Como Putin usa mentiras e mercenários para destruir democracias
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
sexta-feira, 6 de outubro de 2023
Como Putin usa mentiras e mercenários para destruir democracias - Estadão
Quatro líderes e um mundo virado ao revés Israel , EUA, Rússia e China - Thomas L. Friedman (NYT, Estadão)
Quatro líderes e um mundo virado ao revés
Israel , EUA, Rússia e ChinaThomas L. Friedman
The New York Times É colunista e ganhador de três prêmios Pulitzer
Desde o dia em que aprendí que, em 1947, Walter Lippmann popularizou o termo Guerra Fria para definir o conflito que emergia entre EUA e União Soviética, achei que seria legal poder batizar um período histórico. Agora que o pós-Guerra Fria acabou, o pós-pós-Guerra em que entramos tem de ganhar um nome. Então, aqui vai: é a era do "Isso não estava nos planos".
Eu sei, não é uma expressão fácil de articular - e não espero que cole. Mas ela é certeira. Eu tropecei nela na minha viagem recente à Ucrânia. Estava conversando com uma mãe ucraniana que me contava que sua vida social tinha se reduzido a jantares ocasionais com amigos, festas de aniversário "e funerais".
Depois de digitar a citação na minha coluna, acrescentei meu próprio comentário: "Isso não estava nos planos". Antes do ano passado, jovens ucranianos vinham desfrutando de acesso facilitado à União Européia, entrando em startups de tecnologia, pensando sobre fazer faculdade e decidindo se passavam férias na Itália ou na Espanha. Então, como um meteoro, a invasão russa virou as vidas deles de ponta cabeça da noite para o dia.
Aquela ucraniana não está só. Muitos planos de muita gente - e de muitos países - saíram completamente dos trilhos. Entramos na era do pós-pós-Guerra Fria, que tem pouco a prometer em comparação à prosperidade, à previsibilidade e às novas possibilidades do período pós-Guerra Fria, que abrangeu os 30 anos desde a queda do Muro de Berlim.
Há muitas razões para isso, mas nenhuma é mais importante do que o trabalho de quatro líderes cruciais com uma coisa em comum: acreditam que sua liderança é indispensável e estão dispostos a adotar medidas extremas para se manter no poder o máximo que puderem.
PODER. Estou falando de Vladimir Putin, Xi Jinping, Donald Trump e Binyamin Netanyahu. Esses quatro - cada um à sua maneira - criaram perturbações dentro e fora de seus países com base em seu interesse particular, em vez dos interesses de seus povos, e dificultaram a capacidade de suas nações funcionarem normalmente no presente e se planejarem sabiamente para o futuro.
Veja Putin. Ele começou a carreira como um tipo de reformador que estabilizou a Rússia pós-Yeltsin e coordenou um boom econômico graças aos preços do petróleo em elevação. Mas a renda com o petróleo começou a cair e, conforme descreve o acadêmico russo Leon Aron em seu próximo livro, Ridingthe Tiger: Vladimir Putirís Rússia and the Uses ofWar, Putin deu uma grande virada no começo de seu terceiro mandato como presidente, em 2012, após os maiores protestos contra seu governo irromperem em 100 cidades russas e sua economia empacar.
A solução de Putin? "Mudar a fundação da legitimidade de seu regime do progresso econômico para o patriotismo militarizado", disse Aron, colocando a culpa de todas as dificuldades no Ocidente e na expansão da Otan. No processo, o presidente russo transformou seu país em um forte sitiado, que, em sua mentalidade e propaganda, somente Putin é capaz de defender. Ele ter invadido a Ucrânia para restaurar a mítica Mãe-Pátria russa foi inevitável.
Os acontecimentos na China também têm se desdobrado de maneira bastante inesperada. Depois de se abrir e afrouxar controles internos constantemente desde 1978, tornando-se mais previsível, estável e próspera que em qualquer outro momento da história moderna, a China experimentou uma virada de quase 180 graus sob o presidente Xi: ele suprimiu o limite de mandatos - respeitado por seus antecessores para evitar a ascensão de um novo Mao Tsé-tung - e fez-se presidente indefinidamente.
Xi, aparentemente, acreditou que o Partido Comunista estava perdendo o controle e, portanto, reafirmou seu poder em todos os níveis sociais e empresariais ao mesmo tempo, o que eliminou qualquer rival.
Isso tomou a China um país mais fechado do que em qualquer momento desde os dias de Mao e desencadeou comentários de que o mundo pode já ter visto o auge da China em relação a potencial econômico, o que equivalería a um terremoto na economia global.
Certamente não estava nos meus planos acabar escrevendo, depois de quase uma vida inteira acompanhando conflitos de Israel com inimigos externos, que a maior ameaça à democracia judaica hoje é um inimigo interno - um golpe no Judiciário liderado por Netanyahu que está fragmentando a sociedade e as Forças Armadas de Israel.
O ex-diretor-geral do ministério israelense da Defesa Dan Harel afirmou, em um comício pró-democracia em Tel-Aviv, na semana passada: "Eu nunca vi nossa segurança nacional num estado tão ruim" e houve "dano às unidades da reserva de formações essenciais das Forças Armadas, o que reduziu prontidão e capacidade operacional".
E este problema não é pequeno para os EUA. Ao longo dos últimos 50 anos, o Estado de Israel tem sido tanto um aliado crucial quanto, de fato, uma base avançada na região em que Washington projetou poder sem usar tropas americanas.
Israel destruiu tentativas incipientes de Iraque e Síria se tornarem potências nucleares e é o maior contrapeso atualmente à expansão do poder do Irã sobre toda a região. Mas, se tivermos mais três anos desse governo extremista de Netanyahu, com sua pretensão de anexar a Cisjordânia e governar os palestinos que habitam o território com um sistema à la apartheid, o Estado judaico poderá se tornar uma grande fonte de instabilidade, não de estabilidade.
E por quê? Em um recente perfil de Bibi no Times, Ruth Margalit citou Ze'ev Elkin, um ex-ministro do gabinete de Netanyahu, do Likud, descrevendo o primeiro-ministro da seguinte forma: "Ele começou com uma visão de mundo que dizia: 'Eu sou o melhor líder para Israel neste momento', que gradualmente se transformou numa visão de mundo que diz: 'A pior coisa que pode acontecer para Israel é eu parar de liderar o país, e portanto minha sobrevivência justifica qualquer coisa'."
PILAR. Nem é preciso dizer, depois de testemunhar o esforço de Trump para reverter a eleição de 2020 inspirando uma turba a invadir o Capitólio e ver esse mesmo homem se tomar o principal pré-candidato republicano à presidência em 2024, que a nossa próxima eleição será uma das mais importantes de todos os tempos - para que não seja a última. Isso não estava nos planos.
O denominador comum que une esses quatro líderes é que todos eles quebraram as regras do jogo em seus países por uma razão bastante familiar: permanecer no poder. Putin também iniciou uma guerra no exterior com o mesmo objetivo. E seus sistemas locais - a elite russa, o Partido Comunista Chinês, o eleitorado israelense e o Partido Republicano - não foram capazes de refreá-los.
Mas também existem diferenças importantes entre eles. Netanyahu e Trump enfrentam resistência em suas democracias, onde os eleitores ainda podem expulsar ou impedir ambos - e nenhum deles começou uma guerra.
Xi é um autocrata, mas tem uma agenda para melhorar a vida de seu povo e planeja dominar grandes indústrias do século 21, da biotecnologia à inteligência artificial. Mas seu governo, cada vez mais linha-dura, poderá ser exatamente o que impedirá a China de chegar lá, principalmente porque esse punho de ferro ocasiona fuga de cérebros.
Putin não passa de um chefão mafioso disfarçado de presidente. Ele será lembrado por transformar a Rússia da potência científica, que colocou o primeiro satélite em órbita, em 1957, em um país incapaz de fabricar um carro, um relógio ou uma torradeira que qualquer pessoa fora do país compraria. Putin teve de recorrer à Coréia do Norte para mendigar ajuda para seu Exército arrasado na Ucrânia.
Trump, em última instância, é o mais perigoso - e por uma simples razão: quando o mundo fica tão caótico assim e países tão importantes contrariam os planos, o restante depende dos EUA para assumir a liderança, conter os problemas e opor-se aos causadores de problemas. Mas Trump prefere ignorar problemas e louvar os criadores de problemas. É isso que torna a perspectiva de outra presidência sua tão assustadora, insensata e inconcebível.
Porque os EUA ainda são o pilar do mundo. Nem sempre fazem isso sabiamente, mas se parar completamente de fazê-lo, cuidado. Dado o que já está acontecendo nesses três outros importantes países, se os EUA vacilarem, nascerá um mundo no qual ninguém será capaz de fazer nenhum plano. Haverá um nome fácil para esse período: "Era da Desordem".
TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
Se os EUA vacilarem, nascerá um mundo incapaz de fazer planos. Será a 'Era da desordem'
A tragédia dos refugiados afegãos no Paquistão (FSP)
Paquistão anuncia expulsão de 1,7 milhão de afegãos, e migrantes buscam o Brasil Redefinição da política de acolhida brasileira trava solicitações de vistos humanitários na capital Islamabad
O Haiti, uma vez mais: crises recorrentes devem servir de alerta - Ricardo Seitenfus (Brasil de Fato)
O Haiti é um Estado falido, em todos os planos. Acontece...
O Haiti, uma vez mais: crises recorrentes devem servir de alerta
O espoucar de foguetes à notícia da adoção da Resolução deve ser temperado pois o mais difícil está por vir
Após meses de tergiversações o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, por treze votos favoráveis e duas abstenções (China e Rússia), no início desta semana, uma Resolução autorizando o envio de uma missão multinacional de apoio à segurança no Haiti.
Apesar do ruído da grande imprensa internacional, dos políticos e dos diplomatas, a decisão não constitui novidade alguma pois o Haiti se tornou, para sua infelicidade, desde o início dos anos 1990, um dos principais clientes do Conselho de Segurança. Desde então nada menos de dez « Missões » da ONU foram enviadas ao país. Com distintos propósitos e instrumentos de ação.
A existência de um « rosário missioneiro » como no caso haitiano, indica e tende a comprovar que o aporte destas missões foi nulo. Mal pensadas e conduzidas, seus reiterados fracassos levam à necessidade de retornar periodicamente ao Caribe. Exatamente o que estáo correndo atualmente.
O teor da Resolução indica que a missão reunirá componentes policial e militar de países voluntários. Seu financiamento idem. Se trata de uma original e pouco comum missão « não-onusiana ». Embora autorizada pelo Conselho de Segurança, a responsabilidade será de um grupo de países, ainda indefinidos, capitaneados pelo Quênia.
Paralelamente há indicação sobre a necessidade de um acerto político entre os haitianos. Para tanto o Conselho de Segurança confia nos esforços diplomáticos e de mediação da Comunidade do Caribe (Caricom), da qual o Haiti é membro.
Sempre é aconselhável observar e analisar o conteúdo, o contexto e a semântica das Resoluções do Conselho de Segurança. Todavia um texto é o que ele diz e também o que ele cala. Neste sentido há silêncios que falam por si. O mais importante deles é a subjacente crítica à ação da Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (Minustah) (2004-2017) cujo braço armado foi permanentemente comandado por generais brasileiros.os sucessivos governos brasileiros, o fato é que sob nosso comando, militares à serviço da Minustah e sob a bandeira das Nações Unidas, levaram ao Haiti, pela primeira vez em outubro de 2010, o vírus da cólera que infectou 800 mil pessoas e vitimou 30 mil, sobretudo camponeses da região rizícola de Artibonite, na região central do Haiti. Ainda hoje, a epidemia provoca mortes.
A máquina política, diplomática, burocrática, militar e jurídica das Nações Unidas tentou acobertar o escândalo. A presente Resolução do Conselho de Segurança ao aprovar uma missão « nao-onusiana » condena a todos, inclusive o poderoso Departamento de Operações de Paz.
Um segundo silêncio diz respeito à Organização dos Estados Americanos. Sequer mencionada, a OEA paga tributo à atuação pífia de seu Secretário Geral e aos equívocos decorrentes de seu alinhamento automático à posições equivocadas e frontalmente contrárias ao seu protagonismo em crises anteriores.
O espoucar de foguetes à notícia da adoção da Resolução deve ser temperado pois o mais difícil está por vir : fazer transitar seus propósitos para o terreno dos fatos. As recorrentes crises haitianas devem servir de alerta. Não é por acaso que o país recebeu a alcunha de « cemitério de projetos ». Considero que a antiga « Pérola das Antilhas » como o país das ilusões e inocências perdidas. Aconselho à todos cautela, prudência e caldo de galinha.
Ricardo Seitenfus foi Representante da OEA no Haiti (2009-2011) e autor de Haiti: dilemas e fracassos
internacionais e A ONU e epidemia de cólera no Haiti.
A arte de se ocupar das pequenas coisas - Paulo Roberto de Almeida
L’être et le néant
(mas não tem nada a ver com Jean-Paul Sartre, e sim com Raymond Aron):
O tal de Sul Global aparece como o objeto mais diáfano de estudos e discussões acadêmicas desde a famosa controvérsia sobre o sexo dos anjos em plena Idade Média.
Se construiu uma suposta identidade de interesses num ajuntamento heteróclito de estados e nações como se fossem personagens reais, a partir de suposições jamais empiricamente confirmadas!
Os anjos de antigamente também juntavam cérebros respeitáveis em torno de absolutamente nada, sobre seres aparentemente similares. Só faltava definir o sexo: se fossem do sexo feminino talvez não tivessem almas.
Mas tem gente que fala pomposamente desse Sul Global como se fosse uma manada a ser graciosamente tangida em direção de uma fabulosa “nova ordem global”, um generoso cenário de relações “não assimétricas”.
Não é o Ser e o Nada?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília , 6/10/2023
O estágio sombrio da diplomacia brasileira na guerra da Ucrânia - Paulo Roberto de Almeida
Meu protesto solitário em face da atual situação de indignidade demonstrada pela diplomacia abjeta a que foi conduzido o Itamaraty:
Putin confirma seus piores instintos criminosos, dedicando-se simplesmente a matar tantos ucranianos civis quanto possível, já que falhou completamente em seus objetivos de conquistar o país:
“No [novo] ataque russo de hoje [6/10] contra a cidade ucraniana de Kharkiv, uma criança de 10 anos morreu e mais de 20 civis ficaram feridos, alguns com gravidade. O míssil russo visou um bairro residencial próximo do centro da cidade, um ataque realizado apenas 1 dia após a Rússia ter lançado um míssil contra uma aldeia, matando 51 pessoas e ferindo outras 150.”
Hoje no Mundo Militar, 6/10/2023
(PRA): E a diplomacia brasileira chega a um dos pontos mais baixos de sua história ao se mostrar totalmente indiferente, por completa submissão a ordens superiores, em relação aos atos mais bárbaros cometidos por um parceiro de um bloco indigno de fazer parte de nossas relações de aliança política.
Não me lembro, na história do sistema internacional onusiano e da diplomacia brasileira nesse contexto, de termos descido tão baixo na escala da covardia humana, ao não reagir sequer por meio de uma simples demonstração de horror em face da crueldade em estado bruto, por razões da mais baixa política externa que se concebeu na diplomacia partidária do lulopetismo abjeto.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 6/10/2023
quinta-feira, 5 de outubro de 2023
Itamaraty afirma que declaração de guerra é ato diplomático legítimo - Curso CACD
Não deixa de ser surpreendente: a formulação da questão deve ter sido feita em meados deste ano, quando Lula defendia, como Amorim, as "legítimas preocupações de segurança da Rússia", de certa forma coonestando os argumentos de russos e aliados quanto à guerra de agressão à Ucrânia.
Deveremos ainda dois surpreender mais ainda com o Itamaraty aliado de China e Rússia na construção de uma "nova ordem global"? É possível... (PRA)
Itamaraty afirma que declaração de guerra é ato diplomático legítimo
Em meio à guerra da Ucrânia, concurso de admissão à carreira diplomática exige que candidatos afirmem que a guerra é meio diplomático tão legítimo quanto a resolução pacífica de controvérsias. Afirmação viola Constituição Federal, Carta da ONU e tradição diplomática brasileira.
Divulgação do padrão de respostas da segunda fase do concorrido concurso de admissão à carreira diplomática (CACD) causou polêmica entre candidatos e repercutiu mal no próprio Itamaraty. Segundo o documento publicado na noite dessa segunda-feira, 4 de outubro, no site da banca organizadora do concurso, os candidatos deveriam afirmar na redação da prova de inglês que “a declaração de guerra é um ato diplomático tão “legítimo” quanto a mediação nas negociações de conflitos de forma pacífica” (confira íntegra do documento nesse link e ao final da matéria).
“Estamos chocados. É contra tudo que aprendemos, contra tudo que o Brasil defende”, disse candidato que não quis se identificar por medo de retaliação.
O padrão de respostas é o gabarito que os examinadores usam para a correção das provas. Isso significa que candidatos que defenderam a ilegitimidade do recurso a meios não pacíficos, como a guerra, foram penalizados. “É como se o Itamaraty quisesse soldados e não diplomatas ”, comentou outra candidata indignada, que também preferiu o anonimato. Ela ainda afirmou que a guerra do Iraque foi usada como exemplo da legitimidade da guerra. “O Brasil sempre criticou a invasão do Iraque. O Lula visitou o papa João Paulo II para pressionar diplomaticamente os EUA contra a invasão, e, agora, temos que dizer o contrário? Rasgaram os livros, queimaram a constituição”, disse esperançosa.
Gabarito contra a Constituição e contra o Direito Internacional
A Constituição brasileira, em seu artigo 4º, afirma que a defesa da paz e a solução pacífica de controvérsias são princípios que regem as relações internacionais do Brasil. A solução pacífica das controvérsias é uma das linhas-mestras da política externa brasileira. Exemplos históricos e presentes são inúmeros. Em termos históricos, pode-se recordar a resolução das controvérsias de limites com seus vizinhos em princípios do século XX, privilegiando a arbitragem internacional.
O gabarito não é apenas contra a Constituição, mas contra a Carta da ONU, que traz, em seu artigo 2:
3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.
4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.
“O parágrafo 4 do artigo 2 da Carta das Nações Unidas anula completamente o gabarito. O examinador foi incauto, foi contra a tradição do Itamaraty e contra o direito internacional. Nenhum diplomata brasileiro diria que a declaração de guerra é um meio legítimo. Como eles vão pedir que o candidato diga isso, ainda mais em meio à guerra na Ucrânia? ’’, comentou um professor que dá aula aos candidatos e também optou pelo anonimato.
Candidatos temem terceira fase ainda mais arbitrária
Outra professora de inglês destacou que o próprio padrão de respostas da prova de inglês não responde ao comando da redação. Segundo ela, “a prova pedia que o candidato escrevesse uma redação que compatibilizasse duas citações. Uma definia a diplomacia como busca da solução pacífica de controvérsias, enquanto a outra dizia que não havia garantias que os estados não usariam a força, mas o gabarito de 7 linhas não disse como compatibilizar, só disse que eram iguais. Ora, dizer que são iguais não é explicar como“.
O padrão de resposta da redação de inglês pode ser um sinal do crescente nível de subjetividade da prova. Candidatos relatam que, apesar da implementação de padrões de resposta, as correções ainda dependem do corretor. “Em 2022, cada matéria tinha 8, às vezes até 10 corretores, então a nota dependia de quem corrigia a sua prova. Nas provas de francês, eles não penalizaram quem deixava parte da prova em branco”, relatou outra candidata. “Não sabemos o que nos aguarda na terceira fase, mas um padrão desses dá medo”, concluiu.
Chamou a atenção dessa reportagem o pequeno número de linhas do padrão de reposta de um concurso tão concorrido, apenas 7, e, ainda mais, que todos os candidatos preferiram manter o anonimato por medo de retaliação ao longo da carreira. Alguns comentaram que existe uma entrevista para candidatos negros e pardos aprovados e que a divulgação do nome na matéria poderia influenciar nessa avaliação.
Confira a íntegra do padrão de respostas (https://www.iades.com.br/inscricao/ProcessoSeletivo.aspx?id=4a392209)
PADRÃO DE RESPOSTA DA PROVA DISCURSIVA (Divulgado em 04/10/2023)
LÍNGUA INGLESA
COMPOSITION
O candidato deve discorrer a respeito da capacidade que a diplomacia tem de se utilizar de meios pacíficos para atingir objetivos pacíficos, mas também de recorrer, a depender das circunstâncias, ao uso da força.
A declaração de guerra é um ato diplomático tão “legítimo” quanto a mediação nas negociações de conflitos de forma pacífica.
Na história de grandes conflitos mundiais, há inúmeros exemplos de declaração de guerra feita pelas diplomacias europeia e americana. O exemplo mais recente foi a invasão do Iraque por potências ocidentais lideradas pelos Estados Unidos da América.
Morte de Vamireh Chacon - Crônica de Marcos Vasconcelos Filho (Tribuna Independente, Alagoas)
Morte de Vamireh Chacon
Crônica de Marcos Vasconcelos Filho
Tribuna Independente, 5/10/2023
Crônica-ensaio estampada hoje na »Tribuna independente« (Maceió, ano [17], n. 4.475, quinta-feira, 5 out. 2023, Opinião, p. 6) sob o fim de assinalar o desaparecimento material do meu amigo e colega de Academia Pernambucana de Letras (APE) e de Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP) Vamireh Chacon [1934-2023].
Eis alguns recortes do texto:
»Morto Vamireh Chacon [...], perde o Brasil um cientista. E dos incomuns. Perco eu um raro amigo, pois companheiro do intelecto.
Na tarde chuvosa de inverno, passo a recordá-lo. [...] Para muitos, a carranca não permitia de logo entrever-lhe o coração. [...] Preservo com carinho a nossa correspondência: roteiro confessional ao jeito do “Contributo alla critica di me stesso” (1918), de Benedetto Croce. Num futuro próximo auxiliarão tais cartas o campo da epistolografia? [...]
Torno aos seus livros: um arco teórico que muito justamente mereceu, perto dum decênio atrás, o Prêmio Machado de Assis, cume dos lauréis da Academia Brasileira de Letras. “História das idéias sociológicas no Brasil” (1977), “História das idéias socialistas no Brasil” (1981), “Abreu e Lima: general de Bolívar” (1983), “Gilberto Freyre: uma biografia intelectual” (1993) e “Formação das ciências sociais no Brasil: da Escola do Recife ao Código Civil” (2008) são-me a pentalogia dos títulos chaconianos de predileção, nos quais alia o autor ao treino da síntese (tão germanófila) a veia crítica do ensaísmo (remontante à tradição historicista e herdeira de Kant, Hegel, das escolas de Baden e Freiburg, bem assim dos frankfurtianos).
“Prezado Marcos: [...] não sou nem nunca fui marxista e sim culturalista na linha não só de Max Weber, também de Werner Sombart e de Theodor W. Adorno, mais do que de Max Horkheimer e Jürgen Habermas, os quais também traduzi ao português no Brasil”, autodefiniu-se a mim, via e-mail, em julho de 2020«.
#mvf #marcosvasconcelosfilho #ensaismo #vamirehchacon
Perdeu Mané? As esquerdas e sua derrota nas comunicações - Uirá Machado (FSP)
LULINHA , LULINHA REQUISITA AS RUAS
Direita domina redes sociais e deixa esquerda para trás na batalha digital
Uirá Machado
Folha de S. Paulo, 4/10/2023
Com um celular na mão e uma notícia (por vezes falsa) na cabeça, a direita dominou o universo digital nas últimas eleições e tem tudo para repetir a dose nas próximas.
Há diversas razões para explicar esse fenômeno. Entre elas estão o pioneirismo da direita nesse ambiente, a arquitetura das redes sociais, o acesso a financiamento, o tipo de conteúdo disseminado e o incentivo à monetização.
Segundo especialistas, se a esquerda –não só no Brasil— quiser virar esse jogo, precisará fugir das armadilhas lançadas pela direita e mudar sua forma de se relacionar com a tecnologia.
"A esquerda brasileira sempre teve dificuldades para lidar e compreender a comunicação. Isso continuou no cenário digital", diz o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Como reflexo disso, existem, de acordo com o sociólogo, menos canais de esquerda na internet (veículos, youtubers, podcasters etc), com alcance menor que os de vários grupos da extrema direita.
"Boa parte da esquerda ainda pensa com a cabeça do mundo da comunicação de massas, mas vivemos o cenário da comunicação distribuída. Não existe bala mágica. É preciso pensar diversas estratégias para diversos segmentos da sociedade", afirma Silveira.
E, embora o custo tenha caído para a disseminação de conteúdos pela internet, dinheiro ainda faz diferença, seja para criar estruturas profissionais de disparos em massa no WhatsApp, seja para impulsionar postagens e vídeos nas diversas plataformas.
A direita gasta muito para dominar as redes sociais e cultuar seus valores, espalhar sua visão de mundo, afirma Silveira. "A esquerda rebaixou sua pauta e se limita a divulgar sua pauta política. Não há um grande empenho na disputa ideológica."
Não se trata só de um gasto centralizado. Para a cientista política Camila Rocha, um dos aspectos que complicam a equação é a capacidade da direita de monetizar suas próprias atividades.
"A direita ganhou produtores de conteúdos que se portam como ativistas, mas eles estão nessa para ganhar dinheiro", diz Rocha, que é pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e colunista da Folha.
Ou seja, além dos robôs e das centrais de difusão de fake news, o ecossistema da direita ainda conta com influencers que se passam por agentes espontâneos e ideológicos, mas que na verdade descobriram uma forma de explorar economicamente a inclinação política de parte da população.
Esse tipo de iniciativa tem muito mais dificuldade de prosperar na esquerda, tanto por uma questão de perfil social –falta de afinidade com o capitalismo, com o empreendedorismo— quanto por aspectos técnicos ou culturais, por assim dizer.
É que o campo da direita, segundo Rocha, foi vanguardista na ocupação das redes sociais e outros fóruns do mundo digital. Com isso, dominou várias técnicas muito antes da esquerda.
A linguagem dos memes, os cursos voltados ao aprimoramento pessoal e as explicações didáticas sobre temas da política são alguns dos formatos que a direita usa melhor que a esquerda, diz a pesquisadora.
Mas não se diga que o problema está apenas na forma. Para Rocha, é preciso olhar também para o conteúdo: enquanto a direita se aproxima de quem já alimenta um sentimento de revolta contra o sistema, a esquerda não consegue apresentar um tom acolhedor.
"A esquerda, nos últimos anos, passou a ter um discurso muito abstrato, muito acadêmico, por vezes muito arrogante. Isso também acaba distanciando as pessoas, que às vezes não conseguem entender metade dos termos que estão sendo mencionados", afirma Rocha.
Se servir de consolação para a esquerda, trata-se de dificuldade que ultrapassa fronteiras. Para a socióloga Carla Montuori Fernandes, existe uma crise da democracia liberal em escala global, que se associa à falta de confiança de parte da população nas instituições políticas.
Diversos países assistiram à ascensão de líderes populistas que baseiam suas campanhas nas redes sociais, onde disseminam desinformação, negacionismo e discurso de ódio.
Ela cita como exemplos os Estados Unidos (Donald Trump), El Salvador (Nayib Bukele), Argentina (onde o candidato Javier Milei surpreendeu nas primárias) e Itália (Matteo Salvini, Giorgia Meloni), entre outros.
"No Brasil, especificamente, a emergência da extrema direita ocorre em um contexto de crise democrática, marcada pelo desgaste da imagem dos partidos tradicionais e lideranças políticas", diz Fernandes, que é professora da Unip (Universidade Paulista).
Ela afirma que, sobretudo em 2018, a campanha de Jair Bolsonaro (PL) soube explorar uma suposta ameaça relacionada ao imaginário comunista e ao bolivarianismo venezuelano, bem como os escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava Jato.
Em 2022, diz Fernandes, a campanha de Lula (PT) buscou uma reação com uma estratégia capitaneada pelo deputado federal André Janones (Avante-MG), conhecida como guerrilha digital ou janonismo cultural.
"Janones pregou o mesmo comportamento da direita na internet, com divulgação de montagens, vídeos descontextualizados, uso de fake news, enfim, tudo pra conquistar o engajamento na rede", afirma a socióloga.
Para ela, contudo, a esquerda não deveria cair na armadilha de repetir a extrema direita nas redes. Embora Fernandes considere difícil disputar com quem recorre a narrativas agressivas, despolitizadas e mentirosas, ela acredita ser possível para a esquerda avançar de outras formas.
"A esquerda brasileira parece ter ficado para trás do domínio da lógica comunicacional digital. Lula é um homem analógico. É preciso aproximar o presidente do público com uma comunicação mais direta, menos formal, mais humanizada e menos formatada."
A cientista política Sabrina Almeida, professora da FGV ECMI (Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas), também aponta uma mudança de atitude entre as eleições de 2018 e 2022.
"Nós identificamos uma assimilação dessas técnicas de otimizar a visibilidade, de em alguma medida manipular a lógica algorítmica. Isso passa a ser uma estratégia de campanha, uma ferramenta de disputar a atenção e engajar as bases de apoio", afirma.
"Mas o que a gente também identifica é que não necessariamente isso diz respeito a uma maior democratização ou melhores práticas para o debate público", diz Almeida.
Daí por que o pesquisador João Cezar de Castro Rocha sugere um caminho que ele chama de contraintuitivo: "O campo da esquerda democrática não deve procurar empatar esse jogo. Na verdade, do que se trata é de não jogá-lo".
Professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), ele diz que a extrema direita tem uma afinidade maior com a própria dinâmica das redes sociais, que tende a privilegiar conteúdos radicalizados ou que gerem reações como pânico ou medo.
"De um lado, uma visão binária e excludente do mundo. De outro, a utilização consciente de uma linguagem de grande violência simbólica como uma forma de obter visibilidade. Por fim, uma capacidade de monetização de todas as esferas do cotidiano, incluindo a política."
Além disso, diz o professor da Uerj, "a extrema direita consegue visibilidade no limite do cometimento de crimes, como calúnia, difamação, injúria".
Assim, para ele, é crucial usar instrumentos legais existentes para punir esses crimes e desmonetizar as redes de ódio.
"Jogar o jogo no modelo que a extrema direita criou será sempre uma derrota, mesmo em caso de vitórias ocasionais", afirma.
terça-feira, 3 de outubro de 2023
As primeiras relações diplomáticas entre a Rússia e o Brasil - Alexei Labetski, Embaixador da Rússia no Brasil (Folha de S. Paulo)
Pioneiros marcam relação Brasil-Rússia, que hoje faz 195 anos Esforços de Franz Borel e Georg Langsdorff continuam vivos para novos diplomatas