Maduro ameaça tomar um pedaço da Guiana e Brasil fica em silêncio
Duda Teixeira
Revista Crusoé, 6/11/2023
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O ditador venezuelano Nicolás Maduro anunciou na quinta, 2 de novembro, que fará um referendo no dia 3 de dezembro para saber se a sua população defende a anexação da região de Essequibo, que representa dois terços do território da Guiana.
Se levar adiante sua vontade, a Venezuela estará infringindo a Carta da ONU, que pede o respeito à soberania das nações. Mas, quatro dias após o anúncio, a ameaça de Maduro de tomar uma parte do país vizinho não foi motivo de nenhuma manifestação do Itamaraty ou do governo Lula. Na semana passada, o regime venezuelano divulgou uma lista de cinco perguntas que gostaria de fazer à população. Duas são particularmente preocupantes. “Você está de acordo com a posição histórica de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça para resolver a controvérsia territorial sobre a Guiana?” é uma delas.
A Corte Internacional de Justiça, CIJ, é o principal tribunal da ONU. Criada pela Carta da ONU, em 1945, essa corte julga países (o Tribunal Penal Internacional, que também fica em Haia, julga indivíduos e não faz parte da estrutura da organização). Todos os membros da ONU integram a CIJ, incluindo o Brasil, a Venezuela e a Guiana.
Causa estranheza, portanto, que se pergunte ao povo venezuelano se as pessoas acham que a CIJ deve ou não ser levada a sério, sendo que o país é signatário do acordo que criou esse tribunal. A outra pergunta que Maduro pretende incluir no seu referendo de dezembro é ainda mais absurda. “Você está de acordo com a criação do estado da Guiana Essequiba e que se desenvolva um plano acelerado para a atenção integral à população atual e futura desse território que inclua entre outros a entrega de cidadania e RG venezuelanos, conforme o Acordo de Genebra e do direito internacional, incorporando como consequência esse estado ao mapa do território venezuelano?“, é a quinta questão.
Acontece que a população guianesa de Essequibo não quer fazer parte do estado falido da Venezuela. Se o que vale é a autodeterminação dos povos, um conceito caro ao governo Lula, o que Maduro está propondo é um acinte. Não é a população venezuelana que deve decidir o futuro da Guiana, em um referendo fraudulento, e sim os próprios guianeses. Surpreendentemente, o governo Lula e o Itamaraty não deram um pio sobre a questão. Até agora, não se ouviu uma frase sobre a defesa da demarcação das fronteiras (as quais também incluem as fronteiras brasileiras). Não se falou em autodeterminação dos povos, nem de paz, nem da soberania dos países da América do Sul. “Isso é algo que pode afetar a segurança regional.
O Brasil, que faz fronteira com esses dois países, deveria ao menos condenar a intenção de Maduro e promover a tolerância e a paz“, diz o embaixador venezuelano Víctor Rodríguez Cedeño, que trabalhou na diplomacia até 2002 e representou seu país na ONU. “É claro que há uma afinidade política entre Lula e Maduro, mas se o brasileiro quer ter uma liderança regional, então deveria ao menos propor uma mediação. Esse referendo é perigoso e Lula deveria se pronunciar“, diz Cedeño. Lula, contudo, não condenou a invasão russa da Ucrânia e disse que o presidente Volodymyr Zelensky quis o conflito.
Na guerra entre Israel e Hamas, Lula foi incapaz de criticar o terrorismo do Hamas e tentou fazer equivalências entre o grupo e o estado de Israel. Esse breve histórico mostra por que não se deve ter grandes expectativas de que o Brasil tenha uma postura sensata em uma possível guerra entre Venezuela e a Guiana.