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domingo, 14 de maio de 2017

Crimes economicos do lulopetismo na frente externa (Book review) - Paulo Roberto de Almeida

Minha mais recente resenha e mais recente publicação:


Crimes econômicos do lulopetismo na frente externa

Paulo Roberto de Almeida
 [Resenha de livro; publicação digital]

Fábio Zanini:
Euforia e fracasso do Brasil grande: política externa e multinacionais brasileiras na era Lula (São Paulo: Contexto, 2017, 224 p.; ISBN: 978-85-7244-988-5).

A história do Brasil, nos três primeiros lustros do século XXI, precisa ser totalmente reescrita, reelaborada e reinterpretada, à luz dos rumorosos e escabrosos casos de corrupção que vieram à tona a partir de 2014, muito embora um preview já tivesse sido oferecido ao distinto público desde 2005. Com efeito, o escândalo do Mensalão – cujo julgamento estendeu-se por sete longos anos – já tinha sido, de certa forma, uma antecipação, em menor escala, do Petrolão. Este representou, todavia, se não uma apoteose do lulopetismo mafioso, pelo menos um desfile em grande pompa dos grandes campeões da corrupção nacional, com maior sofisticação e desenvoltura na evolução da tropa de malfeitores, com um largo grau de desfaçatez e hipocrisia no enredo e, obviamente, com volumes inacreditavelmente maiores de recursos públicos e privados engajados (ops: extorquidos e desviados) nas operações até aqui registradas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Portanto, podemos conceder-lhe nota 9,5 em vários quesitos da evolução, ficando porém atrás de certa cleptocracia eslava em função da improvisação de muitos dos figurantes e do exibicionismo caipira de alguns donos do dinheiro. Mas voltemos à nova versão da história brasileira recente.
Essa reinterpretação se imporá aos futuros historiadores. Daqui para a frente será virtualmente impossível compreender a política brasileira (estrito senso), a política econômica (lato senso), as políticas sociais, a política externa e todas as demais políticas setoriais sem que se incorpore, sem que se admita, sem que se internalize uma simples constatação de base não opinativa, mas puramente factual: entre 2003 e 2016, uma organização criminosa comandou aos destinos do país e orquestrou o mais gigantesco assalto a uma nação soberana de que se tem registro nos anais hemisféricos; exemplos africanos abundam, mas estamos falando aqui das Américas como um todo, o que não é pouco, já que quanto maior o PIB, maiores as possibilidades nessa área, mas cabe ficar claro que, quanto maior o Estado, maiores as chances para os larápios de todos os tipos.
É sintomático, a esse título, que o nome da maior companhia corruptora do hemisfério, e certamente candidata a ser a maior do mundo, figure já na ficha catalográfica deste livro do jornalista Fábio Zanini, que tem o seguinte ordenamento: 1. Brasil – Relações exteriores; 2. Empresas multinacionais – Brasil; 3. Construtora Norberto Odebrecht; 4. Brasil – Política e governo. A inclusão da construtora promíscua  numa página editorial com tal destaque é inteiramente justificada: afinal de contas, a empresa colocou o Brasil na liderança da corrupção nas Américas, no Guinness Book of Records das práticas delitivas mais exemplarmente políticas desde os tempos de Maquiavel e dos Borgia. Não é todo dia que o Brasil atrai a atenção do mundo inteiro, ainda que seja pelos piores motivos possíveis. Finalmente, a gigante americana da energia, Enron, “só” desviou algumas dezenas de bilhões de dólares de seus acionistas, mas o escândalo dos companheiros avança na casa das centenas de bilhões de dólares. Muito possivelmente, as descobertas até aqui constituem a ponta de um gigantesco iceberg, uma vez que envolveram tão somente a Petrobras, embora outros candidatos estejam “ávidos” para aparecer (como um grande banco estatal, por exemplo).
O livro em questão, aliás, tem tudo para ser um sucesso quando a caixa preta do BNDES for finalmente aberta por seus novos dirigentes, ou escancarada pela Polícia Federal, uma vez que, entre 2003 e 2015, o banco financiou quase seiscentos projetos em onze países da África e da América Latina, por um volume total equivalente a mais de US$ 14 bilhões, ou seja, quase R$ 50 bilhões (a maior parte abocanhada pela pouco discreta Odebrecht). Não por acaso, os países visitados por Zanini na preparação desta obra-reportagem integram um arco que poderia ser chamado de cordão de ouro dos grandes negócios heterodoxos (existiria algum outro nome não ofensivo?): Namíbia, Angola, Peru, Moçambique, Guiné Equatorial, ademais de diversos outros igualmente envolvidos nas operações externas do banco. Nem todos os contratos de compra de equipamentos e de serviços brasileiros por esses países implicam necessariamente a corrupção em grande estilo a que se assistiu no Mensalão e agora no Petrolão; mas todos eles implicam em perdas quase certas para o país, dado o generoso financiamento feito pelo banco, com subsídios do Tesouro às linhas de crédito assim abertas, cujos custos precisam ser cobertos pela carga fiscal sempre crescente do Brasil.
Da mesma forma, nem todo o relacionamento diplomático do Brasil com tais países, e vários outros em diversas outras regiões do mundo, está tisnado por fortes doses de corrupção como quase certamente ocorre no caso de algumas ditaduras africanas e nos ditos países “bolivarianos”. Mas o que se assistiu nos últimos anos em matéria de patifarias e de frustrações derivadas da falta de gerenciamento executivo – substituído por aventureiros vinculados aos companheiros – impressiona pelo que o Brasil e o seu povo perderam em recursos “contabilizados” no vermelho (como as imensas perdas da Petrobras, por exemplo), e mais ainda em função do famoso custo-oportunidade, ou seja, o que o Brasil deixou de ganhar pelos maus investimentos, quando não pelos “investimentos” criminosos (do tipo Pasadena e outros). O livro de Zanini não trata de todos os casos, mas a coleção de “causos” relatados vai realmente, como diz o título, da euforia ao fracasso.
Na Namíbia, por exemplo, a Petrobras resolveu “acabar com a brincadeira” em 2013, “uma brincadeira cara que já havia custado ao menos US$ 100 milhões aos contribuintes brasileiros” (p. 71). Os negócios de petróleo na Namíbia foram incluídos “junto de licenças no Benim, Gabão, Nigéria e Tanzânia numa negociação com o banco BTG Pactual, que desembolsou US$ 1,5 bilhão por elas – valor considerado baixo por alguns analistas de mercado, mas defendido pela Petrobras como a melhor opção naquele momento” (p, 71). Como ocorreu provavelmente no caso da famosa refinaria Pasadena – mas numa operação com valores para cima, e não para baixo, como na África – o menos importante, para a Petrobras de seu então presidente e para a então “presidenta” do Conselho de Administração, não eram exatamente a refinaria ou os campos de petróleo quanto as operações financeiras em si, permitindo liberar milhões de dólares, num sentido ou noutro (ou seja, compra ou venda), sem qualquer controle dos órgãos nacionais pois que transacionados em circuitos financeiros do exterior. Isso não figura no livro de Fábio Zanini, mas posso apostar – sem sequer conhecer os meandros dessas negociações envolvendo centenas de milhões de dólares – que os objetivos visados eram bem mais financeiros do que propriamente operacionais.
Essa característica básica dos negócios multinacionais companheiros aparece em segundo plano em praticamente todas as histórias coletadas pelo jornalista, e aqui se trata bem menos de política externa – ainda que ele cite muitos telegramas confidenciais do Itamaraty – e bem mais de operações financeiras externas, nas quais o Ministério das Relações Exteriores tem um papel equivalente ao de Pilatos no Credo: é mencionado mas não tem absolutamente nada a ver com as patifarias a elas subjacentes. O cenário geral do livro é, obviamente, a tal de “projeção externa” do Brasil, que efetivamente cresceu de maneira até desmesurada na era Lula – dezenas de novas embaixadas em países inexpressivos – mas o fulcro real não é tanto a política externa ou as grandes multinacionais brasileiras do subtítulo, quanto os negócios em si, a ponto de podermos afirmar que essa “projeção” é um subproduto, uma espécie de “side effect” da meta real: a realização de negócios bilionários, para a maior gloria (financeira) dos capitalistas e da nova burguesia do capital alheia, os companheiros mafiosos capitaneados pelo chefão inescrupuloso. Este, com suas palestras virtuais, foi o menino-propaganda da gigantesca Odebrecht, ambos dedicados a fazer milhões às custas do Tesouro, e em última instância do povo brasileiro, mas com perdas adicionais também para os povos “atingidos” e despojados pelos miríficos projetos ativamente promovidos pelo maior ladrão da política brasileira, nunca antes visto em nossa história.
O caso da Namíbia, meticulosamente examinado por Fábio Zanini, talvez se aplique como lição geral a partir desse “fracasso do Brasil Grande” propagandeado por Lula, como já tinha ocorrido aliás na era militar, quando os generais alimentavam o sonho do Brasil “grande potência”, e nos levaram à derrocada financeira nos anos 1980:
O espalhafato e a megalomania de empreendedores excêntricos, a promessa de lucro fácil, a falta de planejamento e o tráfico de influência sobrepõem-se, antes da derrocada final, em que os grandes prejudicados são os países receptores, que mais uma vez se veem usados. (p. 72)

Na verdade, os brasileiros – nós, os contribuintes – fomos tão usados quanto os países visados nas caravanas da corrupção lideradas por Lula e pelos dirigentes da Odebrecht e das demais construtoras, companhias que são geneticamente corruptas em quaisquer países e em quaisquer circunstâncias, mas que no Brasil dos companheiros encontraram terreno fértil e a mais perfeita associação delitiva para ampliar os negócios numa extensão nunca antes vista neste ou em qualquer outro país. Nada escapava à sanha delinquencial das companhias e dos companheiros: tudo era motivo para um superfaturamento aqui, um aditivo orçamentário ali, uma comissão paga antes, durante e depois dos contratos, com caixa dois ou sem ele, nos momentos eleitorais ou em qualquer tempo e lugar, nenhuma oportunidade de desvio, de falcatrua, de roubalheira, de extorsão e de pagamentos em cash ou via doleiros e banqueiros cúmplices, tudo isso se praticou em larga escala durante os anos lulopetistas de governos criminosos.
O capítulo sobre Angola está todo resumido em seu início:
No país africano, a Odebrecht, impulsionada pelo dinheiro público brasileiro, ajuda a sustentar uma ditadura que está no poder há quase quatro décadas. (p. 75)

O “quartel general” da multinacional brasileira – que dizem ser a verdadeira embaixada do Brasil em Angola – fica num Business Park cercado, ao lado de um luxuoso shopping, também construído pela companhia. Uma especialista britânica resume também o sentido das “concorrências públicas” feitas pelas autoridades de Angola para alguns grandes projetos de infraestrutura no país: “Em Angola até existem licitações, mas nem sempre para a Odebrecht” (p. 78). Um desses projetos, a usina hidrelétrica de Laúca, sobre o rio Kwanza, saiu caro: US$ 4 bilhões. “E para que essa conta fosse paga, veio uma ajudinha do Brasil” (idem). Lula, já ex-presidente, visitou o país em maio de 2014, e cobrou o seu cachê habitual da Odebrecht: US$ 200 mil. Todos os personagens dessa história, inclusive o marqueteiro João Santana, à exclusão dos angolanos, já foram enquadrados por tráfico de influência.
Cabe, assim, ter consciência de que a Lava Jato é apenas uma pequena parte da gigantesca máquina de corrupção criada pessoalmente por Lula e pelos companheiros do partido neobolchevique (pelos métodos, não pelos objetivos, uma vez que eles não pretendem enterrar o capitalismo, apenas viver à sua sombra e proteção). Ao longo dos diversos casos e capítulos narrados de forma fluente por Zanini é possível fazer essa junção de interesses que tem menos a ver com a política externa brasileira ou com a sua diplomacia profissional – muitas vezes mantida à margem desses negócios obscuros – e mais com a ambição desmedida de capitalistas e burgueses do capital alheio, todos eles promíscuos, incrivelmente corruptos, numa extensão que está sendo recém desvendada pelas delações premiadas de muitos executivos e de alguns apparatchiks menos fieis.
Mas o livro representa também apenas um aspecto menor, o da interface externa, da Grande Destruição perpetrada pelos companheiros nos campos econômico, político e sobretudo moral, no próprio Brasil. A maior recessão da história econômica do país,  causada pela inépcia administrativa e pela imensa teia de corrupção que agora perpassa todas as instâncias do poder público e largos estratos do setor privado, dificilmente será superada antes de o Brasil comemorar melancolicamente seus primeiros dois séculos de vida independente, com uma renda per capita equivalente ao de uma década atrás. No campo da política externa, o lulopetismo diplomático representou uma tremenda perda de credibilidade para o próprio país, uma vez que os companheiros se aliaram a algumas das ditaduras mais execráveis do planeta – questão apenas parcialmente tratada no livro, pelo lado de algumas ditaduras africanas – e aproveitaram dessa “peculiaridade” para fazer lucrativos negócios, em todas as esferas possíveis, sem qualquer restrição mental quanto a direitos humanos e democracia, valores e princípios que figuram em nossa carta constitucional e que aparentemente deveriam guiar nossa diplomacia.
As relações do Brasil com os países ditos bolivarianos e com a ditadura dos irmãos Castro em Cuba não são tratadas, a despeito de elas também envolverem os generosos financiamentos dos bancos estatais brasileiros e operações com algumas grandes empresas estatais e privadas, entre estas inevitavelmente a Odebrecht. Mas o livro menciona, ao final, o triste caso da Guiné Equatorial, cujo ditador, o campeão da longevidade política no continente, se relacionou de maneira exemplar com o chefe da organização criminosa que infelicitou e empobreceu o Brasil, e que também retirou algo do brilho profissional de sua diplomacia. Ao considerar o “interesse estratégico” do Brasil no pequeno país africano, Zanini aponta a contradição nesse relacionamento estimulado pelos companheiros com determinados valores de nossa diplomacia:
O desempenho da Guiné Equatorial na área de direitos e o fato de ser uma ditadura virtualmente de partido único, com um dos presidentes há mais tempo no cargo em todo o planeta, em nenhum momento fizeram parte dessas considerações estratégicas [do governo Lula]. (p. 217)

O livro não tem conclusões ou argumentos finais, o que nos obriga a retornar à sua introdução para registrar a avaliação geral do autor sobre o sentido profundo do regime lulopetista para o Brasil, inclusive em suas conexões externas:
O financiamento público a obras de infraestrutura no exterior tinha elementos de tráfico de influência ou, pior, foram azeitados pelo pagamento de propina, como revelaram operações de combate à corrupção, sobretudo a Lava Jato. O caixa do PT foi engordado por doações de empresas beneficiadas por esse expansionismo desmedido.
A promiscuidade entre o novo governo brasileiro [de Lula] e novos parceiros estratégicos em países como Angola, Peru e Moçambique, tornou-se clara. Talvez nada simbolize melhor essa nociva simbiose do que o publicitário petista João Santana em países como Venezuela, Angola e República Dominicana, recebendo ilegalmente por campanhas presidenciais via depósitos clandestinos da Odebrecht, a empreiteira símbolo da era Lula. (p. 10-11)

O livro, em acordo com a profissão do autor, é uma grande matéria jornalística, mas alimentada por telegramas de chancelaria e documentos pouco usados nesse tipo de produção mais conjuntural do que analítica. Tal característica não diminui em nada o poder de suas revelações e evidências sobre a promiscuidade instalada no Brasil nos anos do lulopetismo entre, de um lado, os donos do dinheiro e, de outro, os senhores dos votos, e seus estarrecedores efeitos no plano da institucionalidade política e no que se refere à extremamente baixa qualidade de suas políticas econômicas, atingindo inclusive a política externa, normalmente deixada à margem desse tipo de contaminação nos governos e regimes anteriores. O lulopetismo pode ter sido uma simples “doença de pele”, ao ter atingido o tecido da política brasileira – nesse caso diferente do peronismo, que atingiu fundo os organismos internos do sistema político argentino – e pode, talvez, ser superado com alguma regeneração política auxiliada pelo bisturi de condenações judiciais e pela sanção dos votos em próximas eleições. Mas, como o peronismo, mesmo não possuindo nenhuma doutrina mais elaborada ao estilo do “justicialismo”, ele se baseia nos instintos corporativos latentes em ambas as sociedades, em sua extração ibérica patrimonialista, e já pode ter cristalizado bastiões muito poderosos de uma “república sindical” de caráter mais permanente, inclusive alimentada por subsídios oficiais e por uma legislação propensa a esse tipo de organização semifascista. Nesse caso, sua superação, ou extirpação do sistema político brasileiro será mais difícil e mais longeva. Esperemos, contudo, que o lulopetismo seja apenas um peronismo de botequim, suscetível de ser eliminado uma vez passada a embriaguez temporária e a cegueira momentânea.

O livro, em acordo com a profissão do autor, é uma grande matéria jornalística, mas alimentada por telegramas de chancelaria e documentos pouco usados nesse tipo de produção mais conjuntural do que analítica. Tal característica não diminui em nada o poder de suas revelações e evidências sobre a promiscuidade instalada no Brasil nos anos do lulopetismo entre, de um lado, os donos do dinheiro e, de outro, os senhores dos votos, e seus estarrecedores efeitos no plano da institucionalidade política e no que se refere à extremamente baixa qualidade de suas políticas econômicas, atingindo inclusive a política externa, normalmente deixada à margem desse tipo de contaminação nos governos e regimes anteriores. O lulopetismo pode ter sido uma simples “doença de pele”, ao ter atingido o tecido da política brasileira – nesse caso diferente do peronismo, que atingiu fundo os organismos internos do sistema político argentino – e pode, talvez, ser superado com alguma regeneração política auxiliada pelo bisturi de condenações judiciais e pela sanção dos votos em próximas eleições. Mas, como o peronismo, mesmo não possuindo nenhuma doutrina mais elaborada ao estilo do “justicialismo”, ele se baseia nos instintos corporativos latentes em ambas as sociedades, em sua extração ibérica patrimonialista, e já pode ter cristalizado bastiões muito poderosos de uma “república sindical” de caráter mais permanente, inclusive alimentada por subsídios oficiais e por uma legislação propensa a esse tipo de organização semifascista. Nesse caso, sua superação, ou extirpação do sistema político brasileiro será mais difícil e mais longeva. Esperemos, contudo, que o lulopetismo seja apenas um peronismo de botequim, suscetível de ser eliminado uma vez passada a embriaguez temporária e a cegueira momentânea.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 13 de maio de 2017


domingo, 5 de fevereiro de 2017

Democracia e política externa: o período lulopetista - Paulo Roberto de Almeida

De volta de viagem de férias, encontro me aguardando na caixa de correspondência dois exemplares deste livro, resultado do IV Simpósio Internacional de Ciências sociais, realizado na Universidade Federal de Goiás, em Goiania, de que participei em novembro de 2015, cujas intervenções foram finalmente publicadas no final de 2016:

A ficha de meu trabalho, já com os dados editoriais do livro está aqui:
“Democracia e Política Externa: considerações sobre o caso brasileiro”, in: Pedro Célio Borges et al. (org.), Democracia e ciências sociais : memória, políticas e desigualdades. Goiânia: Gráfica UFG, 2016, 285 p.; ISBN 978-85-495-0035-9; pp. 93-116. Relação de Originais n. 2892. Relação de Publicados n. 1247.

Por algum motivo que desconheço, no momento da impressão gráfica do livro, a composição editorial alterou a ordem da minha bibliografia, misturando títulos meus com os de outros autores.
O trabalho original está disponível na plataforma Academia.edu, neste link:
http://www.academia.edu/26619963/Democracia_e_Politica_Externa_consideracoes_sobre_o_caso_brasileiro_2015_

 A parte inicial do meu texto vai aqui reproduzida: 


Democracia e política externa: considerações conceituais preliminares
As relações entre a democracia e a política externa, tal como propostas como temática para esta mesa redonda, serão aqui considerada no sentido estrito dos conceitos expressos. Não se trata, portanto, de examinar, em geral, as conexões entre os regimes democráticos e as relações interestatais no sistema internacional, nem de saber como este funciona no plano de sua organização política em função de critérios mais ou menos democráticos, que são aqueles simbolizados pelo princípio da representação eleita, por debates de tipo parlamentar, pelo controle e pela responsabilização dos poderes, e pelos demais elementos inerentes a uma organização política de tipo democrático. Uma abordagem a esse nível de generalidade integraria, mais bem, estudos de sociologia das relações internacionais, tais como os propostos, por exemplo, por um especialista como Marcel Merle (1974; 1981; 1984).
O objetivo aqui é o de considerar como determinados países membros da comunidade internacional refletem, ou não, princípios ou valores democráticos em sua política externa, uma das mais importantes políticas públicas de qualquer Estado contemporâneo. Ao empreender este tipo de exercício, nas condições objetivas do Brasil atual, parece natural dedicar maior atenção ao caso do Brasil, tanto no plano histórico quanto no atual governo, com ênfase nas difíceis e ambíguas relações que o partido hegemônico na última década e meia, o Partido dos Trabalhadores (PT), mantém com o princípio democrático, a começar pelas relações entre Estado e partido, uma relação clássica no campo do marxismo, universo político e referência conceituais às quais o PT está ideologicamente associado, tal como expressamente reconhecido por alguns de seus dirigentes e por diversas de suas correntes internas (Almeida, 2003).
Uma consideração de ordem prática, vinculada tanto à temática proposta quanto à ênfase acima indicada, poderia ser formulada sob a forma de uma pergunta inicial: pode um país que se pretende democrático apoiar, em sua política externa, ditaduras reconhecidas? Registre-se que não se está falando, neste caso, de relações diplomáticas interestatais, que países de diferentes regimes políticos mantém entre si, desde que respeitados padrões mínimos de comportamento, que estão basicamente expressos na Convenção de Viena de 1961 sobre Relações Diplomáticas e, de modo mais amplo, na Carta ONU (1945). Trata-se, mais objetivamente, de apoio político deliberado, de suporte financeiro concreto – como, por exemplo, financiamentos concedidos por vias não transparentes e não controladas pelo parlamento nacional – e até de solidariedade moral, que um país que se pretende democrático pode vir a conceder a regimes políticos que nitidamente não se pautam pelos mesmos valores e princípios das democracias reconhecidas. O que impeliria a política externa de um país tido por democrático a emprestar esses tipos de apoios a ditaduras abertas, quando não tiranias consolidadas?
É o caso do Brasil atual, sem qualquer hipocrisia na afirmação: os governos do PT, desde o início de seu exercício legítimo à frente do Estado brasileiro, em 2003, apoiam ditaduras reconhecidas e parecem não ver nenhum problema nisso. Para ser mais concreto ainda: o governo do PT tem um caso de amor explícito com Cuba, derivado, provavelmente, de relações não reveladas e não sabidas pela maior parte dos cidadãos que se exercem como eleitores e participantes do sistema político, ou até mesmo dos próprios diplomatas, categoria da qual faz parte o autor deste texto. Esse governo, como já foi amplamente evidenciado pela crônica dos eventos correntes, também tem manifestas simpatias por outras ditaduras, mas o seu caso de amor com Cuba é mais longo, mais durável, mais consistente, simbolizado inclusive nos milhões de dólares transferidos para a mais longeva ditadura do continente e uma das mais antigas do planeta, só superada pela da família Kim, da infeliz Coreia do Norte. Uma associação de tal forma explícita, num contexto histórico caracterizado pela aparente ascensão e disseminação dos regimes democrático e pelo isolamento crescente dos regimes de força ou abertamente ditatoriais, deveria chamar a atenção dos cientistas políticos e dos analistas de relações internacionais; no entanto, essas simpatias não estão sendo suficientemente analisadas pelos especialistas que se ocupam dessa área no Brasil.
Antes, contudo, de nos ocuparmos do caso brasileiro, no contexto atual – ou seja, o dos governos petistas exercendo o poder político desde 2003 –, caberia efetuar considerações iniciais sobre a relação altamente ambígua entre a democracia e a política externa, em suas conexões nos planos metodológico e conceitual, temática de que se ocupará a seção seguinte; as seções subsequentes serão dedicadas a considerações do ponto de vista da prática, ou seja, ao exame dessas conexões a partir de exemplos retirados da experiência brasileira da última década e meia do reino companheiro.

Leia a íntegra no link a seguir: 
http://www.academia.edu/26619963/Democracia_e_Politica_Externa_consideracoes_sobre_o_caso_brasileiro_2015_

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Lulopetismo diplomatico: desmantelando a fraude na politica externa - Paulo Roberto de Almeida

Ninguém ignora que sou um opositor, sempre fui, do assim chamado lulopetismo diplomático, e isso não por razões de antipatia pessoal -- uma vez que em seu início concedi quase um cheque em branco aos apparatchiks e outros colaboradores diplomáticos que deram início a uma das grandes fraudes subintelequituais do lulopetismo como um todo. 
Mas, quem quiser consultar minha lista de trabalhos, livremente disponíveis -- sempre estiveram, em meu blog, e ultimamente em Academia.edu -- verá que meus trabalhos, até 2005 ou 2006, pelo menos, encaravam com certa simpatia as iniciativas mais ousadas desse avatar do partido companheiro na frente externa. Uma lista completa, até recente, está disponível nesta postagem:

2991. “Uma seleção de trabalhos sobre a política externa brasileira na era Lula: Paulo Roberto de Almeida, 2002-2016”, Brasília, 6 junho 2016, 13 p. Listagem seletiva, na ordem cronológica inversa, dos trabalhos mais importantes, inéditos e publicados, produzidos no período em apreço em temas da diplomacia e do sistema político brasileiro. Atualizada em 6/11/2016, postado no Academia.edu (https://www.academia.edu/26393585/Trabalhos_PRA_sobre_a_politica_externa_brasileira_na_era_Lula_2002-2016_).
 
Mais recentemente, fui levado a produzir dois novos trabalhos, não artigos, mas apenas palestras, sobre esse fenômeno bizarro, ainda não publicadas, mas já disponíveis nos dois links abaixo: 


3061. “O Itamaraty e a nova política externa brasileira”, Brasília, 19 novembro 2016, 18 p. Texto elaborado para palestras em geral, especialmente em circuito acadêmico. Circulado preventivamente para encontros com professores e alunos da FAAP e do IRI-USP. Postado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/35a0e0d049/3061-o-itamaraty-e-a-nova-politica-externa-brasileira-2016?source=link).

3062. “Itamaraty and the new Brazilian Foreign Policy”, São Paulo, 1 dezembro 2016, 7 p. Palestra na conferência “Geopolitics of the Global South: changing patterns of development”, realizada na FEA-USP. Postado no Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/12/geopolitics-of-global-south-changing.html); disseminado no Facebook (https://shar.es/18cqW6). Disponível na plataforma Academia.edu (http://www.academia.edu/30208664/3062_Itamaraty_and_the_new_Brazilian_Foreign_Policy_2016_). 


 Agora estou aguardando a divulgação completa desta entrevista gravada em vídeo para a iniciativa do "Brasil Paralelo", por enquanto divulgada apenas nas partes de política econômica, mas cuja parte principal se refere ao lulopetismo diplomático, como registro nesta ficha: 


3047. “A política externa paralela do lulopetismo diplomático”, Brasília, 14 outubro 2016, gravação de entrevista, em vídeo, para servir como depoimento no quadro do Congresso Brasil Paralelo (https://www.facebook.com/brasilparalelo/), a realizar-se online no Brasil, com a participação de diferentes personalidades, em suporte puramente virtual (http://www.brasilparalelo.com.br/congresso/). Informado inicialmente no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/10/congresso-brasil-paralelo-como-refundar.html). Vídeo-amostra disponibilizado em 8 de novembro no site do Brasil Paralelo (link: https://www.facebook.com/brasilparalelo/videos/400646140325063/). Preview de minha entrevista no vídeo disponibilizado antecipadamente, em 5/12/2016, pelos organizadores (https://vimeo.com/194370830; senha: brp2016exclusivo8), entre 11:15 e 13:56 minutos, e novamente entre o 18:14 e 19:06 minutos do documentário.

Vou continuar minhas análises sobre esse fenômeno dos mais bizarros em nossa história diplomática, cujas consequências últimas sobre a política externa ainda não foram devidamente apreciadas pelos estudiosos e observadores, embora muitos acadêmicos ainda continuam encontrando virtudes numa fase esquizofrênica da nossa interface externa, com episódios -- sobretudo a ação corrupta e corruptora dos promotores do lulopetismo em várias operações internacionais -- absolutamente constrangedores para nossa autoestima de servidores federais da área diplomática.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 5 de dezembro de 2016.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Falcatruas lulopetistas (subintelequituais) dos acadêmicos gramscianos - Paulo Roberto de Almeida


Falcatruas lulopetistas (subintelequituais) dos acadêmicos gramscianos

Paulo Roberto de Almeida
 [Considerações sobre uma utopia passageira; falta uma vacina lógica]

O fenômeno lulopetista, que dominou a política – e muito das mentalidades – no Brasil das últimas duas décadas (senão mais), pode ter alguma explicação teórica mais elaborada, mas não creio, sinceramente, que ele mereça mais do que um único capítulo na história futura do Brasil, aquela que vai ser escrita apenas dentro de duas gerações, aproximadamente, quando as paixões políticas amainarem e a consciência do imenso atraso institucional (sem falar da destruição econômica) acarretado por esse fenômeno tomarem o lugar de certos comportamentos histéricos que se observam atualmente em alguns meios bem determinados. Vou tratar basicamente desse fenômeno que considero passageiro, sem a capacidade de sequestrar todo um povo, e de o manter imobilizado num populismo de baixa extração, como ocorreu, por exemplo, na vizinha Argentina, com o peronismo, que pode ser considerado uma múmia que tomou como refém toda uma nação (ou pelo menos grande parte dela) durante várias gerações.
Comparado ao fenômeno relativamente durável do peronismo – que dispunha de uma doutrina, o justicialismo – e que se manteve ativo, ainda que dividido, durante muito tempo após o desaparecimento do seu fundador, o lulopetismo representa no máximo um peronismo de botequim, com muita bazófia e nenhuma elaboração política mais consistente, pura catarse, que antes de sequestrar a nação parece ter sequestrado os corações e mentes de acadêmicos gramscianos totalmente desconectados da realidade. O lulopetismo nunca dispôs de alguma doutrina política mais elaborada, em que pesem os esforços de alguns acadêmicos gramscianos no sentido de prover o populismo rude de seu líder com algumas ideias coerentes entre si, além e acima de alguns slogans mal formulados por marqueteiros apressados, explorados abusivamente pelo “Nosso Guia”.
O lulopetismo foi, durante certo tempo, maior do que o partido que lhe deu origem, o PT – formado basicamente por três principais componentes: os sindicalistas, os guerrilheiros reciclados e os adeptos da teologia da libertação, que compõem a massa de manobra, sendo que os dirigentes são extraídos dos dois primeiros componentes –, mas ele teve um sucesso de certa forma maior do que o partido, e isso graças a um outro componente que normalmente não aparece entre os apparatchiks e líderes partidários, mas que são responsáveis por muito do seu sucesso político e eleitoral (até agora).
O partido, e o próprio personagem que representou sua alma, sua imagem, e que foi responsável por um grande triunfo eleitoral em mais de três mandatos, devem esse sucesso não tanto ao dinheiro e à capacidade de organização dos sindicatos que lhe são fiéis, ou aos apparatchiks do partido vindos das antigas organizações de oposição ao regime militar, ou ainda à sua base social bastante diversificada nos estratos humildes da população (consolidados mais solidamente depois da conquista do poder), mas ao poder de comunicação de diversas categorias de trabalhadores “intelectuais” – professores, jornalistas, funcionários públicos, classe média educada nos padrões “freireanos” de nossa educação pública (e privada também) – que, juntos, construíram os mitos sobre os quais se apoiou o lulopetismo durante sua fase ascensional, e que continua a perdurar ainda agora, numa fase de relativo declínio, talvez irresistível. Com efeito, não se sabe se o mito – que é na verdade uma falcatrua – saberá resistir aos golpes das investigações policiais e judiciarias, que devem levar boa parte da tropa dirigente do partido às barras dos tribunais e possivelmente à cadeia.
Mas, a julgar por toda a publicidade em torno dos grandes “benefícios sociais” do lulopetismo, e pela imensa reação suscitada pelo “golpe” do impeachment – com cinco ou seis livros publicados, antes mesmo o processo estar consumado – essa mistura indigesta de populismo econômico, de propaganda enganosa e de cinismo político que é o lulopetismo parece ainda dispor, e gozar, de amplos apoios em certos círculos sociais e em ambientes profissionais (entre os sindicalistas, por exemplo, mas continuadamente entre professores e jornalistas), o que promete, justamente, certa sobrevida ao fenômeno em causa, mesmo quando o seu líder estiver trancafiado por crimes cometidos contra o patrimônio público e o código penal. Entre os motivos dessa resiliência (pelo menos temporária) eu coloco a difusão desse gramscismo de academia, que não precisa de Gramsci, ou de qualquer outra teoria política, para se instalar e se disseminar, pois ele corresponde a um “estado de espírito” que “plana” nesses meios sociais e profissionais independentemente das leituras – ou falta de – que possam exibir os agentes políticos do fenômeno, ou identificados a ele.
Essa persistência da “crença” no fenômeno vago do lulopetismo foi demonstrada especificamente na conjuntura dos últimos meses, quando, a despeito dos imensos golpes assestados contra a “respeitabilidade” de “doutrina” (se existe alguma) e do personagem pelos crimes revelados nas investigações da PF e do MPF, setores ainda representativos da vida cultural, acadêmica e profissional se reagruparam atrás do próprio e do partido para defender não se sabe bem quais “conquistas sociais” que estavam sendo ameaçadas duplamente: pelo processo de impeachment e pela Operação Lava Jato. Nos meses de maior frenesi, antes da consumação do processo político no Congresso, eu contei muitos manifestos redigidos por diretorias de respeitáveis (assim pensava, em todo caso) associações profissionais, todas elas numa linguagem similar, em defesa do governo corrupto e do partido convertido em organização criminosa.
Terminei por me perguntar, numa postagem de meu blog Diplomatizzando, quais seriam as razões, as motivações, os propósitos que estavam levando acadêmicos experientes, muitos até com doutorado ou pós-doc, a insistir na defesa de criminosos reconhecidos, indiciados ou condenados pela Justiça, vários equiparados a bandidos vulgares, a delinquentes comuns (pela tipificação dos roubos cometidos contra o patrimônio público), mas vários deles organizados numa quadrilha mafiosa (desculpem a redundância), enfim, o que estaria por trás dessa insistência no apoio aos meliantes políticos ante tantas provas dos “malfeitos” já disponibilizadas nos relatórios policiais e nos processos do MPF? Confesso não ter encontrado respostas convincentes, ao menos que satisfizessem meu desejo de explicações lógicas, concordantes com as verdades expostas, com a factibilidade dos crimes perpetrados pelos aliados dos gramscianos.
O que pensar da adesão de artistas, profissionais da mídia, acadêmicos de peso, além e acima dos militantes do baixo clero e dos sindicalistas, dos quais não se espera mesmo outra atitude, inclusive em função dos benefícios materiais que muitos dessa segunda categoria retiravam e retiraram do lulopetismo no poder? A primeira categoria, em princípio, não estava diretamente envolvida com o exercício direto do poder ou foi a beneficiária direta das benesses que, não obstante, sempre fluem a partir do poder para os grupos de “companheiros de viagem”, aos apoiadores voluntários e aos associados políticos dos lulopetistas no poder (e agora fora dele). Não sei como essas pessoas, geralmente alfabetizadas (tanto quanto se possa julgar), supostamente bem conectadas, e de fato dispondo de todos os meios de informação possíveis, puderam e podem continuar apoiando personagens e partidos notoriamente implicados, envolvidos, responsáveis por crimes comprovados; por quais razões eles fariam e continuam fazendo isso? Seria por cegueira ideológica, ignorância deliberada, fundamentalismo político, ou será mesmo falta de caráter?
O que, exatamente, induziria indivíduos normalmente bem constituídos, quase sempre dispondo de diplomas superiores, a continuar defendendo os chefes de quadrilha e seus integrantes, numa fase em que se torna muito difícil ignorar os relatórios da Polícia Federal, assim como as peças acusatórias do MPF e da chamada “República de Curitiba”, contendo provas cabais daquilo que pessoas bem informadas, mas também jornalistas abertos a simples evidências factuais, desconfiavam, e agora constataram efetivamente: o fato notório de que o Brasil estava sendo governado, desde 2003, por um governo que terminou se identificando a uma organização criminosa. Não existe, a rigor, nenhuma objeção de princípio, a que indivíduos das mais diversas origens e condições sociais manifestem sua adesão a plataformas de direita, de esquerda, de centro, ou que elas se disponham a defender os programas sociais e as políticas econômicas que julgam mais adequadas às suas crenças ou concepções de vida. Fica no entanto muito difícil admitir que se possa defender, contra todas as evidências já disponíveis, lideranças políticas, funcionários de governo ou responsáveis empresariais notoriamente e comprovadamente envolvidos com os piores crimes de corrupção e de responsabilidade política, tais como assistidos no Brasil na última década e meia.
Independentemente do julgamento que se possa ter sobre a qualidade da política econômica que levou o Brasil ao que pode ser chamado – depois da Grande Depressão dos anos 1930, e da Grande Recessão do período recente – de Grande Destruição, o mais surpreendente é, de fato, a defesa acerba que os gramscianos acadêmicos fazem de criminosos políticos, que são, na verdade, bandidos comuns: assaltantes do dinheiro público (isto é, nosso), quadrilheiros vulgares. Quem ainda insiste em fazê-lo, ante tantas evidências dos crimes cometidos pelos companheiros, por razões ideológicas, ou por quaisquer outros motivos, só revela sua falta de caráter, pois já não pode alegar ignorância ou o argumento canhestro de que “todo mundo sempre fez assim”.
Como não admitir, em face dos crimes cometidos, devidamente identificados e em processo de julgamento e condenação, que o Brasil passou a ser dirigido, a partir de 2003, por uma organização criminosa? Com a instalação dessa organização criminosa no poder, os companheiros inauguraram um “modo superior de corrupção”, e adotaram uma técnica sistemática, abrangente, de extração de recursos do Estado e da sociedade. Eles não roubavam apenas para o partido, confirmando a minha tese, “dialética”, da passagem da quantidade para a qualidade, de acordo com o velho Friedrich Engels. Qual foi a natureza do “salto dialético” da roubalheira lulopetista?
Tal upgrade se expressa pela transição de um “modo de produção” da corrupção de sua fase artesanal, que é quando políticos roubam por si, para si, individualmente, (como sempre fizeram), para uma fase industrial do “modo de produção" da corrupção, que é quando o partido passa a roubar de modo sistêmico, em grande escala. O que não impediu, obviamente, que os companheiros também passassem a roubar pelo modo tradicional, para si, em si e por si, alguns até (os “mais iguais”, como certo ministro das finanças da quadrilha), em escala verdadeiramente gigantesca, multinacional.
A amplitude da roubalheira foi evidentemente muito maior do que o até aqui noticiado nos meios de comunicação. Por exemplo: contratos das grandes companhias de construção, ou de engenharia em geral (sobretudo nos terrenos do petróleo e afins) representam apenas a “crème de la crème” da corrupção institucionalizada, aquela que rendeu, por certo, centenas de milhões, ou bilhões, à quadrilha de meliantes instalada no poder. Mas os roubos, as falcatruas, os desvios de dinheiro, os superfaturamentos, as propinas, a extorsão, a rapina, tudo isso se estendeu por praticamente todas as áreas, sublinho TODAS, do setor público e se disseminou também ao setor privado, na medida em que praticamente todo o ambiente de negócios no Brasil é controlado por regras impostas pelo Estado, a começar pelo contexto regulatório e pelo sistema tributário.
Mais até do que roubar diretamente, os companheiros fizeram valer o seu exemplo criminoso em quase todas as esferas da administração pública (contaminando muitos outros partidos) e até na vida civil, na qual cada indivíduo se julgou habilitado a roubar, a trapacear e a fraudar, já que o exemplo vinha de cima. Os anos do lulopetismo no poder, além da extrema incompetência, o que redundou na Grande Destruição da economia do país, foram também, e principalmente, os anos do desmantelamento institucional (salvaram-se, felizmente, alguns bastiões do republicanismo, o que nos levou à Lava Jato, tristemente sozinha na sua missão extirpadora) e sobretudo na grande degradação moral e ética a que fomos levados por termos, justamente, uma organização criminosa no poder.
Ainda não se fez o balanço de tudo o que o Brasil perdeu, no plano estritamente orçamentário, mas também em termos morais, com a quadrilha totalitária no poder, e muito não poderá ser devidamente verificado, por ausência de registros, justamente (o que deve ter sido deliberado). Mais importante ainda, dificilmente se poderá aferir, de modo adequado, no futuro, o imenso custo-oportunidade que o Brasil perdeu com mais de uma década de políticas absolutamente erradas, em praticamente todas as áreas. Mas mesmo naquelas áreas e políticas que podem ser consideradas como bem sucedidas – como a pretensa redistribuição de renda via Bolsa Família e outros mecanismos com finalidade similares – são, na verdade, equivocadas na forma e na substância, uma vez que não são sustentáveis a longo prazo, e não apenas por dificuldades fiscais ou de natureza orçamentária. Políticas redistributivas de renda sem contrapartidas claras ou sem mecanismos de saída claramente identificados costumam provocar deformações nos mercados laborais, ou até – o que é mais sutil no plano da psicologia social – na concepção geral de sociedade que se pretende promover: uma baseada na iniciativa individual ou na responsabilidade pessoal quanto ao trabalho promotor de dignidade social, ou outra fundada no assistencialismo estatal que redunda, na maior parte dos casos, na criação de um curral eleitoral que reproduz velhos esquemas do Brasil tradicional dominado por oligarquias patrimonialistas.
Não cabe entrar aqui num debate sobre a diplomacia do lulopetismo, outro item não apenas controverso no reinado dos companheiros, mas vergonhoso do ponto de vista da diplomacia profissional, quando o Brasil passou a estar alinhado com algumas das piores ditaduras da região e alhures, e quando também diversas iniciativas de política externa permaneceram na sombra, obscurecidas por contatos paralelos que jamais deixaram registro nos arquivos da diplomacia oficial. Haveria pouco espaço para registrar tantos equívocos cometidos pelo lulopetismo diplomático – muitos dos quais identificados em meu livro Nunca Antes na diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014) – mas pode-se aventar, por exemplo, a infeliz e patética disputa entre Lula e Chávez pela liderança ideológica na América Latina: ambos se detestavam amigavelmente, pois disputavam e competiam por prestígio político entre os vizinhos e por um lugar maior na história mundial.
Infelizmente, a história real das relações dos lulopetistas – sem esquecer o papel do Foro de São Paulo e de seus mestres cubanos – com as lideranças cubanas e bolivarianas talvez nunca a venha ser escrita completamente, por falta de documentos e por falta de depoimentos sinceros de eventuais trânsfugas do lulopetismo (como foi o caso, por exemplo, dos muitos dissidentes do comunismo soviético, que contaram como eram as coisas, realmente), e também porque os cubanos não serão ser pegos de surpresa (como foi a Stasi, com a queda repentina do muro de Berlim, e porque burocratas, como os da Stasi e os nazistas, registravam tudo o que eles mesmos faziam de malvadezas), e devem estar limpando os arquivos de documentos comprometedores. De outra forma, saberíamos, por exemplo, que não havia nada de muito ideológico nessa aliança dos totalitários, mas sim dinheiro, chantagens, ameaças, cadeias diversas de submissão montadas sobre muita sujeira e patifaria. Tempos sombrios vividos pela diplomacia brasileira.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de outubro de 2016

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Treze teses sobre o lulopetismo e treze argumentos sobre o lulopetismo diplomatico - Paulo Roberto de Almeida


Minhas treze teses (ou contra-teses) sobre o lulopetismo, e mais treze argumentos CONTRA o lulopetismo diplomático, abertas à contestação (mas não armada, por favor) dos apoiadores dos simpáticos companheiros que dilapidaram o Brasil. Juro que o número treze veio por acaso: fiquei escrevendo uma tese, depois outra, e mais outra, e de repente a veia poética extinguiu-se justo no número treze. Não deixa de ser uma homenagem.
Paulo Roberto de Almeida 

Teoria geral do lulopetismo: treze teses preliminares 
seguido de 
O lulopetismo diplomático: um experimento exótico no Itamaraty
Postados, trabalhos 3031 e 3032, em Academia.edu 
Postado igualmente em Research Gate