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sexta-feira, 19 de abril de 2019

O vigor da liberdade - Duda Teixeira (Crusoé)

O vigor da liberdade

Nos Estados Unidos, decisões lapidares da Suprema Corte foram fundamentais para consolidar a liberdade de expressão e de imprensa, que já estavam contidos na Primeira Emenda da Constituição

Duda Teixeira,
Crusoé, 19/04/2019

A Primeira Emenda da Constituição Americana estabelece que o Congresso não pode elaborar leis que proíbam ou restrinjam a liberdade de religião, de expressão ou de imprensa. Adotada em 1791, o texto é invocado sempre que autoridades tentam esmagar os direitos alheios. Este ano, a peça pode até ganhar versão brasileira por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição, como informou Crusoé. Mas a Primeira Emenda não foi um consenso desde seus primórdios. Sua robustez foi erguida ao longo dos anos, cimentada com decisões da Suprema Corte americana. “A Suprema Corte tomou diversas decisões que afetaram a liberdade de imprensa. Em geral, seus membros tiveram uma posição muito vigorosa a favor do trabalho dos jornalistas e da liberdade de expressão”, diz o advogado Michael DeDora, do Comitê para a Proteção aos Jornalistas (CPJ), em Washington. “Foram essas sentenças que definiram como a Primeira Emenda deve ser interpretada atualmente.”
Até a década de 1960, era comum que pessoas que se sentiam ofendidas por uma matéria processassem os jornais por difamação. Elas alegavam que os textos eram falsos ou que suas reputações tinham sido afetadas. Em um caso de 1886, um tanatopraxista conseguiu 3.500 dólares do jornal New York Times. Uma matéria afirmara que ele se apresentara bêbado para preparar corpo do ex-presidente Ulysses Grant. Processado pelo agente funerário, o jornal não conseguiu provar que ele estava alcoolizado e teve de arcar com a quantia.
Casos como o do tanatopraxista praticamente desapareceram depois de 1964, quando o Times ganhou um caso na Suprema Corte americana. Após a prisão do pastor negro Martin Luther King, um grupo de apoiadores publicou um anúncio de uma página inteira no jornal com o título “Prestem atenção nas suas vozes crescentes”. A peça dizia que a detenção tinha sido politicamente motivada e pedia doações para ajudar na defesa legal de Luther King. Um comissário de polícia da cidade de Montgomery, no estado do Alabama, L.B. Sullivan, entrou na Justiça alegando que o New York Times o tinha difamado, apesar de não ter sido citado na propaganda. Ele e outros quatro oficiais afirmaram que o texto era difamatório, falso e que arranhava a sua honra. O juiz acatou a demanda e ordenou que o jornal pagasse 500 mil dólares. Quando questionado sobre a validade da Primeira Emenda da Constituição, o magistrado argumentou que ela não protegia publicações difamatórias.
A Suprema Corte do estado do Alabama manteve a decisão e o caso subiu para a Suprema Corte dos Estados Unidos. Por um placar de 9X0, seus membros reverteram a decisão dada no Alabama. Eles entenderam que não houve por parte do Times a intenção de publicar algo que os editores do jornal sabiam que poderia ser considerado falso. O efeito mais imediato foi o fim dos processos que eram iniciados em estados do sul dos Estados Unidos para silenciar os jornalistas que relatavam a violência contra o movimento pelos direitos civis. O impacto de longo prazo foi que a sentença estabeleceu que funcionários públicos que se sentissem atingidos deveriam provar não apenas que a matéria em questão era imprecisa e que tinha ferido suas reputações, como também que o jornalista as tinha publicado mesmo sabendo ou desconfiando da sua inverdade. Por ser essa uma missão praticamente impossível para os litigantes, a decisão da Suprema Corte desencorajou a abertura de processos em todos os estados dos Estados Unidos. “Essa decisão deu uma blindagem muito grande aos jornalistas”, diz Ronaldo Porto Macedo Junior, professor de filosofia do direito da USP e coordenador da Plataforma de Liberdade de Expressão e Democracia da Fundação Getúlio Vargas. “Poucas condenações e indenizações ocorreram depois disso.”
Outra decisão que moldou a relação da imprensa com o poder público foi a que se seguiu à publicação dos chamados Papéis do Pentágono. A disputa entre os jornais New York Times e Washington Post com o governo americano, então sob a presidência de Richard Nixon, foi o tema do filme The Post – A Guerra Secreta, dirigido por Steven Spielberg e lançado em 2017.
Em 1971, o New York Times começou a divulgar documentos que tinham sido vazados pelo analista militar Daniel Ellsberg. Ele fazia parte de um grupo convocado em 1967 pelo secretário de Defesa, Robert McNamara, para reunir documentos sobre o envolvimento americano na Guerra do Vietnã. Durante dezoito meses, Ellsberg copiou em uma máquina de xerox 7 mil páginas de documentos, que depois vazou para os dois jornais. Três dias depois de a primeira matéria ser publicada, o Departamento de Justiça obteve uma ordem de censura sob a alegação de que a circulação dos documentos secretos poderia causar dano irreparável e imediato aos interesses nacionais.
Durante quinze dias, advogados dos dois jornais tentaram derrubar a censura nos tribunais. No dia 30 de janeiro, a Suprema Corte deu seu parecer. Por 6 votos a favor e 3 contra, a corte entendeu que os dois veículos poderiam retomar a publicação das matérias sobre a Guerra do Vietnã. Os integrantes do tribunal concluíram que o governo falhou em justificar seu motivo para a censura. Não havia risco à segurança nacional. No filme de Steven Spielberg, a declaração do juiz Hugo Black é ouvida pelo telefone por uma jornalista, que repete o texto emocionada aos colegas: “Na Primeira Emenda, os Fundadores da Nação deram à imprensa livre a proteção necessária para que ela cumpra seu papel essencial na nossa democracia. O papel da imprensa é servir aos governados, não aos governantes.”

Que sirva de lição a alguns magistrados brasileiros.