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domingo, 13 de dezembro de 2020

Clarice Lispector: “Feliz [?!?!] Aniversário”?!?! - por Arnaldo Godoy

 Mais uma das crônicas literárias — que o Conjur chama de Embargos Culturais — de Arnaldo Godoy, que por acaso me fez lembrar de uma “comédia-tragédia” familiar italiana, Parente Serpente.

EMBARGOS CULTURAIS

A propósito do centenário do nascimento de Clarice Lispector

Por 

Na última quinta-feira (10/12), lembramos o centenário do nascimento de Clarice Lispector, que faleceu em 1977. Nasceu na Ucrânia. Veio muito nova para o Brasil. Seu nome de batismo é Chaya Pinkhasovna Lispector. À clássica biografia de Nádia Battella Gotlib acrescenta-se o trabalho de Benjamin Moser, na belíssima edição da Companhia das Letras. Os livros de Nádia e de Benjamin são afagos que temperam o Natal de leitores sensíveis. Clarice esteve aqui em Brasília em 1976, ganhando o prêmio da Fundação Cultural. Acabara de se separar do marido, o diplomata Maury Gurgel. Pronunciou uma conferência sobre a literatura de vanguarda no Brasil. Trata-se de um registro da atuação de Clarice, em assunto de teoria literária. A conferência está publicada em "Outros Escritos", da Editora Rocco. 

Tímida e ao mesmo tempo ousada (na percepção dela mesma), Clarice legou-nos passagens que se abrem a intermináveis especulações. Necessária uma escolha (ainda que arbitrária) que me dê mote para texto comemorativo. Em "Feliz Aniversário", Clarice explorou dramas da velhice e desencontros familiares. É essa a narrativa que exponho. A propósito do aniversário de uma anciã, Clarice alcançou o cômico e o trágico, fundindo essas duas instâncias da condição humana. O leitor pode se ver com os olhos da senhora, sofrendo as humilhações que lhe são impostas. A aniversariante (com dificuldade) manifesta vontade que lhe foi retirada. É uma história de assustar. Dá medo de envelhecer. Muito medo. Muito medo mesmo. Parece-me que Clarice também nos adverte em relação ao que podemos esperar de nossos parentes. 

A anciã, na narrativa, completa 89 anos. Era grande, magra, morena, imponente e, ao mesmo tempo, oca. Vivia com uma das filhas. A dona da casa organizou a festa como pôde, arrumando a sala, que encheu de balões. Para ganhar tempo, conta-nos Clarice, a filha vestiu a aniversariante logo depois do almoço. A anciã foi logo sentada na ponta da mesa, aguardando os convidados, todos da família, que chegariam bem mais tarde. Clarice nos dá a impressão de que a protagonista da narrativa era um mero adereço no apartamento. 

Um dos filhos não foi à festa. Não queria encontrar os irmãos. Enviou em seu lugar a esposa e os três filhos, ao que consta ainda adolescentes. Era a "turma de Olaria", os suburbanos que se vestiram cuidadosamente porque iriam para Copacabana, onde a festa ocorria. A nora de Olaria deixava claro que não queria ir, e que estava ali obrigada pelo marido ausente. Fazia cara feia. Chega também a nora de Ipanema, esnobe, com dois netos e com uma babá, que Clarice dizia ociosa. O marido chegaria depois. Maridos de madames sempre chegam depois. Têm sempre um compromisso, no escritório, ou na política, ou em qualquer lugar que inventam na hora. As noras não se olhavam, se detestavam. Também veio o filho mais velho, que assumira o lugar de um filho falecido. Compareceu com toda a família. 

Comiam sanduíches de presunto, croquetes, bebiam ponche. Há cheiro de gordura e de fritura no apartamento. Havia na mesa um imenso bolo, com uma vela, junto à qual havia um pedacinho de papel onde se lia: 89. Gritam a idade da avó, cantam parabéns, os netos que estudavam no Colégio Bennet sempre falando em inglês. Conta-nos Clarice que as lembranças e presentes que a aniversariante recebeu de nada serviam. Uma saboneteira, um broche de fantasia, um pequeno vaso de cacto. Nada se aproveitaria. A dona da casa, amargurada, guardava os mimos com certa amargura, nada lhe serviria. Em torno de uma sala apertada circulavam, gritavam, comiam o que havia. O leitor tem a sensação de que os convidados cumpriam ritual, presos em inadiável obrigação. Contavam em ver a velhinha no ano seguinte, quando haveria um outro jantar. O encontro era anual, enquanto a anciã vivesse. 

A anciã olhava. Perplexa. Verdadeiramente desprezava aquelas pessoas. Desprezava os filhos. Carne de seu joelho. Eram seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos. As mulheres eram todas de pernas finas, vaidosas. A aniversariante explodiu! Pediu vinho! E não queria pouco. Que vovozinha de nada, gritava! Que o diabo carregasse a todos: maricas, cornos, vagabundas! Cuspiu no chão! A família assustou-se com o destempero da avó. A avó esperava que após o bolo ainda houvesse comida. Hora de ir. Todos se despedem, combinando retomar as festividades no ano seguinte. A anciã comemoraria (sic) 90 anos. 

Clarice Lispector opôs familiares remediados e familiares não remediados; era a turma de Ipanema contra a turma de Olaria, que se encontravam em Copacabana. Fixou o irmão que rejeita toda a família, mas que obriga que a mulher o represente, talvez para que se lembrem de sua bravata. Uma protagonista central é a irmã a quem cabe cuidar da mãezinha, como um subpreço pelo fato de que não constituiu família própria. Todos estão reunidos e, ao mesmo tempo, muito distantes, na celebração de ritual que mais parecia prece de morte.

"Feliz aniversário" é reflexão muito séria sobre a velhice, que nos faz lembrar uma passagem emblemática de um autor romano (Ovídio): "Pensai, desde agora, na velhice que virá; assim o tempo não passará em vão para vós. Diverti-vos, enquanto é possível, enquanto vos encontrais nos verdes anos; os anos passam como a água que escoa: nem a água que corre voltará para trás, nem as horas poderão voltar. O tempo tem de ser aproveitado: ele foge com passo veloz e por melhor que seja não é tão bom como o que o antecedeu". A anciã, cujo nome não se lê no texto, é desprovida de vontade, de vigor, de voz de ordem. Talvez por isso nem mesmo nome tenha. Está ali, mas, ao mesmo tempo, não está. Está viva, mas já não tem mais vida. É um fator residual de união que talvez nunca tenha existido, ou que se desfez ao longo da vida. "Feliz aniversário" é também uma narrativa sobre o tempo, devorador de pessoas e de coisas, que nos faz pensar sobre a eternidade de Clarice, e de seus textos, e do modo como falava com a alma, nos termos em que compartilhei essas reflexões com uma alma gêmea.


sábado, 18 de outubro de 2014

Monteiro Lobato e a ciencia para as criancas - Ciencia Hoje

Ciência com Monteiro Lobato

Histórias infantis menos conhecidas do autor brasileiro tratam de temas que podem ser excelentes recursos no ensino de disciplinas científicas.
Por: Vera Rita da Costa
Ciência Hoje, 17/10/2014
Ciência com Monteiro Lobato
Em diversos livros, Monteiro Lobato fornece aos leitores os princípios básicos da química, física, geologia e noções do surgimento da vida e de evolução – importantes para quem trabalha na área de educação em ciências. (montagem: Alicia Ivanissevich)
Responda essa pergunta: você já leu Monteiro Lobato? Mas responda com sinceridade e observe bem a pergunta: não se trata apenas de saber se você conhece a obra de Monteiro Lobato (1882-1948). Se considerássemos apenas isso, já saberíamos a resposta. Ela seria sim, pois não há obra da literatura infantil brasileira mais explorada pela mídia.
O Sítio do picapau amarelo foi adaptado para a TV inúmeras vezes. Desde a década de 1960, já foi transmitido, como série televisiva, pela extinta TV Tupi, TV Cultura, TV Bandeirantes e Rede Globo. E, ainda hoje, pode-se assistir ao programa por essa última emissora ou, como desenho animado, em canais pagos, como o Cartoon Network.
Portanto, não há dúvidas de que todo mundo conhece – ou pensa conhecer – o Sitio do picapau amarelo e seu autor. O fato, no entanto, é que aquilo que se conhece da obra de Monteiro Lobato ‘via TV’ é apenas um fragmento. Justamente aquele que foi selecionado e adaptado segundo os pressupostos da ‘linguagem televisiva’ ou, ainda, com base na ideia preconcebida do que seria do interesse do público, em especial das crianças.
No Sítio que conhecemos pela TV, e mais recentemente por meio das séries de histórias em quadrinhos que também foram lançadas, quase nada entra do conteúdo científico que Monteiro Lobato incluía em suas histórias
Muita coisa legal e importante de Monteiro Lobato ficou, assim, de fora das adaptações de sua obra. Entre elas, a ciência. No Sítio que conhecemos pela TV, e mais recentemente por meio das séries de histórias em quadrinhos que também foram lançadas, quase nada entra do conteúdo científico que Monteiro Lobato incluía em suas histórias.
Talvez você não saiba, mas o autor era fascinado por ciência e considerava que a disseminação da informação científica e o próprio ensino de ciências seriam ótimos caminhos para o avanço e o desenvolvimento da sociedade brasileira.
Suas histórias infantis contêm muita ciência e podem, justamente por isso, ser excelentes recursos no ensino, em atividades que aliem ciência e literatura. Podem, também, auxiliar na formação de professores das séries iniciais do ensino básico, que se queixam de formação insuficiente nessa disciplina.

Instrução e diversão garantidas

Para isso, no entanto, seria necessário conhecer melhor sua obra. É preciso esquecer as versões ‘pasteurizadas’ do Sitio do picapau amarelo, nas quais se deu mais destaque aos aspectos do folclore brasileiro e das aventuras imaginativas dos personagens, em especial da boneca Emília, e debruçar-se sobre as versões originais. Mais ainda: procurar ler os livros infantis menos conhecidos de Monteiro Lobato e usá-los com as crianças.
Se você fizer isso, vai se deliciar e aprender e ensinar muita ciência. É garantido.
Para quem gosta de ciências naturais, História das invenções, O poço do Visconde e Serões de Dona Benta são fascinantes.
Visconde de Sabugosa
O Visconde de Sabugosa é o personagem que, ao longo da obra de Lobato, vai encarnando a figura do cientista. (imagem: portaldoprofessor.mec.gov.br)
Em História das invenções, o autor conta, pela boca do personagem Dona Benta, a história do mundo, desde o surgimento do universo até a invenção da boneca Emília e do próprio Visconde de Sabugosa, o personagem que ao longo da obra de Lobato vai encarnando a figura do cientista.
Nesse livro, em especial, o escritor introduz os princípios elementares que sustentam a teoria científica sobre o surgimento e a evolução da vida na Terra; descreve o surgimento da espécie humana e o modo de vida dos hominídeos; fala da importância da invenção da agricultura e do valor da criatividade e adaptabilidade humanas. Detalha, especialmente, como surgiram e evoluíram os artefatos humanos, apresentando-os como extensões dos órgãos e das capacidades humanas.
Você já pensou sobre isso? Que uma moradia, como um alto edifício, nada mais é do que uma extensão de nossa pele que tem a função de nos abrigar? Ou, ainda, que os óculos, o telescópio, o microscópio, as câmeras fotográficas e todos os demais artefatos óticos são extensões do olho humano, assim como todos os utensílios manuais, entre eles as armas, são prolongamentos de nossas mãos, e as rodas, a canoa, os barcos a vela e a vapor, os balões e os aviões, bem como todos os meios de transporte, são extensões de nossos pés ou adaptações culturais que nos tornam mais eficientes no desempenho de nossas funções biológicas? Em última instância, já refletiu sobre o fato de que todas as invenções são extensões do cérebro humano, ou seja, de nossa capacidade imaginativa?

Temas variados

Pois bem, Monteiro Lobato pensou sobre isso e transmite essa ideia às crianças leitoras de História das invenções, fundamentando-a com informações sobre o processo de evolução biológica e cultural da humanidade, de uma forma completamente inovadora e deliciosa, relacionando-as e entrelaçando-as. Fornece, assim, nesse livro, de forma muito atrativa e lúdica, aulas básicas (e essenciais) de astronomia, biologia e antropologia às crianças. Além disso, as instiga a pensar, em uma abordagem da ciência que os professores dessa disciplina deveriam conhecer melhor e buscar imitar, pois tornariam as aulas muito mais interessantes.
O mesmo acontece em Serões de Dona Benta, quando o autor introduz os leitores nos princípios básicos da química e da física, ou em O poço do Visconde, quando ele apresenta a geologia. Também acontece em Viagem ao céu, Emília no país da gramática, Geografia de Dona Benta, Reforma da natureza e Aritmética da Emília, apenas para citar as obras mais diretamente interessantes para quem está na área de educação em ciências.
Se quiser usar Monteiro Lobato para ensinar ciências deve, no entanto, ter cuidado: não se esqueça de que a obra literária desse autor data de mais de 50 anos atrás e de que há nela algumas ideias e informações que já se encontram ultrapassadas e que precisam ser ampliadas e discutidas
Se você se interessar por ler Monteiro Lobato e quiser usá-lo para ensinar ciências deve, no entanto, ter cuidado e seguir uma recomendação: não se esqueça de que a obra literária desse autor data de mais de 50 anos atrás e de que há nela, portanto, algumas ideias e informações que já se encontram ultrapassadas e que precisam ser ampliadas e discutidas.
Para se evitar aprendizagens equivocadas, é necessário, portanto, considerar essas ideias, abordando-as e tomando-as também como recursos de reflexão e de aprendizagem.
Mas, se você fizer isso, perceberá que algumas das ideias presentes na obra de Monteiro Lobato, que inadvertidamente poderiam ser consideradas ‘erradas’, refletem, de fato, ideias de senso comum e concepções alternativas ainda mantidas entre nós e, em especial, entre nossos alunos. São ideias, portanto, com as quais estamos constantemente lidando e que é melhor tê-las como aliadas da aprendizagem, discutindo-as em aula, do que como inimigas ocultas, a minar o trabalho proposto.
Como já discutimos aqui, é preciso lembrar que a construção da ciência (e do conhecimento de modo geral) é um processo contínuo de elaboração e reelaboração de ideias, conceitos e teorias, que se sucedem e se aprimoram ao longo do tempo. Por isso, para ensinar ciência adequadamente, não podemos deixar de abordar os caminhos tortuosos que muitas vezes se percorrem ao praticá-la, revelando a história de sua construção e reconstrução permanentes.
Mais que isso, depois de ler Monteiro Lobato, só resta um conselho para ensinar bem ciência: é preciso fazê-lo de modo claro e prazeroso. Como diz Pedrinho à Dona Benta: a ciência de que se gosta não é necessariamente aquela que está nos livros de ciência, complicada e difícil. É aquela “falada”, “contada”, “clarinha como água do pote”, que contempla “explicações de tudo quanto a gente não sabe, pensa que sabe, ou sabe mal e mal”.


Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP

sábado, 8 de junho de 2013

Literatura brasileira nos EUA: Yale University - Prof. Paulo Moreira

Foco na periferia

À margem dos centros locais e nacionais, o mundo rural atraiu o olhar simultaneamente crítico e afetivo de William Faulkner, Juan Rulfo e Guimarães Rosa. Esse é o ponto de partida de obra lançada no Brasil pelo professor Paulo Moreira, da Universidade de Yale, nos Estados Unidos.
Por: Roberto B. de Carvalho, 
Ciência Hoje, 05/06/2013
Os escritores William Faulkner (1897-1962), Juan Rulfo (1917-1986) e João Guimarães Rosa (1908-1967) estão entre os maiores nomes da literatura dos Estados Unidos, do México e do Brasil, respectivamente. Estudioso dos contos desses autores, o professor Paulo Moreira, do Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Yale (EUA), acaba de publicar, pela editora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a obraModernismo localista das Américas.
Capa de Modernismo localista das AméricasNo livro, Moreira – que se graduou em letras na UFMG e fez mestrado e doutorado em literatura comparada na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara (EUA) – articula, em perspectiva comparativa, três pontos que, a seu ver, aproximam a obra daqueles autores: o conto, a estética narrativa moderna e o localismo (termo que prefere usar no lugar de ‘regionalismo’). “Embora se diga que a narrativa moderna é expressão primordial das metrópoles, quase toda a obra de Faulkner, Rulfo e Rosa se ocupa de áreas rurais”, diz Moreira.
Nesta entrevista ao sobreCultura +, ele trata desses eixos temáticos de seu livro, da antologia imaginária de contos dos três autores que criou para embasar suas análises e do quadro atual dos estudos de literatura brasileira nos Estados Unidos.

Ver a entrevista no link: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/sobrecultura/2013/06/foco-na-periferia