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domingo, 8 de dezembro de 2013

A desmoralizacao do Tesouro e o motim dos seus mandarins - Editorial Estadao

O Tesouro é uma instituição que foi criado no Império e foi desmoralizado na República. Durante muito tempo não significou nada, ou abaixo de nada, pois o Brasil sequer possuía orçamento digno desse nome. Certo tempo, aliás, tinha até mais de um orçamento, um de nossas jabuticabas e principais contribuições para a ciência universal da contabilidade e da gestão fiscal: havia o orçamento fiscal -- ou seja, aquele que os países normalmente fazem aprovar pelos seus parlamentos e que constitui a peça mais importante da governança, detalhando todas as receitas e todas as despesas -- que deveria ser a única peça maior da sua administração econômica, mas que no caso do Brasil não era; havia, ao lado, o orçamento monetário, que podia ser mexido, remexido, transformado, alterado, complementado, acrescido, deformado e nulificado pelo executivo, que geralmente fazia aprovar durante o ano várias complementações orçamentárias, que nada mais eram do que emissões monetárias em excesso das arrecadações, ou seja, o governo financiando seus gastos com fiat money, e jogando a inflação nas alturas, contra a renda e o poder de compra de todos os brasileiros; e havia, por fim, o orçamento das estatais, que respondiam, em certa época, por praticamente um terço do PIB brasileiro, e podiam ser utilizadas para um pouco de tudo, controlar a inflação (parcialmente), conseguir recursos externos, nos mercados financeiros, ou servir aos interesses políticos dos governantes, com toda a corrupção e gastança a isso associados.
Pois bem, depois das loucuras inflacionárias, o Brasil começou lentamente a recompor suas contas públicas e o Tesouro ganhou nova credibilidade.
Na era "neoliberal" -- que é como os desonestos petistas chamam o período de responsabilidade fiscal, de estabilização macroeconômica e de verdade e transparência nas contas públicas dos governos FHC -- o Tesouro foi uma peça chave da recomposição orçamentária do país, que voltou a ter um único orçamento, embora nem sempre seguido estritamente, uma vez que políticos existem mesmo para gastar. Daí os contingenciamentos que os responsáveis pelas finanças públicas tinham de fazer, pois os parlamentares têm o péssimo costume de aprovar receitas em excesso, que eles estimam sempre superiores às propostas orçamentárias, apenas para colocar seus projetos paroquiais (alguns francamente corruptos) na lei aprovada.
Pois bem, os petistas que já desmoralizaram várias instituições políticas, outros poderes inclusive, também estão desmantelando o Tesouro, o que gerou o motim já descrito nos jornais e objeto deste editorial.
Triste país em que dirigentes desmantelam instituições.
Paulo Roberto de Almeida

O Tesouro em crise

07 de dezembro de 2013 | 2h 09
Editorial O Estado de S.Paulo
Surpreendida mais uma vez por desacertos em seu governo, a presidente Dilma Rousseff cobrou do ministro da Fazenda, Guido Mantega, explicações sobre a crise na Secretaria do Tesouro, descrita em outras áreas do Ministério com uma palavra muito mais forte - motim. Ela se mostrou especialmente irritada, segundo um auxiliar palaciano, por ter conhecido a história pela imprensa. O descontentamento da equipe do Tesouro foi noticiado na quarta-feira à noite pela Agência Estado, em serviço online, e apareceu no dia seguinte na edição impressa do Estado. Conhecido da presidente desde sua passagem pela política do Rio Grande do Sul, o secretário Arno Augustin foi por longo tempo um de seus conselheiros mais próximos. Na chefia do Tesouro, notabilizou-se, especialmente a partir do fim do ano passado, pelo uso de grandes volumes de receitas extraordinárias e pelo recurso à contabilidade criativa para fechar o balanço do governo central.
A insistência nesse tipo de política - sempre com o apoio do ministro da Fazenda e a tolerância da presidente - minou a credibilidade do governo e motivou críticas de economistas do mercado financeiro e de analistas independentes no Brasil e no exterior. O uso de medidas excepcionais e dificilmente justificáveis para garantir a apresentação formal do superávit primário tornou-se conhecido internacionalmente. O risco de rebaixamento da nota de crédito do Brasil, no próximo ano, é uma das consequências mais preocupantes da inegável desmoralização da política fiscal brasileira.
Outro resultado é a dificuldade crescente de refinanciar a dívida pública. Tem aumentado o custo de rolar os papéis emitidos em circulação no mercado e esse é um dos motivos de insatisfação alegados por membros da equipe do Tesouro, como se noticiou nos últimos dias.
Em vez de cuidar da questão mais importante, a baixíssima qualidade da gestão orçamentária, o governo decidiu abafar a crise. O ministro da Fazenda reuniu-se com empresários, negou a existência da crise e elogiou o secretário do Tesouro como cumpridor de suas missões. Uma nota, redigida em nome dos coordenadores-gerais e subsecretários do Tesouro, foi distribuída para desmentir o desentendimento entre Augustin e seus subordinados. Ele mesmo se manifestou, em entrevista, para negar quaisquer problemas e reafirmar o compromisso de entregar, no fim do ano, um superávit primário de R$ 73 bilhões, destinado, como de costume, ao pagamento de uma parte dos juros devidos aos financiadores do governo.
A própria meta de R$ 73 bilhões já é desmoralizante. Para fixar esse objetivo, o governo abandonou o plano original, traçado para todo o setor público, de um resultado primário de R$ 156 bilhões. Com o tempo, o alvo foi rebaixado para R$ 111 bilhões. Desse valor caberiam R$ 73 bilhões ao governo central. O resto seria a parte de Estados, municípios e estatais, mas a administração federal deveria garantir todo o resultado, se os governos subnacionais falhassem. Afinal, até esse compromisso foi abandonado.
O poder central só se responsabilizará, enfim, por sua parte. Para conseguir esse resultado, usará um volume considerável de receitas extraordinárias, isto é, sem repetição programável de forma rotineira. Esse expediente incluirá dividendos de estatais, bônus de concessões de exploração de infraestrutura e prestações do programa de refinanciamento de dívidas tributárias (Refis). Entre Refis e bônus o governo deverá arrecadar no mínimo uns R$ 35 bilhões, quase metade do superávit primário prometido.
Diante desse quadro, da justificável desconfiança em relação às contas públicas e das perspectivas de baixo crescimento nos próximos anos, como estranhar a redução da oferta de títulos do Tesouro, principalmente de longo prazo? O custo da proteção contra um calote brasileiro também subiu neste ano e ultrapassou, em novembro, o do seguro financeiro dos títulos da Espanha e da Turquia. Em seis meses a situação se inverteu. O governo pode negar a crise no Tesouro e descrever como saudável o quadro fiscal. Ganharia credibilidade muito mais facilmente se reconhecesse os problemas e começasse a agir para resolvê-los.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Governo continua desarrumando as contas publicas

Setor elétrico
Tesouro já banca corte na conta de luz

Governo tem usado dinheiro obtido com venda de títulos públicos para bancar o desconto de energia prometido por Dilma

Torres de alta tensão
A Medida Provisória 615 tem sido usada para a manobra 
(Agliberto Lima/AE)
O contribuinte já começou em agosto a pagar as indenizações devidas pelo governo federal às empresas do setor elétrico que aderiram ao pacote de renovação das concessões. O desconto na conta de energia foi uma das principais bandeiras que a presidente e sua equipe econômica defenderam no ano passado e início deste ano. 
Em mais um capítulo dessa história, o governo agora usou dinheiro obtido com a venda de títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional para cobrir um buraco no fundo setorial responsável pelas indenizações. Esse fundo, a Reserva Global de Reversão (RGR), recebeu 272 milhões de reais em agosto, oriundos de outro fundo setorial, a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Desde junho, o Tesouro Nacional tem depositado na CDE recursos obtidos com a emissão de papéis.
Com o mecanismo criado pela Medida Provisória 615, o Tesouro vende títulos públicos ao mercado em nome da CDE. Ao todo, entre junho e agosto, essa operação rendeu 3,95 bilhões de reais aos cofres do fundo. Somente em setembro, o Tesouro emitiu 2 bilhões de reais em nome da CDE. 
Segundo técnicos do governo, a triangulação deve continuar até o fim do ano, e os repasses da CDE à RGR devem variar em torno de 500 milhões de reais por mês, a partir deste mês.
O rombo na RGR foi criado pelo próprio governo. No primeiro semestre, o governo realizou a operação inversa da verificada: entre maio e junho foi a RGR que transferiu recursos - 4,9 bilhões de reais ao todo - para cobrir um buraco na CDE.
A CDE é usada para pagar os programas sociais, como o "Luz Para Todos", e o custo das usinas termoelétricas. A CDE ficou praticamente sem recursos e foi socorrida pela RGR em maio e junho, e, desde então, pelo Tesouro Nacional. 
(com Estadão Conteúdo)

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Da serie: o Estado (no caso o Governo) como principal violador da lei

Em minha autobiografia do Estado (sim, ele teve a coragem de perpetrar uma), está escrito que ele é o principal violador das leis e da Constituição no Brasil. Esta matéria apenas confirma o ponto, sobre a responsabilidade do Executivo no cometimento de ilegalidades reoetidas, com a cumplicidade do Congresso e a conivência da Justiça.
Paulo Roberto de Almeida
O Congresso Nacional manteve todos os 95 vetos da presidente Dilma Rousseff a trechos de sete projetos de lei que haviam sido aprovados pelos deputados e senadores, entre eles o que acabava com a multa de 10% sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) paga por empregadores em demissões sem justa causa – a proposta era a que mais preocupava o Executivo, que temia perder a arrecadação da multa, cujos recursos somam mais de 3 bilhões de reais por ano.
São necessários 257 votos dos deputados e 41 dos senadores para a derrubada de vetos presidenciais, mas apenas 29 senadores votaram contra a decisão de Dilma, enquanto 40 se manifestaram a favor dos vetos. Foram registrados quatro votos em branco. De acordo com a Secretaria Geral do Congresso, participaram da votação 73 dos 81 senadores e 455 dos 513 deputados.
A apreciação dos vetos presidenciais foi encerrada pouco depois das 22 horas desta terça-feira e o resultado saiu cerca de cinco horas depois. Como a votação foi secreta, por meio de cédulas, a contagem foi finalizada apenas durante a madrugada.
Esforço final
Na reta final dos debates, o Planalto propôs um novo texto para acabar com o impasse sobre a destinação dos recursos da multa de 10% sobre o FGTS, vinculando-os ao programa Minha Casa, Minha Vida. A ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, foi destacada para passar o dia no Congresso Nacional em busca de convencer deputados e senadores a se alinhar ao governo.

A oposição criticou a ofensiva do governo para tentar salvar os recursos da multa. Onyx Lorenzoni (DEM-RS) disse que o Planalto precisa aprender a perder. “A decisão política do governo não pode contrariar a palavra livre, soberana e democrática do Congresso Nacional”, disse ele.
A multa adicional em caso de demissão sem justa causa foi criada em 2001 para zerar o rombo decorrente de decisões judiciais que obrigaram o governo a compensar o fundo pelas perdas relativas aos planos Verão, no Governo Sarney, e Collor I. O déficit foi coberto em julho de 2012 e, desde então, os recursos seguem para o cofre da União, o que contribui com o superávit primário. Os empresários, porém, veem a cobrança como indevida, já que a dívida está quitada há mais de um ano.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Politica economica e contas publicas: a pessima gestao do governo - Entrevista Mansueto Almeida

Entrevista: MANSUETO ALMEIDA 
"Governo é perdulário"
» ROSANA HESSEL
Correio Braziliense – 02 de setembro de 2013

"Falta pé no chão (à equipe econômica). Eles dormiram no ponto ao não realizar as concessões de infraestrutura logo no início do governo. Erraram em dados básicos de planejamento, principalmente com uma presidente que era a gestora de todos os projetos do PAC"

O economista cearense Mansueto Almeida não poupa palavras ao criticar a gestão da presidente Dilma Rousseff. “Ela se tornou uma política disfarçada de gerente”, define, ao afirmar que o governo errou no planejamento e superestimou a receita que teria para bancar investimentos. Ele não perdoa o fato de Dilma ter sido a gestora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e não ter dado início ao programa de concessões de infraestrutura logo no primeiro ano de governo. 



A alta de 1,5% no Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, divulgado na última sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), surpreendeu Almeida, que previa uma elevação de, no máximo, 1%, mas não o empolgou. “Esse PIB não sinaliza que o país entrou numa rota de crescimento robusto. Ao contrário. É um ponto fora da curva”, afirma.

O economista prevê queda no ritmo de crescimento no terceiro trimestre e aposta que a expansão acumulada no ano ficará em torno de 2%. 

Técnico de Planejamento do Instituto de Pesquisa Econômica Avançada (Ipea) e integrante da Diretoria de Estudos Setoriais e Inovação do órgão, Almeida é um dos principais especialistas do país na área fiscal. Ele destaca que, ao final de apenas quatro anos de mandato, Dilma terá promovido um aumento dos gastos públicos praticamente igual ao realizado pelos últimos três governos. A seu ver, falta na equipe da presidente um bom formulador de política econômica. 



Na avaliação do especialista, diante do forte avanço nos gastos, não há como evitar um ajuste fiscal, que pode até levar o país a uma recessão. Como 2014 é um ano eleitoral, esse acerto ficaria para 2015, seja qual for o governo. A curto prazo, diz ele, o Banco Central é que fará o trabalho sujo, elevando a taxa básica de juros (Selic) até, no máximo 12%, para tentar segurar a inflação no teto da meta até o pleito. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio:




Como avalia o resultado do PIB do segundo trimestre, que ficou acima do esperado até mesmo pelo governo?
O resultado surpreendeu, mas o acumulado de quatro trimestres ainda é baixo, de 1,9%. O país saiu de um ritmo de expansão de 4% ao ano para 2% a 2,5%, no máximo. É muito baixo. Havia um bom ponto de partida. O mercado de trabalho ainda está aquecido. A parte ruim é que o gasto público no Brasil foi planejado com base em uma economia que deveria crescer 4%. Mas um país que avança metade disso não comporta os gastos que vem sendo feitos. Está ocorrendo um brutal aumento da despesa, e o governo fica sem espaço para elevar o investimento público e reduzir a carga tributária. 



Mas não é positivo ver que o país cresceu mais que outras economias desenvolvidas?
Não acho bom fazer comparações com Coreia do Sul e Estados Unidos, por exemplo. Os EUA têm PIB per capita de US$ 49,8 mil. Para um país rico, ter uma taxa baixa de expansão é normal. Para a economia americana, 2,5% é um senhor crescimento. Para o Brasil, não. Temos uma renda per capita pouco acima de US$ 10 mil. O Brasil não pode se dar ao luxo de crescer tão pouco.



Pode-se dizer que é um “pibão” que não empolga?
Mais ou menos isso. Parece um ponto fora da curva do que uma tendência. E esse é o problema. O PIB do segundo trimestre não refletiu a recente valorização do dólar. No terceiro trimestre, haverá queda. Esse PIB não sinaliza uma rota de crescimento robusto, ao contrário. Ninguém vai aumentar a projeção de que o país vai crescer 3% ao ano por causa desse resultado. 



Mas como interpretar esse aumento da taxa de investimento no segundo trimestre seguido?
É muito bom, mas a grande dúvida é se isso vai se manter. A taxa trimestral do investimento é de 18,6% do PIB. No terceiro trimestre de 2008, era 20,6%, depois caiu, deu uma recuperada, mas ainda continua abaixo de 20%. Para se ter uma ideia, a média dos países vizinhos da América do Sul é de 22% a 23% do PIB. Ninguém sabe como vai ser o comportamento daqui para a frente. Os indicadores antecedentes, de nível de confiança, de nível de estoque da indústria, não sinalizam para uma economia aquecida. 


Com relação ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2014, enviado ao Congresso Nacional, o senhor concorda com as críticas de que nada é factível?
Tradicionalmente, ele é uma peça de ficção. Contingenciamento de verbas deveria ser um instrumento esporádico. No Brasil, não é isso o que acontece. O governo sempre manda o Ploa com parâmetros inflados, muito maiores do que a capacidade de execução. Aí, logo no início do ano, sai o contingenciamento. Além de várias despesas serem alteradas no Congresso por emendas parlamentares, ainda há os parâmetros irreais, como a previsão de inflação de 5% e de PIB de 4%. Ninguém acredita nisso. No ano passado, quando enviaram o Ploa de 2013, a ministra Miriam Belchior (do Planejamento) falava que o déficit nominal do Brasil cairia neste ano para 1% do PIB e alguns técnicos diziam que ele seria zerado no fim do governo. Mas esse saldo corre o risco de ir para mais de 3% do PIB este ano. Em 2012, foi de 2,5% e o Orçamento previa 1,6%. 



Na sua avaliação, o que mais preocupa nas contas públicas?
Várias coisas. em primeiro lugar, estão aumentando as despesas permanentes. Elas cresceram 13%, R$ 57,8 bilhões, de janeiro a julho deste ano. Enquanto isso, o investimento subiu R$ 26,5 milhões, ou seja, apenas 0,1%. Todos os gastos de política social são permanentes. Se o governo quiser fazer um ajuste rápido, vai ter que cortar um item que não está crescendo, que é investimento, e isso é ruim. O padrão de aumento do gasto torna muito difícil esse ajuste. O segundo ponto é que a despesa cresce num ritmo que só seria compatível com um avanço da economia de mais de 4% ao ano, o que não é o caso. As previsões de inflação e de avanço do PIB, incluídas no Ploa, implicariam que o PIB nominal estaria crescendo perto de 10%, e essa não é a realidade. Para ser mais claro, o crescimento do gasto público não cabe no PIB. 



E o que isso significa?
Como proporção do PIB, em 2014, o gasto público não financeiro do governo Dilma vai crescer em torno de 2 pontos do PIB. Pelos meus cálculos, a despesa primária cresceu 2,4 pontos do PIB entre 1998 e 2010. Ou seja, em apenas quatro anos, ela gastou quase o mesmo que três governos em 12 anos. É um crescimento brutal. Em 2011, Dilma entregou um superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de 3,1% do PIB. Se a arrecadação não aumentar, esse saldo ficará próximo de 1% até 2014. Se o país crescesse 4%, o governo não teria nenhum problema fiscal. Superávit é receita menos despesa, sem considerar os juros da dívida.

E qual será o superavit deste ano?
Neste ano, o governo vai conseguir entregar o primário de 2,3%, por conta de uma série de receitas atípicas, como concessões, royalties e dividendos de estatais. No próximo, ninguém sabe. Mesmo a meta que eles divulgaram no Orçamento, de 2,1% do PIB, é difícil de ser atingida, diante dos últimos dados do Tesouro Nacional. As despesas crescem muito mais que a receita.



E qual é a conclusão que se pode chegar em relação às contas públicas? O país caminha para a insolvência? 
Eu não diria isso. Mas ele vai para um cenário em que não haverá espaço para a redução da carga tributária. Um superavit primário cada vez menor significa que também não haverá espaço para aumentar o investimento público. A dívida líquida caiu, mas a bruta cresceu porque o governo começou a emitir títulos para captar recursos e emprestá-los aos bancos públicos. Essa operação não é neutra. A dívida líquida está em 34% do PIB, mas a taxa de juros é de 15% desde 2002. Isso quer dizer que a queda da Selic não afetou o custo. Nossa dívida está acima dos padrões internacionais. A dívida bruta também é alta. Está em 58,5% do PIB, pelos cálculos do governo. É a maior da América Latina. A média dos países emergentes é 35% do PIB. 



Quer dizer que a presidente gerentona é perdulária com o dinheiro do contribuinte? 
Teoricamente, é exatamente isso. Ela assumiu pensando que teria uma economia crescendo 4% a 4,5%. De repente, quando terminar o mandato e olhar para trás, vai notar que estava com um país com uma expansão de 2% a 2,3%. O gasto público vem crescendo acima de dois dígitos. Acho muito difícil reverter isso neste ano e no próximo, porque existem itens novos, como a conta de energia, a desoneração da folha de pagamento e o programa Minha Casa, Minha Vida. Tudo isso pressiona o gasto. E, em 2014, o gasto público ainda vai aumentar. Nas últimas eleições, as despesas primárias subiram 14%. 



Por que a equipe econômica insiste em fazer projeções fora da realidade? 
Falta pé no chão. Infelizmente, eles dormiram no ponto ao não fazer as concessões de infraestrutura logo no início do governo. Deixaram para o último ano, depois de três períodos de crescimento ruim. Erraram em dados básicos de planejamento, principalmente com uma presidente que era a gestora de todos os projetos do PAC. Eles superestimaram a capacidade do setor público em investir e a folga fiscal necessária para isso. O governo tem um problema de gerência muito sério. O Lula até foi uma surpresa. Ele acabou sendo um bom gerente travestido de político. A Dilma, que a gente esperava que fosse uma boa gerente, se tornou muito mais uma política travestida de gerente.



Qual o cenário do próximo ano?
As circunstâncias hoje são melhores do que em 2002, mas há novos desafios. Naquela época, a economia internacional estava muito melhor, e havia os efeitos positivos das reformas dos anos anteriores. Agora, sem as reformas e a economia internacional está pior. A recuperação dos EUA afeta negativamente a economia brasileira a curto prazo. O cenário para 2014 não é promissor. Estamos esperando ajuste fiscal forte, em 2015, seja qual for o governo. E poderemos ter recessão. A dúvida é se o país aguenta sem nenhuma sinalização até lá. É um debate em aberto. Qualquer ajuste, agora, será visto como medida impopular e vai atrapalhar a reeleição. O peso desse ajuste de curto prazo vai cair nas costas do Banco Central. As taxas de juros vão ficar mais altas, mas abaixo de 12% ao ano, apenas para que a inflação não ultrapasse o teto da meta (de 6,5% ao ano). Com isso, a única saída para o governo, a curto prazo, é a agenda de infraestrutura. É a última bala na agulha. 



Mas os leilões podem ser frustrados?
Podem. Tem um bocado de coisa que não se sabe. O próprio governo, toda semana, vem com uma ideia nova para tentar aumentar a rentabilidade dos projetos e diminuir o risco para a atrair o setor privado, mas ninguém sabe se isso vai dar certo ou não. O novo modelo de ferrovia é extremamente interessante no papel, mas, na prática, causa muito contencioso jurídico. Ninguém sabe muito bem como é que essas coisas serão solucionadas aqui. O governo tem que estruturar o leilão e deixar que ele defina a taxa de retorno dos projetos, dar crédito e bola prá frente. Essa é a única coisa que pode elevar a taxa de investimento de curto prazo do Brasil. O resto é incerto. 



Está mais difícil vender o Brasil lá fora?
Sim. Não dá para passar um cenário positivo, a não ser que você seja do governo. Em alguns setores, como serviços e indústria extrativa, o interesse não depende da questão regulatória e do ambiente de negócios. O leilão de petróleo vai ser o de maior sucesso, mesmo que seja muito ruim para algumas empresas privadas. Há investidores, como a China, que estão mais preocupados com o acesso ao recurso do que com a taxa de retorno. O Brasil é uma economia cara, que gasta muito e tem uma poupança interna muito baixa, de apenas 16,6% do PIB. Vai precisar do resto do mundo para crescer.

Se o governo não fizer nada até 2014 na área econômica, qual seria a principal medida para melhorar a confiança do investidor?
Seria uma melhor comunicação com o mercado e colocar uma agenda positiva para o próximo governo. Contabilizar todos os custos dos subsídios. Sinalizar que vai parar com todos os empréstimos aos bancos públicos até 2016 e fazer isso apenas em circunstâncias excepcionais. Não vai ser fácil. Eles passaram os últimos quatro, cinco anos, exagerando e comendo todo o espaço fiscal que existia, fazendo truques que minaram a confiança que se tinha na área econômica. Reverter isso vai ser difícil. Seria preciso conseguir pessoas novas. Não estou falando do ministro (da Fazenda Guido Mantega), mas de pessoas abaixo dele. Hoje, não existe um grande formulador de políticas econômica na Fazenda. Tinha um, independente de concordar ou não com o que ele pensava, que era o Nelson Barbosa. 


O projeto do Orçamento Impositivo, aprovado recentemente na Câmara, pode atrapalhar mais ainda as contas públicas se passar pelo Senado?
Se isso for aprovado, vai ter que mudar um bocado de coisas. Aí o governo vai ter que começar a discutir um Orçamento mais sério antes de enviar ao Congresso. Porque, se as emendas forem impositivas, ele não vai poder deixar de executar. Se passar no Senado, é uma bomba para o governo. Dilma vai vetar.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Um video importante, mas que tremelica, como as contas do governo: Mansueto Almeida entrevistado por Adolfo Sachsida

http://www.youtube.com/watch?v=sLWpgc6ee1U&feature=youtu.be

Entrevista com Mansueto Almeida: Contabilidade Criativa


Podem clicar no link acima, para ter uma aula sobre gatunagem oficial, ou melhor, enganação do distinto público pelos mágicos do Tesouro e da Fazenda, fazendo dívida (que vai ser paga por você, caro leitor), sem dizer a verdade. Como dizia uma antiga canção, bandido federal é mais legal...
Paulo Roberto de Almeida

Enfim, aqui está a explicação:

Video sobre contabilidade criativa

Meu amigo Adolfo Sachsida do IPEA me pediu para falar sobre contabilidade criativa. Ele gravou um video de quase 10 minutos no qual faz algumas perguntas para eu responder. Ao longo da entrevista não tinha certeza se estava conseguindo explicar de forma clara, mas depois que assisti ao video gostei muito.
Sugiro duas coisas. Primeiro, visitem o blog do Adolfo Sachsida (clique aqui) e cliquem no link para assistir ao video no You Tube. Segundo, amanhã, quinta-feira 15 de agosto, Eu e Gil Castelo Branco da ONG Contas Aberta vamos participar do programa da jornalista Miriam Leitão na Globo News às 21:30 e vamos falar de transparência fiscal, orçamento, etc. Sugiro que assistam ao programa pois acho que será muito bom.
Espero que eu esteja conseguindo contribuir um pouquinho para esclarecer os dilemas fiscais, pois esse debate é político. Vamos precisar levar esse debate para o Congresso pois, para cortar gastos, vamos precisar mudar regras e colocar limites aos empréstimos do Tesouro ao BNDES.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Mais maquiagens contabeis? Desta vez no comercio exterior...

 Economistas sugerem manobra para melhorar saldo comercial
Por Angela Bittencourt e Cristiano Romero | De São Paulo
Valor Econômico, 06/08/2013

Criatividade para melhorar as estatísticas do país não é característica exclusiva do governo Dilma Rousseff ou do Tesouro Nacional, pilotado por Arno Augustin. Na sexta-feira, durante encontro com o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, economistas de mercado fizeram proposta inusitada: a realização de manobra contábil para mudar o resultado da balança comercial.
Quando era ministro da Fazenda, Pedro Malan dizia que "no Brasil até o passado é incerto". Na reunião de sexta-feira, dois economistas-chefes de bancos sugeriram que o governo transfira, para o resultado da balança comercial de 2012, parte da importação de petróleo e derivados feita pela Petrobras no ano passado e registrada apenas neste ano.
Nos últimos meses de 2012, a estatal importou óleo bruto e derivados no valor de US$ 4,6 bilhões, mas só registrou a compra entre janeiro e março deste ano. Fez isso graças a norma da Receita Federal que permite o registro de importações até 50 dias depois do desembarque do produto. Se o registro tivesse sido feito em dezembro, o saldo comercial de 2012 teria encolhido de US$ 19 bilhões para US$ 14,4 bilhões.
A ideia de transferir importações para a estatística do ano passado tem uma motivação: melhorar o resultado da balança comercial em 2013. No primeiro semestre do ano, o Brasil registrou déficit comercial de US$ 3,1 bilhões. Uma das causas do déficit foi justamente a balança de petróleo e derivados, que acumulou saldo negativo de US$ 8,2 bilhões.
A mudança de registro de importações diminuiria esse déficit para US$ 3,6 bilhões. E produziria um superávit comercial, no primeiro semestre, de US$ 1,5 bilhão. Há mais de uma década o Brasil não registra déficits anuais na balança comercial.
Para o economista-chefe de um grande corretora, presente à reunião com Holland, ao creditar importações de petróleo no ano em que realmente ocorreram, "o governo teria a vantagem de regularizar a série da balança comercial por uma razão estatística e não econômica". Na avaliação do economista-chefe de um dos maiores bancos privados do país, a sugestão teve o objetivo de corrigir uma estatística importante. "Superestimou-se o saldo comercial de 2012 da mesma forma que, agora, está se subestimando o desempenho da balança comercial [de 2013]."
Os economistas alegaram que a prática de transferir registros de exportação e importação de um ano para o outro é comum em outros países. "As importações da Petrobras foram registradas com atraso. Seria adequado, portanto, registrá-las como sendo de 2012", explicou um dos participantes da reunião. "Do ponto de vista técnico, é errado fazer isso? Não. O problema é que o governo já está sem credibilidade", opinou um economista. "É um ajuste que vai sair pela culatra. Não deveria ser feito neste momento", advertiu.
Segundo apurou o Valor, Holland não fez, durante o encontro, comentários sobre a proposta. Além disso, o ajuste das estatísticas não depende da Fazenda e sim do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A princípio, o governo não está pensando em acolher a sugestão.

Uai! Cade o pacto fiscal que estava aqui? O gato comeu? Sobrou a farrafiscal?

Tesouro emite R$ 800 mi em títulos para bancar corte na conta de luz

Veja.com, 5/08/2013

Medida foi adotada depois de o governo ter desistido de antecipar recebíveis da Usina de Itaipu

O Tesouro Nacional autorizou o repasse de 800 milhões de reais, em agosto, para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), cujos recursos vêm sendo utilizados para garantir os descontos na conta de luz, prometidos pela presidente Dilma Rousseff no ano passado.
De acordo com a portaria 440, publicada na edição desta segunda-feira no Diário Oficial da União (DOU), o subsecretário da dívida pública, Paulo Fontoura Valle, autorizou a emissão 891.002 títulos na quinta-feira, 1º de agosto. Os papéis têm vencimento em 1º de outubro de 2014.
Inicialmente, o governo pretendia bancar os descontos - que serão em média de 18% - antecipando recebíveis da Usina Binacional de Itaipu até 2023, de acordo com a Medida Provisória 615, publicada em maio deste ano. A decisão foi recebida pelo mercado com críticas por ser mais uma das manobras fiscais, que têm sido adotadas pelo Tesouro para garantir o cumprimento da meta fiscal, atualmente de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), que consiste na economia feita pelo governo para o pagamento dos juros da dívida pública. 
Diante das críticas, o governo recuou de tal medida e anunciou, junto ao corte orçamentário de10 bilhões de reais, que os recursos para a CDE virão diretamente do Tesouro Nacional. Isto é, em vez de o dinheiro sair de receitas futuras, ele sairá dos cofres públicos. Contudo, essas despesas não foram incorporadas no relatório de reprogramação orçamentária divulgado no dia 22 de julho. Esses gastos só serão divulgados no próximo relatório - em 22 de setembro. 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Demagogia fiscal e desmantelamento da federacao - Editorial Estadao

O preço da demagogia

05 de agosto de 2013 | 2h 03 - Editorial O Estado de S.Paulo
O populismo fiscal do governo federal, que distribuiu desonerações a mancheias para uns poucos setores felizardos, a título de estímulo ao consumo, teve, como se sabe, efeitos pífios sobre o crescimento da economia. No entanto, as consequências para os Estados estão sendo desastrosas. A queda na arrecadação federal reduziu os recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e, com isso, vários deles tiveram de elevar o porcentual de receitas destinadas ao pagamento de servidores públicos - superando, em alguns casos, o teto imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
O Fundo de Participação dos Estados é formado por 21,5% da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, e seu objetivo é reduzir as disparidades regionais. Os recursos são fundamentais para o funcionamento de vários governos estaduais - chegam a representar, para muitos deles, mais da metade da arrecadação e significam a manutenção de serviços públicos essenciais.
Foi justamente a péssima qualidade desses serviços que levou milhares de pessoas às ruas para protestar nos últimos tempos. Atender a essa demanda legítima significa pressionar ainda mais as contas estaduais. O momento não podia ser pior.
Levantamento do jornal Valor (29/7) com base em dados do Tesouro Nacional mostra que, nos primeiros quatro meses deste ano, três Estados - Paraíba, Tocantins e Alagoas - já gastaram com pessoal mais de 49% de sua receita líquida, que é o limite de comprometimento previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Além disso, Paraná, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Sergipe atingiram o chamado "limite prudencial" desse tipo de despesa, que é de 46,55% da receita líquida. Outros sete Estados - Acre, Goiás, Distrito Federal, Piauí, Pernambuco, Pará e Rondônia - superaram o limite de "alerta" (44,1%).
A Lei de Responsabilidade Fiscal, em vigor desde 2000, aplica-se aos três níveis de governo e prevê a suspensão de transferências voluntárias da União para os Estados que a violarem. Além disso, esses Estados ficam impedidos de tomar empréstimos e têm oito meses para regularizar a situação.
A excessiva gordura das máquinas administrativas e o seu mau gerenciamento explica em parte os números alarmantes, mas a corrosão do FPE tem sido o principal fator de desequilíbrio nos Estados mais pobres. O governo da Paraíba, por exemplo, atribui seus problemas diretamente à diminuição dos repasses do FPE, dizendo que se trata de uma fonte de receita mais importante até do que a arrecadação de ICMS, o principal tributo estadual.
Diante das manifestações que tomaram o País, o Congresso apressou-se a aprovar as novas regras de distribuição do FPE, que deveriam estar em vigor há mais de duas décadas. Uma delas previa que eventuais desonerações promovidas pelo governo federal seriam descontadas da cota de arrecadação da União, protegendo, dessa maneira, as receitas de Estados e municípios. Mas a presidente Dilma Rousseff vetou a proposta, alegando que se tratava de uma medida inconstitucional e que, ademais, ameaçava a política de benesses fiscais - cuja conta já atinge R$ 70 bilhões.
Essa atitude de Dilma mostra o baixo nível de comprometimento do governo federal com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que é um dos maiores avanços da história da administração pública brasileira, marcada pelo caos de dívidas impagáveis e pela farra com o dinheiro do contribuinte. É bom lembrar que foi o princípio da responsabilidade que, ao trazer equilíbrio para as contas públicas, permitiu aos governos lulopetistas incrementarem os programas de transferência de renda que alimentam sua propaganda.
Ao insistir em fazer bondades com o chapéu alheio, Dilma mostra bem o que significa o tal "pacto pela responsabilidade fiscal" proposto por ela a governadores e prefeitos no auge das manifestações de rua. Nesse pacto, Estados e municípios entram com o sacrifício, e o governo federal fica com os louros da demagogia.

Gustavo Franco, disfarcado de Mme Lagarde, humilha Guido Mantega: impagavel...

A resposta de Madame Lagarde


O Estado de S.Paulo, 04 de agosto de 2013

GUSTAVO H.B. FRANCO
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, dirigiu uma carta à diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, em julho de 2013, solicitando uma revisão metodológica no cálculo da Dívida Bruta do Brasil. O organismo trabalha com um valor correspondente a 68% do PIB e as autoridades brasileiras reconhecem apenas 58,7%. Logo abaixo, num exercício inteiramente ficcional, imagina-se o teor de uma carta resposta, de caráter pessoal e confidencial.
"Washington, 2 de agosto de 2013
Mon cher Guido,
Demos boas gargalhadas com a sua mui amável carta trazendo o seu pedido para mudarmos a metodologia de apuração da Dívida Bruta brasileira, que, de qualquer jeito, se me permite a piada insolente, continua sendo uma bruta dívida por qualquer critério que possamos escolher. Esteja certo que vamos trabalhar o assunto da maneira mais conveniente para todos, pois, como você bem sabe, não há outra instituição multilateral neste mundo de Deus que melhor compreenda a necessidade de as autoridades jogarem para a torcida. Ademais, em condições normais, as queixas e os pedidos que aparecem são sempre malcriados, pois, como sabemos, somos uma organização que todos adoram detestar, aí incluídos os representantes que mandam para cá.
Sei bem que o amigo anda enfrentando críticas centradas nos dribles contábeis que vocês inventaram para enfeitar os números fiscais. Aqui nesta casa, como você já terá observado muitas vezes, todos somos admiradores do futebol arte, e nesse quesito vocês são os indisputáveis campeões mundiais, os artistas que todos querem ver em ação.
Pena que nos últimos anos, desde a Copa de 1994, tenha havido certa "germanização" dos assuntos fiscais e monetários contrariando a vocação brasileira para a criatividade. Nossos analistas apaixonados pelo futebol brasileiro vinham se deslocando para a cobertura dos jogos de Espanha, Itália, Portugal e Grécia, a fim de melhor exercitar o fascínio pela inovação. Felizmente, todavia, graças ao trabalho de vocês, esse longo inverno chegou ao fim. Desde os tempos do ministro Delfim, e daquelas inesquecíveis cartas de pura embromação, nós não víamos nada tão interessante. Dê os meus parabéns ao moço do Tesouro, ele tem um futuro brilhante pela frente, talvez em Wall Street. Só posso imaginar o que será capaz de fazer quando aprender sobre derivativos.
Deve ter sido ele o autor da minha passagem favorita de sua carta, quando você diz que os títulos do Tesouro na carteira do Banco Central "não têm natureza fiscal". Que achado! Dívida de natureza não fiscal seria como dinheiro de caráter não monetário. Ninguém do "staff" tinha ouvido nada parecido, e seguramente a novidade vai causar sensação na França, posso lhe garantir. Jean Baudrillard, caso estivesse vivo, escreveria certamente sobre isso, nada pode ser mais pós-moderno e consistente com sua semiótica do simulacro.
Veja, Guido, eu sou advogada, não sei nada sobre números e, por isso, talvez não seja mesmo capaz de apreciar como deveria o trabalho de vocês. Mas de contabilidade eu entendo uma coisa ou outra, pois bastam as quatro operações e saber que a obrigação de um é a riqueza de outro. Com esse pouquinho de conhecimento, consegui capturar a malícia utilizada em seu texto quando você afirma que os títulos do Tesouro que não estão "em poder do público" não devem estar na estatística de "dívida bruta". Está tudo dentro de casa, não é mesmo? O "staff" diz que é um tolo argumento de senso comum, como costumam ser as grandes falácias em economia, o que, para mim, soa como uma espécie de elogio a seu texto.
É claro que eles dizem um monte de outras coisas horríveis de vocês, esses caras são pagos para achar defeito nas coisas. A maior parte dessas mesquinharias é muito difícil para uma advogada, mas o pedaço que eu entendi, eu não consigo contestar e, por isso, preciso que você me ajude. Eles dizem que topam excluir da estatística da dívida bruta qualquer coisa que você, Guido, possa cancelar sem que isso traga qualquer implicação patrimonial para ninguém, como títulos em tesouraria. Mas esse não é bem o seu caso, certo? Se você cancelar esses títulos que você quer tirar da conta, você vai quebrar o Banco Central, não? Afinal, são cerca de R$ 400 bilhões em títulos a cancelar no ativo e o patrimônio do BCB é de R$ 21,5 bilhões. Muito feio, não?
Mas quem se importa com o que diz o "staff". De minha parte, fico curiosa sobre o assunto, como dizem os advogados, "por amor ao debate". Importante mesmo é o que vai se passar diante dos olhos do distinto público, a saber: vou lhe escrever uma carta com felicitações pelos progressos alcançados no terreno fiscal, com uma reserva ou outra para não ficar adulatório, e vou acrescentar que, mesmo reconhecendo os méritos (vou precisar muito cuidado com a linguagem aqui) de seu pedido, não podemos mudar nada de natureza metodológica que não seja aplicável para todo o mundo, inclusive para aqueles alemães insuportáveis. Você sabe como é difícil conversar desses assuntos com esse povo. J'adore quando você implica com eles e com os americanos! Nisso você me faz lembrar o finado Jacques Rueff, ele não era do seu tempo e foi uma lenda na França. É invenção dele a expressão "privilégio exorbitante", para provocar os americanos (e que virou título de um livro recente do Barry Eichengreen, que trabalhou aqui conosco), mais ou menos como você fez com a sua já consagrada "guerra cambial".
Em ambos os casos, nós bem sabemos que se trata apenas de uma tola frase de efeito para consumo da imprensa não especializada e dos círculos alternativos, e Rueff não tinha nada que ver com você: era um liberal de corte austríaco, seguidor de Von Mises, apóstolo do padrão ouro e membro da Academia Francesa, onde ocupou a cadeira de Jean Cocteau. Por isso, talvez o marechal De Gaulle o chamasse de "meu poeta das finanças".
Seu texto não tem lá muita poesia, mas eu entendi bem o seu propósito. Eu escrevo a minha carta, você continua a fazer a conta do jeito que você achar mais conveniente, e a vida segue, cada um no seu quadrado.
Transmita meus cumprimentos à sua equipe, aos quais se junta o nosso querido DSK que apenas alerta para os riscos do excesso de maquiagem.
Um último ponto, já ia me esquecendo: obrigada pela sua rápida intervenção no affaire do pacote grego. Era só o que faltava, não é? Nunca sentimos tantas saudades do finado Alexandre Kafka, um homem gentil e sensato. Sei que vocês querem esse rapaz longe daí, mas você não acha que já sofremos o suficiente?
Cordialmente,
Christine."