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quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Voltamos aos tempos da “clausura de los rios”? Argentinua continua se achando dona do pedaço…

 Um dos conflitos do Prata, no Império, foi justamente causado pela ação argentina de tentar controlar os afluentes do Rio da Prata. Voltamos a isso?

Pedágio em hidrovia coloca Brasil e Paraguai contra Argentina e gera crise 

Via é usada como caminho mais barato para transportar soja, milho e derivados Júlia Barbon BUENOS AIRES É dia 28 julho e uma embarcação de bandeira paraguaia navega pelas águas do rio Paraná levando 13.561 toneladas de soja brasileira à Argentina. Ao chegar para descarregar os grãos na cidade de San Lorenzo, a cerca de 300 km da costa, porém, o rebocador se recusa a pagar pedágio e é retido por decisão judicial.

 O barco é liberado dez dias depois, com o pagamento da tarifa, e faz emergir uma discussão que até então estava se dando abaixo da superfície: a imposição de uma taxa pela Argentina, desde janeiro, a quem passar por um trecho da hidrovia Paraguai-Paraná, que corta cinco países ligando o Mato Grosso ao rio da Prata. Sem que se conseguisse um acordo na instância técnica nos últimos dez meses, o assunto foi parar nos gabinetes políticos, escalando na semana passada para trocas de acusações públicas e até retaliações práticas entre Argentina e Paraguai. Este último chegou a suspender a venda de energia aos argentinos, que tiveram que recorrer às usinas brasileiras, mais caras. 

 A tensão subiu em toda a região, gerando um cenário de quatro contra um: Brasil, Bolívia e Uruguai se juntaram ao coro paraguaio para pedir que os vizinhos retirem o pedágio até que a questão seja resolvida. Enquanto isso, os países já iniciaram os trâmites para uma possível arbitragem internacional, o que é visto como um retrocesso para a integração regional tão almejada pelo presidente Lula. 

 A hidrovia em debate, com 3.442 km de extensão, é gerida de forma conjunta entre essas nações desde o fim da década de 1980, servindo de caminho mais barato para soja, milho e derivados, além de combustíveis, fertilizantes e minério de ferro. A via é especialmente importante para o Paraguai, que não tem ligação com o mar, então depende dela para transportar quase 80% do seu comércio exterior, e tem a terceira maior frota de embarcações do mundo. 

 Os quatro países criticam principalmente dois pontos: primeiro, dizem que a Argentina impôs o pedágio —de US$ 1,47 ou R$ 7 por tonelada— de forma unilateral e arbitrária, o que vai contra os tratados que preveem uma decisão em conjunto. Depois, reclamam que, ao reter os barcos, a nação restringiu a liberdade de navegação de bens estratégicos, novamente indo contra os acordos vigentes. "No entendimento do Brasil, da Bolívia, do Paraguai e do Uruguai, o governo argentino não foi capaz de demonstrar, até o momento, que o pedágio constitui ressarcimento de serviços efetivamente prestados na hidrovia, condição prevista no acordo para qualquer cobrança", afirmou o Itamaraty à Folha. O Paraguai disse que não seria possível indicar porta-voz. 

 A Argentina argumenta que a taxa é uma compensação por melhorias estruturais feitas no rio nos últimos 13 anos e insinua que a situação escalou pelo lado paraguaio, que estaria agindo por pressão do empresariado local. Procurada, a Casa Rosada afirmou que está respeitando o acordo de não dar declarações sobre o assunto e que o ambiente das negociações tem sido positivo. 

 O tom começou a subir em 24 de agosto, após o ministro da Economia e candidato presidencial argentino, Sergio Massa, fazer uma escala em Assunção para conversar com o presidente recém-empossado Santiago Peña. Eles posaram juntos para a foto, mas horas depois o Ministério de Relações Exteriores paraguaio criticou a Argentina nas redes sociais por não ter cumprido o suposto combinado de retirar o pedágio. 

Diego Giuliano, ministro dos Transportes argentino, respondeu no post que lamentava "que o conteúdo de uma reunião tão frutífera tenha sido distorcido". "Não sei se é falta de comunicação, acredito que são momentos distintos. No caso do Paraguai é muito claro: quando dizemos algo, se cumpre", alfinetou Peña a jornalistas no dia seguinte. "Nós não negamos a opção de cobrança [...], mas não podemos cobrar unilateralmente, deve ser um acordo entre os cinco países", adicionou.

O marco da escalada do conflito, então, ocorreu no último dia 6, quando uma segunda embarcação paraguaia foi parada em Zárate, cidade a 90 km de Buenos Aires, após também se negar a quitar o pedágio por transportar diesel paraguaio ao próprio Paraguai. Ela só foi liberada cinco dias depois, após pagar uma taxa. Enquanto isso, as farpas se transformaram em ações concretas: no dia 8, Peña decidiu parar de vender o excedente de energia produzido pela hidrelétrica Yacyretá, compartilhada entre os dois países, acusando a Argentina de não pagar uma dívida antiga —do outro lado, os argentinos também reclamam um passivo histórico menor pela construção da represa. "A decisão de retirar 100% da energia disponível para o Paraguai foi intencional, e a Argentina teve que comprar energia do Brasil a um custo mais alto. Fizemos grandes esforços para recompor a relação [...], mas os atrasos significativos com o Paraguai persistem", disse o presidente Peña ao jornal argentino La Nación no dia 10, depois negando uma relação com o assunto do pedágio. 

 Na mesma noite, os quatro países divulgaram uma nota pedindo que a Argentina suspenda a taxa e garanta a livre navegação até que se resolva o impasse, o que não foi feito até agora. No dia seguinte, uma delegação ligada a Massa viajou a Assunção para reduzir a tensão. Indicou-se que os dois lados concordaram com o direito de cobrar pedágio, mas ainda sem saber quanto nem como. Achamos que US$ 1,47 é um valor excessivo, os cerealistas calculam que deveria ser de US$ 0,66 [ou R$ 3,20]. 

Dependendo da carga, isso encarece em até 10% o valor do frete, e quem acaba pagando é a população em geral quando compra produtos importados", diz Raúl Valdez, presidente do Centro de Armadores Fluviais e Marítimos do Paraguai (Cafym). Ele diz que os pedágios pagos desde janeiro somam cerca de US$ 50 milhões, o dobro dos US$ 25 milhões que a Argentina afirma ter gasto com melhorias na hidrovia —o país não respondeu sobre as cifras. "Reconhecemos os investimentos e a necessidade do pedágio, mas as dragagens e sinalizações feitas até aqui não se traduziram em mais eficiência e segurança. 

É preciso trabalhar juntos, nós sabemos o que tem que ser feito." Agora, iniciaram-se as reuniões técnicas para decidir o valor e a forma de pagamento, além de debater a situação da hidrelétrica de Yacyretá. Se os dois lados não chegarem a um acordo, o caso deve passar à arbitragem internacional, como indicou Peña. O chanceler paraguaio Rubén Ramírez também chegou a dizer que acionou o Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul.