O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 12 de maio de 2012

A Função Social do Diplomata (social seria o termo?) - Paulo Roberto de Almeida


A Função Social do Diplomata (e outras questões paralelas)

Paulo Roberto de Almeida
Respostas as questões colocadas por estudante de RI.

1) Qual a função social de um diplomata?
PRA: Trata-se de um funcionário de Estado, com carreira determinada em lei, como outras carreiras de Estado, mas trabalhando diretamente sob a orientação dos governos que se sucedem no Executivo, com um monitoramento muito tênue e difuso por parte do Legislativo. O essencial das funções do diplomata consiste em estar apto a cumprir as determinações do governo em vigor na defesa, na representação e na negociação de temas de interesse do Brasil na frente externa, compreendendo relações bilaterais (com países, individualmente), regionais (com grupos de países ou blocos de comércio dos quais o Brasil faça parte, como o Mercosul, por exemplo) e multilaterais (ou seja, no quadro de organizações internacionais intergovernamentais (como a ONU e suas agências especializadas e outros órgãos internacionais).
Trata-se mais bem de funções estatais, do que propriamente sociais, ainda que as atividades de um diplomata possam envolver temas de interesse direto da sociedade civil, como no terreno do comércio exterior, por exemplo, ou a negociação de acordos que afetem as atividades econômicas, os intercâmbios globais e outros fluxos que interessam aos cidadãos e às empresas privadas.

2) Qual sua função social em seu país? E quando está em outro país?

PRA: No país, o diplomata trabalha basicamente no Ministério das Relações Exteriores, ainda que alguns possam ocasionalmente se desempenhar a convite ou sob designação em outros órgãos do Executivo (Presidência, ministérios setoriais, etc.), em outros poderes ou empresas da esfera estatal (geralmente em funções de assessoria internacional ou de protocolo). No MRE, o diplomata processa os expedientes (despachos telegráficos, telegramas recebidos, ofícios e outros tipos de comunicações) do próprio Ministério, dos organismos internacionais, ou de outras agências públicas, em todos os assuntos nos quais o MRE possui competência específica ou auxiliar. Ou seja, se trata de um burocrata especializado, com focos múltiplos em todos os temas das relações internacionais. Nesse âmbito, ele se desempenha no quadro de uma organização complexa, com múltiplas divisões temáticas (geográficas, políticas, econômicas, jurídicas, etc.) e diversas gradações hierárquicas, com os objetivos de processar as informações e demandas recebidas e de preparar instruções para as representações no exterior, com vistas à defesa dos interesses nacionais brasileiros no exterior.
Quando está no exterior, existem basicamente duas situações: em posto em alguma embaixada bilateral – junto ao governo do país em questão – ou em missão em delegação brasileira junto a organismo internacional (como a ONU, em Nova York e Genebra, suas agências espalhadas pelo mundo, ou sedes de organismos diversos dos quais o Brasil faça parte). Suas funções, nesses caso, são triplas: representação (do Brasil junto ao governo do país ou organização onde trabalha), informação (processada no local onde está e dirigida ao MRE em Brasília) e negociação (direta com o país, ou nas reuniões decisórias dos órgãos pertinentes).
Como em todos os outros casos, se trata de funções estatais, não diretamente sociais, embora elas possam afetar, como se disse, as atividades de agentes privados (indivíduos ou empresas). O diplomata, em princípio, não interage diretamente ou solicita instruções de agentes privados, mas cumpre funções e atividades determinadas pelo seu governo.

3) Um péssimo erro que pode ser cometido por um diplomata, do ponto de vista social.

PRA: O pior erro que possa ser cometido por um diplomata, no plano social, seria ignorar, por negligência ou descuido, determinados traços culturais ou religiosos do país no qual está lotado, causando com isso algum incidente que possa atentar contra usos e costumes locais, e chocar, portanto, a população do país em questão. Em alguns casos, pode ocorrer, também, infração a normas e preceitos do estatuto diplomático, ou seja, as convenções de Viena sobre relações diplomáticas e consulares, o que pode resultar em declaração de persona non grata – como alguém que fere leis locais – ou até expulsão (caso de diplomatas atuando como espiões, portanto ilegalmente). Neste último caso, não se trata tanto de “erro” do diplomata, mas de “funções” não declaradas, obviamente, por serem a rigor ilegais. O diplomata geralmente comete erros pessoais, mas governos dotados de serviços diplomáticos pouco preparados para as funções complexas da diplomacia contemporânea também podem induzir seus diplomatas a erros, como uma intervenção explícita nos assuntos internos do país onde ele está lotado (caso de grandes potências procurando “influenciar” a política de países menores) ou recusa ou reticência em aceitar conversas ou negociações em temas que interessem ao governo em causa.
Num plano estritamente pessoal, um diplomata pode cometer erros lamentáveis, como dirigir embriagado, e provocar acidentes, inclusive com morte de pessoas (o que já ocorreu em diversos casos), estacionamento irregular, comportamentos vexaminosos em público (como assédio sexual, por exemplo) e outros mais. Felizmente, são poucos os casos registrados nos anais da diplomacia desse tipo de incidente, uma vez que os diplomatas pertencem, geralmente, aos quadros da elite do país e sabem observar padrões aceitáveis de comportamento, inclusive com esmero e pleno respeito pelas instituições e normas culturais do país em que está lotado.

4) Se possível, alguma experiência, vivida ou presenciada, envolvendo o comprometimento social de um diplomata.

PRA: Já testemunhei casos de infração a normas de trânsito cometidas por diplomatas, felizmente sem gravidade, o que ensejou inclusive pagamento de multa, uma vez levantada a imunidade diplomática neste caso. Não vivi, ou presenciei, nenhuma outra experiência mais traumática, envolvendo problemas com diplomatas individualmente. Geralmente são pessoas discretas, com comportamento idem, mas podem ocorrer deslizes, também. Ficou na história o caso de um diplomata brasileiro que parece ter proferido palavras pouco elogiosas a respeito da União Soviética da era de Stalin, em 1948, ao que parece, de que resultou sua expulsão, o que pode ter sido um agravante na decisão brasileira de romper relações diplomáticas com aquele país (na verdade mais determinada pela postura fortemente anticomunista do governo Dutra).

Paulo Roberto de Almeida
Paris, 13 de maio de 2012

Venezuela: um narcoEstado no Mercosul? - revelacoes graves

O narcoestado da Venezuela
Francisco Toro
O Estado de S.Paulo, 12 de maio de 2012

 As revelações de dois juízes de Caracas não deixam mais dúvidas: o narcotráfico corroeu praticamente todo aparato estatal venezuelano

Mais um dia, mais uma denúncia de um ex-magistrado do Supremo Tribunal da Venezuela. No mês passado, o juiz Eladio Aponte Aponte fugiu do país e colocou na TV uma lavagem de roupa suja chavista. Antes, seu outrora colega Luis Velásquez Alvaray saíra-se melhor ainda, oferecendo provas detalhadas sobre um sistema judiciário que parece cada vez mais uma conspiração criminosa. Parafraseando Oscar Wilde, perder um magistrado de um Supremo Tribunal pode ser falta de sorte. Perder dois é descuido.
Juntas, as entrevistas - exibidas uma em seguida à outra no canal SOiTV, de propriedade de um exilado venezuelano, cuja base fica em Miami - oferecem uma imagem de um sistema de Justiça penal mancomunado com os guerrilheiros das Farc e no qual a interferência política, as decisões distorcidas, o conluio com traficantes de drogas e os eventuais assassinatos por encomenda são rotineiros. A rota da cocaína que sai da Colômbia, passa pela Venezuela e segue para EUA e Europa Ocidental é altamente lucrativa. Os tentáculos dos milhões de dólares produzidos por esse comércio se infiltraram em todo o sistema.
Partindo de pessoas da confiança do presidente Hugo Chávez que estavam em posição de saber dos fatos, essas entrevistas extinguem toda aparência de legitimidade que o sistema judiciário chavista poderia desfrutar. Mas enquanto as afirmações de Aponte Aponte careçam de detalhes e não são apoiadas por documentos, o juiz Alvaray teve muito tempo para organizar as provas e apoiar suas alegações: ele está exilado desde 2006, tendo fugido da Venezuela ao ser avisado de um complô para assassiná-lo. Logo depois da sua partida, seu escrevente foi encontrado morto em circunstâncias estranhas.
As revelações retratam a Venezuela como um narcoestado - um país onde o dinheiro do tráfico de drogas não comprou somente um ou outro juiz, este ou aquele promotor, mas assumiu o controle do Estado como um todo. O tráfico em larga escala invariavelmente deixa um rastro de sangue no seu caminho. Uma série de assassinatos sob encomenda de oficiais do Exército profundamente envolvidos nos negócios levanta a possibilidade de uma futura guerra das drogas como a que se observa hoje no México. Infelizmente a analogia não é muito precisa. No México, a guerra da droga opõe as Forças Armadas contra os cartéis. Na Venezuela, a se acreditar nos dois magistrados, os cartéis operam dentro das Forças Armadas. E como podemos chamar quando uma parte das Forças de um país entra em guerra contra a outra? Isso mesmo: guerra civil.

FRANCISCO TORO É COLABORADOR DO BLOG DEMOCRACY LAB, DA REVISTA FOREIGN POLICY.
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Protecionismo comercial e crescimento: correlacoes negativas - Antonio Tena-Junguito

Estou lendo este trabalho: 


Bairoch revisited: tariff structure and growth in the late nineteenth century
ANTONIO TENA-JUNGUITO
European Review of Economic History, 2010, v. 14, n. 1, pp. 111-143.

disponível neste link: http://e-archivo.uc3m.es/bitstream/10016/11674/1/bairoch_tena_EHES_2009_ps.pdf
Para os que acreditam que a proteção tarifária teria sido uma boa coisa para o crescimento dos países latino-americanos, seria útil ler todo o trabalho, especialmente este trecho: 
"By contrast, Figure 6 shows that for peripheral independent countries the relationship between tariff average and growth appears consistently negative. Politically independent poor countries had commercial policies designed by their own governments and parliaments. The European periphery and Latin America had high tariffs, especially for traditional industrial products without comparative advantage, even if some of them were linked with technologies developed from the First Industrial Revolution. From the second half of the nineteenth century many poor independent countries developed some low-skill manufactures, such as traditional textile and metal, imposing high tariffs especially in non-competitive sectors. Even if they reduced some manufacture tariffs, during the liberalization period around the 1850s and 1860s, at the beginning of 1870s they still had a level of manufacture protection that was more than threefold that of the European rich countries. During this period they developed well-established and organized lobbies which demanded high tariffs to defend national industry from the competition of rich countries’ manufactured exports. When protectionism became fashionable again in 1880s and 1890s, peripheral governments were too weak to stop rent-seeking in the economy and most of them increased manufacture tariffs in non-competitive sectors. These results could reflect both the existence of poor underlying institutions, and a negative association between protected industrial sectors and long-run growth."
O gráfico a que se refere esta passagem é este aqui, onde se pode ver que o Brasil, detentor de uma das mais altas tarifas do grupo, não foi feliz em suas taxas de crescimento, junto com outros que praticaram as mesmas políticas comerciais defensivas (na verdade, destinadas a produzir receitas para o Estado mais do que promoção industrial).
As conclusões gerais do trabalho são sempre cautelosas, como se pode ver por estes trechos selecionados: 
"In theory, there is no reason to find a systematically unambiguous association between average tariffs and growth in different groups of countries, and regional asymmetry may be partially explained by different tariff structures.
(...) an increase in protection, measured by total and manufacture tariff averages, implied more protection of unskilled and inefficient sectors and less growth, and this is especially consistent with the behaviour of poor countries in the late nineteenth century. Protection was apparently positive for the ‘rich countries club’, but had a limited impact on growth.
Comparative advantage in low-skilled sectors might be an engine for growth, therefore higher protection of those sectors might appear as a legitimate option. However, international trade theory and historical experience show that tariffs never focus on relatively low-cost sectors with comparative advantage in the present day. Tariffs in non-comparative advantage sectors in the present day may have a positive relationship with growth in the future, if high tariffs are imposed in sectors with dynamic positive externalities. Endogenous growth literature assumes that this might be the case if ‘good institutions’ succeed in controlling rent-seeking.
This works thus rejects the established view that, as a general statement, tariffs were positively associated with long-run growth in late nineteenth century, as has been maintained recently by O’Rourke (2000), Williamson (2001, 2006a), Jacks (2006). European and Latin American peripheral countries demanded high tariffs to defend national industry from the competition of manufactured imports from rich countries. Tariff structure was the result of a rent-seeking policy competition between inefficient sectors trying to defend national manufactures more than a governmental tariff import-substitution strategy. An inefficient manufacture tariff structure did not foster positive externalities at an economy-wide level, and this was especially true for the developing world. That is probably the reason why total, and especially manufacture tariffs, usually appear associated with negative growth in the world in the late nineteenth century."


Vale ler o trabalho em sua íntegra.
Paulo Roberto de Almeida 

Viva a Ignorancia? Enfim, de vez em quando, se mostra bem-vinda...

Não se trata de uma declaração de amor à burrice, mas de uma ode à não educação.
Não de todos, claro, mas dos bandidos sempre à espreita.

A mensagem abaixo me veio de um "Auditor Fiscal da Receita Federal", esse órgão fascista que erra na Economia mas parece acertar no Português.
Coisa que bandidos simplórios não conseguem fazer...
Enfim, os destinatários precisam apenas saber mais Português do que os bandidos. E não serem néscios ou ingênuos.
Mas, atenção, os bandidos vão obter títulos universitários e aí vai ficar mais difícil distingui-los.
Embora eu tenha a impressão de que escrever mal, atualmente, já atingiu a pós-graduação...
Vamos estimular a ignorância?
Paulo Roberto de Almeida 



Sua declaração de número 13BVT529/2012 está Pendente de Retificação.

A Receita Federal agora com parceria com SERPRO analisou todas as Declarações feitas
em  2012 a fim de solucionar problemas pendentes em nosso sistema.

Analisando seu CPF/CNPJ encontramos divergências, estamos enviando um demonstrativo dos números apresentados
e dos números divergentes, favor verifique os dados contidos no demonstrativo para correção, e a falta de correção
de sua declaração acarretará a inclusão da mesma na malha fina .

Ecologistas: os novos malthusianos irresponsaveis...

Sim, além de malthusianos, irresponsáveis, pois o velho Malthus pretendia, supostamente, salvar a humanidade, reduzindo a taxa de natalidade por vias naturais, para melhorar a distribuição. Estava errado, a não contar com o crescimento da produtividade agrícola e com a revolução industrial.
Mas ela não pretendia impedir plantações pela via autoritária, como pretendem as novas saúvas do Brasil, os ecologistas e seus amigos malucos em outras esferas.
Abaixo, trechos de um artigo da Senadora Katia Abreu, selecionados pelo jornalista Reinaldo Azevedo...
Paulo Roberto de Almeida 



A senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da CNA, publica hoje (12/05/2012)  um artigo na Folha que é de leitura obrigatória. E mais deveriam se sentir obrigados a lê-lo os que aderiram ao tal “Veta, Dilma” (sim, queridos, até Camila Pitanga poderia fazê-lo) e os ecologistas. Ocorre que essa turma rejeita o debate. Não quer ganhar consciências. Está em busca de inocentes de bom coração. Se Dilma fizer o que pedem, haverá uma diminuição da área plantada no país de 33 milhões de hectares. Não serão prejudicados apenas pequenos e médios produtores. Será pior para o país. Seguem trechos do artigo.
Reinaldo Azevedo
(…)
Será que é racional abrir mão de 33 milhões de hectares da área de produção de alimentos, que representam quase 14% da área plantada, para aumentar em somente 3,8 pontos percentuais a área de vegetação nativa do país? Essa troca não me parece justa com os brasileiros, pois corremos um alto risco de aumento no preço dos alimentos sem um ganho equivalente na preservação ambiental. Reduzir 33 milhões de hectares nas áreas de produção agropecuária significa anular, todos os anos, cerca de R$ 130 bilhões do PIB (Produto Interno Bruto) do setor. Para que se tenha uma noção do que representam 33 milhões de hectares, toda a produção de grãos do país ocupa 49 milhões de hectares.
O Código Florestal não foi construído para agradar a produtores ou ambientalistas, mas, sim, para fazer bem ao Brasil. Agora, está nas mãos da nossa presidente, a quem cabe decidir, imune a pressões, o que é melhor para sermos um país rico, um país sem miséria, que é a grande meta da sua gestão. A utopia ambientalista, no entanto, não respeita a democracia política, muito menos a economia de mercado. Há líderes do movimento verde que pregam abertamente um Estado centralizado, com poderes para determinar a destinação dos recursos, da produção e até mesmo do consumo. Nesse tipo de sociedade autoritária, não há lugar para a liberdade e para as escolhas individuais. Salvam a natureza e reduzem a vida humana à mera questão da sobrevivência física.
Mas slogans fáceis e espetáculos midiáticos não podem ofuscar a eficiência da agropecuária verde-amarela. O Ministério da Agricultura acaba de divulgar os dados do primeiro quadrimestre de 2012. Exportamos US$ 26 bilhões, gerando superavit de US$ 20,8 bilhões. Nunca é demais lembrar que o agro exporta somente 30% de tudo o que produz. E, para isso, usa apenas 27,7% do território, preservando 61% com vegetação nativa. Qual país do mundo pode ostentar uma relação tão generosa entre produção e preservação?
Os ambientalistas, em sua impressionante miopia, ainda cobram que a agropecuária deva elevar a produtividade. Nos últimos 30 anos, com apenas 36% a mais de área, a produção de grãos cresceu 238%! Eles não consideram que os índices brasileiros já são elevados e que aumentos são incrementais.
(…)
É inaceitável que o Brasil abra mão da sua capacidade produtiva, deixando de contribuir plenamente para a redução da pobreza, já tendo a maior área de preservação do mundo.

Das corrupcoes menos visiveis - Janer Cristaldo

Janer Cristaldo - aqui postado muitas vezes -- é um libertário, anarquista, ou simplesmente um escritor livre, de todas as amarras e compromissos, e portanto corrosivo contra toda e qualquer desonestidade que se traveste de moralidade.
Ele fala da corrupção dos escritores pagos com dinheiro público, e apenas um pouco da corrupção universitária, que conheço superficialmente, mas que suspeito ser muito maior, mas MUUUIIITO MAIOOOOR, do que o normalmente imaginado.
Ele tem razão. Mas vai ser duro desmantelar esse sistema viciado. 
Vamos ler esta nova crônica desmantelante, se ouso abusar do idioma...
Paulo Roberto de Almeida 

MINHAS CORRUPÇÕES PREDILETAS 
Janer Cristaldo
Sexta-feira, Maio 11, 2012

Leitores querem saber por que não escrevo sobre as grandes corrupções nacionais. Ora, isto está na primeira página de todos os jornais. A crônica é tão vasta que já existem extensas compilações on line, para orientar o leitor no organograma da corrupção. Prefiro falar sobre o que os jornais não trazem. Por exemplo, o Chico Buarque sendo traduzido na Coréia às custas do contribuinte. Não sei se o leitor notou, mas a dita grande imprensa não disse um pio sobre isto. O que sabemos vem da blogosfera.

Prefiro falar de corrupções mais sutis, quase imperceptíveis, mas corrupções. A imprensa denuncia com entusiasmo a corrupção no congresso, na política, nos tribunais. Não diz uma palavrinha sobre a corrupção no santo dos santos, a universidade. Corrupção esta mais difícil de ser detectada, já que em geral foi legalizada. Mordomias para encontros literários internacionais inúteis, concursos com cartas marcadas, endogamia universitária, tudo isto se tornou rotina no mundo acadêmico e não é visto como corrupção.

Tampouco se fala sobre a corrupção no mundo literário, que há muito se prostituiu. Jorge Amado, que passou boa parte de sua vida escrevendo a soldo de Moscou, está sendo homenageado nestes dias no país todo. Devo ter sido o único jornalista que o denuncia – e isto há décadas – como a prostituta-mor das letras tupiniquins.

Corrupção só existe quando em uma ponta está o Estado. Se o dono de meu boteco me cobra 50 reais por uma cerveja e eu pago com meu dinheiro, pode ter ocorrido um abuso, mas jamais corrupção. O dinheiro é meu e a ele dou a destinação que quiser, por estúpida que seja. Mas se um fornecedor de cervejas as vende por 50 reais ao governo, está caracterizada a corrupção. Porque governo não tem dinheiro. Governo paga com os meus, os teus, os nossos impostos. E obviamente alguém do governo vai levar algo nessa negociata.

Escritores, esses curiosos profissionais que querem transformar suas inefáveis dores-de-cotovelo em fonte de renda, adoram subsídios do Estado. Não falta quem pretenda a regulamentação da profissão. O que não seria de espantar, neste país onde até a profissão de benzedeira acaba de ser reconhecida no Paraná. (Voltarei ao assunto).

Em 2002, Mário Prata, medíocre cronista do Estadão, pedia a Fernando Henrique Cardoso o reconhecimento da profissão de escritor: "O que eu quero, meu presidente, é que antes de o senhor deixar o governo, me reconheça como escritor". Claro que não era apenas a oficialização de uma profissão que estava em jogo. Mas o financiamento público da guilda. Cabe observar como o cronista, subserviente, se habilita ao privilégio: “meu presidente”.

Esquecendo que existe um Congresso neste país, o cronista pedia ao presidente a elaboração de uma lei. Mais ainda. Citava a Inglaterra como exemplo de país onde o escritor é reconhecido. Lá, segundo o cronista, toda editora que publicar um livro, tinha que mandar um exemplar para cada biblioteca pública do país. "Claro que os 40 mil exemplares são comprados pelo governo. Quem ganha? Em primeiro lugar o público. Ganha a editora, ganha o escritor. Ganha o País. Ganha a profissão".

E quem perde? - seria de perguntar-se. A resposta é simples: como o governo não paga de seu bolso coisa alguma, perde o contribuinte, que com os impostos tem de sustentar autores até mesmo sem público. É o que chamo de indústria textil. Textil assim mesmo, sem acento: a indústria do texto. É uma indústria divina: você pode não ter nem um mísero leitor e vender 40 mil exemplares. O personagem mais venal que conheço é o escritor profissional. Ele segue os baixos instintos de sua clientela. O público quer medo? Ele oferece medo. O público quer lágrimas? Ele vende lágrimas. O público quer auto-ajuda? Ele a fornece. É preciso salvar o famoso leite das criancinhas.

No fundo, saudades da finada União Soviética, onde os escritores eram pagos pelo Estado comunista para louvar o Estado comunista. Seguidamente comento – e creio ser o único a comentar – o livro A Sombra do Kremlin, relato de viagem do jornalista gaúcho Orlando Loureiro, que viajou a Moscou em 1952, mais ou menos na mesma época que outro jornalista gaúcho, Josué Guimarães. Enquanto Josué, comunista de carteirinha, vê o paraíso na União Soviética em As Muralhas de Jericó, Loureiro vê uma rígida ditadura, que assume o controle de todo pensamento. Comentando a literatura na então gloriosa e triunfante URSS, escreve Loureiro:

- A União dos Escritores funciona como um Vaticano para a moderna literatura soviética. O julgamento das obras a serem lançadas obedece a um critério estreito e sectário de crítica literária. Esta função é exercida por um conselho reunido em assembléia, que discute os novos livros e sobre eles firma a opinião oficial da sociedade. A exegese não se restringe aos aspectos literários ou artísticos da obra julgada, senão que abrange com particular severidade seu conteúdo filosófico, que deve estar em harmonia absoluta com os conceitos de “realidade socialista” e guardar absoluta fidelidade aos princípios ideológicos da doutrina marxista. Se o livro apresentar méritos dentro do ponto de vista dessa moral convencionada, se resistir a esse teste de eliminatória, então passará por um rigoroso trabalho de equipe dentro dos órgãos técnicos da União, podendo vir a tornar-se num legítimo best-seller, com tiragens astronômicas de 2 a 3 milhões de exemplares. E o seu modesto e obscuro autor poderá ser um nouveau riche da literatura e será festejado e exaltado e terminará ganhando o cobiçado prêmio Stalin...

Foi o que aconteceu com a prostituta-mor das letras brasileiras. Em 1950, o ex-nazista e militante comunista Jorge Amado passou a residir no Castelo da União dos Escritores, em Dobris, na ex-Tchecoslováquia, onde escreveu O Mundo da Paz, uma ode a Lênin, Stalin e ao ditador albanês Envers Hodja. No ano seguinte, quando o livro foi publicado, recebeu em Moscou o Prêmio Stalin Internacional da Paz, atribuído ao conjunto de sua obra, condecoração geralmente omitida em suas biografias.

Não que hoje se peça profissão de fé marxista ou louvores a Stalin. No Brasil, para ter sucesso, o escritor hoje tem de aderir ao esquerdismo governamental. Não precisa louvar abertamente o PT. Mas se tiver dito uma única palavrinha contra, não é convidado nem para tertúlia nos salões literários de Não-me-toques. Você jamais ouvirá um Luís Fernando Verissimo, Mário Prata, Inácio de Loyola Brandão ou Cristóvão Tezza fazendo o mínimo reproche às corrupções do PT. Perderiam as recomendações oficiais como leituras escolares e acadêmicas... e uma considerável fatia de seus direitos de autor. O livro de Loureiro não mais existe, só pode ser encontrado em sebos. Os de Josué continuam nas livrarias. Et pour cause...

Escritor financiado pelo Estado é escritor que vendeu sua alma ao poder. É o que acontece quando literatura vira profissão. Alguns se rendem aos baixos instintos do grande público e fazem fortuna considerável. Uma minoria consegue exercer honestamente a literatura e manter a cabeça acima da linha d'água.

Uma imensa maioria, que não consegue ganhar a vida nem honesta nem desonestamente, apela à cornucópia mais ao alcance de suas mãos, o bolso do contribuinte. É o caso de Chico Buarque, o talentoso escritor cujo talento maior parece ser descolar financiamento para sua “obra” junto ao contribuinte. Mas Chico está longe de ser o único. Está cometendo algum crime? Nenhum, seus subsídios são perfeitamente legais. Mas por que cargas eu ou você temos de pagar pelas traduções e viagens a congressos internacionais de um escritor que se dá ao luxo de ter uma maison secondaireàs margens do Sena?

Ainda há pouco, eu comentava o absurdo de o contribuinte financiar a tradução de Chico na Coréia. Leio agora que o programa de bolsas de tradução da Biblioteca Nacional vai apoiar mais autores best-sellers no Brasil. O Diário de um Mago, de Paulo Coelho, será lançado na China pela editora Thinkingdom Media Group. Já As Esganadas, de Jô Soares, estará nas livrarias francesas. Ora, Coelho tornou-se milionário graças a suas obras de auto-ajuda, já traduzidas em quase 60 idiomas. Jô, que deve ganhar salário milionário na televisão, tem seus livros entre os mais vendidos, graças ao fator Rede Globo. Será que estes senhores precisam enfiar a mão em nosso bolso para pagarem seus tradutores na China e na França?

É destas corrupções, perfeitamente legais, que prefiro falar. Porque delas ninguém fala. Em verdade, nem mesmo os leitores. Não há quem não chie contra a carga tributária imposta ao contribuinte no Brasil. Mas todos pagam sem chiar as mordomias destas prostitutas das Letras.

Diplomatas literarios: os do "sertao" e outros


Os embaixadores do sertão

A diplomacia influenciou a literatura de Vinicius de Moraes, Guimarães Rosa e João Cabral
CARLOS HAAG 
Pesquisa Fapesp,  Edição 195 - Maio de 2012
© ARQUIVO / AGÊNCIA ESTADO / AE
Brasília em construção (1959), metáfora da divisão entre modernidade e a realidade do país
Em 1956, quando o presidente Juscelino Kubitschek lançou o seu Plano de Metas, destinado a modernizar o país, Guimarães Rosa (1908-1967) publicou as novelas de Corpo de baile e Grande sertão: veredas. Era embaixador e trabalhava no Itamaraty, no Rio de Janeiro. No mesmo ano, João Cabral de Melo Neto (1920-1999) publicou Duas águas e os inéditos Morte e vida SeverinaPaisagens com figuras Uma faca só lâmina. O diplomata foi transferido para Barcelona, como cônsul-adjunto. Ainda em 1956, Vinicius de Moraes (1913-1980), voltava de Paris, após ocupar o cargo de segundo secretário de embaixada. Escreve o poema Um operário em construção para o primeiro número da revista Para Todos, convidado por Jorge Amado. Também inicia a parceria com Tom Jobim, a quem convida para musicar Orfeu da Conceição, encenada no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro naquele ano. Na contramão do otimismo geral do Brasil novo, nas obras do trio transita uma multidão pelo sertão e pelas favelas, estrangeiros na sua terra.
“O ano de 1956 foi emblemático, porque nesses textos nota-se uma não integração à verdade alardeada pela produção da modernidade. Há, nos autores, um deslocamento da percepção para lugares mais recônditos da estrutura social, dos sujeitos menos favorecidos pela escala social. Cabral, Rosa e Vinicius questionam os lugares hierárquicos tradicionais, impostos como naturais à ordem coletiva”, explica o crítico literário Roniere Menezes, professor do Centro Federal de Educação de Minas Gerais (Cefet-MG) e autor da pesquisa O traço, a letra e a bossa: literatura e diplomacia em Cabral, Rosa e Vinicius (Editora UFMG). Os três, além de se destacarem do otimismo nacional, também apresentavam um “sertão” (ou, no caso de Vinicius, as favelas, análogas ao sertão) muito diverso do sertão exótico, saudosista e contrário ao moderno – muitas vezes tratado com tintas da política representativa tradicional –, como ocorre na obra de alguns colegas de letras. Os autores, ao construírem suas imagens do povo brasileiro, interessaram-se mais pela questão ética que pelo viés político partidário.
Se há diferenças entre os autores, eles apresentam um ponto semelhante: eram diplomatas.  “Mais do que uma coincidência, o trabalho diplomático, ou seja, a aproximação com a exterioridade de um sistema, abertura para o jogo de diferenças existentes na vida social, cultural e política, permite articular os projetos tão heterogêneos dos três, com caminhos estéticos diversos, mas uma mesma preocupação: a tensão entre o discurso do Brasil desenvolvimentista das elites e o discurso do Brasil arcaico, carente, rural ou urbano”, observa Menezes. “Esses escritores-diplomatas corroeram a ideia de um regionalismo fechado, enrijecido, alheio às conexões com o mundo exterior. Ao mesmo tempo, caminham na contramão das pretensões de um Estado desenvolvimentista focado na ideia de unidade nacional. Seus textos enfatizam as identidades diversas do país, a multiplicidade de culturas e demandas sociais do Brasil”, analisa. Da mesma forma que o movimento da escrita diplomática se pauta pela “desterritorialização”.
© FOLHAPRESS
Guimarães Rosa em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em 1967
Os escritores diplomatas são viajantes de um Brasil perdido nos labirintos da modernização. “A tensão criada no espírito ao mesmo tempo burocrata (eram funcionários do Estado) e ‘turista’ desses autores traz um olhar agudo para aqueles ‘estrangeiros’ nativos que perambulam pelo seu país, como as massas de refugiados do pós-guerra, buscando uma moradia. O deslocamento, o exílio, a adaptação complexa a outras terras, parte vida diplomática, contribui para a desterritorialização do pensamento”, avalia o pesquisador. A realidade social que seus textos revelam é abordada por uma ótica de exterioridade.
“A escritura diplomática desconfia do vínculo limitado com os lugares. Cabral, Rosa e Vinicius sabem que não podem escrever ‘de dentro’, não têm o discurso do sertanejo ou do favelado. Por isso criam ‘espaços do fora’, onde fazem ressoar as vozes do ‘dentro’. Essa perspectiva de fronteira, nem dentro nem fora, busca o constante diálogo entre diversas proposições, gerando novas reflexões, novas configurações estéticas”, nota Menezes.
No itinerário dos escritores-diplomatas surgem ressonâncias, aproximações, traduções entre as produções culturais de várias partes do mundo, exatamente num momento em que o país experimenta sua modernidade tardia, em que a produção local se articula com a estrangeira e os conceitos de dependência começam a sofrer interferência dos conceitos de simultaneidade cultural. Ainda que, no Brasil, a ideia de modernidade tenha surgido antes do processo de modernização. Brasília é o símbolo disso, como capital de um Estado de “vanguarda” numa nação em que muitos valores da modernidade não foram sequer assimilados. “Nisso, os três escritores foram sábios em lançar mão da escritura diplomática, em especial na utilização do afeto em relação ao outro no reconhecimento do exterior aos lugares estabelecidos”, analisa o pesquisador.
O trabalho com a diplomacia funciona como alegoria do processo de criação literária de se pensar a escritura como uma relação com a alteridade. Daí a imagem da simpatia que os autores desenvolvem pelos “estrangeiros” da modernidade que circulam em território brasileiro.
“Os autores desenvolveram o pensamento da ‘estrangeiridade’, a abertura para outros modos de saber e de expressão. Ao mesmo tempo em que atuam no campo burocrático ou literário, buscam a convivência com diversidade social, estética e cultural nativa, subjetiva ou concreta, ligada à grande arte ou à tradição popular”, avalia Menezes. Rosa, em suas experiências na Europa, durante a guerra, viveu a perda de certezas na própria humanidade e fez da insegurança diante da ordem estrangeira a possibilidade de criação de linhas de fuga pela literatura. “O enfrentamento das fragilidades humanas em terras inóspitas liga-se intimamente à formulação artística. O trabalho estético, então, ganha força política restauradora, pois se relaciona à vontade de transformação individual e coletiva.
Dualista
Para o pesquisador, a transdisciplinaridade possibilita a criação de espaços de estrangeiridade mesmo em relação aos pensamentos mais íntimos. “Rompe-se com o pensamento estanque, dualista, aprende-se a olhar com as lentes do outro, a sentir um pouco da insegurança das terras desconhecidas. A experiência com a terra estrangeira, com os espaços diferentes cria no viajante o interesse pelo novo de forma aguçada. Isso faz com que eles reconheçam suas limitações, fiquem mais abertos e mais tolerantes aos diversos modos de existência”, observa.
© FOLHAPRESS
Vinicius de Moraes, em 1965
Há a constatação de que é preciso sair da interioridade e ir em direção a outras formas de pensamento e o conceito de diplomacia é fundamental como a busca de um diálogo com uma exterioridade em relação ao sistema instituído. “A diplomacia oferece à escritura a capacidade de pensar o outro não por regras consolidadas, mas pela capacidade de ser olhado por esse outro, de deixá-lo invadir o discurso e dar novo significado ao pensamento e ao próprio ato de criação”, fala Menezes.
A isso se junta o apuro da escrita, já que os diplomatas sabem o quanto há de construção linguística, de técnica retórica, de jogos de poder em cada trecho de um argumento. “A atenção e o cuidado com as minúcias da linguagem, as estratégias de convencimento, o preparo intelectual, o controle para que aspectos sentimentais ou irrefletidos não interfiram nas negociações refletem a ‘prudência’ diplomática presente na produção artística dos três.” Mas, ao contrário da diplomacia oficial, com regras e dogmas, a “diplomacia literária” ou “diplomacia menor” tem como força maior o questionamento. Não se quer fechar acordos definitivos, mas revelar novos olhares políticos sobre o mundo. Não destruir a ideia de modernidade em propor um retorno saudosista ao passado, mas revelar as incongruências da modernização forçada e propor formas alternativas de se pensar o país. “Se o diplomata às vezes mente, ou esconde conhecimento para conseguir acordos melhores, o escritor inventa mentiras que nos possibilitam enxergar verdades maiores que as certezas aparentes”, analisa o pesquisador.
O trio, porém, destoava de muitos colegas diplomatas. Como, por exemplo, se vê no ofício de Aluízio de Magalhães, cônsul-geral do Brasil em Marselha, em 1958, em que critica a cantora Marlene,  e grupos brasileiros de balé negro e frevo na Europa. “A brasileira se desmancha em movimentos epiléticos, enquanto uns negros, sem compostura, batendo tambores, saracoteavam ao derredor que nem macacos à orla da mata”, escreve o cônsul-geral.
“Os escritores-diplomatas, quando lidam com a política da escritura, sabem que o trabalho político mais importante não se liga às fronteiras físicas visíveis, mas com as formas de separação das linhas invisíveis do preconceito, da discriminação”, afirma Menezes. É nesse “lugar menor” que buscam corroer a separação e a exclusão. “Na diplomacia oficial, o trabalho é feito por meio das instituições políticas, jurídicas e econômicas. Na ‘diplomacia menor’ ele se realiza, por exemplo, pela representação do povo simples, exposto à crueza da realidade, no seu modo de lidar com a biopolítica, com os limites que devem atravessar todo dia para sobreviver”, observa.  “Traduzir necessidades internas em possibilidades externas para ampliar o poder de controle de uma sociedade sobre seu destino é, no meu entender, a tarefa da política externa”, escreve o diplomata e professor da Universidade de São Paulo Celso Lafer em O Itamaraty na cultura brasileira (Instituto Rio Branco, 2001).
© EDER CHIODETTO / FOLHAPRESS
João Cabral em seu apartamento no Rio de Janeiro, em 1997
“A capacidade de Rosa de usar registros linguísticos diversos era, no plano literário, o correlato perfeito do primeiro item de qualquer agenda diplomática: a fixação das fronteiras, base da política externa que pressupõe uma diferença entre o ‘interno’ (o espaço nacional) e o ‘externo’ (o mundo)”, analisa Lafer. “Ele traduzia na sua literatura um dos princípios básicos da diplomacia brasileira, uma linha de ação voltada para transformar nossas fronteiras de clássicas fronteiras-separação em modernas fronteiras-cooperação”, avalia. Ao contrário de Rosa e de Cabral, que tiveram essa experiência do sertão na infância, Vinicius só vai conhecer o Nordeste e o Norte aos 29 anos, em 1942. Seu ingresso no Itamaraty ocorre no momento em que está descobrindo o país e assumindo a sua nova brasilidade e, com isso, sua produção artística começa a ser influenciada pela realidade social do Brasil e dos saberes populares.
No lugar do sertão, Vinicius insere em sua obra imagens da favela e das zonas boê-mias do Rio de Janeiro. Sua permanência diplomática nos EUA o fez conhecer melhor o jazze o cinema. Mas, ao contrário dos colegas de letras, foi o único a ser desligado do Itamaraty. Cabral havia enfrentado um processo de cassação em 1952, por Vargas, mas retornou ao ministério. O “poetinha”, não. Durante um show em Portugal, em 1968, ataca o regime militar. Contra esta e outras ações do poeta, o regime reage com uma aposentadoria compulsória. Em nota grosseira, o então presidente Costa e Silva fez questão de anotar: “Demita-se esse vagabundo”. A diplomacia libera definitivamente seu talento para a música popular.
“O texto do trio não está pautado pela luta de classes, partidos ou poder, mas pelas mediações, negociações”, observa Menezes. Nos textos dos três diplomatas aparecem imagens incômodas, dissonantes em relação ao discurso da nação desenvolvimentista simbolizada por Brasília, que o trio, cada um a seu modo, soube admirar e criticar.
“Num período em que o país quis ingressar no concerto das nações, com investimentos na modernização e no progresso, eles tinham confiança no futuro, mas desconfiavam dos processos com que se conduzia o país a esse novo estágio político e econômico”, nota o pesquisador. Então, enveredam-se pelos sertões, morros e periferias buscando valorizar os saberes e as criações populares. “A ‘diplomacia menor’ e as ‘poéticas de fronteiras’ mostram a necessidade do encontro com alguma coisa que force o pensamento a sair da sua interioridade. “O movimento rumo ao exterior dos lugares convencionais contribuiu para o desenvolvimento da imaginação e do olhar crítico dos autores”, diz Menezes.

O que seria estrategico no comercio e no desenvolvimento? Comento um comentario

Acabo de receber o seguinte comentário a um dos meus posts:


[...] deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Reflexoes ao leu, 3: Diplomacia comercial brasilei...": 

Paulo, os EUA são um de nossos principais parceiros comerciais há décadas. A diversificação de parceiros comerciais e a relutância em aceitar uma zona de livre comércio com os americanos, me parece, até intuitivamente, estratégico para o nosso desenvolvimento sustentado. O exemplo mexicano é, sim, paradigmático. Como tu mesmo reconheces, precisamos resguardar-nos, seja da China, seja dos EUA. Tanto um quanto outro serão importantes nas relações bilaterais brasileiras, sempre, mas não podemos comprometer nosso desenvolvimento em troca de acordos que possuem riscos tão altos. Paranoia? Pode ser... Mas gato escaldado...

Meus comentários (PRA) ao que vai acima:

Bem, ninguém disputa o fato de que, desde meados do século XIX aproximadamente, quando os EUA passaram a comprar a metade do nosso café, aquele país é um dos principais parceiros comerciais do Brasil. Não só comercial, pois a relação abarca inúmeros outros aspectos, talvez até mais importantes -- tecnologia, finanças, cultura, ciência, etc, mas é o comércio que sustenta tudo isso -- e de certa forma mais equilibrada do que a relação com os europeus, por exemplo, bem mais padrão Norte-Sul.
A China pode até ser atualmente nosso principal parceiro COMERCIAL, pela magnitude dos intercâmbios, mas ninguém disputará o fato, provavelmente lamentável, de ser uma relação tremendamente DESEQUILIBRADA, com 95% de matérias-primas para lá (na verdade, cinco ou seis produtos primários, apenas) e 95% de manufaturas para lá.
Mesmo que os EUA ainda percam posições, eles SEMPRE vão constituir um parceiro relevante, com uma enorme diversidade de intercâmbios, o que nos é extremamente favorável, mesmo com déficits aqui e ali.

Mercado é mercado, interno, externo, branco, preto, desenvolvido ou emergente, isso não importa, portanto diversificação sempre é bom, e isso depende dos empresários, basicamente, e um pouco do governo, em matéria de prospecção, promoção comercial, etc. Por isso, falar em "nova geografia" é uma mistificação: todas as geografias são possíveis, desejáveis e até mesmo necessárias, e não cabe, absolutamente, promover apenas comércio com o Sul, em detrimento de esforços semelhantes com países desenvolvidos, que tem mercados consolidados, remuneradores, isentos de calotes, etc.
Por isso, a tal de "nova geografia do comércio internacional", patrocinada pela dupla Lula-Amorim, nada mais era do que uma empulhação, uma mistificação, uma tremenda enganação, até em detrimento dos interesses brasileiros, pois que significando um foco exclusivo em países do Sul. Isso, além de tudo, é burro, é estúpido, e até mesmo criminoso, com respeito a um comércio em todas as direções, sobretudo garantindo acesso e consolidação de comércio com países solváveis.
O que ocorreu na versão anterior do comércio Sul-Sul (dos anos 1970)?
Fizemos tremendos esforços, oferecemos créditos generosos (já que não havia linhas comerciais com esses países), apenas para sermos caloteados pouco depois, e ficarmos durante anos e anos renegociados créditos não pagos no Clube de Paris. Um tremendo prejuízo para o país, ou seja, para nós, contribuintes brasileiros, que pagamos a conta.

Assim como é estúpido o tal "programa de importação substitutiva de importações", imposto pela mesma dupla, numa outra demonstração de generosidade com o nosso dinheiro. Ora, os países, os fabricantes, os comerciantes, fazem comércio com base em interesses concretos, mercados, lucro, ganhos substantivos, não por simpatia ou interesses políticos. Ninguém importa de ninguém apenas para fazer favor ao ofertante estrangeiro, apenas porque vai vender no seu mercado doméstico. No máximo o governo pode gastar o nosso dinheiro para promover os nossos produtos lá fora, não para convencer os nacionais a comprar produtos estrangeiros.
Isso, além de estúpido, mais uma vez, é gastar o nosso dinheiro com generosidades indevidas, uma tremenda empulhação, e um gasto criminoso. Quem quiser vender, que faça esforços, quem quiser importar, que o faça a sua conta e risco, não com o nosso dinheiro.

Voltando ao comentário acima, eu sinceramente não concordo: 
"relutância em aceitar uma zona de livre comércio com os americanos, me parece, até intuitivamente, estratégico para o nosso desenvolvimento sustentado."
O que pode haver de estratégico numa relutância? 
Não vejo absolutamente nada. Pode haver estratégia numa ação determinada, mas a recusa de fazer algo é apenas isso: omissão, não ação. Nunca se saberá o que poderia ocorrer, de estratégico ou não.
Ou pode-se até imaginar: mais concorrência, mais produtos, mais investimentos, maior escala de mercados, maior integração com o mundo, menos barreiras, enfim, globalização, ainda que de forma restrita, pelo comércio preferencial com apenas um grande parceiro, e com todos os demais parceiros do hemisfério, aliás.
O que pode haver de estratégico na recusa disso tudo?
Eu não vejo absolutamente nada, só temor, paranoia, relutância, justamente, em se ter mais concorrência.
Industriais protecionistas podem até gostar, mas não entendo como consumidores livres poderiam apreciar isso.

E não tem nada a ver com desenvolvimento sustentado. Isso é conceito vazio. Comércio é comércio, ponto. Pode até ajudar um pouco no desenvolvimento, mas não é isso que desenvolve um país, e sim transformação produtiva, inovação tecnológica, educação, infraestrutura, créditos, juros baixos, boa governança, baixa corrupção, etc, coisas que pode até ser facilitadas pelo comércio, mas que dependem muito mais de outras ações internas, sobretudo estabilidade macroeconômica e competição microeconômica.
O medo dos EUA me parece infantil, e até estúpido, se me permitem a expressão.

O exemplo do México é paradigmático?
Absolutamente não. Ele só serve para o México, nem para o Canadá, que também tem "dependência" -- como gostam de dizer certos ingênuos -- das relações com os EUA (e não poderia ser de outro modo).
O Uruguai tem o mesmo tipo de "dependência" dos mercados do Brasil e da Argentina, a Bélgica da França e da Alemanha.
Sim, e daí?
O que isso importa? 
Comércio é comercio, e o fato de o México estar concentrado nos EUA é problema dele, não nosso. Que os empresários e o governo procurem outros mercados, o que não me parece proibido pela vizinhança americana. Se eles se acomodam numa relação de "dependência", problema deles...

Tampouco concordo com isto aqui: 
"Como tu mesmo reconheces, precisamos resguardar-nos, seja da China, seja dos EUA."
Não reconheço absolutamente nada, e acho simplório isso: resguardar do que? Vão nos invadir, vão nos obrigar a importar deles, exclusivamente?
Não sejamos ridículos, o comércio é feito pelo setor privado para fazer lucro, não para ser bonzinho com americanos ou chineses.
E se compramos mais deles, é porque vende aqui (ou seja, é mais barato ou de melhor qualidade do que a oferta interna), não porque queiramos deixá-los ricos e satisfeitos.

Volto a repetir: o rabo do comércio NÃO consegue abanar o cachorro do desenvolvimento. Ou fazemos desenvolvimento por muitas outras políticas, ou nunca conseguiremos crescer só pelo comércio, inclusive porque permanecemos GENETICAMENTE PROTECIONISTAS, agora agravados por políticas ainda mais estúpidas e de duvidosa legalidade no Gatt-OMC.

Paranoia? Sim existe, mas eu não tenho...
Paulo Roberto de Almeida