Uau! Parece que o Império do Mal não descansa. Desta vez ele visa longe e alto, ou talvez baixo: nada menos do que o nosso querido Mercosul, que como todos sabem vai muito bem, obrigado.
Aliás, se trata de um império mau, que além de caçar terroristas, a torto e a direito (alguns dizem que mais a torto, e talvez à direita), ainda quer cassar o direto à existência deste tão simpático bloquinho, que não faz mal a ninguém (apenas a si próprio, mas esta é uma outra história), e apenas quer se constituir em alternativa real de desenvolvimento integrado, socialmente responsável, economicamente sustentável, politicamente autônomo, culturalmente diversificado, soberano, ativo e altivo e tudo o mais que já foi dito, por todas as glórias e loas que a antiga musa canta (algumas novas também).
Se não fosse o jornal Brasil De Fato, sempre imparcial e objetivo, e o vibrante Portal Vermelho, quase não tomaríamos conhecimento das posições, das denúncias e dos alertas deste indomitável defensor do Mercosul, contra todos os golpes baixos do imperialismo e seus asseclas associados (no caso a UE): eles realmente não se cansam, enquanto não conseguirem desmantelar, arrasar, destruir o Mercosul, que como todos sabem é um dinâmico bloco de integração, que está construindo uma "nova geografia do comércio internacional" e alterando a "relação de forças no mundo" (
excusez du peu, mais il faut être modeste).
Com defensores como este, o Mercosul nem precisa de Forças Armadas, aliás dispensáveis num bloco como o Mercosul, que só consegue atirar no proprio pé...
Paulo Roberto de Almeida
Portal Vermelho,
7 de Outubro de 2012 - 7h26
EUA e UE querem desintegração do Mercosul, diz Samuel Pinheiro
Em entrevista, o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, fala
sobre o potencial do bloco sul-americano que se contrapõe aos
interesses de controle comercial e industrial dos Estados Unidos (EUA) e
da União Europeia sobre a região. Ele atacar o modus operandi dos
países centrais do capitalismo na relação com a América Latina.
“Os EUA e os países altamente desenvolvidos têm tido, como meta geral de
política econômica e diplomacia externa, a eliminação de todas as
barreiras ao comércio e ao fluxo de capitais. Ao mesmo tempo, têm
advogado a adoção de uma série de normas que impedem qualquer controle
sobre o capital estrangeiro”.
Contundência. É dessa forma que o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães
costuma se expressar sobre os temas que bem conhece. Secretário-geral de
Relações Exteriores durante sete anos do governo Lula (2003-2009), ele
foi uma das vozes mais eloquentes no processo que ajudou a enterrar a
Aliança para o Livre Comércio das Américas (Alca) – iniciativa que
buscava apagar todas as fronteiras comerciais do continente, num claro
favorecimento à indústria norte-americana.
Dono de uma sólida formação acadêmica na área jurídica e sociológica, e
quadro do Itamaraty há quase 50 anos, Guimarães exerceu até junho desse
ano a função de Alto-Representante do Mercosul, sendo articulador das
políticas entre os países-membros do bloco. Professor de Economia
Internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele
analisa com propriedade os atuais desafios sul-americanos, especialmente
a mudança geopolítica após a entrada da Venezuela no grupo. “Esse
ingresso vai proteger o país das tentativas de golpe”, aponta. Sobre o
Brasil, o diplomata detecta um perigoso processo de desindustrialização
da economia e uma hegemonia do capital internacional no controle dos
fluxos de capitais.
Brasil de Fato: Um dos fatos políticos mais importantes
do ano para a América do Sul foi a entrada da Venezuela no Mercosul.
Qual a importância disso para a geopolítica regional?
Samuel Pinheiro Guimarães: O ingresso da Venezuela no
Mercosul foi um fato de grande importância, tanto do ponto de vista
político quanto econômico. Do ponto de vista econômico, a Venezuela é o
país com as maiores reservas de petróleo do mundo, no momento. Além
disso, os preços do combustível continuarão altos nos próximos anos. No
mais, a Venezuela está engajada, desde que o presidente Chávez assumiu,
num processo de desenvolvimento do país, de construção de uma economia
nacional. Antes, havia uma economia puramente petroleira, exportando
petróleo e importando todo o resto. Ele [Chávez] tem essa determinação.
Para os outros países do Mercosul, tudo isso é extremamente importante
porque a Venezuela estará disposta a dar uma preferência aos países do
bloco no seu mercado interno. Cria-se uma oportunidade importante para
os países exportadores de produtos primários (Uruguai e Paraguai) e, ao
mesmo tempo, abre seu grande mercado para produtos manufaturados de
Brasil e Argentina. A Venezuela pode contribuir de forma muito
significativa para reduzir as assimetrias dentro do bloco, através do
Focem [Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul].
Do ponto de vista político, é importante esse ingresso porque, como é
notório, existe o interesse deliberado dos EUA e dos países alinhados
aos norte-americanos para que haja uma mudança de regime na Venezuela.
Trata-se de um esforço consistente, a nível internacional, tentando
retratar o presidente Chávez como um ditador, uma pessoa não confiável,
descontrolado e assim por diante. Essa não é a opinião do povo
venezuelano. Mas eles conseguiram consenso da mídia internacional, na
América Latina e no resto do mundo, de modo que há quase uma convicção
de que existiria uma ditadura na Venezuela, que não há liberdade de
opinião, etc. A Venezuela no Mercosul a protege de eventuais golpes.
Brasil de Fato: Embaixador, o senhor tem afirmado que
há uma meta permanente dos países centrais do capitalismo, capitaneados
pelos EUA, de desintegrar o Mercosul. Qual o sentido estratégico desse
esforço e o que pode ser feito de forma mais agravante contra a
consolidação do Mercosul?
SPG: Os EUA e os países altamente desenvolvidos têm tido,
como meta geral de política econômica e diplomacia externa, a eliminação
de todas as barreiras ao comércio e ao fluxo de capitais. Ao mesmo
tempo, têm advogado a adoção de uma série de normas que impedem qualquer
controle sobre o capital estrangeiro. Então, por exemplo, os acordos
negociados no âmbito da Rodada Uruguaia [Acordo comercial internacional,
iniciado em 1986, que criou a Organização Mundial do Comércio e
estabeleceu redução de subsídios agrícolas] preveem que os países não
podem impor certas regras ao capital estrangeiro, como metas de
exportação, obrigação de transferência de tecnologia, obrigação de
insumos locais. Para esses países, que sediam as maiores empresas
multinacionais, isso é conveniente porque eles realizam lucros nos
países periféricos e remetem esses lucros para as suas sedes. Sabemos
que o banco Santander, recentemente, só não teve prejuízo em nível
mundial por causa da sua filial no Brasil. Isso é comum. Por isso, é
muito importante esse livre fluxo de recursos porque ele se transforma
em dividendos para os seus acionistas e, portanto, para o bem-estar
daquela sociedade de origem [dos capitais]. Naturalmente, nunca
praticaram isso para o setor agrícola. É livre comércio para produtos
industriais e não para produtos agrícolas, porque não aceitam [a
concorrência com os exportadores agrícolas]. Eles também protegem
setores da sua indústria que desejam proteger.
Então, diante de qualquer acordo econômico que estabeleça preferências
para as empresas que estão situadas dentro do território daquele
agrupamento, como é o caso do Mercosul, eles não são favoráveis. Para
isso, utilizam a ideia do regionalismo aberto, em que pode haver
processo de integração, mas seria importante negociar com a União
Europeia, os EUA. Na época da negociação da Alca havia uma ideia de que o
Mercosul seria um dos blocos de construção da área. O Mercosul se
acabaria com a Alca, por uma razão lógica: a partir do momento que se
eliminam as tarifas, não há mais preferência. Eles também receiam as
preferências para as empresas que estão dentro do bloco, eles querem que
isso não ocorra. O ideal melhor desses países não é investir, é
exportar. Eles só investem na China porque lá se estabelecem condições.
Brasil de Fato: O senhor acredita que esse potencial do
Mercosul já foi percebido por seus “inimigos”, mas talvez os
protagonistas ainda não tenham notado a importância de consolidá-lo,
politicamente, através, por exemplo, de um sistema de comunicação mais
adequado, que desse um nível de consciência cultural da importância
histórica dessa integração?
SPG: É verdade. Principalmente no maior deles, que é o
Brasil. Não há essa consciência, apesar do Mercosul ser um mercado
extremamente importante para o nosso país. Em primeiro lugar, porque o
Brasil tem sua pauta de exportações, para a Europa, a China, focada nos
produtos primários. Os países para onde o Brasil vende produtos
manufaturados são os do Mercosul e da América do Sul, e os Estados
Unidos. Nesse último caso, cumpre esclarecer, é por causa do comércio
“intra-firma”. As filiais americanas daqui vendem para as suas unidades
nos EUA, mas essas mesmas filiais não exportam para a China nem a
Europa. O Brasil só exporta como Brasil quando são as empresas estatais.
O restante das importações são empresas privadas que estão no país, mas
não são nacionais [em termos de capital]. As pessoas não sabem o que é a
questão do comércio dentro da firma. A Fiat do Brasil exporta para
Itália uma quantidade x de automóveis, o mesmo acontece em outros casos.
São poucas as empresas nacionais que fazem investimentos na Argentina,
Uruguai, Peru, Chile. É o caso da estatal Petrobras ou os bancos, como o
Itaú. Claro que a Ford do Brasil não investe na Argentina. Lá, é a Ford
dos EUA que investe. Um problema complexo, de longo prazo, é a presença
das megaempresas multinacionais no Brasil sem a possibilidade de
controlá-las, a qual o Brasil abdicou na reunião da Rodada do Uruguai.
Brasil de Fato: Mas em que isso fragiliza o Brasil?
SPG: Não se pode diversificar as exportações. A grande
presença das empresas multinacionais, sem maiores obrigações, faz com
que elas exportem apenas para onde elas decidem exportar. Qualquer
campanha ou tentativa de expandir exportações para a China é frustrada
porque elas não vão exportar, ou porque já estão lá e não vão concorrer
com elas mesmas, ou porque decidem abastecer a China, digamos, partir de
outra unidade. Isso afeta todo o comércio exterior na área de
manufatura. Muitas empresas de capital nacional trabalham com tecnologia
estrangeira, mas mediante condições. Por exemplo, a empresa pode
produzir no país, mas não pode exportar.
Brasil de Fato: A Embraer seria uma delas?
SPG: Não. Mas, veja, a Embraer, que é uma montadora, não pôde
exportar aviões para a Venezuela porque as firmas norte-americanas que
iriam fornecer as peças não forneceram. Mas pôde exportar para a
Colômbia, uma decisão política para exportar para aquele país e não para
outro.
Isso prejudica o comércio exterior, porque o processo de desenvolvimento
é de acumulação de capital. Não de capital financeiro, mas de capital
físico. Como uma empresa se desenvolve? Aumentando suas instalações,
suas máquinas e assim por diante. De uma forma geral, para acumular o
capital físico, tem que gerar excedentes, os lucros. Esse lucro tem dois
destinos: são distribuídos, sob a forma de dividendos, aos acionistas
daquela empresa ou são reinvestidos na compra de equipamentos. Se a
empresa é nacional, em princípio, ela distribui dividendos para
brasileiros e investem no Brasil. Se a empresa é estrangeira, obtém
lucro e distribui dividendos aos acionistas estrangeiros e, apenas
eventualmente pode aumentar ou não seu capital físico no Brasil.
Brasil de Fato: Mas isso não decorre de uma alteração constitucional feita sobre empresa brasileira?
SPG: Sim. Durante o período do presidente Fernando Henrique
Cardoso (FHC), “preocupado” com os destinos da empresa nacional
[ironiza], resolveu igualá-la a empresa multinacional. Isso é uma coisa
gravíssima. Claro que se pode utilizar o capital estrangeiro para
induzir a transferência de tecnologia, diversificação das exportações,
criação de tecnologia dentro do país. Na China, há centenas de centros
de pesquisa de desenvolvimento de empresas multinacionais, induzidas
pelo governo. No Brasil, isso não ocorre.
Brasil de Fato: Para legitimar o fiasco regional, existe um
jornalismo de desintegração. O que nos impede de fazer o jornalismo da
integração?
SPG: Dois dos mais importantes instrumentos de influência
política das grandes potências são o setor financeiro e o de
comunicações. São fundamentais. O setor de comunicações é o que faz o
imaginário das pessoas. Fazem com que elas acreditem, por exemplo, que o
presidente Chávez é um ditador. E muitas outras coisas. O Iraque foi
atacado a pretexto de possuir armas de destruição em massa, mas
verificou-se que isso não existia. Nesse caso, é importante até imitar
os EUA no passado, isto é, impedir os monopólios e oligopólios nos meios
de comunicação, democratizar as verbas oficiais de publicidade do
Estado. Algo que a Argentina também fez, com a Lei de Meios. Isso
permitiria haver concorrência nos meios de comunicação, o que não há no
Brasil. Como está, a comunicação é um instrumento importante de
exercício de poder da classe hegemônica local que está vinculada a
classe hegemônica dos países altamente desenvolvidos.
Brasil de Fato: Não se sabe, por exemplo, que a
Venezuela tem hoje o maior salário mínimo da América Latina, o
equivalente a R$ 2,1 mil e a Argentina, o equivalente a R$ 1,4 mil.
SPG: Sobre isso, se silencia. E vão se criando uma série de
factoides, ou seja, situações que não existem além de ocultar outras
questões importantes.
Brasil de Fato: Voltando ao tema da economia, está em curso um processo de desindustrialização do Brasil?
SPG: Não tenho a menor dúvida. Quase todos os economistas
estão de acordo com isso. Há um processo que tem uma dinâmica própria,
que deriva de dois fatos. O primeiro é a emergência da China e sua
enorme importância por produtos primários. Esse fato está diretamente
ligado à necessidade de divisas do Estado, porque não equilibra o
balanço de pagamento senão entrarem recursos, se não entrar capital.
Como se tem enorme dificuldade em expandir o comércio de manufaturados, o
comércio de matéria-prima acaba sendo direcionado para a China, o que
torna atividade do agronegócio e da mineração altamente lucrativa.
Do outro lado, a China tem necessidade de exportar manufaturados, dos
produtos mais simples aos mais complexos, como bens de capital. A China
tem deslocado a posição dos EUA e da Alemanha no fornecimento de bens de
capital para o Brasil e a Argentina, porque os preços [chineses] são
mais baratos. Isso entra em competição com indústria instalada no
Brasil. Contribui para reduzir os lucros dessa indústria, que começa a
importar insumos para reduzir seus custos e depois acaba simplesmente
importando e distribuindo o produto estrangeiro. Europa e EUA também
procuram exportar manufatura porque precisam gerar divisas e criar
empregos lá. Os EUA tem tido superávit grande com o Brasil. Ano passado,
a vantagem comercial foi de oito bilhões de dólares. Isso contribui
para tornar a atividade industrial no Brasil menos lucrativa e o
agronegócio e a mineração, ao contrário, atividades mais lucrativas.
Inclusive porque com a política cambial e o influxo de dólares, o real
está supervalorizado, então é muito fácil exportar, mas difícil
importar.
É uma dinâmica com interesse internacional muito forte. Na área do
agronegócio, as exportadoras são multinacionais. Não é o produtor de
soja que exporta. A Cargill, Dreyfus, a Bunge… as cotações da soja estão
altíssimas e quem se apropria disso são as multinacionais. Teria que
haver um imposto de exportação para usar esse recurso, para duas
finalidades, em minha opinião. A primeira seria promover o processamento
das matérias-primas no Brasil. O que acontece com a soja que vai para
China? É transformada em farelo, óleo de soja, então teria que se
promover a transformação aqui. O minério de ferro que vai para a China é
transformado em aço que nós compramos sob a forma de trilho. Para isso,
precisa de atuação do governo.
Brasil de Fato: Esse modelo não tem sido estimulado pelo próprio
governo? Como o senhor avalia essas medidas recentes de concessão de
rodovias e ferrovias, justamente em ramais que favorecem a economia
agroexportadora?
SPG: Eu não estudei a questão das concessões em detalhes. Mas, tendo em
vista a demanda que existe por esses produtos, não se pode simplesmente,
por causa das restrições de balanço de pagamento, deixar de construir
esse tipo de infraestrutura. A hipótese é que se precisa construir
rodovia, até por causa do próprio desenvolvimento do mercado interno,
porque não se transporta só produtos do agronegócio, mas todo tipo
produto. Com a ferrovia, é a mesma coisa. A premissa é se o Estado vai
ter empresas construtoras de ferrovias e rodovias ou se vai contratar a
iniciativa privada. E se contratar a iniciativa privada, ela será
nacional ou estrangeira?
Se for nacional ou estrangeira, definir quais serão as condições, o
lucro que se pretende. Para constituir o mercado interno, é necessário
construir as redes de comunicações, com ferrovias, rodovias, metrô,
portos, até para permitir que a economia funcione. Não se pode
prescindir. Se a economia cresce e a rede física não expande, gera
problemas graves, como congestionamento de portos e aumento de custos de
produção.
Brasil de Fato: O senhor tem escrito muito acerca da
relação complexa do papel das empresas brasileiras nos outros países no
curso de uma integração. E também da política externa brasileira, que
facilitou e fortaleceu a presença brasileira na Ásia, no mundo árabe, na
América do Sul e até na África. O papel das empresas brasileiras
contraria interesses dos países nessas regiões?
SPG: Acho que isso se aplica mais à América do Sul, ainda
tendo em vista que o número de empresas brasileiras com capacidade para
operar fora é relativamente reduzido. Poderíamos citar a Petrobrás,
Vale, o setor bancário. Por isso, essa expansão das empresas brasileiras
se dá na zona mais próxima, na América do Sul, através da aquisição de
empresas locais, situações que poderiam gerar conflito entre empresas
brasileiras e governos, como já houve em alguns casos e podem se agravar
e levar a casos delicados politicamente.
Brasil de Fato: Mas qual seria o papel possível, dentro
de uma regra capitalista, para o Estado brasileiro impedir que as
empresas cedam à tentação de um sub imperialismo?
SPG: Eu acho que podem ser estabelecidas condições
preferenciais. Por exemplo, não acho que o governo brasileiro deve
financiar a aquisição, por empresas brasileiras, de empresas dos outros
países. O governo pode estimular um comportamento diferente, de
financiar a formação de associação com empresas locais. Aí o governo dá
juros mais baixos, linhas de créditos especiais. A diferença de tamanho
da economia brasileira é tal em relação aos outros países vizinhos que a
penetração de capital brasileiro nesses países é extraordinária. Na
Argentina, hoje em dia, a presença do capital brasileiro é muito grande,
no setor bancário, setor do petróleo, mesmo no setor de frigorífico, a
presença é muito importante. Tudo isso faz com que, se o governo local
decide, por exemplo, mudar a legislação de remessas de lucros, a
empresas brasileiras vão ser afetadas por isso, vão querer influir sobre
o governo local. Se não tiverem êxito, vão pedir auxílio ao governo
brasileiro. É uma tendência muito grande. A tendência não é haver um
influxo de empresas equatorianas ou peruanas no Brasil.
Brasil de Fato: Há 30 ou 40 anos, Brasil e China
estavam em uma situação parecida em diversas áreas. Mas, de lá para cá, a
China, que não tinha programa espacial, atualmente já lançou nave no
espaço. Não havia programa nuclear, hoje isso é bastante desenvolvido
por lá. O Brasil não avançou quase nada nesses dois setores. Qual a
explicação histórica para isso?
SPG: Houve opção por um tipo de política econômica,
especialmente a partir do governo Fernando Collor de Mello. Essa escolha
de política econômica foi baseada, inclusive, nos princípios que estão
consolidados no chamado Consenso de Washington. Havia a ideia de que o
Estado seria a grande causa dos problemas que afligiam a economia
brasileira, na área da dívida externa, inflação, entre outras. Esse
consenso dizia, em primeiro lugar, que o Estado deveria abdicar de
qualquer atividade econômica e industrial, o que refletiu um programa de
privatização. Todas as atividades de produção deveriam ser privadas,
não apenas a área produtos de consumo, mas todas. Não privatizaram todo o
setor de energia porque não tiveram oportunidade. Em segundo lugar, o
Estado também interferia na atividade econômica através de “regulamentos
excessivos”, então deveria desregulamentar, ou seja, deixar as empresas
“livres” para que, através do jogo das forças de mercado, houvesse
melhor alocação possível de recursos. Três, deveria haver abertura da
economia para o exterior. O Estado deveria deixar de interferir no
comércio exterior, de preferência eliminando todas as tarifas
[alfandegárias].
O que ocorreu com a China, comparativamente, é que o Estado participou e
organizou o processo de desenvolvimento econômico. Houve participação
do capital estrangeiro, mas de forma disciplinada, sob um modo de ver o
sistema econômico. Uns acham que para um país subdesenvolvido se
desenvolver, a presença do Estado é essencial, com o fortalecimento da
sua estrutura produtiva, suas empresas, assim por diante. Outros achavam
que não, que isso ocorreria naturalmente, a transferência de tecnologia
aconteceria sem maiores problemas. Começou no governo Collor, foi
freada na gestão Itamar Franco, mas aprofundada no governo Fernando
Henrique Cardoso. Com o presidente Lula, essa política foi, aos poucos,
sendo modificada. Quando se toma o programa como o Bolsa Família,
trata-se de aperfeiçoamento da mão-de-obra porque, do ponto de vista
econômico, faz com que as crianças tenham que ir para a escola, faz com
que haja programa de saúde, controle de pré-natal, vacinas. Também houve
impacto no mercado de consumo, aumento de demanda por produtos. O
Programa Luz para Todos também estimulou isso. Onde não há luz, não há
produto industrial. Vale citar os programas de crédito e os esforços na
área de infraestrutura. Havia 20 anos que o Brasil não construía uma
refinaria. Houve uma mudança progressiva em várias áreas.
Brasil de Fato: Mas o modelo econômico permanece o mesmo.
SPG: Sim, porém essa pressão tem que vir dos movimentos
sociais. Se os movimentos não pressionam, as classes hegemônicas
pressionam do outro lado, porque têm acesso mais fácil ao governo. Se
não se faz pressão popular por outro modelo econômico, ele não vai
ocorrer.
Fonte: Brasil de Fato