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sábado, 20 de novembro de 2021

As quatro fases da destruição das ferrovias no Brasil - Camilla Veras Mota (BBC Brasil) e Paulo Roberto de Almeida

 O Brasil tem várias pequenas-grandes tragédias em seu processo de desenvolvimento econômico-social, ao longo de séculos, estendendo-se até a atualidade. A primeira, permanente e ainda atual, foi e é o “modo escravocrata de produção”, mantido durante todo o período colonial e imperial, consubstanciado na recusa sistemática por parte das elites dominantes e dirigentes de cessar o tráfico e de abolir o regime de trabalho escravo. Ele persiste até hoje nas mentalidades e comportamentos escravocratas, um legado terrível em nossa história.

A segunda tragédia, parcialmente revertida atualmente, mas causando outras deformações, foi a ausência de energias adequadas para sustentar nossa incorporação a métodos mais eficientes de impulsionar os motores das grandes revoluções industriais em cada conjuntura histórica de transformação das bases produtivas da sociedade: a falta de carvão mineral durante a primeira revolução industrial (parcialmente substituída pela madeira e pelo carvão vegetal durante largo tempo, talvez até hoje); a falta de petróleo por ocasião da segunda revolução industrial, o que só veio a ocorrer tardiamente, agravada pelo monopólio estatal de todo o ciclo do combustível fóssil (e outras deformações dessa commodity, entre elas a maldição do petróleo e a corrupção de agentes públicos).

A terceira (mas existem outras) foi a decisão inteiramente política e nacional de estrangular o transporte ferroviário (e multimodal, incorporando hidrovias) e de privilegiar o transporte rodoviário, o que matou inclusive a navegação de cabotagem e a fluvial. 

As tragédias especificamente políticas e sociais são muito maiores, mas estas são enormes no plano puramente laboral e material. Erros estruturais de nossa história econômica e social, dos quais ainda não nos redimimos, sobretudo o modo escravocrata de produção e a deformação das redes de transporte. 

Vai demorar mais um pouco, pois esses erros impregnaram as políticas públicas e sobretudo as mentalidades.

Como eu sempre digo, nosso atraso material é visivel, mas contornável, mas o nosso atraso mental, produzido por elites ignorantes e medíocres é persistente, invisível e indetectável, mais difícil de superar.

Paulo Roberto de Almeida

As quatro fases da destruição das ferrovias no Brasil

História de um declínio planejado. Predominante até a década de 1950, rede de estradas de ferro foi golpeada pela emergência do automóvel. Poderia integrar o país. Hoje, subutilizada, serve apenas ao agronegócio e à mineração

Por Camilla Veras Mota, na BBC Brasil

Lançada em 1975, a canção Ponta de Areia, composta por Milton Nascimento e Fernando Brant, é um lamento do fim da Estrada de Ferro Bahia Minas, que ligava os 582 km entre Araçuaí (MG) e o distrito de Ponta de Areia (BA).

Em 15 anos, o Brasil tinha perdido 8 mil km de ferrovias, que se estendiam naquele momento por cerca de 30 mil km do território nacional.

Desde então, o tamanho da malha ferroviária patina no mesmo patamar. Atualmente, de acordo com o os dados do Anuário Estatístico de Transportes, tem 29,8 mil km.

A BBC News Brasil perguntou a especialistas em história e engenharia ferroviária o porquê – sintetizado, a seguir, em quatro momentos.

Trecho da São Paulo Railway Company na Serra do Mar: desde o início, ferrovias operaram sob regime de concessão

A crise do café

O café é elemento central nos primeiros capítulos da história das ferrovias no Brasil – tanto na ascensão quanto na decadência, como explica Eduardo Romero de Oliveira, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

É a razão para a construção das primeiras estradas de ferro no século 19: a primeira delas, a Estrada de Ferro Mauá, que começou a operar em 1854, levava em suas locomotivas a vapor a commodity do Vale do Paraíba ao porto de Magé, na baixada fluminense, que, de lá, seguia de barco até a cidade do Rio. Nessa época, o café representava quase 50% das exportações brasileiras.

A malha ferroviária foi aumentando com a expansão da atividade cafeeira e passou a deslocar também passageiros, que até então só conseguiam viajar longas distâncias com transportes movidos por tração animal, como as charretes puxadas por cavalos.

“Durante muito tempo, as ferrovias foram praticamente a única via de transporte de cargas e pessoas no país”, destaca Oliveira, um dos pesquisadores do projeto Memória Ferroviária.

E foi nesse contexto que a malha chegou a quase 30 mil km de extensão na década de 1920, quando veio o baque da crise de 29. O crash da bolsa nos Estados Unidos, na época o maior comprador de café brasileiro, e a grande depressão que se seguiu tiveram impacto direto sobre o Brasil.

Em um curto espaço de tempo, as exportações da mercadoria despencaram, assim como os preços. As ferrovias, que eram administradas pelo setor privado sob regime de concessão, passaram a transportar cada vez menos carga e viram sua rentabilidade despencar.

Tem início, nesse momento, um período lento de decadência que culminaria na estatização das estradas de ferro mais de duas décadas depois.

Antigo Largo do Rosário, em São Paulo: antes dos trens, transporte era feito por tração animal

JK e o nascimento da indústria automobilística

Antes, contudo, outros dois fatores importantes entram em cena: o crescimento das cidades e a popularização do automóvel.

O país vive uma grande transformação depois de 1940. Até então baseada quase exclusivamente na agricultura, a economia brasileira se volta cada vez mais para a indústria. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Vale do Rio Doce, então empresas estatais, são fundadas nessa época, em 1940 e 1942, respectivamente, no último período do governo de Getúlio Vargas, a ditadura do Estado Novo.

Essa mudança na matriz de crescimento, por sua vez, catalisa um processo de migração das populações de áreas rurais para as cidades. As capitais ganham uma nova escala, vão inchando, um processo que tem como efeito colateral a diminuição da demanda por trens de passageiros em alguns trechos menores, entre cidades próximas.

“As fábricas estão nas cidades”, pontua Oliveira.

A política de industrialização continua com o presidente Juscelino Kubitschek, que assume em 1956 e elege a indústria automobilística como catalisador de seu plano de desenvolvimento.

O Plano de Metas de JK, que ganhou o slogan “50 anos em 5”, é frequentemente apontado como o início do chamado “rodoviarismo” no Brasil. Um movimento cheio de nuanças e explicado por uma combinação de fatores, diz o professor de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ Hostílio Xavier Ratton Neto.

Um deles é a própria natureza da indústria automotiva, que tem uma cadeia de produção longa, com efeito multiplicador na economia, e emprega uma mão de obra qualificada que até então não existia no país.

“É nessa época que se cria a classe do operário especializado, com maior poder aquisitivo”, afirma.

Em paralelo, a construção das rodovias era menos custosa que as estradas de ferro e o petróleo usado para produzir combustível ainda era muito barato.

No pano de fundo, a Guerra Fria estreitava as relações entre Brasil e Estados Unidos. Na tentativa de barrar a expansão da influência da União Soviética no continente, os americanos firmaram acordos de cooperação técnica e de financiamento para investimentos com diversos países da América Latina.

Assim, ainda em 1956 foi criado o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), sob o comando do Capitão de Mar e Guerra Lúcio Meira.

O Brasil, que até então só montava veículos, passaria a fabricar carros, caminhões e jipes, tendo como principal polo a região do ABC paulista. São desse período dois modelos que fizeram história no país: o Fusca e a Kombi, ambos da linha de montagem da Volkswagen em São Bernardo do Campo.

Com a produção de veículos nacionais, multiplicaram-se os quilômetros de rodovias. Só nos cinco anos de gestão JK, a malha rodoviária federal pavimentada foi multiplicada por três, de 2,9 mil km para 9,5 mil km.

As ferrovias, por sua vez, entravam os anos 1950 sucateadas.

Além da redução da demanda de carga e passageiros, um outro fator contribuiu para o “estado bastante acentuado de degradação física das estradas de ferro”: “Muitas concessões já estavam no final, próximo da devolução, e não havia cláusula nos contratos que obrigassem as concessionárias a fazer investimentos ou devolver as ferrovias no estado em que as pegaram”, diz Ratton Neto, que tem larga experiência no planejamento, construção, operação e gestão de sistemas de transporte metroviário e ferroviário.

É nesse contexto que, em 1957, surge a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), estatal que passou a administrar as ferrovias que até então estavam nas mãos de diferentes empresas privadas.

Inicialmente, diz o historiador Welber Luiz dos Santos, do Núcleo de Estudos Oeste de Minas da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária, a intenção não era “destruir” as ferrovias.

“Os primeiros relatórios da empresa demonstram que o projeto era de modernização e unificação administrativa para facilitar a integração entre os diferentes meios de transporte”, afirma o pesquisador.

“Os investimentos rodoviários do Plano de Metas de JK não eram uma ameaça ao sistema ferroviário”, avalia.


A extinção das linhas de passageiros

Os projetos de recuperação e melhoria, contudo, incluíam a desativação de uma série de linhas e “ramais” (jargão do setor para os trechos secundários) considerados deficitários.

A lógica, diz o historiador Eduardo Romero de Oliveira, é que o mundo de meados do século 20 era completamente diferente daquele que, muitas décadas antes, havia norteado a construção de parte das ferrovias.

“Houve uma mudança no negócio”, diz o professor da Unesp. “As estradas de ferro da música do Milton Nascimento eram de outra época, para pensar o transporte de café, de açúcar, em um período em que nem a legislação trabalhista existia.”

O químico Ralph Mennucci Giesbrecht, um “fanático por ferrovias” que há mais de duas décadas pesquisa sobre elas, especialmente sobre as estações, coleciona diversas histórias desse período turbulento.

“Nos anos 60 e 70 sumiram praticamente todas as ferrovias menores, aquelas consideradas deficitárias”, diz ele, autor do livro O Desmanche das Ferrovias Paulistas.

Os conflitos aparecem em histórias como a da desativação do trecho entre as cidades paulistas de São Pedro e Piracicaba, concluída em 1966. O prefeito de São Pedro na época chegou a enviar um telegrama incisivo ao governador, Laudo Natel, questionando o critério da baixa rentabilidade usado para justificar a extinção do ramal.

“Déficit, se não levarmos em conta o bem coletivo, também dá a polícia, dão as escolas e todas as repartições mantidas pelo Estado. O déficit do ramal é muito relativo, pois, não levando em conta o movimento das estações de Barão de Rezende, Costa Pinto, Recreio e Paraisolândia, a estação de São Pedro despachou este ano mais de 40.000 toneladas de cana. Finalizando, aqui deixo minha desilusão por tudo e por todos”, dizia a mensagem, conforme reportagem do jornal O Estado de S.Paulo de 30 de outubro de 1966 encontrada por Giesbrecht.

Aos poucos, as linhas de passageiros foram desaparecendo, permanecendo, em alguns casos, aquelas que cruzavam as regiões metropolitanas das grandes cidades, usadas até hoje.

Com o avanço da indústria automobilística e a entrada do avião em cena, as ferrovias entraram em crise, em maior ou menor medida, em todo o ocidente. Nos países em que foram mantidas para transporte de passageiros, o serviço, na maioria dos casos, passou às mãos do Estado.

É o caso, por exemplo, dos Estados Unidos. A estatal Amtrak foi fundada em 1971 e faz até hoje a gestão das linhas de passageiros no país. Também são estatais a alemã Deutsche Bahn, a espanhola Renfe e a francesa Société Nationale des Chemins de fer Français (SNCF).

A estagnação e o corredor de commodities

Do lado do transporte ferroviário de carga, parte dos investimentos vislumbrados no período JK não saíram do papel, diz o historiador Welber Santos.

Em sua visão, a ditadura militar mudou o foco da política de transportes, que passou a ser mais voltada para as rodovias, com a aposta em grandes obras de engenharia, como a ponte Rio-Niterói, e alguns investimentos questionáveis, como a Transamazônica, que nunca foi concluída.

A Ferrovia do Aço, ele diz, um dos projetos ferroviários que chegou a sair do papel nesse período, começou a ser construída em 1973 com a promessa de ser entregue em mil dias, mas só foi inaugurada em 1992, e com um porte muito mais modesto do que o projeto inicial.

Para Ratton Neto, da Coppe/UFRJ, um dos principais obstáculos à realização dos investimentos necessários à malha ferroviária do país naquela época foi a crise do petróleo de 1973 e o período turbulento que se seguiu.

“Depois daquele choque na economia mundial, o Brasil, que até então tinha acesso fácil a crédito, passou a ser visto como país de alto risco. A partir daí, teve início uma crise que impediu que os planos nacionais de desenvolvimento pudessem ter sequência. Deixamos de planejar para apagar incêndio praticamente até os anos 90”, diz ele.

Nos anos 1990, em um contexto de baixo crescimento econômico, inflação elevada e alto nível de endividamento público, a RFFSA é liquidada e as ferrovias são novamente concedidas à iniciativa privada, por meio do Plano Nacional de Desestatização (PND).

A partir daí, elas passam a funcionar majoritariamente como corredores de transporte de commodities para exportação, diz o professor da Coppe/UFRJ.

Hoje, quase metade da malha, 14 mil km, está nas mãos da Rumo Logística, empresa do grupo Cosan. Outros 2 mil km são administrados pela Vale. Cerca de 75% da produção de transporte ferroviário é minério de ferro. “Outros 10% ou 12% são soja”, estima Ratton Neto.

Como os contratos de concessão não preveem a realização de investimentos e melhorias, boa parte da malha segue como foi construída no segundo império, com a chamada bitola métrica, ultrapassada, bem mais estreita que a bitola internacional, hoje usada como padrão.

O modelo atual de exploração das ferrovias, na avaliação do especialista, subaproveita o potencial do país e deixa o Brasil refém das rodovias – consequentemente, mais suscetível a greves de caminhoneiros como a de 2018, que gerou caos e desabastecimento.

As estradas de ferro poderiam ser mais utilizadas para transporte de bens industriais, ele exemplifica, de bobinas de ferro e cimento a automóveis, inclusive em trechos curtos, nos moldes das “short lines” dos Estados Unidos.

“Também poderiam ser usadas para transportar contêineres, uma tendência nova e muito rentável”, acrescenta.

Um entrave para o planejamento de novas linhas, contudo, é o apagão de dados sobre a movimentação interna de cargas. O Brasil não sabe, no detalhe, o que é transportado e de onde para onde. Iniciativas como o Plano Nacional de Contagem de Tráfego ainda não geram dados robustos nesse sentido, diz o professor.

A outra é o próprio modelo de concessão, em que as concessionárias têm controle tanto sobre as vias quanto sobre os trens. Assim, essas empresas acabam tendo o monopólio do transporte ferroviário e, em última instância, decidem o que trafega ou não pelos trilhos.

“As ligações hoje atendem aos interesses dos próprios concessionários.”

Os novos projetos anunciados recentemente pelo governo, na avaliação do professor, não chegam a quebrar a lógica das ferrovias como corredor de commodities. Em setembro, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, anunciou a autorização para construção, pela iniciativa privada, de 10 novas ferrovias, com investimentos da ordem de R$ 50 bilhões.

Em paralelo, ele chama atenção também para o projeto da Ferrogrão, que deve ligar o Mato Grosso ao Pará em cerca de 933 km com a proposta de facilitar o escoamento de grãos pela região Norte do país.

Na tentativa de tirar a ferrovia do papel, o governo sinalizou que disponibilizará para a futura concessionária até R$ 2,2 bilhões em recursos da União. O dinheiro, contudo, viria da outorga que será paga pela Vale para renovar a concessão de duas das ferrovias que administra hoje, a Estrada de Ferro Carajás e a Estrada de Ferro Vitória-Minas.

“Os recursos da outorga que poderiam ser usados para geração de benefícios econômicos e sociais nesse caso acabariam captados pelo próprio setor privado.”

sábado, 3 de agosto de 2013

Retrato do Brasil (2): a ferrovia que nunca saiu do lugar - Branca Nunes

Branca Nunes
Blog de Augusto Nunes, 2/08.2013

“Incluída entre as prioridades do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a ferrovia de integração Oeste-Leste envolverá investimentos estimados em R$ 6 bilhões até 2012″, informa a voz que narra o vídeo institucional sobre a construção da ferrovia que promete ligar a cidade de Ilhéus, na Bahia, a Figueirópolis, no Tocantins. “A obra será executada em duas etapas: a primeira terá início em Ilhéus e vai até o município de Barreiras, no oeste da Bahia, num total de oito lotes. O lote 1F parte do Terminal de Ilhéus, onde ficará o terminal de descarga geral, que terá uma capacidade estimada entre 5 a 68 milhões de toneladas ao ano”.
Depois de descrever a chuva de deslumbramentos sobre a região, que inclui três pólos industriais, uma ponte de 2,9 quilômetros sobre o Rio São Francisco (a maior ponte ferroviária do Brasil) e dois terminais multimodais, o locutor avisa que a obra “vai abrir uma nova alternativa logística para os portos no nordeste brasileiro, fazendo ainda a integração com outros pólos do país”. Uma música encerra a profecia: “Na imensidão do cerrado, nas distâncias do agreste, é o progresso acelerado com a ferrovia oeste-leste”.


Afinado com o tom do vídeo, o então presidente Lula avisou, em 10 de dezembro de 2010, durante o palavrório na cerimônia de assinatura das ordens de serviço dos quatro lotes do primeiro trecho da ferrovia, que seu governo ”ensinou ao país que é possível trabalhar com dois objetivos ao mesmo tempo”: “O Brasil ora decidia se queria fazer ferrovia, ora decidia se queria fazer rodovia. Nunca se pensou que era mais interessante pro Brasil a gente tê a ferrovia, a gente tê a rodovia e a gente tê a hidrovia (sic)” (a discurseira começa aos 0:45 do vídeo abaixo).
Segundo Lula, a Oeste-Leste estaria pronta em 30 de julho de 2013.


Neste 2 de agosto, três dias depois da inauguração prometida pelo ex-presidente, a Oeste-Leste não tem sequer um metro de trilho instalado. Uma reportagem publicada pelo Valor Econômico nesta quinta-feira, revela que “nos primeiros 500 quilômetros do traçado, que ligam Barreiras a Caetité, a ferrovia praticamente não existe”. Segundo a reportagem, embora todos os lotes do primeiro trecho tenham empreiteiras contratadas desde 2010, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a paralisação das obras depois de constatar “estudos ambientais capengas e projetos de engenharia que não paravam de pé”. No trecho entre Caetité e Ilhéus, embora as empreiteiras tenham retomando os trabalho, só 21,5 % do total previsto foi concluído.
Diante do fiasco, o governo postergou a entrega do trecho Caetité-Ilhéus para dezembro de 2014 e, entre Barreiras e Caetité, para o fim de 2015. A reportagem informa, entretanto, que tanto engenheiros quanto o governo baiano não acreditam no novo cronograma. “Sabemos das dificuldades”, confessou ao Valor Eracy Lafuente, coordenador de acompanhamento de políticas de infraestrutura do governo da Bahia. “A promessa de entregar o trecho de Ilhéus até o fim de 2014 está muito apertada. Do jeito que a obra está, só sai mesmo em meados de 2015″.
Caso a previsão se concretize, Dilma Rousseff conseguirá a façanha de terminar o seu governo sem inaugurar nenhum trecho de ferrovia. E o Brasil real, ao contrário do Brasil Maravilha, continuará com uma malha rodoviária em frangalhos, sem hidrovias e sem ferrovias.



05/06/2013
 às 20:04 \ O País quer Saber

A Ferrovia Norte-Sul do Brasil Maravilha e a estrada de ferro que se arrasta no país real: monumento à gastança e à incompetência

BRANCA NUNES
“O setor ferroviário brasileiro está em boa fase”, garante a repórter da TV PAC, no vídeo publicado em abril de 2012. “Entre os projeto de expansão está a Ferrovia Norte-Sul, onde o PAC 2 financiou mais de 3 bilhões de reais no trecho entre Palmas e Anápolis. 98% das obras já estão concluídas”.
Depois de mostrar os avanços da obra ─ “Pensada pela primeira vez em 1927 como uma grande espinha dorsal cruzando o país de norte a sul”, festeja Josias Cavalcanti, diretor de planejamento da Valec, empresa ligada ao Ministério dos Transportes ─, a jornalista entrevista um dos beneficiados pelo projeto: “Quem já está se preparando para a chegada da ferrovia é esse pequeno produtor do estado do Tocantins”, diz a repórter ao apresentar o vaqueiro Ademir dos Santos.
Ademir embarca no otimismo com o olhar do sertanejo que, a cada eleição, acredita na promessa de que aquela será a última das tantas secas que o atormentaram. “É muito bom a chegada da ferrovia aqui na nossa região. Vai valorizar muita coisa, vai ter muita economia”, sonha. “Muitas pessoas deixavam de plantar porque o frete hoje está muito alto. Aqui falta oportunidade de transporte e agora vai ter”.
Quem viu a fantasia da TV PAC deve ter acreditado que a obra estava a um passo da inauguração.
Um ano depois, a reportagem do Fantástico confirmou que o Brasil real continua muito longe do Brasil Maravilha. “Os 700 quilômetros entre Anápolis, em Goiás, e Palmas, no Tocantins, ainda não podem ser chamados de ferrovia”, constatou a jornalista Sônia Bridi  (veja o vídeo abaixo). “O país gastou 5,1 bilhões de reais e, depois de duas décadas, continua esperando pelo trem. Ficaram tantos problemas acumulados que o Brasil ainda vai precisar gastar 400 milhões de reais”.
Os pareceres do Tribunal de Contas da União atestam que, além de superfaturada, o que o Lula do século passado chamava de Ferrovia do Sarney  é um monumento à inépcia. Entre os problemas listados figuram taludes que se desmancham, curvas fechadas demais (que obrigam o trem a reduzir a velocidade para não descarrilar), trilhos que não foram soldados e outras provas incontestáveis de incompetência. A inexistência de pátios de manobra, por exemplo, impossibilita o carregamento ou o descarregamento e impede a passagem de outro trem em sentido contrário. Pior ainda: como o aço dos trilhos comprados na China não tem a dureza necessária, é preciso diminuir a carga transportada.
O ritmo exasperante das obras da Norte-Sul contrasta com a alta velocidade do enriquecimento de José Francisco das Neves, o Juquinha, presidente da Valec até ser preso em julho de 2012. Enquanto comandou a empresa, seu patrimônio saltou de R$ 500 mil para R$ 60 milhões. A anulação das escutas telefônicas que mostram a procissão de ladroagens livrou Juquinha da cadeia. Enquanto o processo judicial se arrasta tão vagarosamente quanto a ferrovia, ele gasta em liberdade o que embolsou.
Na contramão do ex-presidente da Valec, comerciantes como Osmar Albertine, diretor de uma empresa de farelo de grãos nas proximidades da Norte-Sul, não param de desembolsar dinheiro. “Essa promessa era para 2008, mas continua só no leito, nem mesmo os trilhos estão aí”, conta Osmar. “Com a ferrovia, haveria a economia de 4 mil quilômetros de transporte marítimo para exportamos para a Europa. É o custo Brasil”.
O Ministério dos Transportes segue a partitura do coro dos contentes. “A reportagem não aborda os benefícios já gerados pelos trechos em operação da Ferrovia Norte-Sul e omite parte de sua história”, protesta o ministro César Borges, disfarçado de nota da assessoria de imprensa. “Os 10% restantes de obras, entre o trecho entre Palmas e Anápolis, serão realizados até o final de 2013 e o segmento entrará em operação em 2014″ . promete. “A conclusão das obras no trecho Anápolis/Estrela d’Oeste será em julho de 2014″.
Se um dia ficar pronta, a ferrovia em construção desde 1987, no mandato de José Sarney, será uma espécie de memorial do Brasil Maravilha sobre trilhos: demorou o dobro do tempo para sair do papel, custou mais do que o triplo e, inaugurada no século 21, terá a cara de estrada de ferro dos tempos em que os vagões eram puxados pela maria-fumaça.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Trem-bola: rola, rola e nao sai do lugar...

Ué! Pensei que se tratasse de "mobilidade urbana", não de rapidez interurbana. Enfim, com a rapidez e a eficiência excepcionais do governicho, o projeto desse tal de trem-bola vai rolar por mais uns 20 anos, pelo menos, se os companheiros permanecerem  no poder, claro. Sendo expulsos, acaba a loucura, em troca de projetos mais realistas, mais decentes e sobretudo realmente necessários.
Paulo Roberto de Almeida

Concessões

Governo reduz valor mínimo para outorga do trem-bala

O governo federal decidiu reduzir de 70,31 reais para 68,08 reais o valor mínimo da outorga do trem que ligará Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro

Trem-bala em estação de Tóquio, Japão
Propostas serão julgadas pelo critério da maior oferta, ou seja, aquela que oferecer o maior valor pela outorga (Junko Kimura/Bloomberg via Getty Images)
O governo federal decidiu reduzir de 70,31 reais para 68,08 "trem.km" equivalente – unidade que corresponde à circulação de uma composição de comprimento igual ao trem referência ao longo de um quilômetro - o valor mínimo da outorga do Trem de Alta Velocidade (TAV) que ligará Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, o trem-bala. O novo valor é uma das alterações feitas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) no edital de licitação do trem-bala, cuja versão modificada está disponível nesta terça-feira, no site da Agência.
Com essa decisão, o valor da outorga pelo direito de explorar o serviço, atualmente estimado em 27,6 bilhões de reais, vai cair algo como 2 bilhões a 3 bilhões de reais. Pelo texto do edital, as propostas serão julgadas pelo critério da maior oferta para a administração, ou seja, será considerada a melhor proposta aquela que oferecer o maior valor pela outorga. Esse valor será ofertado pelas concorrentes na sessão pública do leilão, prevista para o dia 19 de setembro na sede da BM&FBovespa às 14 horas.
O novo texto do edital mantém a tarifa-teto, que não poderá ser superior a 0,49 real por quilômetro e será atualizada pelo IPCA quando o trem entrar em operação. E, apesar do atraso no leilão, cujo última tentativa havia sido para 29 de maio deste ano, o prazo para entrada em operação comercial do trem-bala também foi mantido para o fim de junho de 2020, com a entrega da infraestrutura para a concessionária dos trens um ano e meio antes, em janeiro de 2019.
Há ainda a expectativa que o governo divulgue formalmente nesta semana a nova Taxa Interna de Retorno (TIR) do TAV que, espera-se, suba de 6,32% para 7%. O novo valor do retorno do investimento , no entanto, deve ficar abaixo do que era esperado pelo mercado, algo entre 8% e 8,5%.
(com Estadão Conteúdo)

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Argentina estatiza companhia de transporte ferroviario ALL - Portogente

A companhia pode até ser uma porcaria, feita de incompetentes e interessada apenas em ganhar dinheiro, sem atentar para os interesses do país. Mas o simples fato de que uma companhia negligencie suas operações num país com conexões ferroviárias tão importantes, historicamente, quanto a Argentina, e que acabe sendo "expropriada" pelo Estado, já é um sinal de que, ou a companhia é muito ruim, ou então que ela não encontrou condições para trabalhar nesse país.
Paulo Roberto de Almeida

Portogente, 05/06/2013 - 10:01
Argentina rescinde concessões da ALL e consequências preocupam acionistas
por Redação *
O governo da Argentina decidiu rescindir nesta terça-feira (4) os contratos de concessão detidos pela América Latina Logística Central S.A. e pela América Logística Mesopotâmica S.A. (em conjunto, "ALL Argentina"). Os acionistas da empresa no Brasil iniciam esta quarta-feira preocupados com as consequências financeiras da intervenção do governo Cristina Kirchner.
A Argentina alega que a ALL não cumpriu o acordo de modernizar a malha ferroviária concedida pelo governo local. Produtores argentinos,assim como acontece no Brasil, se queixam da administração da companhia. No Twitter do Ministério dos Transportes da Argentina foi publicado: "Temos que defender o interesse do Estado. As concessões foram realizadas na década de 90 e não atenderam a qualquer objetivo".
Foto: Divulgação ALL
Rescisão da concessão afeta companhia de capital aberto
O departamento de Relações com Investidores da ALL lançou nota pública afirmando que a empresa não recebeu qualquer informação oficial do governo Kirchner e tentou minimizar a importância das operações ferroviárias na Argentina. "Em vista do atual cenário político e econômico da Argentina, a companhia vinha buscando potenciais investidores interessados em adquirir participação nas concessões da ALL Argentina. A ALL Argentina ao longo dos anos se tornou pouco representativa nos resultados consolidados da companhia, demandando foco desproporcional por parte da sua administração. Em 2012, os resultados das referidas concessões corresponderam a 6,5% da receita líquida e 0% do EBITDA total da companhia".
O Conselho de Administração da ALL havia divulgado no sábado (1) ter aprovado a compra da totalidade de debêntures da quinta e da sexta emissões após resultados fracos apresentados pela unidade de operação na Argentina.