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terça-feira, 8 de outubro de 2013

Brasil: anarquia partidaria, caos politico, promiscuidade eleitoral, enfim, o horror - Reinaldo Azevedo

Não creio, sinceramente, que o sistema partidário brasileiro, e com ele as regras eleitorais, e, mais importante, a governabilidade política tenham conserto, no curto, no médio ou num prazo mesmo longínquo. Ele é simplesmente "inconsertável", se só mudará com uma grave crise política que coloque em cheque as condições atuais da governabilidade. Essa crise política não virá antes de uma crise econômica, que também não se antevê no futuro previsível, porque o Brasil vai continuar na sua trajetória medíocre de crescimento, como uma lesma, na sua trajetória segura de mediocridade política, de desmantelamento institucional, enfim, de erosão da governança e da governabilidade. Ou seja, vai demorar.
Vamos continuar na decadência econômica, política, social, cultura e institucional.
Belo futuro, hein?
Paulo Roberto de Almeida

 O mundo que funciona é bipartidário; Brasil caminha no sentido inverso. E não funciona!
Reinaldo Azevedo, 7/10/2013

Eu poderia começar o texto assim: “Toda grande democracia do mundo é bipartidária”. Mas seria inexato. De fato, todas as democracias do mundo, grandes ou pequenas, são bipartidárias, ainda que haja dezenas de partidos. Nos EUA, por exemplo, chegam perto de… 80!, mas só dois têm condições efetivas de governar o país: o Democrata e o Republicano. Na Alemanha, a CDU (União Democrata-Cristã) sempre aparece unida (ou separada) da CSU, a União Social-Cristã, por um hífen. É que particularidades regionais fazem com que a CDU se chame, na Baviera, CSU… Legendas médias, pequenas ou nanicas, mundo democrático afora, orbitam em torno de dois grandes núcleos: um poderia ser definido, genericamente, como “progressista”, e o outro, como “conservador”.
“Progressista” e “conservador” em relação a quê? Às mais diversas questões, que vão da economia (mais distributivista ou menos, mais estatista ou menos) aos valores (mais libertários ou menos em matéria de costumes). Cada um desses núcleos forma um imaginário, e os eleitores fazem as suas escolhas de acordo com as demandas tornadas urgentes. Nos EUA, há um virtual empate entre democratas e republicanos; na Alemanha (desconsidero a unificação), também: com particularidades nas quais não vou entrar, o fato é que a democracia-cristã deu as cartas entre 1949 e 1969; o comando do jogo passou para a social-democracia entre 1969 e 1982; voltou para a democracia-cristã entre 1982 e 1998, foi retomada pela social-democracia entre 1998 e 2005 e voltou para os conservadores — Merkel acaba de ser reeleita. Cito dois sistemas tão distintos para evidenciar que não é a forma de governo que determina nem a polarização nem a alternância. O regime parlamentarista pode ter ciclos mais longos de domínio de um partido — domínio que não implica esmagamento da oposição.
Se a livre organização partidária é própria das democracias, a fragmentação do Parlamento numa miríade de pequenos partidos pode ser um sintoma de doença, a atentar contra a saúde do próprio sistema. A bagunça existente no Brasil, que só tende a crescer, o evidencia à farta. É curioso: Banânia deve ser o país do mundo livre que mais estabeleceu regras e cláusulas para a formação de partidos. Não por acaso, creio, é aquele em que o Parlamento mais está fragmentado. Para a alegria e felicidade dos brasileiros? Não! Para a sua desgraça.
O que distingue, por exemplo, o PSD, a quarta maior bancada da Câmara, depois do troca-troca, do PMDB? São os métodos? É o credo (“nem de direita, nem de esquerda nem de centro)? É o quê? E o Solidariedade? Não é tucano — ou mesmo petista — por quê? Notaram que a imprensa, e não sem motivos, chama o primeiro de “o partido de Kassab” e o segundo de “o partido de Paulinho”? O tempo passa, e o sistema regride: era evidente que essa fragmentação passaria a conviver com uma espécie de privatização de partidos. Há uma afeganistanização do Parlamento, que passa a ser dominado por “Senhores da Guerra”.
Vejam que pitoresco. Mesmo depois de mais de 10% dos deputados terem mudado de legenda, o governo continua a contar com o apoio de escandalosos 75% da Câmara. Em nenhuma democracia do mundo se tem oposição tão nanica. Nem na ditadura venezuelana. É evidente que isso não reflete a vontade expressa nas urnas há três anos. Boa parte dos agora parlamentares do PSD, por exemplo, foi eleita para fazer oposição. E é situação. Há, sim, um ou outro que fizeram o caminho contrário, mas em menor número. O tal PROS, nascido para ser governista, já recebeu parlamentares eleitos para combater o petismo.
O que pesa nessas decisões? Convicção? Não! Grupos vão se organizando para arrancar benesses do poder. Não são direta, esquerda, centro; não são governistas nem oposicionistas; não são “progressistas” ou “conservadores”. São apenas candidatos a sócios do poder, qualquer que seja ele. Por mim, a criação de partidos seria ainda mais livre do que hoje, sem exigência de assinaturas ou sei lá o quê. Mas também não haveria fundo partidário, horário político gratuito — e eleitoral tampouco.
A bagunça na legislação que regula a formação dos partidos — de um lado, cartorial e burocratizada; de outro, relaxada a mais não poder — é uma das raízes do problema. A outra são os superpoderes de que dispõe o Executivo. Se as democracias que funcionam são, na prática, bipartidárias, a nossa, vejam vocês, vai caminhando no sentido inverso. O assunto está longe de se esgotar. Agora mesmo, saúda-se a união de Marina Silva com Eduardo Campos como rompimento de uma polarização que se julgava negativa. Muito bem: digamos que isso fosse verdade, cabe perguntar: ela estaria se rompendo em nome exatamente do quê?

sábado, 5 de outubro de 2013

A mistica politica da nao-politica, para chegar ao poder, irracionalmente... - Reinaldo Azevedo

A ex-senadora, ex-ministra, ex-várias outras coisas, e atual líder espiritual da conurbação etérea dos sustentáveis sempre me pareceu totalmente alienada, no sentido em que nós, jovens marxistas, dávamos, nos anos 1960, às pessoas que pairavam no ar, sem uma noção precisa do que seja o mundo e do que elas fazem ali, naquela atmosfera terrena contaminada por más intenções, mas que não atingem os alienados, pois eles são ingênuos, no sentido cristão primitivo da palavra.
A Marina Silva seria um desastre como governante, mas corre o risco de ser eleita, se conseguir se candidatar, por qualquer coisa que se chame partido.
Vai ser um desastre, mas talvez menor do que o produzido pelos companheiros, pois ela, não tendo uma organização stalinista como os petralhas, seria obrigado a se compor com os políticos profissionais e outros idealistas que a seguem, mas que não são tão etéreos quanto ela.
Partilho da visão do Reinaldo Azevedo e também do Alfredo Sirkis, ainda que discordando de ambos em várias outras coisas.
Mas, o Brasil atual é um país de alienados, das elites aos pobres matutos do interior. Todos eles podem eleger a alienada maior do Brasil.
É, vai demorar para consertar o Brasil: entre petralhas e místicos...
Paulo Roberto de Almeida

Reinaldo Azevedo, 4/10/2013

Volta e meia escrevo sobre as tentações messiânicas de Marina Silva. Atenção! A crítica nada tem a ver com o fato de ela ser evangélica. O problema da ex-senadora, entendo, não é seu milenarismo religioso — fosse, ela deixaria algumas questões para a segunda volta do Cristo… O que me incomoda nela é seu milenarismo supostamente científico, que avança para a irracionalidade. Líder carismática, ao menos entre os seus fanáticos, não junta, com frequência, lé com lé, cré com cré, mas seus seguidores atuam como se ela já tivesse feito uma viagem ao futuro e atuasse, então, no presente, para nos salvar das ameaças escatológicas. As suas prefigurações apocalípticas não têm nada a ver com o Cristo — atribuir à sua religiosidade o seu discurso impreciso é só uma forma de preconceito antirreligioso. Marina é, no Brasil, a expressão mais acabada — e, como todas, mal acabada — de uma dita agenda global: o mundo teria descoberto o caminho da paz perpétua. Essa agenda totalista, de viés docemente totalitário, não frutifica, por exemplo, em ditaduras. Vejam lá se a China está preocupada com as prefigurações apocalípticas de Marina. Ou a Rússia. Ou os países islâmicos. Perguntem, por exemplo, se George Soros se ocupa de financiar ONGs em Pequim… É preciso haver democracia para que se tenha a liberdade de tentar destruir a democracia. Enquanto os revoltosos não vencerem, a gente via levando…
Não estou aqui a dizer que Marina não acredita nas coisas que diz. Ela é uma profetisa que se leva a sério, sim. Desculpem ser literalmente “rasteiro” quando trato de Marina, vale dizer: ter de chegar ao chão propriamente. Eu ainda me pergunto o que aconteceria com o Brasil — que já está vendo sua balança comercial ir para a cucuia e que amarga os piores resultados nas contas externas — se o Código Florestal que ela brandiu como quem tivesse recebido as Tábuas da Lei tivesse sido aprovado. Resultaria em quê? Numa brutal redução da área plantada. “Ah, não simplifique, não é assim!” É assim, sim, senhores! Demonstrei à farta essa questão por ocasião do debate do tal código.
Pois bem! O deputado Alfredo Sirkis (RJ), do Rio, é um dos mais vistosos aliados de Marina Silva. Está entre aqueles que defendem que o grupo se organize, inclusive ela própria, para disputar as eleições de 2014. Há caminhos para isso. Legendas foram oferecidas à líder. Mas ela resiste. A questão foi debatida ontem à noite. O confronto entre os dois beirou o bate-boca. Marina acha que sua força simbólica diminui caso dispute a Presidência por outra sigla. De certo modo, tem razão: afinal, isso traria à luz o que ela faz de tudo para esconder: é obcecada pelo poder — embora, claro!, seja vista hoje em dia como uma pessoa quase etérea, que se preocupa apenas com a luz, como se suas ambições, à diferença da de outros políticos, não fosse constituída de matéria, mas apenas de energia. É mesmo, é?
Ora, ela pertencia ao maior partido do país. Poderia, por exemplo, ter lutado para arrebanhar forças internas e disputar posições de comando. Ocorre que Marina não queria ser mais uma; pretendia ser “a” protagonista. Seu grupo se mudou de mala e cuia para o PV. Finda a disputa presidencial, tentaram dar um golpe e tomar a legenda. Ela fez à direção do partido a mesma acusação que fez ontem ao TSE: arcaísmo, legalismo regressivo, burocracia… Comandou a debandada rumo à tal Rede. Alguém então indagou: “Para ser presidente?”. Nãããooo!!! Isso é coisa da “velha política”, das pessoas vulgares, dizia-se. Nunca um partido em formação teve tanto espaço na imprensa e nas redes sociais. A turma só se esqueceu, vamos dizer, de cuidar da cozinha. Com Marina, é assim: mordomos invisíveis sempre administram a casa, enquanto ela flana e vive de luz. Com todo o respeito ao doutor Torquato Jardim, um profissional de respeito, a argumentação no TSE beirou o ridículo: o que se pedia ali é que se descumprisse a lei. No estado democrático e de direito, quando uma lei é ruim, o que se deve fazer é mudá-la. Mas essa tarefa não cabe aos tribunais.
Sirkis escreveu um duro texto em seu blog intitulado “Cartório, auto-complacência…e sincericídio”, que reproduzo abaixo. Atenção! Eu sou um duro crítico de Marina e não estou tentando usar as palavras de um aliado seu para provar que estou certo. Não o conheço, e é provável que discordemos de uma porção de coisas. Não endosso algumas das coisas que vão ali, com destaque para a crítica nada sutil à religiosidade da ex-senadora. O texto serve, de todo modo, como evidência de que Marina, cercada por adoradores, exerce uma doce e iluminada autocracia. Se um dia for eleita presidente, das duas uma: ou será obrigada a renunciar às próprias convicções porque a governabilidade impõe limites racionais que seu discurso não reconhece ou empurra o país para uma crise. Essa conclusão é minha, não de Sirkis. Fiquem com seu desabafo. Chamo especial atenção para o trecho em que ele aborda a “diversidade ideológica” da Rede. Alguém dirá: “Que bom!”. Huuummm… Eu até hoje me pergunto como se conciliariam vocações francamente liberais lá abrigadas — ou “neoliberais”, como querem alguns — com convicções que, às vezes, estão bem à esquerda do petismo. Quem as unirá num único cálice? Bastará a força mística de Marina?
Reinaldo Azevedo
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Cartório, auto-complacência…e sincericídio
Alfredo Sirkis

O Brasil da secular burocracia pombalina, do corporativismo estreito e da hipocrisia politico cartorial falou pela voz da maioria esmagadora do tribunal. A voz solitária de Gilmar Mendes botou o dedo na ferida na forma do juz esperneandi. O direito de, literalmente, espernear.
Para mim não foi surpresa alguma, nunca foi uma questão de fé –Deus não joga nesta liga– mas de lucidez e conhecimento baseado na experiência pregressa. Eu tinha certeza absoluta que se não tivéssemos uma a uma as assinaturas certificadas, carimbadas, validadas pela repartição cartórios de zonas eleitorais íamos levar bomba.
A ministra relatoria fez uma defesa quase sindicalista da “lisura” de seus cartórios. Gilmar Mendes mostrou claramente o anacronismo deles na era digital. Prevaleceu a suposta “dura lex sed lex” mas que pode também ser traduzido, no caso, pelo mote: “aos amigos, tudo, aos inimigos, a Lei”. E o PT já tinha avisado que “abateria o avião de Marina na pista de decolagem”.
Mas não ter entendido que o jogo seria assim e ter se precavido a tempo e horas foi uma das muitas auto complacências resultantes de uma mística de auto ilusão.
Para ser direto em bom carioquês: “demos mole”.
Marina é uma extraordinária líder popular, profundamente dedicada a uma causa da qual compartilhamos e certamente a pessoa no país que melhor projeta o discurso da sustentabilidade, da ética e da justiça socioambiental. Possui, no entanto, limitações, como todos nós. As vezes falha com operadora política comete equívocos de avaliação estratégica e tática, cultiva um processo decisório ad hoc e caótico e acaba só conseguindo trabalhar direito com seus incondicionais. Reage mal a críticas e opiniões fortes discordantes e não estabelece alianças estratégicas com seus pares. Tem certas características dos lideres populistas embora deles se distinga por uma generosidade e uma pureza d’alma que em geral eles não têm.
Não tenho mais idade nem paciência para fazer parte de séquitos incondicionais e discordei bastante de diversos movimentos que foram operados desde 2010. A saída do PV foi precipitada por uma tragédia de erros de parte a parte. Agora, ironicamente, ficamos a mercê de algum outro partido, possivelmente ainda pior do que o PV.
Quanto à Rede, precisa ser vista de forma lúcida. Sua extrema diversidade ideológica faz dela um difícil partido para um dia governar. Funcionaria melhor como rede propriamente dita –o Brasil precisa de uma rede para a sustentabilidade, de fato– mas, nesse particular, querer ser partido atrapalha.
Ficarei com Marina como candidata presidencial porque ela é a nossa voz para milhões de brasileiros mas não esperem de mim a renúncia à lucidez e uma adesão mística incondicional, acrítica.

Minha tendência ao “sincericidio” é compulsiva e patológica. Nesse sentido não sou um “bom politico”. Desculpem o mau jeito. Hoje tenho oito horas para enfrentar um leque de decisões, todas ruins em relação ao que fazer com uma trajetória limpa de 43 anos de vida política. Mas vou fazê-lo sem angústia de coração leve e mente aberta.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Politica brasileira: o estado a que foi levada pelos companheiros...

Sem palavras, apenas um instantâneo do momento, um retrato da política brasileira na era do NuncaAntes (de fato, nunca antes coisas assim aconteciam...):

O Globo, 26/09/2013, caderno País/Política, pág. 7:


Para tentar segurar a ex-prefeita (..de Fortaleza, Luizianne Lins) no PT, a presidente Dilma Roussef já teria oferecido (...ao grupo da ex-prefeita), de acordo com pessoas próximas a Luizianne, assento nos conselhos de administração da Petrobras e do BNDES, cargo de comando numa subsidiária da BNDESPAR, no Rio, além de um cargo na Secretaria de Políticas para a Mulher da Presidência da República, que tem status de ministério.

domingo, 30 de junho de 2013

O Messias reencarnado, uma não-ficção política brasileira - Roberto Saboya

CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA 
Roberto Saboya 
Junho, 2013 

No livro de Gabriel Garcia Marques, toda a comunidade do vilarejo fica sabendo antes da iminente morte de Santiago Nasar, mas nada fazem para salva-lo de seu trágico destino anunciado logo à primeira linha do romance. Ao longo da história não se sabe o que passa na mente de Santiago, nem mesmo se ele estava ciente de que o queriam matar. 
Na primeira linha do romance brasileiro Lula já anuncia a morte de Dilma, que, a exemplo do que acontece com Santiago, não se sabe o que passa na sua mente, nem mesmo se ela está ciente de que a querem matar. 
Neste nosso romance, a arma do crime foi a abertura das burras do tesouro nacional para eleger Dilma. Lula emitiu títulos caros para entregar dinheiro barato a seus eleitores para isso utilizando os bancos públicos. Em 2009, o BNDES emprestou US$45 bilhões e gerou um prejuízo de US$6,5 bilhões aos cofres públicos. Lula repetiu Orestes Quércia, ex-governador de São Paulo, a quem atribuem a frase: “quebrei o banco, mas elegi meu candidato”. 
No último ano do seu até então bem comportado governo, Lula aumentou a divida publica para 66,8% do PIB, o salário dos funcionários públicos em até 62%, a despesa primária do governo chegou a 23,6% do PIB. Lula inovou ao inventar a “contabilidade criativa” que permitiu reduzir o superávit para fictícios 2,5% ao excluir as obras do PAC e as despesas do Minha Casa Minha Vida. 
Lula, um gênio politico, é muito mais inteligente que seus congêneres latino-americanos. Programou seu terceiro e quarto mandato sem recorrer a golpes de  estado ou reformas constitucionais. Para isso foi preciso eleger um “poste”, na realidade um “escada”, sem que este tivesse a menor condição de se reeleger em 2014. 
Lula escolheu a dedo seu candidato. Arrogante, autoritário, com antiquadas ideias marxistas e sem a menor experiência no sofisticado jogo político. Enfim, alguém totalmente incapaz de liderar um grande país. 
Mas Lula conhecia muito bem o poder inebriante do Aero Lula, helicópteros, cortejo de limusines, palácios e, sobretudo, do cerimonial, das homenagens e das tribunas. Era preciso preparar uma armadilha. Uma armadilha mortal. Tal qual Santiago, o sucessor de Lula deveria morrer antes do final de seu primeiro mandato. 
E essa armadilha chamava-se inflação. 
Lula nada entende de economia, mas passou doze anos tendo aulas práticas de inflação. Foram três derrotas para três presidentes que se glorificaram ou se amarguraram ao combater a inflação. Aprendeu. Recebeu o país com 12,53% de inflação e no último ano de seu primeiro mandato estava em 3,14%. 
Graças à politica expansionista de seu segundo mandato seu sucessor recebeu um país em processo de aceleração inflacionária. Lula reduziu os juros e aumentou os gastos públicos e com ele o déficit público. Seu sucessor teria de fechar o saco de bondades ou aumentar os juros. Ambas as medidas seriam impopulares e deixariam os eleitores com saudades do antecessor. Se não fizesse nada, continuando a expandir os gastos e mantendo ou reduzindo os juros, seria ainda pior. Decididamente, seu sucessor não conseguiria se reeleger. 
É claro que Lula preferiria um governo austero, afinal só conseguira ser “o cara” após o sacrifício e a intensa labuta de seus antecessores. Receber um país em caos não era uma boa ideia. Para se garantir colocou seu sucessor dentro de uma camisa de força formada por Gilberto Carvalho, Antônio Palocci e Alexandre Trombini. 
No inicio funcionou. Trombini aumentou os juros. A pressão inflacionaria de Lula projetava uma inflação de 5,29% e a taxa de juros era 10,66%. Seis meses de governo Dilma e já projetava 6,31% e a taxa de juros chegava a 12,42%. Nessa época o mercado projetava uma taxa de 12,75% para o final do ano e uma inflação em queda para 5,20%, em 2012. Era uma politica contracionista. Dilma passaria o resto do seu mandato acertando os estragos de seu antecessor e, certamente, não se reelegeria. 
Não se sabe o que passava na cabeça de Santiago, nem de Dilma, mas não é difícil imaginar o que pensou ao se deitar na cama do Palácio da Alvorada naquela sua primeira noite do dia primeiro de janeiro de 2011. 
Dilma nascera com a missão de mudar o país. Desde adolescente já tentava assumir o poder pela força das armas. Filha de um dirigente do Partido Comunista da Bulgária, já fizera parte de uma organização chamada Politica Operaria (POLOP), mais tarde Comando da Libertação Nacional (COLINA). Participou ativamente da sua fusão com a Vanguarda Popular Revolucionaria (VAR) dando origem a Vanguarda Armada Revolucionaria Palmares (VAR-Palmares). Não deu certo. Acabou presa e tudo o que conseguiu foi um emprego público em Porto Alegre onde ficaria o resto da vida não fosse sua militância junto a ex-integrantes do VAR-Palmares, na eterna busca da conquista do poder, desta vez dentro da legalidade. 
Naquela noite, deitava nos confortáveis lençóis de algodão egípcio do imenso quarto da presidência, Dilma deve ter pensado: “a classe operária, finalmente, chegou ao paraíso”. 
Dilma não estava ali para servir de “escada” para um esperto sindicalista e ficar nas mãos de banqueiros e empresários capitalistas. Seis meses depois livrou-se de Palocci, deu uma faxina nos ministérios de Lula e caiu na sua armadilha: ampliou o saco de bondade e mandou baixar os juros. 
Trombini, um burocrata experiente e competente, sabia que a inflação ainda sofria pressão de alta e que este não era o momento, mas pensou no emprego, no currículo e cedeu. Resultado, a inflação que projetava 6,31% fechou o ano em 6,50%. Para 2012 a projeção de 5,2% acabou em 5,84% e em 2013 já aponta para os mesmos 6,5% do passado recente. 
Quando soube da queda nos juros, Lula deve ter sorrido, mas foi um sorriso amarelo. PhD em inflação, Lula não queria receber uns pais com inflação elevada, mas sabia muito bem que os efeitos negativos da inflação ainda demorariam a aparecer e que até lá o saco de bondades governamentais elevaria o prestigio dos dirigentes. 
Não teve dúvidas. Saiu do ostracismo a que se impusera e subiu nos palanques. Não queria que Dilma capitalizasse sozinha a benesse de uma politica prematuramente desenvolvimentista. Em junho de 2012 abriu a guarda e chegou a dizer que seria candidato, caso Dilma não quisesse se reeleger. 
Com o tempo, Lula começou a incomodar e Dilma chamou-o para uma conversa. A essa altura, final de 2012, a inflação já começava a mostrar suas garras e Lula, mais do que depressa, abriu mão de sua candidatura e, traiçoeiramente, lançou a de Dilma. Desta vez Lula sorriu e seu sorriso não tinha nada de amarelo. Dilma caíra na armadilha e não mais conseguiria se reeleger. 
De lá para cá foi um caos. A inflação ascendente somada ao lançamento prematuro da candidatura gerou diversos embates políticos. Surgiram candidatos de oposição que bateram nas elevadas taxas de inflação e Dilma não teve jeito senão mandar subir as taxas de juros. 
Marxista de carteirinha, Dilma nada entende de mercado, acha que banqueiros ganham dinheiro quando os juros sobem, que os empresários são predadores naturais, que o capital estrangeiro quer sugar as riquezas do nosso país e que o lucro é a parcela roubada do trabalhador. Como aumentar o juro da casa própria, do bolsa-família, do bolsa-qualquer-coisa para combater a inflação? Por outro lado, não podia deixar a inflação corroer o salário dos trabalhadores. Subsidiar os juros geraria déficit e ai teríamos a armadilha de Lula em pleno funcionamento. Maquiar as contas públicas também não enganava mais ninguém. Tanto as agências de risco como a velhinha de Taubaté já sabiam das suas inconsistências. 
Dilma está perdida. Hora diz que vai combater a inflação aumentando os juros ao mesmo tempo em que amplia as benesses do PAC e das bolsas-qualquer-coisa. Ora diz que o cambio é livre para em seguida gastar milhões de dólares para nele intervir. 
Em recente entrevista à Agência Estado, o ex-ministro Delfim Neto (outro PhD Summa cum laude em inflação) declarou: “O governo precisa fazer com que todos os gastos avancem menos que o PIB, sobretudo despesas correntes. Graças aos enormes truques contábeis, ninguém mais acredita em nada. A tal quadrangulação fiscal realizada no fim do ano foi a gota que derrubou a água do copo (...). O mercado tem a percepção de que a situação fiscal no Brasil é uma esculhambação. Há uma crença no mercado, que não é a minha opinião, de que o governo já não sabe mais qual é o déficit público que está criando. Para o mercado, o governo faz tanto truque, mexe com tanta coisa, que não tem mais credibilidade. É preciso encontrar um caminho claro e transparente que não tenha mais truque”. 
Mas para Dilma esse caminho não mais existe. Segundo o ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore, duas barreiras se apresentam: “A primeira é ideológica: a presidente Dilma Rousseff e seus ministros simplesmente não acreditam no receituário ortodoxo. A segunda é de natureza politica: ainda que engulam a contragosto esse receituário, eles sabem que seus benefícios  somente virão em um prazo incompatível com seu horizonte politico, e as eleições ocorrerão antes que o crescimento apareça”. 
Enquanto isso Lula sorri e não cansa de apontar o dedo. “Dilma jamais permitirá a volta da inflação”, disse ele em Porto Alegre. Mais tarde, em Minas, reafirmou: "Tenho ouvido discurso que eles [oposição] têm feito, a novidade do tomate. O que eles não sabem é que uma mulher calejada na luta como essa mulher não vai permitir que um tomatezinho venha quebrar as forças da economia...” Já Dilma se atrapalha e, em mais um dos seus lapsus línguae, dá o troco: “a inflação foi uma conquista destes dez últimos anos do governo do presidente Lula e do meu governo” (pronunciamento em Minas Gerias no dia 16\04|2013. 
Ver em: http://www.youtube.com/watch?v=kvwx4zJ9i24. 

A sorte está lançada. A inflação é o tema predominante das pesquisas de opinião, e ela vai subir. E vai subir muito. Dilma cairá nas pesquisas e cada vez mais se perderá. Não sabe o que fazer nem tem em quem confiar. Sua equipe é subserviente e\ou incompetente. Ninguém que tenha um mínimo de caráter e competência aceitará algum cargo na sua área econômica. Os ratos começam a abandonar o navio. 
Dentro em breve Lula será aclamado pelo povo e o PT exigirá sua presença. Lula será eleito presidente em 2014 e, pasmem, eu votarei nele. Quem mais terá a força politica para tomar as medidas necessárias para conter a espiral inflacionária? Aécio e Eduardo Campos encontrarão feroz resistência das militâncias petistas. Já Lula, em seu terceiro mandato, lançara uma nova Carta aos Brasileiros e governará acima das inexistentes oposições. 
Lula lá! 


NOTA: A única nota dissonante foi um comentário que apareceu recentemente na coluna do Elio Gaspari, onde ele dizia que Lula tem sido visto caminhando de madrugada pelos corredores do Hospital Sírio Libanês. 

domingo, 23 de junho de 2013

Brasilianista americano analisa o PSDB e o PT: Scott Mainwaring (com observacoes PRA)

Entrevista com um dos principais cientistas políticos americanos especialista na política brasileira.
Depois, eu faço minhas observações ao que ele disse.
Paulo Roberto de Almeida

Estabilidade foi 'imenso mérito' para PSDB, diz cientista político
Fabiano Maisonnave
Folha de S.Paulo, 23/06/2013

Especialista em América Latina da Universidade de Notre Dame (EUA), o cientista político norte-americano Scott Mainwaring entende que o PSDB valoriza pouco seu papel na conquista da estabilidade econômica. Leia trechos de entrevista:

Folha - Quais as principais características do PSDB e como o sr. vê o partido hoje?
Scott Mainwaring - O PSDB surgiu como de centro-esquerda e mudou, em 1994, com a coalizão com o PFL. É quase de centro-direita.
PT e PSDB se tornaram os partidos realmente importantes da democracia brasileira. O PSDB teve um imenso mérito no governo FHC ao estabilizar a economia. Isto é pouco valorizado: a estabilidade econômica foi um grande fator para a estabilidade política no Brasil.
PT e PSDB são os heróis da democratização brasileira. Transformaram um processo precário em outro com muita estabilidade e grandes conquistas nos últimos 20 anos.
O PSDB encontrou um discurso de oposição ao PT?
Há algumas diferenças importantes entre os partidos com relação ao papel relativo do mercado e do Estado no desenvolvimento econômico. E embora não seja um contraste extremo, o PSDB é mais orientado em relação ao mercado, enquanto o PT é mais orientado ao Estado.
É também correto dizer que o PT é de alguma forma orientado para resultados mais igualitários, e o PSDB, para investimento e eficiência.
Os dois partidos não são radicalmente opostos nessas dimensões, mas são contrastes perceptíveis para muitos brasileiros. Certamente, para as elites cultural e econômica, esses contrastes estão muito claros, assim como para a maioria dos brasileiros.
Os dez anos longe do poder produziram uma crise de identidade?
O que ocorreu no Brasil foi um processo muito salutar, no qual o PT conquistou o poder depois de diversas tentativas fracassadas. Teve êxitos muito importantes, incluindo a redução da pobreza, e conduziu uma crescente confiança no Brasil, tanto interna quanto no exterior.
O fato de o PT ganhar três vezes consecutivas não é razão suficiente para o partido experimentar a crise.

O PSDB chegou ao segundo turno, tem sido competitivo em Estados importantes nas campanhas para governador e, embora não seja um partido realmente grande no Congresso, é o principal partido de oposição.
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Comentários Paulo Roberto de Almeida:

Muito boa entrevista, mas um erro fundamental, ao dizer que o PSDB "mudou" ao se alinhar com a direita em 1994.
Permito-me aqui oferecer um depoimento sobre o que assisti, e o que vivi nesses anos todos.

Eu acompanhei a trajetória de FHC, especialmente no final do governo militar quando ele era senador substituto de Franco Montoro, entre 1977 e 1979 (antes da volta de todos os exilados, portanto), e estávamos todos empenhados em fundar um partido social-democrata verdadeiro, ao estilo SPD, ou uma espécie de PSF, tal como reformado por François Mitterrand. 
Para isso se necessitavam interlocutores válidos, tanto no meio político, quanto nos meios sindicais, quanto entre acadêmicos e intelectuais.
Eu estive pessoalmente com o Brizola, em Lisboa, logo depois que ele foi "expulso"  do Uruguai, e transitou por NY antes de se estabelecer em Lisboa. Ele não queria saber de nenhum partido socialista moderno, só queria recuperar o seu PTB (que perdeu para a Ivete Vargas).
Eu também dialogova com a esquerda, tanto os que ficaram, quanto os que estavam voltando do exilio e se reinserindo na politica.
Os sindicalistas ainda não estavam prontos, mas estavam divididos, entre os pelegos oportunistas, e os alternativos, que depois estariam com Lula, fundando o PT e a CUT e portanto não se seduziram pela ideia.
Os velhos acadêmicos do antigo PSB não queriam "concorrência" ao velho PSB, e os novos acadêmicos, conectados ou não à esquerda guerrilheira, tampouco queriam um partido socialista reformista. Eles visavam mais.
Conclusão: FHC continuou no MDB, até que se conseguiu formar o PSDB, já durante a Constituinte de 1987-88.
Na fase preparatória do Real -- e isso é patente, evidente, obvio ululante -- a esquerda comandada por Lula, ademais dos partidos de esquerda tradicional (PTB, Partidao, PCdoB), todos eles, foram contra o Plano Real e a estabilização, e isto é um fato, não uma opinião. A população aderiu, mas não os partidos de esquerda.
FHC queria fazer uma coalização progressista para empreender reformas social-democráticas avançadas no Brasil, mas se defrontou com o sectarismo da esquerda, e a hostilidade completa de Lula e dos guerrilheiros reciclados.
Não foi possível fazer uma coalizão à esquerda NAO por culpa de FHC ou do PSDB, mas porque a esquerda foi estúpida, sectária, atrasada. FHC não teve outra solução para governar senão aliar-se com aqueles que estavam dispostos a apoiar seu programa, inclusive a reforma de uma Constituição que já nasceu esclerosada, xenófoba, discriminatória, absolutamente irracional do ponto de vista econômico.
Ou seja, que não se acuse o PSDB de ter virado à direita, mas que se acuse, sim, a esquerda de ser tão estúpida e sectária e de recusar empreender reformas. Ela apostava no quanto pior melhor.
Aliás, até hoje ela, o PT, Lula e seus principais líderes, se opõem a qualquer ação comum com o PSDB em favor do Brasil: mesmo aplicando TODO o programa social-democrático do PSDB, Lula, o PT e todos esses grupelhos esquizofrênicos continuando sendo absolutamente desonestos, ao falar de neoliberalismo, de herança maldita, e de desmantelamento do Estado. São desonestos e mentirosos.

Sinto contradizer o Scott também ao dizer que o PT foi um "herói" da estabilização brasileira.
NAO FOI, nem na política, nem na economia.
Não assinou a Constituição, por sectarismo. E se opôs ferozmente a todas as etapas da estabilização, inclusive às vésperas de assumir o poder, quando ainda tentava derrubar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ainda hoje o velho PT sabota as reformas previdenciárias, a reforma da legislação laboral herdada do fascismo getulista, cria um Estado monstruoso que absorve cada vez mais recursos da sociedade.
O PT é um partido reacionário, antimodernista, economicamente esquizofrênico e tendencialmente totalitário.
Acho que fui claro.
Paulo Roberto de Almeida 

sábado, 22 de junho de 2013

Videos, fofocas e mentiras: comentarios e sugestões - Paulo Roberto de Almeida e colaboradores...

Este blog tem como princípio expor ideias, argumentos, se possível inteligentes (como reza o seu Estatuto, acima indicado), para pessoas inteligentes.
OK, de vez em quando eu posto aqui ideias e argumentos estúpidos, idiotas, até irracionais, apenas para fazer o confronto com os bons argumentos e as ideias úteis ao progresso social, à prosperidade econômica, às liberdades democráticas, enfim, à racionalidade e à ética pública.
Todos os argumentos e afirmações procuram ter o seu embasamento empírico, ou seja, apoiar-se em fatos, dados, estatísticas, que podem ser comprovados por todos, sejam eles de esquerda, de direita, tucanos, petralhas, liberais, intervencionistas, até keynesianos de botequim, como existem às pencas em todos os cantos do país, mesmo sem saber que o são (como alguns ministros do governo).Quando não têm dados comprobatórios, é porque as afirmações são de uma tal platitude, ou self-confirming, que seria ofender a inteligência dos que aqui comparecem com dados corriqueiros.
Por exemplo, seria um truíusmo idiota trazer dados em apoio ao argumento de que a Europa está em crise (profunda), e os Estados Unidos também (menos profunda, aliás em reversão). Ninguém disputaria isso, com base na leitura de qualquer jornal, nos últimos 5 ou 6 anos.
Agora, existem diferentes interpretações quanto às razões dessa crise, e eu não tenho hesitação em afirmar o que segue, embora alguns possam achar ofensivo: os neobobos, por exemplo, acham que essa crise foi provocada por mercados desregulados e pela ganância de banqueiros e especuladores de Wall Street. Eu já acho que ela foi provocada por erros de política econômica dos governos, e daí derivam respostas totalmente diferentes em relação ao que se pode fazer frente a isso, e são diferenças radicais. Mas, não é uma simples questão de achismo, eu contra os neobobos. Dados podem ser trazidos para comprovar uma e outra posição, e se por vezes não o faço é por simples falta de tempo, para colar estatísticas ou escrever longas exposições histórico-analíticas, para provar que a especulações dos loiros de olhos azuis, e as barbeiragens e cupidez (até crimes) dos banqueiros só existiram porque os governos assim permitiram, por suas políticas inadequadas, de juros, de fiscalidade, de dirigismo aqui e ali, subsídios indevidos, créditos exagerados, etc.
Enfim, esse debate sobre os mercados e os Estados é eterno, e vai continuar, mas eu sempre vou privilegiar a opinião bem fundamentada, os argumentos apoiados em dados fiáveis, as afirmações sustentadas em estatísticas imparciais, que não são nem de esquerda ou de direita, mas simples expressão da realidade.

Bem, vou desviar-me momentaneamente dessa linha do blog, para colocar aqui uma fofoca e dar o link de um video, este apenas para rebater mentiras e incorreções, quanto aos problemas brasileiros atuais.
A fofoca, recebida de fontes absolutamente fiáveis, mas que não serão, provavelmente confirmadas na prática, é a seguinte:

Na última conversa da tutelada com o seu tutor, do construtor com o seu poste, o grande e genial guia dos povos sugeriu à desorientada pessoa que nos comanda (a mim apenas figurativamente) que trocasse o seu responsável econômico, em vista da evidente deterioração da situação econômica, pelo antigo "ministro" tucano (na verdade presidente de uma das mais importantes agências públicas), o neoliberal que garantiu uma boa condução da política monetária, assegurando, assim, uma boa gestão da inflação e o sucesso político eleitoral desses esperto político.
Bem, isso a revista The Economist já tinha sugerido em dezembro, sinceramente, e foi retrucado com um pronunciamento oficial em apoio ao keynesiano de botequim que bagunçou a economia brasileira nos últimos seis anos. Como o resultado foi o contrário do que ela esperava, a revista, ironicamente, sugeriu exatamente o contrário, na recente matéria que ela dedicou ao Brasil (Stuck in the mud, aqui postada). Bem, vamos ver se desta vez dá certo, tanto pelo lado da Economist (Stay, stay...), quanto pelo lado do guia genial dos povos.
Se isso ocorrer, não restará a este blog, como a vários outros instrumentos do gênero, continuar com a ironia em direção aos esquizofrênicos econômicos (e os companheiros estão nessa a pelo menos 90% da sua constituency), perguntando se a seu modelo econômico de fato não funciona, sendo preciso importar tucanos de carteirinha e neoliberais confirmados para colocar ordem na bagunça econômica que eles criaram.

Quanto ao vídeo, não tenho muito a agregar, pois ele também é politicamente motivado, embora toque em questões reais, com comprovação do que afirma. Quem quiser conferir, pode fazer aqui:



Pronto, chega de fofoca, voltemos a leituras mais interessantes...
Paulo Roberto de Almeida

domingo, 24 de março de 2013

Entrevista de FHC, o politico acidental - Revista Epoca

Meus comentários iniciais:
De fato, FHC permanece um grande pensador. Mas por vezes me parece politicamente ingênuo, ou muito leniente com o projeto político lulo-petista. Ele pensa que se trata apenas de uma das alternativas para o desenvolvimento do Brasil, com um pouco mais de “bondades sociais”, de distributivismo. Não percebeu ainda que se trata de um projeto de poder, não de um projeto de governo. Não percebeu a natureza profunda dos companheiros, e acha que eles apenas erraram um pouco ao fazer certas coisas que ele não aprova, por não serem “racionais”, do seu ponto de vista.
FHC, e com ela toda a “burguesia” brasileira — como gostam de dizer os companheiros — se enganam redondamente quanto ao projeto lulo-petista e os caminhos que o Brasil percorre atualmente.
Vejo o Brasil na mesma trajetória (por modalidades diferentes) de sociedades passadas (China) ou presentes (Argentina, Venezuela) que se precipitaram na ou se arrastam em direção à decadência estrutural, não simplesmente setorial, conjuntural, econômica ou política, mas uma decadência de ordem moral, em primeiro lugar, de perda de visão, a mesma cegueira que conduziu Roma ao abismo, a China dos Qing (manchus) a uma secular decadência, e que ainda arrasta a Argentina para o abismo…
Infelizmente, FHC não vê isso, e com ele a maior parte da elite dita pensante no Brasil.
Paulo Roberto de Almeida

ENTREVISTA - Revista Época, 22/03/2013

Fernando Henrique Cardoso: "Há um sentimento mudancista"

O ex-presidente diz ser bom para o país o florescimento de alternativas ao PT nas pré-candidaturas de Aécio Neves, Marina Silva e Eduardo Campos. Segundo ele, José Serra não quer ser candidato ou presidir o PSDB



PROJETO O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, fotografado em seu apartamento, em São Paulo, na semana passada. “Na política, não adianta só ter ideia. Tem de fulanizar” (Foto: Jairo Goldslus/ÉPOCA)

GUILHERME EVELIN, JOÃO GABRIEL DE LIMA E HELIO GUROVITZ

Aos 81 anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é uma das cabeças mais privilegiadas do país. As características que o tornaram um dos principais intérpretes do Brasil contemporâneo continuam intactas: arsenal teórico de cientista social, experiência de político e governante, invejável rede de contatos mundo afora e inesgotável curiosidade para perscrutar o que pode vir por aí. FHC foi o escolhido para estrear a série de entrevistas que ÉPOCA começa a fazer, a partir desta semana, com líderes brasileiros. Antenado nos movimentos da política, da economia e da sociedade, no Brasil e no mundo, FHC, ao falar da eleição presidencial, diz que “um sentimento mudancista” começa a ganhar corpo no país, a despeito dos índices de aprovação recordes da presidente Dilma Rousseff. Em meio a críticas à gestão econômica do governo – por tentar reviver o modelo nacional-desenvolvimentista do passado –, FHC afirma que o desafio da oposição nas eleições será dar a esse sentimento um conteúdo e uma mensagem capaz de atingir os eleitores.
ÉPOCA – Como o senhor vê o cenário atual, com Eduardo Campos,
Marina Silva e Aécio Neves praticamente já colocados como candidatos, além da presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição?
Fernando Henrique Cardoso –
Estão se desenhando aí quatro candidatos. Provavelmente, segundo turno. Sempre houve segundo turno depois que saí. É provável que haja de novo. Como vai ser, sabe Deus! Falta muito tempo. Porque isso foi precipitado, não entendo. Nunca vi o governo precipitar a eleição.
ÉPOCA – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou Dilma para abafar, no PT, as expectativas de que ele pudesse ser candidato?
FHC –
Ele não precisaria. Fez porque gosta de campanha.
ÉPOCA – Por que ninguém tem um projeto alternativo?
FHC –
Projeto é uma ideia complicada. O que está aí está se esgotando. Começam a despontar críticas. Há um sentimento mudancista, mas ainda sem dar conteúdo à mudança. Não sei se no povo. Mas entre as pessoas que leem jornal, sim. Inclusive empresários. Para vencer a eleição, tem de chegar embaixo.

ÉPOCA – O povo sente que o desemprego está em baixa, e a renda aumentou. Não há sensação de crise.
FHC –
Nem sei se é necessário crise. De vez em quando, as pessoas querem aerar. Querem mudar. Meio irracionalmente. Quando tem uma basezinha que não é irracional, o problema se agudiza. Como você vence a eleição? Numa situação em que o eleitorado é fluido e os partidos não seguram nada, depende do desempenho. Depende da mensagem. Na política, não adianta só ter ideia. Tem de fulanizar. Não adianta sentar aqui três meses com um clube de sábios e escrever um projeto. Tem de tocar nas pessoas. E a pessoa tem de ser capaz, ela mesma, de inspirar isso. Precisa ter alguém que expresse esse sentimento e diga: “Vou fazer isso, me sigam”.
ÉPOCA – Como foi Fernando Henrique num momento e Lula noutro?
FHC –
Exatamente. Dilma não precisou. Agora precisa. Não só porque começa a haver cansaço. É porque o mundo está indo muito depressa.
ÉPOCA – O senhor acha que Aécio pode cumprir esse papel?
FHC –
Se não achasse, não o teria apoiado.
“Dilma recuperou até uma ideia da Idade Média, o lucro justo. Entendo essa reação, o capitalismo é irritante. Quem tem de ser justo
não é o mercado, é o Estado” 
ÉPOCA – E o Eduardo Campos?
FHC –
A pior coisa que pode acontecer no país é não haver alternativa. Ainda que seja contra minha escolha, é preciso haver a possibilidade de mudar. Quanto mais pessoas digam alguma coisa, melhor. Independentemente de ser bom ou mau para meu partido, é melhor para o Brasil. Não sei o que Eduardo fará. Está pintando que será candidato. Se for, acho bom para o país. Porque ele e a Marina dizem coisas. Quem será capaz de galvanizar, veremos. No ponto de partida, Aécio tem uma base maior. Tem apoio em Minas e tem uma estrutura partidária mais ampla que o Eduardo. Veremos o que acontece.
ÉPOCA – O PSDB paulista ficará com Aécio? E José Serra?
FHC –
De tudo que ouço do Serra, ele diz que não tem essa pretensão. Nem mesmo de ser presidente do partido. Tenho de acreditar no que ele me diz. O candidato do PSDB será apoiado pelo PSDB de São Paulo. Não tem muita alternativa.
ÉPOCA – O senhor não teme que Serra saia do partido?
FHC –
É especulação. Ele nunca me disse isso.
ÉPOCA – Qual será a mensagem de Aécio?
FHC –
Não posso falar por ele. Ele é que dará a mensagem.
Aécio transmite uma coisa importante, a contemporaneidade. É jovem. Isso você não fala. Você é.
ÉPOCA – Que mensagem hoje seria inspiradora neste momento mudancista?
FHC –
Perguntaram-me uma vez qual seria um bom slogan para o PSDB. Não dá para falar como o Obama: “Yes, we can”. Tem de ser: “Yes, we care”. Nós prestamos atenção a você. Não é que farei mais hospitais. Meu hospital terá cuidado com você. É preciso insistir que o governo olhará para toda essa gente que está melhorando de vida. Isso não é palavra. Tem de ter também imagem e gesto.
ÉPOCA – O governo Lula expandiu os programas sociais de seu
governo. Por que o senhor não fez essa expansão?
FHC –
Não tínhamos recursos. E atacamos tudo: reforma agrária, educação, saúde. As grandes mudanças estruturais estavam lá.
ÉPOCA – Mas o Bolsa Família virou marca do governo seguinte.
FHC –
Sim. Mas aí tem o jogo político. E talvez um pouco de timidez de usar a política social como base da política eleitoral.
ÉPOCA – O senhor se arrepende dessa timidez?
FHC –
Não posso dizer que me arrependo. É meu jeito. Dizem que sou vaidoso, arrogante e não sei o quê. Tudo conversa... Na verdade, sempre tive muito acentuado o sentido do que é público, do que é privado, do que é partido.
ÉPOCA – O senhor não reconhece que, além de uma questão eleitoral, havia também um impulso para responder ao anseio social?
FHC –
Lula simboliza isso. Ele vem de baixo, é um líder operário. Sem dúvida. Não estou tirando o mérito dele. A César o que é de César. Desde que eu também tenha meu cesarzinho (risos).
ÉPOCA – O que há de errado na economia do país?
FHC –
Todo mundo reiterou que, no governo Lula, houve continuidade na política econômica. Até a crise de 2008, sim. Com a crise, a política anticíclica adotada foi correta. Aí o governo pressentiu que havia uma espécie de licença para fazer o que quisesse. E isso se agravou nos anos Dilma, com a volta da ideia de que você pode fechar mais a economia, apoiar certas empresas, promover uma política industrial apoiando certas áreas. Voltamos a uma visão nacional-estatista. A política fiscal foi abandonada, como se fosse uma persistência do que eles chamavam de neoliberalismo. Essa incompreensão do que acontecia no mundo já ocorrera antes. Nos anos 1990, quando se tratava de ajustar a economia para lidar com a globalização, eles entendiam que era uma questão de ideologia, o tal neoliberalismo. Não foi só o PT, mas quase todo mundo, por uma posição mais antiquada que propriamente ideológica. Confundiram uma mudança do sistema produtivo, com novas tecnologias e novos métodos de transporte, com ideologia. Meu governo ajustou a economia brasileira à situação do globo. Agora, também está havendo um equívoco de percepção. Quando houve a crise de 2008, eles disseram: “Então vamos voltar. A crise nos dá o direito de fazer o que nós queríamos ter feito antes”.
ÉPOCA – Voltar para onde?
FHC –
Para um Brasil anterior a 1990. Estamos agora na realidade do Ernesto Geisel (presidente brasileiro entre 1974 e 1979). No momento em que o mundo vai sair da crise, o Brasil está voltando nas suas concepções quanto ao desenvolvimento da economia. Isso me preocupa. Novamente, os Estados Unidos sairão na frente, sobretudo com a revolução energética que estão fazendo.
ÉPOCA – Neste momento, Dilma está voltando atrás em algumas políticas e começou com algumas privatizações.
FHC –
Pela força das circunstâncias. Ela é capaz de entender o erro. Vê o número e se assusta. Mas aí, quando vai consertar, tem de fazer coisas que não são da alma dela. Então, tem uma inconsistência. Ela não fala que é privatização, nem fala que é concessão. Fala que é PPP (Parceria Público-Privada). Ela até recuperou uma ideia da Idade Média, o lucro justo. Entendo essa reação, o capitalismo é irritante. Qualquer pessoa sente raiva disso aí. Mas essa é a lógica do sistema – tem de acumular mais, senão não cresce. O capitalismo não é justo. Quem tem de ser justo não é o mercado, é o Estado. Se você é neoliberal, deixa por conta do mercado e comete injustiças. Se você não é, usa o Estado para tentar evitar que o capitalista arrase tudo.
ÉPOCA – Por que o brasileiro é tão relutante em reformar o Estado?
FHC –
O livro do Raymundo Faoro Os donos do poder diz que isso vem de longe. Claro que Faoro exagera. Fala que tudo é o Estado, a corporação, o privilégio, desde Portugal. Não é bem assim. Há uma luta permanente entre mais e menos Estado. E ganha sempre o lado do mais Estado. De certa maneira, meu período foi quase um ponto fora da curva. A gente estava modernizando o Estado e aceitando algumas regras do mercado. Agora, o Estado ficou mais resistente. Quanto mais você vai para lugares de menor desenvolvimento no Brasil, mais tem Estado. Mas as pessoas não percebem algo também verdadeiro: quando o Estado intervém demais, aumenta a concentração. A concentração de renda, provavelmente, cresceu muito recentemente.
ÉPOCA – Mas há duas maneiras de o Estado intervir. No desenvolvimentismo, ele subsidia empresas e cria estatais. A partir dos anos 1990, o Estado passou a tratar mais de saúde, educação e políticas sociais. Essa mudança é inexorável ou voltaremos ao passado?
FHC –
Acho que não. Sabe por quê? No meio dessa mudança, está a democracia. Com a Constituição de 1988, foi desenhado um futuro social-democrata. Nenhum governo pode olhar apenas para a economia. O que tentou resolver só a economia foi o Fernando Collor – e não deu certo. Os governos têm de olhar para os dois lados. Tem de olhar para educação, saúde, reforma agrária. Há uma massa demandante, que tem voto. No fundo, qual a base ideológica do governo Dilma? É o desenvolvimentismo. É crescer o PIB. O meio ambiente atrapalha. A regulação atrapalha. É um pouco a volta do capitalismo selvagem. Ela parece não perceber que o crescimento do PIB não depende só do governo, mas tem ciclos. Infelizmente, tocou a ela um ciclo mau. Como tocou a mim também. Ao Lula, tocou um ciclo bom.
ÉPOCA – Como será esse embate entre essas forças contraditórias?
FHC –
A linha de força aponta na direção de que esses elementos de corporativismo perderão força. Levaremos mais tempo para fazer o que poderíamos fazer mais depressa. Mas temos caminhos. Temos uma sociedade forte. Somos mais ricos em termos relativos e mais fortes que nossos irmãos aqui da região. Temos um sistema empresarial vigoroso. A ideologia não prevalece sobre a realidade. Ela atrapalha.
ÉPOCA – O governo Dilma elegeu como prioridade, até para efeito de propaganda, a erradicação da miséria. Mas não é uma vergonha um país como o Brasil ainda ter tantos analfabetos?
FHC –
O Brasil vem numa conquista progressiva da redução da miséria. Segundo o (economista) Ricardo Paes de Barros, a virada começou em 1999. Foi resultado da estabilização, em alguma medida da melhoria da educação e de outras políticas. Claro que um pouco disso também é jogo de palavras. Tem muita miséria ainda. Sobretudo, o emprego oferecido é de baixa qualidade. Com a ascensão da China, não houve o cuidado necessário com o desenvolvimento tecnológico e a indústria. Ela passou de 28% do PIB, nos anos 1980, para 20% no meu governo. Agora caiu para 12%. Isso é uma coisa preocupante, pela qualidade do emprego que a manufatura gera, apesar de extração de petróleo, da produção de soja também dependerem de saber.
“A base do governo Dilma
é o desenvolvimentismo.
É crescer o PIB. O meio ambiente atrapalha. A regulação atrapalha.
É um pouco a volta do capitalismo selvagem” 
ÉPOCA – Por que nossa classe política resiste a entender que o valor da economia moderna não está, necessariamente, no produto em si, mas no conhecimento que o gera? Parece que tudo se resolve com mais dinheiro, mais emprego, mais fábrica, mais máquina...
FHC –
Tem razão. Pega a indústria do petróleo. Do jeito que estava indo, não ia mal não. Estava criando, também, base tecnológica. A Petrobras tem geólogos, cria gente preparada, exporta tecnologia. A grande revolução agrícola brasileira dependeu de quatro fatores: Embrapa, tecnologia, empresários e mudanças no sistema de financiamento. Estas últimas fui eu que fiz. Foi uma luta danada, para separar a agricultura da dívida do Banco do Brasil. A base foi a capacidade tecnológica da Embrapa para aproveitar solos antes não usados, desenvolver sementes e técnicas de plantio. A ideia de economia primária ou secundária é antiga. Em lugar de se preocupar com os 12% da indústria no PIB, devíamos nos preocupar com o resto. Qual o coeficiente tecnológico da indústria? Essa é a chave da questão. E isso leva à educação de novo. O governo percebeu isso. Criou o programa Ciência sem Fronteiras. Mas, entre perceber e fazer, há uma distância. Há a mania de grandiosidade. Tínhamos nos Estados Unidos, no ano passado, 8.500 bolsistas. O governo disse que vamos passar para 100 mil em quatro anos. Claro que não conseguiremos. Isso é mania de grandeza.
ÉPOCA – Estamos perdendo a oportunidade do pré-sal?
FHC –
Para que mudar a lei? Estava funcionando. Para obter mais recursos? Por que o pré-sal é mais fácil de obter? Era só mudar o que a lei permitia quanto à participação. Foi mudada a legislação com o propósito de aumentar o controle do governo sobre tudo. Mudaram para se apropriar politicamente. O Bolsa Escola virou Bolsa Família. Dizem que o PSDB não tem programa. Mas não é isso. O programa do PSDB foi apropriado. Quem não tem programa mais é o PT, porque o programa que eles tinham, de socialismo no século XXI, ética na política, acabou. É de espantar que o Congresso jamais tenha discutido o pré-sal. Quando fiz a quebra do monopólio, houve um debate imenso. Agora, tudo foi feito a frio.
ÉPOCA – Por quê?
FHC –
Primeiro, porque a expansão da economia e das políticas sociais anestesiou muita coisa. Segundo, porque o governo Lula tomou, implicitamente, a decisão de não mexer com o Congresso. Ele não precisava do Congresso para praticamente nada. Não fez nenhuma mudança constitucional. Nunca entendi uma coisa: para que uma base de sustentação tão grande? Para não fazer nada? Eu precisava da base porque precisava de três quintos do Congresso para as reformas. O governo Lula só precisava de 51%. Não precisava de mensalão. Foi um erro de cálculo.
E, claro, também havia vontade de domínio, de hegemonia.
ÉPOCA – Mas, politicamente, os petistas foram espertos.
FHC –
Fazendo o advogado do diabo, respondo que não sei se foram espertos apenas politicamente.

ÉPOCA – Há alguns anos, o Brasil tinha condições de assumir algum tipo de protagonismo na economia verde. Por que não aproveitamos a oportunidade?
FHC –
Não entendemos o que significava essa questão do aquecimento global e da ecologia. O Lula inventou o diesel de etanol. Quando veio o pré-sal, esqueceram tudo. O Lula fingiu que o país tinha conquistado autonomia, botou a mão no petróleo, imitou o Getúlio. Não existe autossuficiência até hoje. Preocupa-me essa facilidade de ver um futuro grandioso e abandonar tudo. Não é assim. Tem de ter método, mais constância.
ÉPOCA – Falta uma estratégia para nós?
FHC –
Não temos nenhuma. Apostamos, mesmo na política externa, em alvos que não eram os principais. O governo disse: “Vamos ter uma cadeira no Conselho de Segurança”. Só que não haveria mudança. Vamos fazer diplomacia Sul-Sul? Tudo bem. Mas e o resto? E a América Latina? Perdemos espaço no mundo. A gente tem de pensar como será o mundo daqui a 20 anos. Os americanos fazem isso a toda hora, e os chineses devem fazer igual. Levam a sério e fazem escolhas.
ÉPOCA – Qual deveria ser a estratégia do Brasil?
FHC –
É difícil imaginar, assim, de repente. Num mundo globalizado, dificilmente você poderá ter a posição de autarquia, de fazer tudo, como nosso passado. Nossa economia ainda é fechada. Vamos abrir mais? E o que vamos preservar? Será que não dava para repensar nossa estratégia pelo menos na América do Sul? Vamos abrir e não ter medo da competição?
ÉPOCA – O Mercosul foi uma roubada?
FHC –
Tornou-se isso, mas não era inicialmente. Não avançou. Também não ousamos. Quando veio a Alca, ficamos todos com medo. Eu inclusive, porque o Brasil não sabia o que queria. Quando os americanos desistiram, fingimos que não queríamos. Mas eles é que não queriam mais. Fizeram acordos bilaterais com todo mundo, menos com a gente. Hoje, não temos nada.
ÉPOCA – É uma questão de definir claramente: teremos menos indústria e mais agronegócio?
FHC –
Nosso problema, não só na indústria, é passar da quantidade para a qualidade. O grande X da questão é a educação. É o “software”. Porque o “software” é mais difícil que o “hardware”. Dominamos o “hardware”, mas não o “software”. O X da questão é como ser mais competitivo, ter mais qualidade. É preciso melhorar a produção. Tem de investir mais na educação, na ciência, na tecnologia. O mundo moderno é do conhecimento e da inovação. Nunca entendi por que nós nunca discutimos, a sério, o que se ensina no Brasil. E quanto tempo se leva para ensinar. Ou para aprender. Uma aula antes levava 50 minutos. A criança agora se concentra em sete. Quando vai para a aula, ela não aguenta. Está errada a criança ou está errado o modo de ensinar?
“Nunca entendi por que
o PT precisava de uma base
de sustentação tão grande no Congresso. Para não fazer nada? Não precisavam de mensalão.
Foi um erro de cálculo” 
ÉPOCA – A equação americana mistura um ambiente favorável a negócios, conhecimento e capital. Nosso problema já foi o capital. Agora está em criar o ambiente favorável a negócios e conhecimento...
FHC –
E entender que esse ambiente precisa de regras. Agora estão mudando a regra dos portos. Mudam do dia para a noite com medida provisória. Não deve ser esse o processo de mudança. O Estado tem de regular. Mas não pode mudar a regra do jogo a toda hora. Isso gera instabilidade. Não temos uma cultura de longo prazo. Tem um aperto qualquer, o governo fica nervoso, a presidente fica aflita e muda as regras.
ÉPOCA – O senhor disse que o segredo da prosperidade americana está nas universidades. Quão distantes estamos desse modelo?
FHC –
Muito. Aqui, você tem ilhas não corporativas. E instituições como a Fapesp e, até certo ponto, o CNPq. Mas é uma confusão. O tempo todo, a universidade brigava comigo porque não tenho mentalidade corporativa. Vetei a criação de universidades onde não era necessário, apenas para dar emprego. Dei mais atenção ao ensino fundamental. Não adianta criar mais do mesmo. Tem de melhorar. Em várias partes, houve mudanças boas no sistema educacional primário e secundário. Mas os sindicatos são contra. Aqui em São Paulo, foi criado um modelo em que, dependendo do desempenho dos alunos, a escola, no conjunto, ganha mais. O sindicato é contra, porque não quer distinguir pelo mérito.
ÉPOCA – Como implantar a meritocracia?
FHC –
Só brigando muito. É até curioso: o PT nasceu contra o corporativismo. Lula dizia que a verdadeira anistia do trabalhador era acabar com a CLT. Mas criou uma tremenda burocracia sustentada pelo governo. É fascinante ver como, em vez de mudar a cultura dominante, ele foi absorvido por ela. No clientelismo, no corporativismo, no jogo da política.
ÉPOCA – O senhor disse que o PT se apropriou do discurso e das políticas do PSDB. Como o PSDB deve se colocar daqui para diante?
FHC –
Vamos fazer melhor. É da quantidade para a qualidade. Tem de assegurar, para essa gente que está subindo, mais.
ÉPOCA – Como se faz para essa mensagem chegar ao eleitor?
FHC –
Pergunte aos políticos. Estou aposentado.
ÉPOCA – Que diferenças o senhor vê entre seu modo de lidar com a política quando presidente e o do PT?
FHC –
Eu tinha um propósito: fazer reformas. Meu objetivo era esse. Você tem de fazer escolhas. Fiz a escolha, fiquei com o PFL. Não era suficiente. Forcei o PMDB a entrar. Mas escolhi quem do PMDB eu iria nomear. No segundo mandato, quando você perde força, tem de entrar mais nas negociações com os partidos.
ÉPOCA – O senhor questionou por que o PT queria uma base tão grande. Não havia uma paranoia de que o governo fosse derrubado?
FHC –
A paranoia vem com o desejo de hegemonia. Para eles, as elites vão derrubar, a imprensa vai derrubar. O tempo todo eles estão tomando o Palácio de Inverno. É patético.
 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O estouro da bolha de Bruzundanga - Marco Antonio "Lima Barreto" Villa

Também se pode invocar "O Homem que sabia Javanês", para certos improvisos verbais da mestra da bolha, ou seja, não se sabe bem o que fala, o que pretende, o que anda fazendo por ali; mas consegue impressionar os jornalistas ingênuos e a maioria de incautos, de que é feita grande parte do eleitorado.
Corrijo: jornalistas não costumam ser ingênuos. Podem ser ignorantes ou coniventes, o que é mais provável, ambos os casos ao mesmo tempo, diga-se de passagem.
Eu realmente fico surpreendido com o grau de desinformção, e de equívocos interpretativos, de muitos colegas acadêmicos, pessoas supostamente preparadas para buscar, saber ler e interpretar as notícias. Sempre me perguntei como, por que, pessoas que deveriam normalmente ser bem informadas, escolhiam a desinformação, a ilusão, no limite a mentira...
Paulo Roberto de Almeida

Vou-me embora pra Bruzundanga

11 de fevereiro de 2013 | 11h 04
Marco Antonio Villa
 
O Brasil é um país fantástico. Nulidades são transformadas em gênios da noite para o dia. Uma eficaz máquina de propaganda faz milagres. Temos ao longo da nossa História diversos exemplos. O mais recente é Dilma Rousseff.
Surgiu no mundo político brasileiro há uma década. Durante o regime militar militou em grupos de luta armada, mas não se destacou entre as lideranças. Fez política no Rio Grande do Sul exercendo funções pouco expressivas. Tentou fazer pós-graduação em Economia na Unicamp, mas acabou fracassando, não conseguiu sequer fazer um simples exame de qualificação de mestrado. Mesmo assim, durante anos foi apresentada como "doutora" em Economia. Quis-se aventurar no mundo de negócios, mas também malogrou. Abriu em Porto Alegre uma lojinha de mercadorias populares, conhecidas como "de 1,99". Não deu certo. Teve logo de fechar as portas.
Caminharia para a obscuridade se vivesse num país politicamente sério. Porém, para sorte dela, nasceu no Brasil. E depois de tantos fracassos acabou premiada: virou ministra de Minas e Energia. Lula disse que ficou impressionado porque numa reunião ela compareceu munida de um laptop. Ainda mais: apresentou um enorme volume de dados que, apesar de incompreensíveis, impressionaram favoravelmente o presidente eleito.
Foi nesse cenário, digno de O Homem que Sabia Javanês, que Dilma passou pouco mais de dois anos no Ministério de Minas e Energia. Deixou como marca um absoluto vazio. Nada fez digno de registro. Mas novamente foi promovida. Chegou à chefia da Casa Civil após a queda de José Dirceu, abatido pelo escândalo do mensalão. Cabe novamente a pergunta: por quê? Para o projeto continuísta do PT a figura anódina de Dilma Rousseff caiu como uma luva. Mesmo não deixando em um quinquênio uma marca administrativa - um projeto, uma ideia -, foi alçada a sucessora de Lula.
Nesse momento, quando foi definida como a futura ocupante da cadeira presidencial, é que foi desenhado o figurino de gestora eficiente, de profunda conhecedora de economia e do Brasil, de uma técnica exemplar, durona, implacável e desinteressada de política. Como deveria ser uma presidente - a primeira - no imaginário popular.
Deve ser reconhecido que os petistas são eficientes. A tarefa foi dura, muito dura. Dilma passou por uma cirurgia plástica, considerada essencial para, como disseram à época, dar um ar mais sereno e simpático à então candidata. Foi transformada em "mãe do PAC". Acompanhou Lula por todo o País. Para ela - e só para ela - a campanha eleitoral começou em 2008. Cada ato do governo foi motivo para um evento público, sempre transformado em comício e com ampla cobertura da imprensa. Seu criador foi apresentando homeopaticamente as qualidades da criatura ao eleitorado. Mas a enorme dificuldade de comunicação de Dilma acabou obrigando o criador a ser o seu tradutor, falando em nome dela - e violando abertamente a legislação eleitoral.
Com base numa ampla aliança eleitoral e no uso descarado da máquina governamental, venceu a eleição. Foi recebida com enorme boa vontade pela imprensa. A fábula da gestora eficiente, da administradora cuidadosa e da chefe implacável durante meses foi sendo repetida. Seu figurino recebeu o reforço, mais que necessário, de combatente da corrupção. Também, pudera: não há na História republicana nenhum caso de um presidente que em dois anos de mandato tenha sido obrigado a demitir tantos ministros acusados de atos lesivos ao interesse público.
Com o esgotamento do modelo de desenvolvimento criado no final do século 20 e um quadro econômico internacional extremamente complexo, a presidente teve de começar a viver no mundo real. E aí a figuração começou a mostrar suas fraquezas. O crescimento do produto interno bruto (PIB) de 7,5% de 2010, que foi um componente importante para a vitória eleitoral, logo não passou de uma recordação. Independentemente da ilusão do índice (em 2009 o crescimento foi negativo: -0,7%), apesar de todos os artifícios utilizados, em 2011 o crescimento foi de apenas 2,7%. Mas para piorar, tudo indica que em 2012 não tenha passado de 1%. Foi o pior biênio dos tempos contemporâneos, só ficando à frente, na América do Sul, do Paraguai. A desindustrialização aprofundou-se de tal forma que em 2012 o setor cresceu negativamente: -2,1%. O saldo da balança comercial caiu 35% em relação à 2011, o pior desempenho dos últimos dez anos, e em janeiro deste ano teve o maior saldo negativo em 24 anos. A inflação dá claros sinais de que está fugindo do controle. E a dívida pública federal disparou: chegou a R$ 2 trilhões.
As promessas eleitorais de 2010 nunca se materializaram. Os milhares de creches desmancharam-se no ar. O programa habitacional ficou notabilizado por acusações de corrupção. As obras de infraestrutura estão atrasadas e superfaturadas. Os bancos e empresas estatais transformaram-se em meros instrumentos políticos - a Petrobrás é a mais afetada pelo desvario dilmista.
Não há contabilidade criativa suficiente para esconder o óbvio: o governo Dilma Rousseff é um fracasso. E pusilânime: abre o baú e recoloca velhas propostas como novos instrumentos de política econômica. É uma confissão de que não consegue pensar com originalidade. Nesse ritmo, logo veremos o ministro Guido Mantega anunciar uma grande novidade para combater o aumento dos preços dos alimentos: a criação da Sunab.
Ah, o Brasil ainda vai cumprir seu ideal: ser uma grande Bruzundanga. Lá, na cruel ironia de Lima Barreto, a Constituição estabelecia que o presidente "devia unicamente saber ler e escrever; que nunca tivesse mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que não tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total".
* HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCAR)

sábado, 30 de junho de 2012

Miseria da oposicao no Brasil - Artigo PRA na revista Interesse Nacional

Nota liminar: mais um dos meus posts atrasados de um ano atrás. Mas creio que o tema permanece atual: ou seja, a mediocridade da oposição no Brasil, ou simplesmente a falta de líderes, o que permite a aventureiros e oportunistas ocupar todo o espaço.
Paulo Roberto de Almeida 



Creio que não havia postado, na íntegra, o artigo abaixo sobre a "oposição" política (de araque), existente atualmente no Brasil.
Eu o havia feito às pressas, para atender a um pedido do editor da revista Interesse Nacional, com vistas a tapar um "buraco" que iria ser deixado nesse número da revista, devido ao fato que o ex-presidente FHC não havia entregue um artigo seu a tempo, como prometido. Daí fiz o artigo muito rapidamente, o que explica o tom negativo, ou pessimista, apenas de criticas a oposição.
Depois, na última hora, FHC apresentou o seu, no qual colocou algumas frases mal pensadas -- como aquela sobre a desistência do "povão", que provocou desentendimentos e até comentários maldosos de certos meios -- mas que pelo menos despertou o debate e chamou a atenção de todos para essa revista relativamente obscura.
Agora tenho de fazer um artigo mais propositivo sobre a oposição. Ele está sendo preparado.
Paulo Roberto de Almeida


A Miséria da “Oposição” no Brasil 
Da Falta de um Projeto de Poder à Irrelevância Política?
Paulo Roberto de Almeida
revista Interesse Nacional (n. 13, abril-junho 2011, p. 28-36; link).

O cenário político brasileiro: A deterioração democrática
Um observador medianamente informado sobre a cena política brasileira da última década seria capaz de reconhecer a conjuntura histórica de transformação que ocorre nas forças dominantes no sistema político. Trata-se de uma evolução gradual, que um analista que trabalhe com as categorias “gramscianas” provavelmente consideraria tratar-se da emergência de um novo “bloco dominante”, tendente à hegemonia política e social. Essas novas forças estão identificadas com o PT e os partidos e movimentos a ele associados, que passaram de uma longa trajetória (1980–2002) de oposição ao sistema de poder anteriormente dominante, e que mantém, desde 2003, sua bem-sucedida consolidação majoritária. Os recursos – políticos, financeiros, humanos – para essa ascensão vieram em primeiro lugar dos sindicatos e dos movimentos sociais vinculados ao partido hegemônico nesse bloco e, depois de 2003, do próprio Estado e de uma miríade de entidades dominadas ou influenciadas por ele (empresas estatais, fundos de pensão, empresários “amigos” e os próprios militantes encastelados numa infinidade de cargos públicos).
O mesmo observador tampouco deixaria de reconhecer a oposição atual como uma oposição “miserável”, ou seja, incapaz de assumir as responsabilidades de sua condição. Com efeito, ele não teria dificuldades em constatar a gradual diluição da “oposição”, das mesmas forças que ocuparam o poder entre meados dos anos 1990 e início da década seguinte, mas que foram batidas três vezes desde então (2002, 2006 e 2010) e que arriscam serem vencidas novamente em 2014. O que surpreende no processo político brasileiro não é tanto a capacidade do governo de alinhar em torno de suas posições as forças políticas dos mais variados horizontes, sobretudo no Congresso; a surpresa é constituída, antes, pela debilidade da “oposição”, derrotada, mas ainda não destruída, e sua incapacidade de reorganizar suas tropas, de redefinir suas bandeiras de luta e de exercer sua função institucional de oferecer uma alternativa às políticas do bloco no poder.
O termo “oposição” figura, na maior parte deste ensaio, entre aspas, pois o que se apresenta hoje, fora do arco governamental, não merece, legitimamente, essa designação, seja por deficiências intrínsecas, seja por fatores objetivos vinculados ao quadro político-eleitoral do Brasil. As aspas, justamente, não se devem às derrotas, esperadas ou previsíveis, da “oposição”, mas à sua incapacidade de ser aquilo a que o processo político a relegou temporariamente: uma oposição, na plena acepção da palavra. Se, e quando, ela assumir seu papel, será eximida da presença das aspas.
Se o mesmo observador, especulando por antecipação, fosse convidado a traçar um prognóstico sobre o futuro do sistema político brasileiro e se, no mesmo movimento, ele se dedicasse a divagar sobre a trajetória provável da “oposição” nos anos à frente, talvez não hesitasse muito em prever um destino melancólico, quando não trágico, para as forças que passam por oposição ao governo do PT. Estaria ela, de fato, condenada a desaparecer do cenário político, como força alternativa viável ao atual bloco hegemônico? Teriam os supremos estrategistas petistas – muitos mais por instinto do que por estratégias bem calculadas – conseguido realizar aquilo que Gramsci pregou no cárcere mussoliniano, sem que ele ou o partido que recuperou sua herança intelectual jamais tivesse conseguido materializar na prática? Estaríamos em face de um “bloco histórico” destinado a manter hegemonia sobre o sistema político pelo futuro previsível? Se isso ocorrer, seria o mais próximo que o Brasil já chegou daquilo que muitos representantes desse bloco chamam de “pensamento único”, embora eles mesmos apliquem o termo a uma inexistente ou rarefeita tribo de “neoliberais”.
Este texto não aspira responder a todas as questões relevantes para o futuro da democracia no Brasil. Não é nosso objetivo analisar todos os componentes de um sistema político relativamente complexo em suas diferentes vertentes organizacionais e forças atuantes, mas relativamente simples quanto às linhas principais de seu ordenamento. De um lado, temos o poder econômico incontrastável de quem detém o poder – e pode, assim, “comprar”, literalmente, os apoios de que necessita para se perpetuar no poder; de outro, forças dispersas e desorganizadas que sequer se entendem sobre um diagnóstico da situação, para planejar um contra-ataque que estaria na lógica de todos os sistemas políticos democráticos: a alternância no comando do Estado. Uma constatação de ordem geral não pode, contudo, deixar de ser feita inicialmente: o sistema democrático brasileiro, que já era de baixa qualidade antes de 2003, tornou-se ainda mais deplorável no plano de seu funcionamento e no de sua responsabilidade para com os eleitores, uma vez que o bloco petista se encarregou de deteriorar ainda mais a qualidade da democracia brasileira, realizando um amálgama de todas as forças políticas oportunistas, fisiológicas e rentistas que sempre se aproximaram do centro do poder, qualquer poder.
Mas o presente texto não pretende analisar o cenário político brasileiro como um todo; trata apenas da trajetória recente da atual¬ “oposição” ao governo do PT, supostamente empenhada, desde 2003, em criar as condições para reconquistar seu eleitorado e se configurar como alternativa viável de governo, no seguimento de uma hipotética vitória eleitoral em 2014. Estabelece primeiro um diagnóstico da situação política na presente conjuntura, para examinar em seguida as tarefas da oposição num sistema político democrático. Passa, então, a analisar as principais deficiências da “oposição” brasileira, para depois formular uma série de considerações sobre uma possível estratégia de reconquista do poder pela “oposição”, visando convertê-la em oposição, simplesmente, credível e com chances de chegar ao poder. O texto conclui afirmando que o eventual sucesso de qualquer estratégia de ação da atual “oposição” depende, em grande medida, de lideranças esclarecidas, o que não parece ser o caso, atualmente, com o simulacro de oposição existente.
Outra constatação inicial, que o mesmo observador político referido ao início deste ensaio poderia fazer é que essa “oposição” presumida deixou ao relento, de fato órfão, metade do eleitorado brasileiro, a julgar pelas evidências da mais recente campanha presidencial, ao faltar com suas responsabilidades de verdadeira oposição e ao não oferecer respostas compatíveis com as demandas desses eleitores. Mas essa constatação é um desdobramento lógico da análise que agora passa ser feita.
O diagnóstico da situação política
É evidente que o atual bloco no poder – dominado majoritariamente pelo PT – conquistou legitimamente sua hegemonia política ao longo dos três últimos embates eleitorais. Ele o fez com base em hábil propaganda política, com extenso recurso à manipulação das comunicações, mas também com o apoio de uma boa organização partidária (e corporativa), ainda que recorrendo diligentemente à propaganda enganosa, eventualmente a fraudes processuais (quando não a crimes eleitorais, apenas parcialmente sancionados pela justiça do mesmo nome). Essencialmente, porém, a razão maior do sucesso foi, de forma muito explícita, o carisma político-eleitoral de sua principal liderança e figura de grande relevo no cenário político. É também evidente que essa mesma personalidade e o seu partido domesticado – mesmo se fracionado internamente – pretendem preservar a atual hegemonia pelo futuro previsível, com base nos mesmos elementos políticos, aplicando de maneira diligente as mesmas receitas que os habilitaram a dirigir o país nos últimos oito anos.
Ainda mais evidente, e visível, nesse período, foi o desaparecimento gradual e a virtual inoperância daquilo que se poderia chamar, com extrema generosidade, de “oposição”; na verdade, um conglomerado de tênues lideranças políticas, fragmentado em projetos pessoais ou regionais, e totalmente incapaz de oferecer alternativas credíveis ao eleitorado que não comunga das mesmas concepções de política, de economia e de sociedade do bloco no poder. Nunca se percebeu, desde 2003, um discurso coerente da “oposição”, alternativo e em oposição ao do bloco no poder. Este tampouco tinha um discurso coerente, mas soube implementar medidas de clara receptividade popular, sobretudo nas áreas sociais, com um enorme reforço de propaganda nas supostas virtudes do governo e apoiado no evidente carisma do seu líder político. Com base em virtudes próprias e nesse grande empenho publicitário, o líder em questão praticamente deixou a condição de carisma para firmar-se como novo mito do cenário político brasileiro, provando, mais uma vez, que mentiras bem articuladas podem, sim, criar fatos políticos dotados de boa impregnação popular.
Caso a evolução dos próximos anos confirme esse mesmo cenário, pode-se ter o afastamento da “oposição” – ou o que passa por ela – do governo durante mais de duas décadas, frustrando possivelmente metade do eleitorado brasileiro – das regiões mais desenvolvidas e majoritariamente de estratos mais esclarecidos – que não se reconhece no, e até recusa o, projeto de poder do bloco petista atualmente hegemônico. A percepção que emerge da atual situação brasileira é a de que a maior parte da população – embora não suas correntes mais esclarecidas – partilha das concepções econômicas, políticas e culturais do atual bloco no poder, que demonstrou ter praticado um “gramscismo” adaptado às condições de educação política do Brasil, configurando um cenário político que apresenta desafios para a consolidação de um sistema democrático no país, na medida em que as práticas políticas mobilizadas por esse bloco representam de fato um atraso relativo do ponto de vista da ética cidadã.
Não é surpreendente que o governo mantenha a capacidade de iniciativa e a ofensiva política – por todos os meios ao seu alcance – ou que até procure dominar – igualmente por todos os meios disponíveis, inclusive alguns pouco recomendáveis – o poder legislativo, colocado como nunca antes – salvo nos períodos ditatoriais – em situação de subordinação e de dependência em relação às verbas e diretivas do Executivo. Não se pode, tampouco, esquecer os movimentos ditos “sociais” (a maioria na folha de pagamentos do Executivo) e suas correias de transmissão nos mais diversos setores, com destaque para o sindical (não só de trabalhadores, mas igualmente patronais), que desempenham um papel importante na estratégia “gramsciana” de ocupação de espaços. A rigor, trata-se de uma “ditadura do Executivo”, no sentido de que este passa a determinar o voto dos parlamentares e as ações do que passa por uma “sociedade civil organizada” – manipulada, seria o termo mais exato – na direção que mais interessa ao primeiro, embora à custa de nacos do orçamento e de farta distribuição de cargos e comissões nas mais diversas prebendas estatais (na verdade, em todos os entes dominados ou influenciados pela vontade daquele poder).
O que é surpreendente é a “oposição” colocar-se totalmente a reboque da agenda governamental, deixar-se pautar pela propaganda oficial e descurar completamente da construção de uma pauta própria de críticas e reivindicações independentes, em nome da sociedade e dos eleitores de oposição que ela deveria supostamente representar. O que surpreende, de fato, é essa renúncia a ser oposição, ou a forma confusa, errática e até patética com que a “oposição” se desempenhou nesses anos de “travessia do deserto”. O parlamento é, evidentemente, o ponto fulcral das articulações políticas. Mas se a oposição revelou-se totalmente ineficiente, e até irrelevante, na suposta “casa das leis”, ela era inexistente, literalmente, na esfera da própria sociedade, cujos espaços de manifestações e de expressão de opiniões – inclusive nos meios acadêmicos e da imprensa – estavam totalmente ocupados por adesistas, por militantes da causa ou por serviçais do bloco no poder.
As tarefas da oposição num sistema político democrático
Em situações democráticas “normais” – isto é, com possibilidades reais de alternância no poder entre duas, ou mais, correntes majoritárias – o grupo que perdeu as eleições em um dado país se recompõe politicamente – eventualmente mudando seus líderes – e se dedica a uma séria preparação para os novos embates eleitorais mais à frente. Nas democracias modernas, o poder costuma ser alternativamente investido por três grandes grupos políticos – geralmente um de tendência social-democrata, ou socialista, outro bloco centrista ou reformista moderado, e, não raro, também, um setor conservador – que vão sendo guindados ao comando do Estado ou dele afastados em função da conjuntura econômica e dos benefícios sociais que eles possam trazer à maioria da população: desemprego, inflação, segurança (imigração, por exemplo), ou até questões morais (corrupção, mentiras e fraudes políticas, etc.).
A primeira tarefa, quando um grupo ou partido é “empurrado” para a oposição, é a de elaborar um diagnóstico – se possível consensual – sobre as razões da derrota: os líderes se dedicam, então, a analisar os fatores principais do insucesso para daí retirar as lições que se impõem, no que pode ser um simples episódio eleitoral momentâneo. Se a derrota é, porém, recorrente, ao longo de dois ou mais embates eleitorais, ou mesmo “estrondosa”, o diagnóstico teria de ser amplo, alcançando inclusive as bases programáticas do partido (sua “carta” aos eleitores). Nos casos menos graves se deveria atuar sobre os fatores de oportunidade, de mensagem política e de apresentação de propostas ao público eleitor. Feito o diagnóstico, retiradas as lições, deve-se preparar o terreno para as novas etapas que se apresentarão inevitavelmente à oposição. Nos regimes presidencialistas, as eleições sempre têm datas marcadas; nos parlamentaristas, elas podem se apresentar a intervalos variados.
Normalmente, uma oposição organizada tem, entre seus membros mais relevantes e também no staff partidário, especialistas nas diversas políticas macroeconômicas e setoriais que devem compor a mensagem do partido para o seu eleitorado, tradicional e flutuante (pois a intenção é sempre a de conquistar maior apoio entre os eleitores). Esses especialistas devem fazer o seguimento das políticas correspondentes do bloco no poder, discutir suas implicações para o país e tentar oferecer suas propostas alternativas de políticas, que contemplem as expectativas de seu eleitorado e de franjas mais amplas da população.
Normalmente, esse trabalho é conduzido no parlamento, mas o partido também pode ter apoios extensivos na sociedade, como são aqueles vinculados a movimentos sindicais e de interesses setoriais. Na tradição inglesa, tem-se a prática do shadow cabinet, ou seja, um “ministério” alternativo que faz o acompanhamento das políticas em curso, elabora a crítica das medidas implementadas e faz um oferecimento público de suas próprias alternativas de política. Não é preciso ser britânico, contudo, para exercer o saudável hábito do gabinete-espelho, ou melhor, de um governo paralelo; basta organizar seus especialistas e colaboradores voluntários para lançar o debate com a sociedade. Mais até do que oferecer soluções prontas e completas, a oposição tem de saber questionar os fundamentos de cada medida governamental, refazendo os cálculos de custo-benefício, alertando para os trade-offs e os side-effects – eles sempre existem – e antecipando consequências indesejadas e o custo-oportunidade da “receita” oficial. Este é, aliás, o principal dever da oposição: ela deve estar sempre pronta a oferecer soluções alternativas, ainda que parciais, ao quinto ou mesmo ao terço da população eleitoral não suficientemente identificada a uma das forças políticas nacionais dominantes (eventualmente no poder). É essa fração do eleitorado inconstante em suas escolhas – e volúvel, portanto – que pode fazer pender a balança para um lado ou para o outro, em função de considerações de curto prazo ou ligadas à conjuntura econômica do momento.
Na prática, as coisas são mais complicadas, pois, mesmo nos partidos mais modernos e institucionalizados, muito depende dos líderes do momento, do carisma e da atração que estes possam exercer sobre o eleitorado, e também das disputas entre as lideranças desse partido; estas últimas sempre podem eventualmente descambar para o regionalismo ou o caciquismo, em ambos os casos com consequências nefastas para a imagem da oposição. Mais grave ainda é quando essa oposição perde o contato com a realidade e com as expectativas de seu próprio eleitorado, para não dizer da maioria da nação. Surgem, nesse caso, dissidências que vão para outros partidos ou constituem os seus próprios. A experiência brasileira é extremamente pródiga nesses tipos de evento, sendo conhecida pela anarquia partidária, pela dança de partidos por parte de políticos profissionais e pela criação de partidos de aluguel ou de fachada.
Em qualquer hipótese, qualquer governo – de esquerda, de direita ou de centro – suporta o inevitável desgaste da governança, já que políticas “antipopulares” sempre precisam ser implementadas em algum momento, seja para corrigir exageros de tipo social-democrático (distributivismo fiscalmente irresponsável, déficits orçamentários, desalinhamentos cambiais, etc.), seja na vertente oposta (percepções de que os centristas ou conservadores se ocupam mais dos ricos do que dos pobres), ou por razões diversas (problemas de segurança, desemprego, etc.). A própria dinâmica econômica e conjunturas ¬adversas impõem limites a quem exerce o poder.
Assim, quando o eleitorado decidir tentar outros caminhos, outras soluções, a oposição, qualquer que seja ela, precisa estar pronta para oferecer suas receitas e propor seus remédios. A oposição precisa ter um programa de governo. Para isso ela precisa ter um projeto de poder, ou seja, ter consciência do que, exatamente, precisa ser feito, dizer como pretende fazer, e demonstrar credibilidade no empreendimento. O eleitorado brasileiro, pelo menos parte dele, tentou encontrar outra via, pelo menos em duas oportunidades: a “oposição” o abandonou miseravelmente. Ela não tinha soluções e sequer um discurso a apresentar. É o que discutiremos agora.
A “oposição” brasileira e suas principais deficiências
Não é preciso ser um analista político de qualquer envergadura para constatar que a “oposição” brasileira – que, apenas para relembrar, vinha de oito anos, ou mais, de exercício do poder – falhou miseravelmente em sua missão oposicionista. Dizer que ela foi inepta, ineficiente, incompetente, patética, seria até ser generoso com as principais forças que foram agrupadas nessa classificação de “oposição”. Basta dizer que, simplesmente, não existiu uma oposição de verdade durante todo o governo Lula: as forças que deveriam, até precisavam, ser oposição, simplesmente se autoanularam para um exercício que é uma das tarefas mais legítimas em todos os regimes democráticos.
Em sua defesa, pode-se dizer que os petistas, seu líder em especial, foram extremamente competentes – descontando-se, claro, as mistificações criadas para tal efeito – na construção de uma versão peculiar do processo político, da própria história recente do Brasil, o que deixou as forças potencialmente oposicionistas num estado psicologicamente defensivo, até de “vergonha assumida”, por supostos erros e injustiças cometidas ao longo do chamado neoliberalismo do “tucanato”. As campanhas eleitorais de 2002, de 2006 e de 2010 foram construídas com base em deformações grosseiras das políticas conduzidas sob os governos anteriores, desde as simplificações enganosas sobre as privatizações, até as patriotadas sobre a soberania retórica e a submissão ao FMI, passando pelo monopólio da “bondade social”, como se tudo tivesse tido início em 2003. Poucas vezes, no cenário político brasileiro, a versão deformada da história, em vários aspectos até mentirosa, conseguiu tal impregnação no imaginário popular, a ponto de anular discursos e ações daquelas mesmas forças que deram início à estabilização econômica e criaram as condições para a fase de crescimento com distribuição e prosperidade.
Muito se deve, obviamente, às qualidades de “ilusionista” político do presidente popular, suas mistificações propagandistas, mas também às boas condições da economia internacional, durante a maior parte de seus dois mandatos, e a uma gestão razoavelmente responsável na frente econômica. Mas deve-se reconhecer, também, que a “oposição” se autoanulou durante todo esse tempo, jamais tendo conseguido articular um discurso coerente, sequer esclarecedor, sobre o cenário de mentiras criado pelo bloco no poder. Quais as razões desse suicídio político?
Todo e qualquer ato político é encarnado por personagens políticos, príncipes e conselheiros do príncipe, que se conjugam na missão de conduzir homens e partidos ao pináculo do poder, ao comando do Estado. Devemos então concluir que à “oposição” brasileira faltaram as virtudes e as qualidades que, segundo Maquiavel, devem estar presentes nas pessoas que pretendem deter esse comando. Não que o presidente do bloco no poder fosse um estadista, mas certamente se tratava de um “animal político” extremamente competente. Pode-se dizer, nesse sentido, que à “oposição” – ou o que passa por ela – faltaram “animais políticos” de verdade, pessoas que tivessem as virtudes ou a fortuna – para permanecer nos termos do florentino – para representar uma pequena chance de alternância na disputa de poder.
Incapacidade de se organizar
Por certo que se trata de uma incapacidade de se organizar, com bases reais na sociedade, para, a partir daí, conceber e exibir um discurso coerente, compatível com as aspirações de largos estratos sociais, sobretudo nas classes médias. Mais grave ainda: pode-se dizer que à “oposição” brasileira faltaram, sobretudo, ideias claras sobre como apresentar e “vender” seu programa, se é presumível que, de fato, ela pudesse ter algo assimilável a um programa para oferecer à metade da população – na verdade estratos cambiantes – que não aceita e nunca aceitou a propaganda política que lhe foi servida sob disfarce de “política nacional” pelo bloco no poder. Sem conseguir ver claro no cenário político, dividida pelo caciquismo de seus líderes regionais, a “oposição” não soube sequer explorar as inconsistências e mazelas do bloco no poder, tão evidentes aos olhos de estratos médios de eleitores basicamente comprometidos com a ética e a moralidade no trato da coisa pública.
Pode-se aventar a hipótese de que a qualidade dos homens públicos que se colocam numa oposição de princípio ao bloco no poder – não por razões puramente instrumentais, de conquista do poder pelo poder, mas quer se acreditar que por razões de filosofia política – precisaria melhorar dramaticamente para que eles possam integrar algo suscetível de ser chamado de oposição. Talvez sejam necessárias, inclusive, novas lideranças políticas, que obviamente tenham “princípios” compatíveis com uma oposição digna desse nome. Tal “reinvenção” depende de vários fatores dentre os quais podem ser citados: a reeducação dos próprios integrantes do que é hoje uma oposição de araque; a reorganização de suas bases partidárias; a revisão do seu modo de “funcionamento” no Congresso; mudanças nos parâmetros mentais que orientam o discurso político e que comandam suas ações no plano prático; transparência aos olhos dos eleitores e, sobretudo, distinção clara com “tudo isso que está aí”, atualmente, e que visivelmente não agrada ao eleitorado instruído. Tudo leva a crer que uma nova oposição precisa ser construída, ou que a atual “oposição” deva ser praticamente reinventada, para, finalmente, começar a existir. Vejamos como.
Da travessia do deserto a... mais deserto?
A oposição a ser construída – a verdadeira, não o simulacro que hoje existe – já parte de uma formidável base real e potencial. Os dados eleitorais estão disponíveis no site do TSE, mas se podem extrair algumas conclusões adicionais a partir deles. A base total do eleitorado brasileiro situava-se, em 2010, em quase 136 milhões de pessoas, provavelmente atingindo 145 milhões em 2014. A abstenção em 2010 foi excepcional, alcançando quase trinta milhões de eleitores, aos quais se juntaram 4,6 milhões que anularam seus votos e 2,5 milhões que se abstiveram de qualquer escolha. Os “excluídos” representaram, portanto, um quarto do eleitorado; pode-se, em toda a legitimidade, imaginar que eles possam ser reduzidos à metade, em condições normais de disputa política, o que, infelizmente, não ocorreu em 2010.
Imaginamos, também, que os votos dados à “oposição”, em torno de 43 milhões, sejam realmente de oposição ao presente estado de coisas, especificamente ao “Estado do PT”. Pode-se razoavelmente conceber que uma oposição – qualquer oposição – no Brasil possa reunir metade do eleitorado, admitindo-se, inclusive, que a educação política, de um lado, e o desgaste do poder petista, do outro, contribuam para uma pequena maioria potencial, numa situação em que o mito carismático ainda estará ativo e trabalhando para consolidar o poder petista.
Num regime parlamentarista, é possível compor um governo com apenas 40% de apoio popular. Regimes presidencialistas do tipo brasileiro, ou americano, contudo, convivem com maiorias diferenciadas para a representação parlamentar e para a chefia do executivo, cargo este que exige a maioria absoluta do eleitorado. Na prática, não existe, a rigor e numa abordagem prosaicamente matemática, nenhuma garantia antecipada de vitória, ou certeza de derrota, para qualquer um dos lados, na medida em que, à diferença dos sistemas parlamentaristas, contendas eleitorais em sistemas fortemente marcados por disputas pessoais apresentam-se quase como uma loteria. Um dos fatores é que os eleitores “flutuantes”, os “indiferentes” e os “desalentados” são em número suficiente para alterar a balança para qualquer um dos lados.
Porém, números são um componente talvez objetivo, mas insuficiente para determinar resultados eleitorais. Mais importante é a predisposição do eleitorado para “acolher” uma definição clara quanto aos problemas mais angustiantes da conjuntura. A situação econômica pode até ser decisiva numa escolha eleitoral; mas as percepções sobre quem conduz a política econômica e sobre como ela é conduzida pelos responsáveis também são relevantes. Questões como emprego, segurança pessoal, disponibilidade de serviços públicos – saneamento, saúde e educação, etc. – e temas pontuais, de interesse setorial ou regional podem fazer pender a balança eleitoral. Em outros termos, não existe uma determinação prévia quanto aos embates eleitorais no modelo brasileiro – como em qualquer outro, aliás – e isso significa que as chances estão abertas às forças políticas que pretendam se apresentar como oposição.
Não importam quais sejam as alternativas de políticas oferecidas ao público eleitor por uma oposição efetiva e confiável. É preciso que esta seja precisamente isso: confiável. Ora, não é surpresa para nenhum eleitor medianamente bem informado que a classe política, de maneira geral, fez tudo o que era possível para se desqualificar moralmente, para se rebaixar no plano da ética, para deteriorar completamente a instituição parlamentar e outro tanto no plano dos executivos locais, estaduais e até o federal. Qualquer que seja a qualidade da nova mensagem política de oposição, se ela um dia existir, sua credibilidade, intrínseca e extrínseca, depende essencialmente da regeneração moral de suas lideranças, que deveriam operar aquilo que os italianos – escaldados por anos e anos de corrupção política – chamam de rientro morale, ou seja, uma profunda recomposição da ética na vida política do país.
A julgar por exemplos recentes – os aumentos para os próprios parlamentares e a questão das aposentadorias escandalosas de ex-governadores são dois casos eloquentes do completo descompasso entre as expectativas da população e a atitude das “oposições” – o Brasil não está sequer próximo de uma recomposição da classe política para fora da atual degradação das instituições de representação; nisso, a suposta “oposição” não se diferencia em nada das perversões morais alimentadas pelo próprio bloco no poder. Aparentemente, a “oposição” atual ainda não está pronta a empreender essa passagem; ela não quer enfrentar sua própria regeneração moral (talvez não possa, ou não tem coragem, provavelmente não quer).
Uma vez aceita e internalizada essa decisão pela “moralização” da oposição – que se situa no centro de toda e qualquer regeneração oposicionista, cabe lembrar – começa, então, a tarefa de organizá-la em função do objetivo da reconquista do poder. Tal tarefa implica, em primeiro lugar, uma definição clara de um programa político de escopo nacional e setorial, ou seja, uma plataforma explícita que toque em todos e em cada um dos principais problemas nacionais, sobretudo na esfera institucional, no terreno econômico e nas diversas áreas de maior impacto no plano das políticas públicas (social, cultural, regional, etc.).
Não é simples montar um programa e uma plataforma de ação com tal amplitude, o que certamente exigirá seminários e grupos de trabalho em cada uma dessas vertentes abertas à ação partidária. Mas um partido, ou uma oposição, que pretenda aspirar a ser uma real alternativa de poder não pode ser econômico nem em definições programáticas, nem em propostas político-econômicas relativamente detalhadas. Basta arregaçar as mangas e colocar o cérebro para pensar.
O que fazer? Tudo depende de lideranças esclarecidas
Vendo o panorama da planície, isto é, do ponto de vista dos cidadãos eleitores, não parece haver dúvidas de que o Brasil não conta com uma classe política à altura de suas novas responsabilidades enquanto potência emergente, desejosa de assumir um papel relevante na cena internacional. O parlamento, em especial, mas também os partidos políticos e as forças que gravitam em torno deles parecem viver num mundo à parte, feito de partilha de despojos estatais, conquista de pedaços do orçamento e disputa por pequenas prebendas em todos os poros do imenso ogro estatal.
A discussão sobre temas internacionais no parlamento, e dentro dos partidos, é rara, superficial e geralmente equivocada. Quando ela ocorre, tende a focar falsos problemas que estariam, supostamente, na origem das dificuldades enfrentadas pelo Brasil: guerra cambial de alguns, concorrência desleal de outros, capitais especulativos de um lado, arrogância imperial do outro, ameaças imaginárias sobre a soberania brasileira, em alguma parte de seu imenso território, e sobre seus fabulosos recursos naturais. Poucos desses representantes políticos, contudo, comparam o Brasil a seus equivalentes em outras partes do mundo; poucos deles se dão conta de como o Brasil avança devagar, de como ele está de fato atrasado em relação às mudanças mais dinâmicas que estão ocorrendo um pouco em todas as partes.
De fato, nenhum dos problemas atuais enfrentados pelo Brasil tem a ver com impactos negativos do ambiente externo: o mundo tem sido muito “generoso” com o Brasil, oferecendo mercados e provendo investimentos de todos os tipos para sustentar seu crescimento do período recente. Todos os problemas brasileiros, sem exceção, são made in Brazil, têm raízes puramente internas e devem receber aqui sua solução; seu equacionamento passa por um conjunto de reformas que deveria estar no centro de qualquer programa credível de proposta política geral de um movimento oposicionista que aspire legitimamente conquistar o poder para implementar, a partir daí, essas reformas.
A oposição não conseguirá chegar a ocupar esse espaço alternativo de candidata ao poder se não trabalhar intensamente no diagnóstico dos problemas brasileiros, no oferecimento de respostas sólidas aos mesmos problemas, e na sua própria organização interna, colocando-se numa posição de governo “virtual”, ou potencial, com base em propostas aceitáveis para uma maioria de brasileiros, sem ceder a populismos ou à demagogia habitual nesses meios. Ou seja, a oposição precisa estar pronta para oferecer outro futuro a todos os brasileiros que não acham que a esperteza política aliada ao oportunismo propagandístico representa o horizonte real de possibilidades para o país. Existe um imenso contingente de brasileiros que não se reconhece no estado de coisas vendido atualmente como a condição normal e possível para o Brasil. Como diriam alguns sonhadores, “outro Brasil é possível”; mas para isso outra oposição é necessária, uma que se apresente como alternativa credível.
Uma das condições essenciais para que essa oposição seja construída parece ser a existência de lideranças dotadas de credibilidade intrínseca e de capacidade política para, em primeiro lugar, reformar profundamente a “oposição” atual; num segundo momento, presidir à elaboração temática e organizacional de um “governo” alternativo ao atual bloco no poder. Não existe nenhum obstáculo “técnico”, nenhuma força externa à própria “oposição”, nenhum impedimento estrutural, ou nacional, de caráter político, para que essas tarefas sejam empreendidas.
Tudo depende da disposição de figuras políticas que pretendam aspirar ao papel de alternativa ao poder atual: a “fortuna” do quadro político pode ser favorável a uma oposição renovada, como observado nas eleições de 2010. Mas o fator mais importante ainda é – ele sempre é – constituído pelas “virtudes” dos condutores de cidadãos.
É diplomata de carreira e professor universitário, com diversos livros sobre a política externa e as relações internacionais do Brasil.
FONTE: Revista Interesse Nacional Nº 13 – Abril a Junho de 2011