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sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

O Brasil em 2023: avanços e retrocessos - Paulo Roberto de Almeida (Revista Crusoé)

 O Brasil em 2023: avanços e retrocessos

Paulo Roberto de Almeida
diplomata, professor, membro do Conselho Acadêmico do Livres.

O ano começou sob os melhores auspícios: uma festa de posse com diversidade social, assistida e saudada por número apreciável de convidados estrangeiros e de milhares de entusiastas na Praça dos Três Poderes. O Itamaraty comprovou sua expertise nessas grandes recepções e tudo parecia augurar uma saudável inversão de tendências e posturas depois de quatro anos de rebaixamento internacional, tensão golpista pairando no ar de Brasília e uma pesada herança fiscal, fruto do populismo econômico praticado expressamente por razões eleitorais. Nada empanava o início de um ano que se anunciava tão triunfal quanto o slogan escolhido naquele momento: “O Brasil voltou!”
Algumas políticas teimavam, porém, numa insistente continuidade com o governo recém findo: a teimosia em dividir o país entre “nós” – os que aderiram ao líder carismático em seu terceiro mandato – e “eles”, os bolsonaristas, e todos os derrotados de outubro; uma chocante atitude objetivamente favorável ao ditador agressor da Ucrânia, a despeito da neutralidade formal proclamada na ONU; a mesma propensão ao gasto público infinito, apesar das promessas de reforma tributária e de despesas orçamentárias controladas. O ano avançou e as contrariedades começaram a se acumular na agenda interna e na externa.

(...)

Lula escolheu ser contraditório em várias frentes: uma reforma tributária que trará novo aumento da carga fiscal, uma duvidosa liderança ambiental associada a um cartel de produtores de petróleo, o entusiasta da transição energética quando o Brasil continua sendo um dos maiores responsáveis pelo aquecimento global, um defensor da democracia contra autoritários de direita, mas que apoia ditaduras de esquerda, enfim, a mesma metamorfose ambulante bem conhecida desde os anos 1980. Nos avanços, o golpismo foi vencido, embora a divisão do país tenha persistido. Nos retrocessos, o estatismo de retorno e uma diplomacia abertamente revisionista da atual ordem internacional. Finalmente, numa síntese sobre o ano de 2023 na frente externa, o chanceler, em discurso na CREDN-CD, conseguiu realizar a proeza de “esquecer” completamente da Ucrânia, inclusive do encontro Lula-Zelensky em Nova York, por ocasião da Assembleia Geral da ONU. Um “esquecimento” sintomático...

Ler a íntegra no site da revista Crusoé...
Bom Natal a todos, a Lula principalmente...

sábado, 9 de dezembro de 2023

Artigo mais recente publicado: "O ponto de fusão": a colaboração dos Imigrantes na construção do Brasil e na política - Revista Crusoé

 Meu artigo mais recente: 

   O ponto de fusão

título original: Imigrantes na construção do Brasil e na política 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

revista Crusoé n. 293, sob o título de “O ponto de fusão” (8/12/2023; link: https://crusoe.com.br/edicoes/293/o-ponto-de-fusao/).  


A história da humanidade, desde tempos imemoriais, é formada por um cadinho e por um turbilhão de povos, de culturas e de influências recíprocas, ainda que assimétricas por sua própria natureza: expansão demográfica natural, dominação violenta por hordas de invasores militarmente superiores, emigração voluntária ou forçada, epidemias e endemias seguindo as trilhas da inovação técnica e da disseminação de espécies vegetais e animais mais produtivas. Esse processo durou milhares de anos, e continua de maneira intensa nos nossos dias, com as novas facilidades de transportes e comunicações; mas a marcha a pé, dos campos para as cidades, de uma região a outra, ainda continua a ser a forma mais usual de transmigração. 

Íntegra no link: https://crusoe.com.br/edicoes/293/o-ponto-de-fusao/

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Diferenças entre a ‘velha’ e a ‘nova’ diplomacia de Lula - Paulo Roberto de Almeida (revista Crusoé)

 O mais recente trabalho publicado: 

4511. “Diferenças entre a ‘velha’ e a ‘nova’ diplomacia de Lula”, Brasília, 16 novembro 2023, 3 p. Artigo para a revista Crusoé; publicado em 24/11/2023 (link: https://crusoe.com.br/edicoes/291/diferencas-entre-a-velha-e-a-nova-diplomacia-de-lula/). Relação de Publicados n. 1533.


Diferenças entre a ‘velha’ e a ‘nova’ diplomacia de Lula

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

revista Crusoé (24/11/2023 (link: https://crusoe.com.br/edicoes/291/diferencas-entre-a-velha-e-a-nova-diplomacia-de-lula/).

  

Países evoluem, geralmente no caminho do desenvolvimento econômico e social, da democracia representativa e das liberdades individuais. Nem todos eles: alguns conhecem ditaduras e mesmo totalitarismo, como a Alemanha de Weimar, nos anos 1930-40, enquanto outros passam por involução econômica e retrocessos sociais, e temos exemplos disso aqui mesmo, bem pertinho. As pessoas geralmente também vão mudando ao longo dos anos, do voluntarismo e do radicalismo juvenil para posturas mais sensatas, talvez conservadoras, com a idade madura, a família, filhos e netos, a percepção da complexidade social, enfim.

Espera-se que essa seja, por exemplo, a típica transição dos políticos profissionais, desde as posições extremadas do começo de carreira para uma convergência com posturas mais conciliadoras com outras forças e movimentos partidários. Nem sempre, todavia, é assim. Alguns acentuam velhos hábitos, outros aprofundam comportamentos sectários e certo radicalismo tardio, muitas vezes anacrônico. Isso parece ter ocorrido com Lula, a despeito de uma notável continuidade nas características básicas: o populismo, a modulação do discurso para cada plateia, as alianças preferenciais dentro do mesmo, velho, espectro partidário. Tais características são especialmente válidas no campo da diplomacia e da política externa. 

Cabe aqui uma constatação inicial, visível desde o início do seu terceiro mandato: a diplomacia basicamente pessoal de Lula vem convertendo-se no principal problema para a diplomacia profissional do Itamaraty, que se esforça para manter um razoável equilíbrio nas relações com os principais parceiros externos. O personalismo do chefe da diplomacia tendeu a se reforçar no período recente, comparativamente aos dois primeiros mandatos. Na verdade, a diplomacia lulopetista foi exacerbadamente pessoal, em todos eles, mas ela acentuou o personalismo desde a campanha presidencial de 2022, levando ao exagero a própria noção de diplomacia presidencial. Vamos às evidências da mudança.

(...)

Lula carece de preparação adequada para manejar a complexidade de uma diplomacia atuando em múltiplas frentes como é a do Brasil. Entre intromissões indevidas e omissões não justificadas, ele está destruindo sua reputação de estadista, assim como a credibilidade conquistada pela diplomacia ao longo de muitas décadas de construção de uma autonomia reconhecida por todos. A bizarra expansão do Brics conduzida por duas grandes autocracias e endossadas pela diplomacia personalíssima de Lula ameaça fissurar o edifício desenhado por Rio Branco e Rui Barbosa, defendido em anos sombrios pela coragem de um Oswaldo Aranha e confirmado no plano dos conceitos jurídicos por um intelectual da estatura de San Tiago Dantas. Lula 3 escolheu uma trajetória política que afasta a diplomacia nacional das concepções centrais dos grandes nomes de sua política externa. Até quando?

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4511, 16 novembro 2023, 3 p.

 

Ler a íntegra no site da revista Crusoé (24/11/2023

link: https://crusoe.com.br/edicoes/291/diferencas-entre-a-velha-e-a-nova-diplomacia-de-lula/

terça-feira, 7 de novembro de 2023

O Brasil tem o DEVER de se OPOR à pretensão da Venezuela de anexar território da Guiana - Duda Teixeira (Revista Crusoé)

 Maduro ameaça tomar um pedaço da Guiana e Brasil fica em silêncio

Duda Teixeira

Revista Crusoé, 6/11/2023

 https://crusoe.com.br/diario/maduro-ameaca-tomar-pedaco-da-guiana-e-brasil-fica-em-silencio/

O ditador venezuelano Nicolás Maduro  anunciou na quinta, 2 de novembro, que fará um referendo no dia 3 de dezembro para saber se a sua população defende a anexação da região de Essequibo, que representa dois terços do território da Guiana. 

Se levar adiante sua vontade, a Venezuela estará infringindo a Carta da ONU, que pede o respeito à soberania das nações. Mas, quatro dias após o anúncio, a ameaça de Maduro de tomar uma parte do país vizinho não foi motivo de nenhuma manifestação do Itamaraty ou do governo Lula. Na semana passada, o regime venezuelano divulgou uma lista de cinco perguntas que gostaria de fazer à população. Duas são particularmente preocupantes. “Você está de acordo com a posição histórica de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça para resolver a controvérsia territorial sobre a Guiana?” é uma delas. 

 A Corte Internacional de Justiça, CIJ, é o principal tribunal da ONU. Criada pela Carta da ONU, em 1945, essa corte julga países (o Tribunal Penal Internacional, que também fica em Haia, julga indivíduos e não faz parte da estrutura da organização). Todos os membros da ONU integram a CIJ, incluindo o Brasil, a Venezuela e a Guiana. 

 Causa estranheza, portanto, que se pergunte ao povo venezuelano se as pessoas acham que a CIJ deve ou não ser levada a sério, sendo que o país é signatário do acordo que criou esse tribunal. A outra pergunta que Maduro pretende incluir no seu referendo de dezembro é ainda mais absurda. “Você está de acordo com a criação do estado da Guiana Essequiba e que se desenvolva um plano acelerado para a atenção integral à população atual e futura desse território que inclua entre outros a entrega de cidadania e RG venezuelanos, conforme o Acordo de Genebra e do direito internacional, incorporando como consequência esse estado ao mapa do território venezuelano?“, é a quinta questão. 

 Acontece que a população guianesa de Essequibo não quer fazer parte do estado falido da Venezuela. Se o que vale é a autodeterminação dos povos, um conceito caro ao governo Lula, o que Maduro está propondo é um acinte. Não é a população venezuelana que deve decidir o futuro da Guiana, em um referendo fraudulento, e sim os próprios guianeses. Surpreendentemente, o governo Lula e o Itamaraty não deram um pio sobre a questão. Até agora, não se ouviu uma frase sobre a defesa da demarcação das fronteiras (as quais também incluem as fronteiras brasileiras). Não se falou em autodeterminação dos povos, nem de paz, nem da soberania dos países da América do Sul. “Isso é algo que pode afetar a segurança regional. 

O Brasil, que faz fronteira com esses dois países, deveria ao menos condenar a intenção de Maduro e promover a tolerância e a paz“, diz o embaixador venezuelano Víctor Rodríguez Cedeño, que trabalhou na diplomacia até 2002 e representou seu país na ONU. “É claro que há uma afinidade política entre Lula e Maduro, mas se o brasileiro quer ter uma liderança regional, então deveria ao menos propor uma mediação. Esse referendo é perigoso e Lula deveria se pronunciar“, diz Cedeño. Lula, contudo, não condenou a invasão russa da Ucrânia e disse que o presidente Volodymyr Zelensky quis o conflito. 

Na guerra entre Israel e Hamas, Lula foi incapaz de criticar o terrorismo do Hamas e tentou fazer equivalências entre o grupo e o estado de Israel. Esse breve histórico mostra por que não se deve ter grandes expectativas de que o Brasil tenha uma postura sensata em uma possível guerra entre Venezuela e a Guiana. 


segunda-feira, 30 de outubro de 2023

O Sul Global não existe - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

 Meu mais recente artigo publicado na Crusoé, do qual transcrevo alguns trechos: 

4491. “O Sul Global não existe”, Brasília, 12 outubro 2023, 3 p. Artigo sobre uma realidade criada por ideólogos que não apresenta consistência suficiente para ser chamado de grupo político. Artigo para a revista Crusoé, publicado sob o mesmo título (n. 287, 27/10/2023, link: https://crusoe.uol.com.br/Colunistas/o-sul-global-nao-existe). Relação de Publicados n. 1530.


O Sul Global não existe

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo sobre um conceito criado por ideólogos que não apresenta consistência suficiente para ser chamado de grupo político.

Revista Crusoé, (n. 287, 27/10/2023, link: https://crusoe.uol.com.br/Colunistas/o-sul-global-nao-existe). Relação de Publicados n. 1530. 

 

Ideias contam, afirmam os historiadores, o que parece ser confirmado pela própria história. Certas declarações de líderes políticos ou militares de peso, ao lado de interpretações de filósofos influentes, acabam ganhando foros de atores e fatores decisivos em determinados processos históricos e passam a ser consideradas como tendo o poder de determinar o curso da história e, assim, de mudar a sua própria trajetória.

Pensem, por exemplo, no conceito de “luta de classes”, um corriqueiro lugar comum dos historiadores franceses no seguimento imediato da grande revolução de 1789, mas que acabou virando o eixo central de todo e qualquer processo histórico depois que dois jovens ideólogos alemães converteram essa interpretação derivada dos três grandes estamentos do Antigo Regime em fator crucial de toda e qualquer mudança politica e social: “proprietários e escravos”, “senhores feudais e servos de gleba”, “burgueses e proletários”, todas essas “lutas” seriam o verdadeiro “motor da história”. Era uma abordagem simplista, mas que teve um extraordinário sucesso nos 150 anos seguintes. Considerem, igualmente, o conceito de “complexo de Édipo”, que Freud generalizou a partir da literatura grega clássica e que passou a ser um dos eixos centrais das interpretações psicanalíticas desde então. 

Marx e Freud foram dois grandes pensadores contemporâneos que marcaram de forma indelével o século XX, e isso não tanto por algum poder político concreto de que dispusessem, mas pela simples força de suas ideias, que impregnaram as mentes e as ações de milhares de outros personagens dotados de influência social.

(...)

Esse conceito, tomado de forma unificada para somente um dos lados, é um completo equívoco acadêmico, político e geográfico, o que não o impede de ser utilizado de forma oportunista por políticos populistas. Mas, de forma alguma, a diversidade de nações nele incluídas e a multiplicidade de interesses nacionais agregados aleatoriamente nos Estados hoje componentes podem ser considerados a expressão de um grupo coeso em suas vontades e disponível para uma ação conjunta em face de um Norte hegemônico e dominador. 

Existe alguma possibilidade de que a Rússia neoczarista da atualidade ou de que a China novamente imperial, e com pretensões hegemônicas, possam ser os aliados de um inexistente “Sul Global” na luta pela construção de uma “nova ordem global” que não mais seria dominada pelo “Norte” do atual Ocidente dominador? A hipótese é inverossímil. Aliás, considerar que o Brics possa representar o tal de Sul Global é mais inverossímil ainda.

Para os saudosistas de um antigo terceiro-mundismo político retardatário, o tal de “Sul Global” já não é mais um simples expediente acadêmico equivocado, e sim uma entidade homogênea capaz de ajudá-los em suas pretensões oportunistas de liderar um suposto “bloco” unificado, mas que é tão diáfano quanto inexistente, para todos os efeitos práticos.

 

Brasília, 4449, 12 outubro 2023; revisão: 24/10/2023.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Lula no G7: falta discutir a relação? - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

 Mais um dos artigos publicados na revista Crusoé e que tinha ficado sem maior divulgação quando foi publicado.

Lula no G7: falta discutir a relação?

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Artigo para a Crusoé

 

De onde viemos, onde estamos, no exclusivo clube dos ricos capitalistas?

O sentido, a existência e as funções do G7 têm muitas explicações, além das inevitáveis teorias conspiratórias sobre o complô secreto dos poderosos para continuar mandando no mundo, desde os Illuminati e maçons, até a Comissão Trilateral e o grupo Bilderbeg (este o preferido do falecido polemista Olavo de Carvalho para simbolizar o poder globalista que atuava nas sombras, juntando ricaços como George Soros, “burocratas não eleitos da ONU” e esquerdistas gramscianos reciclados nos temas das minorias). A explicação mais plausível é, evidentemente, a que deriva do fracasso da superpotência econômica do pós-Segunda Guerra em administrar as obrigações derivadas de seus compromissos contraídos em Bretton Woods (1944), que montou a ordem econômica mundial tal como existe ainda hoje (com as mudanças inevitáveis que se seguiram).

Com efeito, o G7 – primeiro sob a forma de G5 – surgiu depois que Nixon, o conservador subitamente tornado keynesiano quando conferiu, com seu Secretário do Tesouro, que Fort Knox não teria ouro suficiente, não apenas para satisfazer o satânico Dr. No, do Ian Fleming, no primeiro filme da série James Bond, mas sobretudo para atender aos reclamos de muitos países da esfera americana, que estavam inundados de dólares provenientes da generosidade americana durante a Guerra Fria em aguentar balanças deficitárias contra o formulador e dono do padrão ouro-dólar estabelecido na famosa conferência do New Hampshire que criou o FMI e o Banco Mundial. Entre 1945 e 1971, os Estados Unidos supostamente cumpriram razoavelmente o seu papel de prover um meio circulante mais ou menos instável para irrigar os intercâmbios internacionais e permitir um mínimo de estabilidade nas paridades das principais moedas conversíveis. 

Claro que essas obrigações eram teóricas, pois os países capitalistas que seguiam o patrão de charuto e cartola não contavam com a astúcia do banqueiro mundial, o dono da única moeda confiável na difícil conjuntura do pós-guerra, quando se podia, com uma cédula de dólar, comprar virtualmente qualquer coisa entre o deserto da Mongólia e as savanas africanas, sem que fosse preciso dar qualquer explicação sobre a validade daquele pedaço de papel verde. Essa astúcia consistiu em viver à larga durante os anos de enfrentamento com a satânica URSS, financiando seus déficits bilaterais com os aliados com fartas emissões de verdinhas, também usadas para instalar bases militares em todos os cantos do mundo e tropas de ocupação nos grandes derrotados: Alemanha e Japão (a Itália não precisava, ela já estava sendo naturalmente americanizada durante os anos de glamour da Cinecittà). Foi assim que os “ocupados” e “tutelados” desde Washington se viram virtualmente submergidos com milhões de dólares, sem que precisassem de tudo aquilo para pagar suas importações dos Estados Unidos, inclusive porque estes foram tolerantes com as discriminações comerciais que sofriam de europeus e japoneses. 

O General De Gaulle, o único francês que falava de si mesmo na terceira pessoa – depois do Roi Soleil, e antes de Pelé e do Lula –, ainda conseguiu resgatar o seu equivalente em ouro da montanha de dólares que a França (sempre fascinada com o padrão ouro desde o “franco Poincaré” de 1928) acumulava desde os anos 1950, mas não foi o caso da Alemanha e do Japão, por acaso pagando uma parte das tropas de ocupação americana em seus respectivos territórios. Como lhes disse o Secretário do Tesouro americano, fiquem tranquilos, o dólar é tão bom quanto o ouro (as good as gold). Foi depois desses embates que Nixon resolveu, em agosto de 1971, desvincular os EUA da obrigação de trocar cada 35 dólares submetidos ao Treasury por uma onça de ouro (ou toneladas do metal precioso), como tinha sido estabelecido no convênio constitutivo do FMI (que já tinha começado a causar preocupações desde o final dos anos 1950). De repente, o Secretário do Tesouro teve de confessar aos países amigos que “o dólar é a nossa moeda, mas o problema é de vocês”. 

Foi na sequência da crise então criada e das contínuas desvalorizações do dólar, que o presidente francês Giscard d’Estaing, acusando o “privilégio exorbitante” do dólar no sistema monetário internacional – que de fato não mais existia –, convidou cinco grandes potências capitalistas a se reunirem para discutir a relação, amigavelmente, sem desquite ou divórcio em vista. Pouco depois também se decidiu criar uma moeda contábil do FMI, baseada no dólar, la libra britânica, no Deutsche mark, no franco francês e no iene japonês (decisão por acaso tomada na única reunião do FMI-Banco Mundial realizada no Brasil, no Rio de Janeiro em 1967). Poucos anos depois, o Canadá e a Itália (que acabava de suplantar a decadente Grã-Bretanha dos anos pré-Thatcher) também foram admitidos ao clube, que. se tornou G7. Ele se tornou o virtual administrador da cooperação econômica internacional, quando a URSS e a China Popular ainda não tinham sido admitidas nas “irmãs de Bretton Woods”. 

 

O G7 e os filhos rebeldes, até a promessa de uma ordem mundial alternativa

Foi o G7 quem administrou, por exemplos, várias crises econômicas mundo afora, dos próprios países membros (libra britânica e lira italiana nos anos 1970), da dívida externa dos países em desenvolvimento nos anos 1980 e 90, e dos próprios países desenvolvidos na crise financeira global de 2008-2009 e suas repercussões internacionais. Foi generoso o bastante para a acolher a combalida Rússia nos anos 1990, ou o que sobrou do falido império soviético e suas dependências depois da implosão do socialismo realmente existente, e até concedeu à Rússia – no G7 de Kananaskis, em 2002 – o status de democracia de mercado, quando o seu capitalismo mafioso estava a anos-luz de distância dessa qualificação (a China, que sempre foi mais capitalista que a Rússia, nunca ganhou esse mimo). O G8 – G7 mais Rússia – existiu virtualmente (pois que a parte importante, a financeira, continuava a ser G7) mais tempo do que deveria existir, e só veio a termo depois da invasão da Crimeia por Putin em 2014.

Lula foi convidado, como um dos líderes externos, por Jacques Chirac, presidente francês, ao G7 de Evian, em 2003, e era um habitual frequentador da “sobremesa” das reuniões, como ele desdenhosamente se referia a essa concessão aos “primos pobres”. Bolsonaro foi completamente ignorado pelo clube dos ricos, e Lula volta novamente a ser um convidado para o próximo G7, em Hiroshima. Suas primeiras “recomendações” sobre a paz na Ucrânia foram discretamente ou abertamente criticadas pelos sete apoiadores do país invadido por Putin, e ele deve ter retornado de seus primeiros périplos internacionais um pouco mais calejado pelo realismo frio do “jogo” entre os grandes da geopolítica. O que parece contraditório na postura de Lula é que ele (provavelmente “guiado” pelo seu conselheiro internacional) despreza o convite aberto para aceder à OCDE, mas faz questão de sentar-se à mesa dos grandes, para talvez aconselhá-los a como ser bonzinhos com os países em desenvolvimento. O exercício da OCDE seria um bom ambiente para começar a “discutir a relação”, sem precisar acomodar-se em algum divã de psicanalista político.

O mais intrigante para os membros do clube é essa mania de tentar associar-se à criação de uma “nova ordem mundial”, quando a de Bretton Woods está “ativa e altiva”. Talvez seja mesmo um caso para um “conselheiro espiritual”.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4376: 27 abril 2023, 3 p.

 

sábado, 30 de setembro de 2023

Política externa e diplomacia brasileira: uma visão de três décadas - Paulo Roberto de Almeida (revista Crusoé)

Política externa e diplomacia brasileira: uma visão de três décadas

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor

Publicado na revista Crusoé (29/09/2023, link: https://crusoe.com.br/edicoes/283/politica-externa-e-diplomacia-brasileira-uma-visao-de-tres-decadas/)

 

 

Entre 1993 e 2023, o Brasil e sua política externa atravessaram turbulências políticas e fases de euforia ou de retraimento, para emergir com promessas de novas realizações, sob a liderança do mesmo presidente que tinha dado grande destaque à presença diplomática do país no decorrer de seus dois primeiros mandatos, no início do presente século. À diferença do “momento unipolar” dos anos 1990, com a visível hegemonia global dos Estados Unidos no quadro de uma fugaz “nova ordem mundial” no seguimento da derrocada do império soviético entre 1989 e 1991, o mundo desta terceira década do século 21 aparece como sensivelmente transformado, num cenário de uma possível “Segunda Guerra Fria”, sobretudo em função da fulgurante ascensão da China como grande ator global e do desafio da Federação Russa aos equilíbrios instáveis da ordem ocidental ainda dominante.

De fato, o contexto político e diplomático do período conheceu seguidas mudanças em relação ao antigo sistema de relações internacionais da Guerra Fria (1947-1991), passando de uma fase de unilateralismo imperial – que correspondeu à grande preeminência estratégica dos Estados Unidos, a partir da implosão e fragmentação da URSS e do declínio da Federação Russa nos primeiros dez anos de sua emergência como o mais importante membro do antigo império soviético – e de profundas alterações na geopolítica europeia, com a adesão da maior parte dos seus satélites da Europa central e oriental às “ferramentas” econômicas ocidentais (Gatt-OMC, União Europeia e OCDE) e militares (OTAN). Essa fase foi seguida pela lenta, mas decisiva, ascensão da China, economicamente um gigante comercial e industrial, e pela restauração da Rússia como poder militar, com capacidade de projeção em teatros regionais. 

Uma “Segunda Guerra Fria” foi anunciada pela postura de competição estratégica dos EUA em relação à China – que se tornou mais assertiva sob Xi Jinping – e, sobretudo, de novos desafios lançados pelo líder russo Vladimir Putin, querendo recompor antigas esferas de influência da finada União Soviética, a partir de sua guerra de agressão contra a vizinha Ucrânia. Abriu-se, assim, um cenário de definições dramáticas a serem tomadas pela diplomacia brasileira nesse novo contexto de vagos projetos de uma “nova ordem mundial”.

(...)


Ler a íntegra do artigo neste número da revista Crusoé: 

 https://crusoe.com.br/edicoes/283/politica-externa-e-diplomacia-brasileira-uma-visao-de-tres-decadas/


sexta-feira, 1 de setembro de 2023

O Brasil de Lula 3 no G20 da Índia - Paulo Roberto de Almeida (Revista Crusoé)

Meu artigo na Crusoé desta sexta-feira 1/09/2023, mas escrito antes do encontro, que é só na semana que vem:

O Brasil de Lula 3 no G20 da Índia

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo sobre a reunião de cúpula do G20 na Índia.

Revista Crusoé (1/09/2023; link: https://oantagonista.com.br/mundo/crusoe-o-brasil-de-lula-3-no-g20-da-india/). Relação de Originais n. 4465; Relação de Publicados n. 1521. 

 

A 18ª reunião de cúpula do G20, a ser realizada em New Delhi, capital da Índia, não será propriamente uma novidade para Lula, que já participou dos primeiros encontros desse grupo desde que ele foi originalmente convocado para tratar da crise financeira de 2008, pelo próprio presidente George Bush, em Washington. O grupo deriva diretamente, embora em nível hierárquico inferior, do Financial Stability Forum, que por sua vez tinha nascido na crise financeira anterior, na segunda metade dos anos 1990. A diferença entre a natureza de um e outro grupo das economias mais relevantes do planeta está em que o antigo Forum tinha no seu certificado de nascimento uma crise, mais uma, de países em desenvolvimento, ao passo que o G20 deu seu primeiro passo, em nível de chefes de Estado, após a implosão da bolha imobiliária no mercado americano, seguida de seu impacto no sistema bancário e de seguros, se espalhando logo depois para os demais países desenvolvidos, devido aos efeitos sistêmicos dos derivativos financeiros criados a partir das hipotecas avalizadas por agências financeiras oficiais do governo americano e alegremente adquiridos por investidores da Europa e do Japão, certos de que o Triplo A atribuído a esses derivativos era para valer.

(...)

O G20 de Nova Delhi ocorre em outras condições, bem mais difíceis do que os exercícios anteriores, sob o impacto do segundo ano da guerra de agressão da Rússia à Ucrânia, de certo modo uma extensão da mudança de humor já iniciada quando da invasão e anexação ilegal da península da Criméia em 2014, quando a Rússia foi expelida do então “puxadinho” do G8, uma das várias sanções econômicas introduzidas contra o agressor pelos países ocidentais. Naquela ocasião, rompendo com a tradição do Itamaraty de estrito respeito às normas do Direito Internacional e de absoluto respeito à Carta da ONU, a presidente Dilma Rousseff não tomou qualquer posição a respeito da grave violação da soberania ucraniana, a pretexto de que tal invasão era um “problema interno da Ucrânia”. Foi um primeiro exemplo do baixo acatamento, pela diplomacia presidencial, dos padrões habituais do Itamaraty de adesão a princípios consagrados da legalidade internacional, práticas mais adiante continuadas, sob diferentes pretextos, pela diplomacia de Bolsonaro e de Lula 3.

(...)

Num contexto no qual o encantamento inicial com a terceira presidência Lula já deu mostras de arrefecimento junto aos principais governantes dos países ocidentais – em princípio, exatamente por causa da violação ao Direito Internacional causada pela Rússia e pouco enfatizada pelo governo Lula –, essa presidência do G20 pode ajudar a corrigir um pouco essa má percepção de suas atuais “alianças” internacionais, ou continuar a empanar a sua imagem  junto ao Ocidente e até a liderança na própria região, onde outros líderes progressistas – como Boric do Chile, ou Petro da Colômbia – já deram mostras de maior comprometimento com uma diplomacia fundada no respeito à Carta da ONU. Esperava-se mais de um governo declaradamente a favor, assim como o próprio Itamaraty, da estrita solução pacífica das controvérsias entre Estados. 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4465, 31 agosto 2023, 3 p.

sábado, 5 de agosto de 2023

O Brasil aos olhos do mundo: como era antes, como ficou agora? - Paulo Roberto de Almeida (revista Crusoé)

Meu artigo mais recente publicado:  

4415. “O Brasil aos olhos do mundo: como era antes, como ficou agora?”, Brasília, 13 junho 2023, 3 p. Artigo sobre a diminuição da credibilidade diplomática do Brasil de Lula 3, para a revista Crusoé. (4/08/2023; link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/275/o-brasil-aos-olhos-do-mundo-como-era-antes-como-ficou-agora/). Relação de Publicados n. 1518. 

O Brasil aos olhos do mundo: como era antes, como ficou agora?

 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo para a revista Crusoé. 

 

Todo país, toda nação, exibe uma imagem aos olhos do mundo, por vezes com base em estereótipos simplistas, mas ainda assim identificados com alguma característica da nação em questão. Marco Polo deixou um testemunho direto da China sob a dominação mongol, com alguns exageros involuntários, o que alimentou a curiosidade dos europeus pelo fabuloso Celeste Império. A riqueza em ouro e prata dos impérios pré-colombianos no México e no Peru atuais atiçou a cobiça dos conquistadores ibéricos, prontamente seguidos por piratas e corsários de outros reinos europeus, saqueando galeões carregados dos preciosos metais. 

O Brasil da era do café e seus barões apreciadores dos cabarés de Paris suscitaram a criação de uma figura cenográfica, o “Brésilien d’operette”, o pródigo ricaço do interior, que acendia charutos com notas de 100 francos e bebia champagne nos sapatos das dançarinas de can-can. A prática era tão comum que deu origem ao termo, momentaneamente inscrito nos dicionários franceses, de paulistade, significando gastar à tripa forra nos cabarés. Mais tarde, na fase da aliança com os Estados Unidos da era Vargas, o típico carioca de Carnaval se transmutou no Zé Carioca do Walt Disney, junto com a cantora Carmen Miranda, acolhida por Hollywood, encantando a todos com seus balangandãs e a coroa de frutas na cabeça.

A imagem do Brasil esteve associada, durante muitas décadas, ao Carnaval e às selvas luxuriantes, mais adiante a Pelé, seguramente o brasileiro mais famoso do mundo, no tempo em que a Bossa Nova se juntou ao jazz para brindar ao mundo inteiro os encantos da praia de Ipanema ao ritmo das músicas de Tom Jobim e na voz suave de Astrud Gilberto. A ditadura militar ofuscou muito desse brilho, com a repressão truculenta na política e na cultura, mais as notícias pouco edificantes de extermínio dos indígenas, de destruição ambiental, de pobres dormindo nas ruas. A inflação astronômica, as crises financeiras e da dívida externa também grudaram na imagem do país durante as décadas seguintes, até praticamente o período recente, quando a corrupção política colocou o país, junto a várias ditaduras, nos primeiros lugares do ranking da Transparência Internacional. 

(...)

Um editorial do Globo, do dia 23 de maio de 2023, resumiu o revés que representou a reunião do G7 para os planos de Lula: “As potências ocidentais que saudaram sua chegada ao poder como um vento benfazejo depois do furacão Jair Bolsonaro já não parecem encará-lo com a mesma deferência. (...) Lula volta de Hiroshima menor do que chegou.” Esta parece ser a imagem que agora passa a marcar o Brasil de Lula no contexto mundial: uma promessa de inclusão no campo das democracias que ficou perdido no pequeno clube dos revisionistas da ordem global liberal. O Brasil já não é o que poderia ter sido...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4415, 13 junho 2023, 3 p.

quarta-feira, 14 de junho de 2023

Por que a tal de ‘nova ordem mundial’ é uma má ideia? - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

 Um trabalho publicado ainda no mês de abril, mas que ainda não tinha sido divulgado por inteiro, por ser exclusivo da revista Crusoé: 

4374. “Por que a tal de ‘nova ordem mundial’ é uma má ideia?”, Brasília, 26 abril 2023, 4 p. Artigo publicado na revista Crusoé (9/06/2023; link: https://oantagonista.uol.com.br/mundo/crusoe-por-que-a-tal-de-nova-ordem-mundial-e-uma-ma-ideia-2/). Relação de Publicados n. 1511.


Por que a tal de 'nova ordem mundial' é uma má ideia?

  

Paulo Roberto de Almeida, Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Publicado na revista Crusoé (9/06/2023; link: https://oantagonista.uol.com.br/mundo/crusoe-por-que-a-tal-de-nova-ordem-mundial-e-uma-ma-ideia-2/). 

 

Qualquer sugestão, proposta, imposição ou surgimento de uma nova ordem política e econômica, a mais forte razão, uma ordem que seja global, implica, necessariamente, a ruptura com a ordem pré-existente, em curso ou vigência num determinado período ou região. Normalmente, quaisquer ordens existentes são naturalmente transformadas ao cabo ou progressivamente a partir de mudanças estruturais nos sistemas econômicos e regimes políticos sobre os quais se sustentavam durante certo tempo. Mudanças “transformacionais” sempre ocorreram ao longo de toda a história humana, mesmo naqueles impérios mais solidamente estabelecidos ao longo de séculos. As rupturas são mais raras, sobrevindo como resultados de grandes catástrofes, guerras civis ou de agressão por um império mais forte.

 

Quais foram as grandes rupturas da ordem mundial na história?

Estados-nacionais constituem um tipo de organização estatal relativamente recente na história da humanidade. Anteriormente, povos, etnias, religiões, reinos e comunidades de diversas origens e formação viviam, sobreviviam ou se transformavam em ritmos e interações relativamente erráticas, mais frequentemente sob o domínio de impérios, que sempre foram mais resilientes do que pequenas unidades políticas. O conceito de Estado nacional deriva dos acordos de Westfália, em 1648, que passaram a reconhecer certos direitos e soberanias dos poucos Estados que deles participaram no século XVII. Eles são quase contemporâneos da expansão e consolidação de um dos mais longevos impérios desde a era moderna: o império otomano, que quase conquistava Viena por essa época e que durou cerca de 600 anos até ser dissolvido ao final da Grande Guerra de 1914-18. Antes disso, os impérios com maior destaque na história do mundo foram o romano (seis séculos desde 300 a.C.) e o chinês, que se arrastou por 26 dinastias desde 2 mil anos a.C. até o início do século XX. 

Cada um dos impérios relativamente organizados e resilientes nasceram, perduraram e desapareceram em meio a grandes rupturas da ordem que eles tinham conseguido estabelecer nos seus períodos respectivos de dominação bem-sucedida. O próprio Império Celeste foi por duas vezes transformado por invasões de povos estrangeiros: os mongóis, no século XII, que formaram o maior império do mundo nos 300 anos seguintes, e os manchus, que substituíram a dinastia Ming no século XVII. O grande Império Mughal, da Índia, foi conquistado pela Companhia Britânica das Índias Orientais, antes de ser cedido/vendido, ao Império britânico, o maior império da era contemporânea até seu desmembramento no pós-Segunda Guerra. As rupturas mais evidentes numa história mais regional do que global são relativamente poucas.

Na sequência da dissolução do Império romano do Ocidente – o do Oriente durou mil anos mais, como relatou Edward Gibbon –, os territórios atuais da Europa ocidental e central se fragmentaram em contínuas guerras, aparentemente unificadas pela fé cristã e por uma aparência de Sacro Império Romano-Germânico e pela dominação tanto espiritual quanto temporal da Santa Sé. A primeira ruptura da ordem política nas comunidades cristãs se deu a partir do revisionismo protestante, contra o império católico comandado a partir de Roma, por papas nem sempre muito cristãos. As guerras de religião que se disseminaram a partir do desafio de Lutero (e de outros exegetas da fé cristã) foram responsáveis por imensas destruições no coração da Europa até que o respeito à soberania respectiva de cada Estado cristão foi consagrado pelos tratados de Westfália. 

O Sacro Império Romano-Germânico sobreviveu precariamente durante quase dois séculos, até ser declarado extinto por Napoleão, cujas invasões (Itália, Prússia, países ibérios, até a Rússia) alteraram completamente o mapa da Europa e até do mundo (independências das colônias ibero-americanas). Uma nova ordem, quase global, foi então estabelecida formalmente em Viena, em 1815, no seguimento das guerras napoleônicas, num contexto de domínio generalizado das novas potências europeias sobre grande parte do mundo. Essa ordem, apenas ligeiramente perturbada pela primeira guerra da Crimeia (1853-55), persistiu por quase um século, até ser desmantelada completamente na Grande Guerra de 1914-18, quando pela primeira vez se tentou estabelecer um sistema multilateral, a Liga das Nações, para garantir a paz e a segurança internacionais. A experiência não foi das bem-sucedidas, pois que três tentativas de restabelecer o equilíbrio de potências e a cooperação econômica sob o signo do padrão ouro fracassaram completamente em seus objetivos: a conferência monetária de Gênova (1922), a comercial de Genebra (1927) e a econômico-financeira de Londres (1934). A partir daí, o mundo entrou num vórtice de guerras locais até o precipício.

O fracasso se deu basicamente em função das potências revisionistas do entre guerras, todas elas de tendências autoritárias e expansionistas: depois do desafio bolchevique à ordem capitalista, a tentativa mussolinista de reconstruir a grandeza do antigo império romano, o ímpeto revanchista da Alemanha hitlerista, desejosa de se vingar das humilhações infringidas pelo Tratado de Versalhes (1919) e o desejo dos militaristas fascistas do Japão de estabelecer o seu próprio domínio na Ásia Pacífico e na China, em substituição ao imperialismo das potências ocidentais, todos esses processos precipitaram a maior catástrofe bélica e humana jamais vista na história. Ela deu lugar a uma nova ordem mundial, forjada em Bretton Woods, formalizada em San Francisco e que se manteve num contexto de bipolaridade geopolítica e nuclear até 1991. Essa ordem durou algumas décadas, mas já tem desafios.

 

O que são potências revisionistas? Qual a experiência histórica com elas?

Potências revisionistas costumam ser impérios ascendentes, ou Estados nacionais fortes o bastante para elevar a sua voz no plano externo, e que, descontentes com a estrutura de poder que encontraram em seu processo de ascensão, decidem contestar a ordem existente. Em quase todas as ocasiões, o resultado de ambições não acomodadas numa acomodação e num confronto interimperial, o resultado foi o deslanchar de conflitos bélicos que podem chegar a um equilíbrio de forças total ou parcialmente novo. Assim ocorreu no contexto das guerras napoleônicas, do início do século XIX, assim como no fracasso do equilíbrio de potências europeias um século depois, que redundou na primeira tentativa de estabelecimento de um sistema multilateral para administrar, ainda que de forma oligárquica, paz e segurança internacional. A Liga das Nações era uma promessa de gestão de conflitos que jamais chegou a ser eficaz para os objetivos a que se propunha: não conseguiu responder a contento nem na invasão da Manchúria pelo Japão em 1931, nem na da Abissínia (o único Estado africano membro da Liga) massacrada pela Itália em 1937, nem nas crises sucessivas criadas por Hitler desde sua ascensão ao poder, inclusive no apoio bélico ao general Franco na guerra civil que destruiu a República espanhola entre 1936 e 1939.

Não foi possível, a despeito de todas as concessões, contentar todas as potências ascendentes, possuindo novas aspirações de um lugar ao sol, no quadro da dominação de poucos imperialismos europeus sobre a maior parte das periferias fornecedoras de matérias primas. O resultado traduziu-se na espiral agônica dos fascismos expansionistas que engolfou quase todo o mundo entre 1937 (invasão do resto da China pelo Japão) e entre 1939-1945, até sua derrota completa na maior conflagração bélica da história, com destruição generalizada na Europa e na Ásia e consequências para o resto do mundo. 

Não obstante oito décadas de paz relativa – não esquecendo as guerras por procuração no intervalo –, o mundo parece aproximar-se de um novo período de tensões causada por potências revisionistas: a Rússia, desejosa de se vingar das humilhações sofridas depois do desmantelamento do império soviético, em 1991, a China, descobrindo que o império americano deseja conter sua ascensão, e disposta a nunca mais sofrer as humilhações impostas pelas potências ocidentais e pelo Japão desde o declínio do Celeste Império, na dinastia Qing. Estaríamos chegando perto de uma nova ruptura da ordem mundial? 

 

O Brasil precisa de uma nova ordem global? Tem algo a ganhar com isso?

O Brasil foi um dos países “periféricos” e “subdesenvolvidos” que mais se beneficiou com a nova ordem surgida nos estertores da Segunda Guerra, em Bretton Woods, para sua estrutura econômica, San Francisco para seu sistema (precário) de preservação da paz e da segurança internacionais, além de mecanismos próprios para a cooperação entre Estados. Mesmo sem ser um grande comerciante global, soube aproveitar as possibilidades de explorar suas vantagens comparativas para se tornar, atualmente, um dos grandes celeiros globais. Também acolheu enormes volumes de investimentos diretos estrangeiros para dinamizar sua pobre indústria do início do século XX. E também completou a “substituição de importações” no campo científico ao importar muitos cérebros para suas universidades e mandar milhares de estudantes graduados completarem especializações no exterior. 

Que razões teria para o projeto de substituir a ordem que garantiu razoavelmente sua gradual ascensão a uma das mais importantes economias do mundo por uma outra ordem global que resultasse de um novo conflito geopolítico de resultados imprevisíveis? Algum interesse maior de natureza tão fundamental que não permitisse acomodar suas aspirações nos quadros existentes da ordem de Bretton Woods e da ONU? Estruturas orgânicas à parte, essa nova ordem, tal como vem sendo proposta por duas grandes autocracias não ocidentais, teria condições de preservar seus outros vetores no terreno dos valores e princípios que fundamentam sua adesão a um regime democrático, a um Estado de Direito garantidor das liberdades e de adequada defesa dos direitos humanos, numa sociedade aberta às diferenças e ao respeito das individualidades? Trata-se de uma aposta arriscada, que não deveria ser sequer considerada por um governo representativo de nossas aspirações democráticas.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4374: 26 abril 2023, 4 p.

Publicado na revista Crusoé, 9/06/2023, link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/267/por-que-a-tal-de-nova-ordem-mundial-e-uma-ma-ideia/?utm_source=crs-site&utm_medium=crs-login&utm_campaign=redir

 


sábado, 22 de abril de 2023

A reunificação da Alemanha e a construção de Brasília - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

 Brasília acaba de completar 63 anos; é duplamente balzaquiana, portanto; mas tem hábitos de aristocrata.


A reunificação da Alemanha e a construção de Brasília


 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Quanto custou a reunificação da Alemanha, quanto custou a construção de Brasília, e quanto custa Brasília ainda hoje?

revista Crusoé: link: https://crusoe.uol.com.br/diario/a-reunificacao-da-alemanha-e-a-construcao-de-brasilia/  


 

O muro de Berlim veio abaixo em novembro de 1989. Menos de um ano depois, antes mesmo que a República Democrática Alemã – a parte da Alemanha ocupada pelo Exército soviético ao cabo da Segunda Guerra Mundial – cessasse de existir, uma reunificação econômica improvisada começou a ser implementada pela emigração maciça de jovens em idade de trabalhar para a parte ocidental; ela foi seguida, em 1991, de um projeto formal de reunificação completa das duas Alemanhas, conforme acordo entre as potências ocupantes.

Essa primeira reunificação revelou-se extremamente custosa e mesmo caótica, dada a falência quase completa da indústria na parte oriental. A princípio, o chanceler Helmut Kohl esperava poder cobrir os custos do processo por meio de empréstimos internos, sem novos impostos. Tal medida revelou-se irrealista e o Bundesbank teve de elevar os juros para atrair capitais, o que redundou na grande crise monetária europeia de 1992, com várias moedas (entre elas a libra britânica, a lira italiana e a peseta espanhola) tendo de sair do sistema monetário europeu (tendo ao seu centro o Deutsche mark, bem antes que fosse criado o esquema do euro), com desvalorizações maciças e aumento da inflação. Finalmente, o governo da República Federal teve de introduzir um adicional de imposto de renda de solidariedade, para financiar os custos do processo, o que se estendeu por mais de duas décadas. No total, a unificação alemã pode ter tido um custo, durante vários anos, de mais ou menos 1,5% anual do PIB alemão, o maior da comunidade europeia e o quarto do mundo.

1,5% do PIB durante quatro anos (ou mais): esse pode ter sido o valor anual da construção de Brasília, de 1957 a 1960, com as diferenças relevantes, em relação ao processo de reunificação alemã, de que se partia de um PIB bem menor e de que os custos da construção foram feitos sem orçamento, à margem do orçamento e contra o orçamento, durante todos esses anos. Os materiais trazidos de caminhão, por vezes até de avião, os operários e a construção em si eram pagos em notas promissórias do Banco do Brasil, cujo presidente ia reclamar ao presidente, e este ao ministro da Fazenda, os recursos necessários para cobrir tais notas. O imposto adicional pago pela população brasileira não foi exatamente de solidariedade, mas sob a forma de inflação: ela saiu de um patamar anual de 10 a 15%, no início dos anos 1950, para mais de 30 ou 40 % ao final; na década, ela alcançou um índice acumulado de 460%, continuando a elevar-se nos anos seguintes, a despeito dos esforços de estabilização do governo Jânio Quadros. Quando os militares, atendendo aos reclamos da classe média e de políticos ambiciosos, decidiram dar um golpe de Estado contra João Goulart, a inflação já rodava na casa de 90% ao ano, sem que existisse, cabe relembrar, qualquer mecanismo de correção monetária. A poupança da classe média na Caixa Econômica Federal simplesmente se volatilizou, e esse pode ter sido o fator decisivo na montagem do golpe, mais do que qualquer ameaça de comunismo, de resto um fantasma.

Já nos primeiros dois anos da construção de Brasília, os custos se revelaram muito superiores à capacidade do governo JK de honrar seus compromissos com o grandioso Plano de Metas, ademais de várias outras obrigações externas. Conversações com o FMI, de molde a apoiar uma possível postergação de pagamentos aos credores externos, não avançaram, devido às resistências do próprio presidente em atender às demandas de seu ministro da Fazenda, Lucas Lopes, no sentido de implementar os necessários ajustes orçamentários requeridos para permitir a continuidade da construção. JK decidiu romper as negociações com o FMI, o que motivou a demissão de Lucas Lopes e também a do diplomata Roberto Campos, então presidente do BNDE, e um dos principais responsáveis pela formulação do Plano de Metas durante a campanha presidencial de 1955.

Data dessa conjuntura o famoso mote “FMI = Fome e Miséria Internacional”, saudado por toda a esquerda, inclusive pelo grande intelectual que era Otto Maria Carpeaux. A construção prosseguiu, sem orçamento, à margem do orçamento, contra o orçamento, e, na mesma toada, acelerou-se o processo inflacionário. Na sequência dos desastres econômicos acarretados pela construção da “capital da esperança” – como a chamou o intelectual francês André Maurois –, Brasília já foi inaugurada numa situação de pré-crise nacional, sendo que o populista Jânio Quadros, um arrivista sem quaisquer conexões partidárias consistentes, foi eleito com a maior votação proporcional até então registrada na história das eleições presidenciais. Seu símbolo maior, na campanha, era uma vassourinha, expressamente comprometida com sua promessa de varrer a corrupção do Brasil. 

Roberto Campos, nessa época, já dizia que Brasília era a “capital da inflação e da corrupção”. De fato, como visto, na década de 1960, a taxa de inflação passou de 30% em 1960 para mais de 90% em 1964. O primeiro governo do regime militar, dominado, na área econômica por Otávio Gouvêa de Bulhões na Fazenda e Roberto Campos no Planejamento, colocou em vigor políticas graduais de controles de preços, de cortes no orçamento e de redução dos salários, permitindo uma diminuição progressiva dos índices inflacionários para 35-40% em 1965-66, cerca de 25% em 1967-68 e de “apenas” 19% anuais no fim da década. O Brasil estava pronto para ingressar naquilo que foi chamado de “milagre brasileiro”, taxas exponenciais de crescimento, com asiáticos passando a visitar o país para aprender a fórmula mágica do crescimento rápido. Menos de meio século depois, a situação se inverteria completamente e o Brasil jamais  conseguiu exibir os mesmos padrões fiscais e monetários dos países da franja da Ásia-Pacífico, ainda que estes também tenham praticado as políticas nacionalistas e desenvolvimentistas, mas com uma diferença fundamental: a abertura ao comércio internacional e a inserção na economia mundial. 

Desde os anos 1960, Brasília não representou apenas incentivos inflacionistas latentes – dada a voracidade do ogro famélico representado por um Estado onipresente, com seus milhares de mandarins cúpidos –, mas também uma mudança na geografia dos lobbies corruptores, ainda mais ativos em Brasília dado o perfil relativamente rarefeito da sociedade civil e as novas possibilidades oferecidas por uma concentração tecnocrática. O Brasil é uma anomalia no conjunto de países em desenvolvimento no que concerne a carga fiscal, que deveria ser 10 pontos menor, para um patamar equivalente de renda per capita. O peso dos tributos representa mais de um terço do PIB, quase o equivalente à média da OCDE, para uma renda per capita cinco ou seis vezes menor. Brasília ostenta uma renda per capita que é mais do que o dobro da média brasileira, inclusive maior do que a de São Paulo, para uma atividade “econômica” basicamente concentrada na burocracia pública e no inacreditável poder de “sucção” parlamentar, extraordinariamente ampliado na fase recente.

Voltando à comparação inicial com a Alemanha, vejamos qual a dotação típica de um membro do Bundestag alemão, que precisa cobrir suas despesas, tanto quando as de seus assessores parlamentares: cerca de 4.560 euros por mês, ou seja, algo como R$ 25.500. Deixo à curiosidade dos leitores a tarefa de descobrir os vencimentos dos nossos parlamentares, acrescidas de todos os penduricalhos associados (transportes, comunicações, habitação, escritórios e assessores nos estados de origem e uma série de outras mordomias). Brasília precisaria, como a Alemanha oriental, ser “reunificada” ao resto do Brasil, mas à condição de sê-lo dentro de padrões normais de um Estado democrático republicano, não para continuar a gozar de seus hábitos aristocráticos.

Brasília acaba de completar 63 anos de vida, ou seja, é duas vezes balzaquiana (a famosa novela sobre a mulher de 30 anos). Se Honoré de Balzac fosse vivo, no Brasil atual, e conhecesse a “população” variada que circula no Congresso entre as terças e quintas, ele certamente teria material suficiente para escrever duas novas séries da Comédia Humana.

 

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 4358: 21 abril 2023, 3 p.


domingo, 9 de abril de 2023

O retorno da diplomacia presidencial nos cem dias de Lula, entrevista ao jornalista Duda Teixeira (Crusoé)

4538. “O retorno da diplomacia presidencial nos cem dias de Lula”, entrevista com o jornalista Duda Teixeira da revista Crusoé (emissão em 9/04/2023, 14:29; link: https://crusoe.uol.com.br/diario/o-retorno-da-diplomacia-presidencial-nos-100-dias-de-lula/). Relação de Publicados n. 1503.



Minhas reservas quanto à diplomacia presidencial estão expostas nesse meu livro de 2014, Nunca antes na diplomacia, ao considerar que chefes de governo e de Estado são a última linha de tomada de decisão, e não deveriam eles mesmos, tomar a iniciativa de gestos ousados sem que os órgãos técnicos e jurídicos tenham feito um exame aprofundado de todos os impactos para o país, e sem uma recomendável consulta ao parlamento para aquelas decisões mais relevantes.


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

A mesma coisa, tudo de novo (a diplomacia de Lula 3) - Paulo Roberto de Almeida (revista Crusoé)

 O mais recente artigo publicado (não precisavam colocar uma foto ridícula):


1493. “A mesma coisa, tudo de novo” 
(título original: Diplomacia de Lula 3: la nave va..., mas para onde?”), 
Revista Crusoé, 17/02/2023; link:
Relação de Originais n. 4320.

Trechos do artigo:
    (...)

Nem tudo foi perdido, ao que parece: em 2009, a China já tinha suplantado os Estados Unidos ao assumir o primeiro lugar no comércio exterior do Brasil, e atualmente, ela sozinha faz o dobro dos intercâmbios mantidos com os dois parceiros seguintes, os Estados Unidos e a União Europeia, justamente, sendo que a Ásia Pacífico, em nossos dias, ocupa lugar preeminente no comércio internacional do Brasil. Mas também é um fato que foi o agronegócio sozinho que alcançou esses resultados, pois que não existem acordos de livre comércio, do Brasil ou do Mercosul, com aqueles países, e é também verdade que todas as vendas estão baseadas essencialmente em commodities, cujos preços e volumes exportados não dependem em nada do governo, qualquer governo, pois que todos os movimentos dependem totalmente da dinâmica dos mercados, das ambições ricardianas dos empresários do agronegócio e das tradings, não do ativismo da diplomacia ou das iniciativas de tecnocratas governamentais.

E quanto ao reforço do Mercosul, da integração sul-americana e da união da América Latina? O bloco e toda a região nunca estiveram tão fragmentados e desunidos quanto hoje, e vários países buscaram suas próprias soluções, alguns a caminho da Ásia Pacífico, justamente, outros ingressando na OCDE, esse “clube de países ricos”, como ainda agora os petistas se referem depreciativamente a esse excelente foro de consulta e de coordenação das melhores práticas em políticas econômicas, macro e setoriais, baseado em Paris, e que, nos últimos vinte anos, passou de duas dúzias de membros a quase o dobro desse total. O próprio Brasil, mas não os petistas da “ativa e altiva”, buscou integrar-se ao foro, objetivo que parece permanecer em banho-maria atualmente, como aliás foi o caso durante os 13 anos e meio dos mandatos lulopetistas no comando do país. 

E no que se refere ao grande objetivo de uma associação comercial entre o Mercosul e a União Europeia, que já era o objetivo fixado em meados dos anos 1990, quando também havia o projeto americano de uma Área de Livre Comércio das Américas, tal como proposto pelo presidente Bill Clinton na cúpula de Miami, em dezembro de 1994? Está certo que na primeira gestão de Celso Amorim, como chanceler, no governo Itamar Franco, o Brasil já propunha uma Alcsa, também uma área de livre comércio, mas que seria exclusivamente sul-americana, objetivo que parece ter sido desprezado por todos os parceiros da região. Recorde-se, também, que a associação do Mercosul à UE permaneceu vinte anos no banho-maria, justamente, depois que os três grandes concorrentes na liderança sul-americana – Hugo Chávez da Venezuela, Nestor Kirchner da Argentina, e o próprio Lula – se encarregaram de implodir a Alca na cúpula de Mar del Plata, em 2005, como orgulhosamente o reconheceram tanto Lula quanto Amorim. Foi só depois, sob a administração “neoliberal” de Michel Temer que o projeto de ingresso na OCDE e as negociações com a UE foram ultimados, a ponto de o famoso acordo inter-regional ter sido assinado nos primeiros seis meses do governo dito ultraliberal de Bolsonaro, projetos não bem acolhidos pelos petistas de volta ao poder (pois que não sabem se, um e outro, colocarão em risco a outrora poderosa indústria brasileira). 

(...)

(Publicarei a íntegra em 3 semanas...)