Paulo Roberto de Almeida
Brasil tenta driblar o Mercosul para fechar um acordo com a UE
O anúncio, em fevereiro deste ano, de que a União Europeia e os Estados Unidos deram início a conversações para estabelecer uma zona de livre comércio, tornou mais evidente a inanição brasileira em sua política externa, enquanto outros países correm para demarcar seus territórios e acelerar suas trocas comerciais. Mais próximo ainda, o bloco Aliança do Pacífico, formado há dois anos por Peru, Chile, México e Colômbia, começa a ser apontado como modelo de parceria bem-sucedida no continente. Com um PIB de 2 trilhões de dólares, ou 35% do total da América Latina, o bloco avança a passos largos, tentando estreitar as relações com os países europeus e os Estados Unidos. Além disso, conta com economias mais estáveis aos olhos dos investidores.
Embora o PIB dos quatro países do Mercosul represente um total de US$ 2,8 trilhões, superando o bloco do Pacífico, a instabilidade da Argentina, com os arroubos da sua presidente, Cristina Fernandez, em nome do protecionismo, despertam dúvidas sobre o avanço das negociações com a Europa. O país vizinho tem sido comparado a uma bola de ferro presa à canela do Mercosul, que não consegue avançar sem a sua anuência. “Amargamos praticamente uma prisão dentro do Mercosul”, reclama o senador do PSDB Aécio Neves, virtual candidato de oposição à presidência da República, para as eleições do ano que vem.
Em 2004, depois de cinco anos de conversação entre os dois blocos, os argentinos dificultaram o acordo por questões menores, lembra o ex-ministro do Desenvolvimento e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, durante o governo Lula. “Os europeus queriam acesso de uma cota de 50.000 carros de alta cilindrada para vender ao Mercosul. Nós pedimos menos, e chegamos a 38.000, mas não víamos riscos, pois nossas montadoras não fabricavam esse modelo”, lembra Furlan. “Na ocasião, eu e o Antonio Palocci (ex-ministro da Fazenda) ligamos para o Roberto Lavagna (ex-ministro da Economia da Argentina) para convencê-lo a aceitar a proposta, mas eles estavam preocupados em renegociar sua dívida externa, e um acordo com a UE tornou-se secundário".
Se as negociações tivessem sido fechadas uma década atrás, o acordo entre os dois blocos seria o maior do mundo, e o Brasil lograria avançar mais rápido na internacionalização das suas empresas, na ampliação das exportações e teria acelerado algumas reformas internas. Olhar para trás, no entanto, não altera o resultado atual. Mas, ajuda a mudar a postura brasileira na mesa de negociações.
De 2004 para cá, várias mudanças varreram o mundo. A União Europeia congrega hoje 27 países, e nao mais 15, como em 2004, um acordo entre os dois blocos perdeu o ineditismo no cenário global, e a China ganhou uma importância decisiva para o comércio exterior. Tudo isso conspira para que o Governo brasileiro seja mais preciso na busca por saídas para driblar a necessidade de negociar em conjunto com seus demais sócios no bloco. “O Brasil não exclui nenhuma solução que possa facilitar o cumprimento da oferta para a integração”, diz Daniel Godinho, secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento. “Mas, o exercício, no momento, é de consolidação de propostas entre os membros do grupo”, completa.
A proposta brasileira já está pronta desde outubro, e será confrontada com a dos demais sócios nas próximas semanas. Até o final de dezembro, representantes dos dois blocos devem apresentar seus respectivos documentos finais, com vista a aparar arestas em temas mais sensíveis, numa reunião que pode ser realizada em Bruxelas, no máximo até o dia 20 de dezembro. O presidente uruguaio, José Mujica, já se posicionou publicamente a favor das propostas brasileiras. “É sábio e previdente não depender de um único mercado”, disse Mujica, referindo-se ao papel preponderante da China no continente – os chineses são os principais importadores dos produtos brasileiros, por exemplo.
A necessidade de encontrar alternativas para chegar a um acordo de livre comércio com a Europa é praticamente um consenso dentro e fora do governo. “Há mais disposição do lado empresarial, e acredito que o governo está mais alerta para a necesidade de essa agenda andar”, diz Pedro Passos, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), e sócio da indústria de cosméticos Natura, que está presente em oito países. “As condições atuais são melhores do que antes”, completa Passos.
Furlan avalia que não há espaço para recuos.“Perdemos uma grande oportunidade no passado, mas agora o Brasil tem de ir adiante, com ou sem o apoio da Argentina”, diz. Godinho, do Ministério do Desenvolvimento, no entanto, avalia que o fracasso no passado nao pode ser atribuído à Argentina. “Nós tínhamos uma oferta muito boa, mas não houve correspondência da oferta europeia”, afirma.
Seja como for, além dos ajustes entre os sócios do Mercosul, o Brasil enfrenta desafios complexos. Um deles é a redução do comércio com a Europa. De janeiro a outubro deste ano, o país exportou 2,06% a menos para o bloco europeu, num total de 40,3 bilhões de dólares, e importou 42,7 bilhões, ou 7,9% a mais que no ano passado. Desta forma, acumula um déficit de 2,38 bilhões de dólares na balança, o primeiro saldo negativo com os europeus desde 1999.
Os representantes da iniciativa privada, no entanto, estão confiantes, pois a classe política está mais consciente da necessidade de mudar de postura. “Todos os candidatos à presidência da República para as eleições do ano que vem falam em fechar acordos bilaterais, por exemplo”, diz Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura no governo Lula. “Isso é fundamental, pois 40% de comércio mundial é feito por essa via”, justifica. Hoje o Brasil só tem acordos do gênero com Israel, Egito e com a Palestina. “Precisamos correr, pois no comércio ou você ganha ou você morre”, afirma Rodrigues. Para o senador Neves, o acordo com a União Europeia é a última tábua de salvação do Brasil contra o isolamento. “Caso contrário, estaremos excluídos, definitivamente, das cadeias globais de comércio exterior”, conclui.