluído no IPCA-15 recuou 0,3% Em setembro, cresceu 0,3%, apesar da queda de preços do etanol e da gasolina. O custo da alimentação subiu 0,04%, bem pouco, mas havia diminuído 0,09% no período anterior. A alta poderia ter sido maior, sem o sensível barateamento de hortaliças. Mas o ponto mais importante para a avaliação da política oficial é outro.
Não tem sentido cuidar da inflação como se a alta geral de preços fosse ocasionada por um ou outro aumento localizado. Há poucas imagens mais enganadoras que a do famigerado vilão da inflação. Num mês é o preço do tomate, em outro, o do petróleo, num terceiro, o conjunto das cotações internacionais dos produtos agrícolas. De vez em quando o culpado é o câmbio, um preço com potencial para afetar muitos outros.
Esse tipo de palavrório pode dar colorido ao noticiário dos meios de comunicação, mas ninguém deveria tomá-lo ao pé da letra. Todos os países, na maior parte em desenvolvimento, foram afetados pela alta das cotações internacionais dos alimentos, nos últimos anos, assim como foram atingidos, na maior parte de 2013, pelo recuo desses preços. Mas nem todos enfrentaram inflação tão alta quanto a brasileira, embora, em muitos casos, a alimentação seja um componente importante do custo de vida.
No Brasil, a escalação dos vilões tem mudado e a inflação nunca desapareceu. Por isso mesmo voltou a ganhar força, depois das intervenções eleitoreiras do governo, O índice de preços por atacado, componente mais importante do IGP-10, da Fundação Getúlio Vargas, aumentou 1,46% em setembro, muito mais velozmente que no mês anterior, quando havia subido 0,19%.
Os produtos agropecuários haviam ficado 0,45% mais baratos em agosto e aumentaram 1,83% em setembro. Os bens industriais também ficaram bem mais caros, com alta de 1,32%. Ainda no atacado, os preços dos bens finais diminuíram 0,02%, mas, excluídos alimentos in natura e combustíveis para consumo, sobrou uma alta de 0,63%, nada desprezível.
Nem sempre esses aumentos chegam ao consumidor final. Isso depende das condições da demanda - fatores como o nível de renda, a oferta de crédito, o grau de resistência aos aumentos, a possibilidade de substituição de bens ou serviços e, naturalmente, as expectativas dos indivíduos e das famílias. A taxa de juros e o controle do crédito são os principais instrumentos de administração da demanda, no Brasil e em muitos países, mas o gasto público também é um componente importante desse quadro. Se houver alguma dúvida quanto à importância da demanda, bastará consultar o encarecimento dos serviços, 0,61% em agosto e 0,62% em setembro, no IPCA-15. Além disso, houve aceleração em todos os núcleos calculados pelos economistas para eliminar a influência de componentes mais instáveis.
No fim de agosto de 2011 o Banco Central (BC) iniciou uma baixa de juros e manteve essa política até abril deste ano, embora a inflação tenha sido muito alta durante todo esse tempo e até superado o limite anual de 6,5%. Além disso, a expansão do crédito continuou - e ainda continua. O governo jamais conteve a gastança e ainda estimulou o consumo com redução de impostos sobre alguns produtos, sem cuidar do aumento da produção interna.
Sem as famigeradas intervenções pontuais - contenção dos preços dos combustíveis e redução das tarifas de transportes e de energia - os números teriam sido muito piores. Todos esses fatos tornaram ainda mais grotesca a tentativa, repetida várias vezes, de atribuir a inflação brasileira à alta das cotações internacionais dos produtos agrícolas.
A única demonstração de juízo nos últimos meses foi a elevação de juros iniciada em abril pelo BC. O resto do quadro interno pouco mudou, exceto por alguma retração dos consumidores e pela redução do emprego no setor industrial.
Mas o governo mostra-se pouco preocupado e a presidente repete sua ladainha. Segundo ela, a inflação continuará dentro da meta. Mas isso vale para qualquer resultado até 6,5% ao ano, o limite de tolerância para situações excepcionais. A meta, em sentido próprio, é 4,5%, um alvo pouco ambicioso. Nem esse alvo deve ser atingido até o segundo trimestre de 2015, segundo o BC.   
*JORNALISTA

Pre-sal: incompetencia, voracidade, rentismo e intervencionismo do governo afundam o leilao - Editorial Estadao

Menos disputa pelo pré-sal

Editorial O Estado de S.Paulo, 21 de setembro de 2013 
A ausência de três quartos das 40 empresas esperadas pelo governo - entre elas 5 das maiores companhias internacionais - na disputa do primeiro leilão do pré-sal dá a dimensão da frustração das autoridades do setor, que, porém, evitam falar em fracasso. Para quem acompanha a lenta evolução do processo de licitação do petróleo do pré-sal, no entanto, seria surpreendente se todas, incluindo gigantes como as americanas Exxon Mobil e Chevron, as britânicas BP e BG e a norueguesa Statoil, tivessem se habilitado para disputar a área. Era sabido que o excessivo poder concedido ao governo na definição dos programas de exploração da área e os altos investimentos necessários poderiam afastar muitas empresas da disputa.
O Campo de Libra, na Bacia de Santos, a ser leiloado no dia 21 de outubro, foi apresentado como a maior área de petróleo já oferecida no mundo. O campo tem reserva estimada entre 8 bilhões e 12 bilhões de barris. Isso quer dizer que, sozinho, ele pode fazer as reservas provadas do País, de 15 bilhões de barris, aumentarem de 53% a 80%.
Mesmo com todo o potencial de Libra, no entanto, o leilão não foi considerado interessante por 29 empresas habilitadas na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para operar em águas profundas. Apenas 11 das registradas na ANP, sendo 6 estatais, pagaram R$ 2 milhões para se inscrever no leilão. Entre as que se habilitaram estão gigantes privadas como a anglo-holandesa Shell e a francesa Total. Não é certo, porém, que todas ofereçam lances.
Entre o anúncio da descoberta do petróleo do pré-sal e a definição do marco regulatório para essas áreas, o governo consumiu seis anos. As regras, mesmo tendo demorado tanto para serem elaboradas, criaram muitas incertezas, sobretudo quanto à rentabilidade do empreendimento e aos limites para a interferência estatal. O alto volume dos investimentos necessários agravou as dúvidas das empresas privadas.
Segundo algumas informações, até dentro do governo se admite que o valor do bônus de assinatura, de R$ 15 bilhões, a ser pago à vista pela empresa vencedora na assinatura do contrato, limitou o número de participantes. A própria Petrobrás - que, qualquer que seja o resultado do leilão, terá um papel decisivo na exploração do pré-sal, como empresa operadora e sócia do grupo vencedor com 30% de seu capital - admitiu que não tinha condições financeiras para fazer esse pagamento. O bônus estava fixado inicialmente em R$ 10 bilhões, mas, com as crescentes dificuldades de caixa do governo, foi elevado para o valor atual. É dinheiro necessário para o governo cumprir a meta de superávit fiscal.
O regime de partilha definido para o pré-sal, pelo qual a proposta vencedora será a que oferecer ao governo a maior parcela do óleo excedente (isto é, descontados os custos de extração), dificulta o cálculo da taxa de retorno do empreendimento. Trata-se de um cálculo indispensável a qualquer plano de investimento, e vital para um empreendimento tão vultoso e de longo prazo de maturação, como o de exploração do pré-sal.
A forte presença da Petrobrás, como operadora e sócia, também pode ter afugentado empresas privadas cujos critérios de aferição de eficiência, rentabilidade e produtividade podem ser mais rigorosos do que os da estatal brasileira.
Deve ter assustado ainda mais as petrolíferas privadas o poder de interferência estatal, por meio da recém-criada Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. - Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), que, mesmo sem participação no capital do consórcio vencedor, tem poder de veto no seu comitê operacional.
Se não bastassem esses obstáculos criados pelo próprio governo brasileiro, outros surgiram com as mudanças no mercado mundial de energia. O longo período de cinco anos sem leilões de novos campos de petróleo no Brasil levou algumas empresas a desmobilizar suas estruturas no País e a buscar alternativas em outros. Nesse período, a descoberta de grandes reservas de gás de xisto nos Estados Unidos forçou a revisão das estimativas de demanda mundial de petróleo.
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Gigantes Exxon, BP e BG não participarão do leilão do pré-sal
Onze empresas vão participar do 1º leilão do pré-sal, número bem abaixo das expectativas da ANP
RIO - A diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), Magda Chambriard, afirmou nesta quinta-feira, 19, ter recebido telefonema de três gigantes do setor petroleiro, Exxon Mobil, BP e BG, dizendo que não participarão do leilão de Libra, o 1º do pré-sal e o campo com a maior reserva. A disputa está marcada para dia 21 de outubro.
Segundo ela, as companhias disseram que não participariam por questões próprias internas muito específicas, mas as três reafirmaram interesse em futuras oportunidades no Brasil. "Existe um contexto mundial, situações muito específicas que levam a isso", disse.
A agência informou que o número oficial de empresas inscritas para o leilão chegou a onze. Elas pagaram a taxa de R$ 2,076 milhões de inscrição. Os documentos enviados pelas candidatas estão em análise na Área de Licitações da ANP e ainda não é certo que a lista nominal das empresas será divulgada nesta quinta.
Magda disse nesta quinta-feira que esperava que até 40 empresas participassem da disputa, mas que a "conjuntura" fez com que o número fosse menor. "Esperava 40 empresas, mas agora existe um contexto mundial de situações muito específicas de cada empresa que levam a essa situação", afirmou.
A ANP estimou que as reservas recuperáveis no prospecto de Libra poderão atingir entre 8 e 12 bilhões de barris, o que faria da área a maior do país, superando Tupi, com volumes que foram estimados em 2007 entre 5 a 8 bilhões de barris de óleo equivalente.
Uma fonte com conhecimento direto do processo disse à Reuters que a Shell, e as chinesas Sinopec, Sinochem e China National Petroleum Corp (CNPC) haviam pago a taxa de pouco mais de R$ 2 milhões que dá direito a participar do certame.
A fonte afirmou que não houve pagamento por parte da Chevron, a segunda petroleira dos Estados Unidos, e de nenhuma outra norte-americana.
A Chevron, durante a tarde, confirmou que ficaria de fora do leilão.
Uma segunda fonte, próxima à Shell, disse que o fato de a companhia ter pago a taxa não significa necessariamente que ela fará lances no leilão.
Uma certeza entra as ofertantes é a Petrobrás, que será operadora obrigatória da área de Libra e deverá ter, por lei, pelo menos 30% de participação em qualquer consórcio vencedor.
A assessoria de imprensa da ANP corrigiu uma informação passada mais cedo pela diretora-geral da autarquia, que chegou a dizer que haviam sido registrados os pagamentos de pelo menos 12 empresas.
Adesão baixa é surpresa. O número reduzido de participantes também surpreendeu um consultor e ex-diretor da Petrobrás. "É uma surpresa. A área (de Libra) é extremamente promissora, e não tem oportunidades no mundo (em exploração de petróleo) como áreas do pré-sal brasileiro", afirmou Paulo Roberto Costa, da Costa Global Consultoria.
Ele também se disse surpreso com o fato de companhias como Exxon, BP e BG não terem pago a taxa de participação no leilão, o que as exclui do processo.
"É uma coisa a ser pensada sobre o motivo de isso ter acontecido", disse ele, referindo-se ao número relativamente limitado de companhias.
Questionado sobre os motivos da baixa adesão, ele avaliou que isso poderia ter relação com o fato de a lei determinar a Petrobrás como operadora única, com no mínimo 30 por cento de participação na reserva.
"Pode ser que isso tenha afugentado as empresas... Talvez, se tivesse uma abertura para a Petrobrás não ser a operadora...", afirmou ele, indicando que as petroleiras poderiam ter mais autonomia para operar, não fosse a dominância da estatal exigida pela lei. "Esperava um numero bem maior pela potencialidade de Libra, isso é fato."
(Agência Estado e Reuters)