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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Diplomatas escrevem (ao que parece...) - Prata da Casa

Enfim, alguns obrigados por esse rito de passagem obrigatório para promoção que é o Curso de Altos Estudos, supostamente um doutorado, na verdade apenas um exercício de redação de algum tema diplomático que, em alguns casos, é um longo memorando de posições, ou seja, uma coleção de telegramas que o próprio diplomata preparou, como dever de ofício, nos meses ou anos anteriores.
Em outros casos, felizmente a maioria, se trata de um trabalho real de pesquisa, valendo todos os méritos de um trabalho acadêmico en bonne et due forme, ou seja, um scholarly work.
Tenho resenhado todos esses trabalhos, o que me dá por vezes certo trabalho, mas por outras imenso prazer.
Aqui vão -- e acho que não postei nada este ano das resenhas feitas -- os mais recentes livros de diplomatas, prata da casa no bom e no mau sentido, pois que publicados d'office, sem alguma revisão editorial mais cuidadosa, que poderia melhorar forma e conteúdo.
Em todo caso, no panorama desolado dos estudos de RI no Brasil, são um bom aporte ao estudo de problemas da área.
Seguem, transcritas abaixo, as notas relativas aos livros resenhados para os boletins da ADB publicados em 2012. Em principio, todos os livros editados pela Funag estao disponiveis no site da Fundacao: www.funag.gov.br
Paulo Roberto de Almeida


Prata da Casa – Boletim ADB 1o. trimestre 2012

Paulo Roberto de Almeida
Boletim ADB (ano 19, n. 76, janeiro-março 2012, p. 30-32; ISSN: 0104-8503).

Alberto da Costa e Silva (coord.); Rubens Ricupero (colab.):
História do Brasil Nação: 1808-2010; vol. 1: Crise Colonial e Independência: 1808-1830
(Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, 280 p.; ISBN: 978-85-390-0275-7)

Dois diplomatas neste primeiro volume de uma coleção que está sendo preparada em coordenação com uma equipe espanhola, focando os 200 anos das autonomias latino-americanas: o próprio coordenador do volume, acadêmico Costa e Silva, que, ademais de assinar uma introdução sobre as “marcas do período”, responde também por um primeiro capítulo sobre população e sociedade; Rubens Ricupero traça o panorama do “Brasil no mundo” nesse período, desde os fatores externos da independência até o fracasso da guerra na Cisplatina e o envolvimento de D. Pedro I com os problemas da ex-metrópole. Ambas as bibliografias são literatura secundária, mas dentre autores consagrados. Existem ainda capítulos sobre a vida política, o processo econômico e a cultura. Uma obra doravante indispensável.

Eugenio Vargas Garcia:
O Sexto Membro Permanente: o Brasil e a criação da ONU
(Rio de Janeiro: Contraponto, 2011, 458 p.; ISBN: 978-85-7866-044-4)

O autor vem construindo uma obra consistente de história diplomática brasileira: primeiro, pelo exame da participação – e espetacular saída – do Brasil na Liga das Nações; depois, pelo exame da política externa na década de vinte, passando também por compêndios cronológicos e de documentos históricos; agora, por esse muito bem construído relato histórico sobre nossa quase aceitação como membro do CSNU, em 1945. Como para as obras anteriores, a leitura cuidadosa dos arquivos brasileiros, a consulta a fontes externas indispensáveis, o encadeamento dos documentos e dos depoimentos, tudo isso numa linguagem fluída, como convém aos historiadores que escrevem para o grande público. O poder de veto foi usado de forma preventiva, contra o Brasil; sobrou um gosto amargo que alguns buscam hoje superar.

Gelson Fonseca:
Diplomacia e Academia: um estudo sobre as análises acadêmicas sobre a política externa brasileira na década de 70 e sobre as relações entre o Itamaraty e a comunidade acadêmica
(Brasília: Funag, 2011, 248 p.; ISBN: 978-85-7631-349-6)

Trata-se de tese de CAE, defendida em 1981, e publicada pela primeira vez com pequenas alterações cosméticas: a temática está explícita no longo subtítulo e pode-se dizer que a tese inaugurou a abertura do Itamaraty à academia, com a criação do IPRI, em 1985 (como sublinham os apresentadores institucionais). O próprio autor faz um posfácio de esclarecimentos sobre como o trabalho foi construído, ainda no regime militar, mas já num momento de abertura gradual. Num prólogo, um dos membros da banca, o embaixador Rubens Ricupero destaca justamente o princípio democrático como o eixo central do trabalho, mas traça também o percurso de predecessores a esse tipo de trabalho. Os capítulos 2 e 3 da tese fazem um exame de toda a bibliografia relevante sobre a diplomacia brasileira publicada até final dos 70.

Maria Theresa Diniz Forster:
Oliveira Lima e as Relações Exteriores do Brasil: o legado de um pioneiro e sua relevância atual para a diplomacia brasileira
(Brasília: Funag, 2011, 220 p.; ISBN: 978-85-7631-331-1)

Um dos mais importantes historiadores diplomatas, senão o maior, Oliveira Lima andava um tanto esquecido, a despeito mesmo da republicação de alguns dos seus livros nos últimos anos. Este “embaixador intelectual do Brasil” mereceu uma bem pesquisada tese de CAE, que, depois de traçado seu perfil biográfico, coloca em perspectiva suas contribuições à diplomacia brasileira, tanto a de cem anos atrás, quanto a atual. A autora compulsou todas as obras do “Dom Quixote Gordo”, leu tudo o que se escreveu sobre ele e oferece suas próprias reflexões e ponderações sobre esse bibliófilo que morreu num exílio auto-imposto e que legou sua preciosa biblioteca à Catholic University of America. Desavenças com figuras importantes da República estão na raiz desse limbo: uma grande perda, para a diplomacia e para o Brasil.

Sarquis José Buainain Sarquis:
Comércio Internacional e Crescimento Econômico no Brasil
(Brasília: Funag, 2011, 248 p.; ISBN: 978-85-7631-335-9)

Poucos diplomatas são doutores em economia; pouquíssimos, se algum, dispõem de sólido conhecimento em econometria como o autor; e provavelmente só existirá um, o próprio Sarquis, contemplado com um prêmio pela London School of Economics pela excelência de sua tese em macroeconomia e finanças internacionais. Estes méritos já revelam um pouco da qualidade desta tese de CAE que, não apenas estuda as relações que existem entre os dois conceitos do título, nos planos teórico e empírico, como também reconstitui a experiência brasileira – comparativamente a exemplos latino-americanos e asiáticos – nessas áreas e, mais importante, formula recomendações de política econômica externa, extremamente bem fundamentadas em setores como comércio, finanças e câmbio. Vale a recomendação de Adam Smith: o segredo está em educar sua população.

Ademar Seabra da Cruz Junior:
Diplomacia, desenvolvimento e sistemas nacionais de inovação: estudo comparado entre Brasil, China e Reino Unido
(Brasília: Funag, 2011, 292 p.; ISBN: 978-85-7631-327-4)

Poucos países poderiam ser tão diferentes entre si quanto os três escolhidos por este doutor em Sociologia pela USP, mestre em Filosofia das Ciências Sociais pela London School of Economics, para propor uma espécie de “diplomacia da inovação” no esforço brasileiro pelo desenvolvimento. Os exemplos selecionados são, de fato pertinentes, numa perspectiva “schumpeteriana-marxista”, ainda que isso seja surpreendente, já que eles são “atores desiguais e assimétricos da globalização”. No entanto, as políticas de China e Reino Unidos são ilustrativas de estratégias coerentes de inovação; o Brasil faria bem em estudar e adaptar certas características. Ambos, em suas dimensões próprias, têm muito a ensinar ao Brasil. O Itamaraty tem funções a cumprir nesse processo; o autor mostra quais são: montar redes de informação, conectar os diversos agentes nacionais e capturar parte de nossa diáspora científica.

 [Brasília, 2354, 08.01.2012; rev.: 11/01/2012]
[Revisão: Paris: 19.03/2012]



Prata da Casa – Boletim ADB 2o. trimestre 2012

Paulo Roberto de Almeida
Boletim ADB (ano 19, n. 77, abril-junho 2012, p. 30-32; ISSN: 0104-8503).

Miguel Gustavo de Paiva Torres:
O Visconde do Uruguai e sua atuação diplomática para a consolidação da política externa do Império
(Brasília: Funag, 2011, 212 p.; ISBN: 978-85-7631-329-8)

Paulino José Soares de Sousa teve atuação destacada nos dois momentos em que chefiou o ministério dos negócios estrangeiros, no final dos anos 1840 e no início da década seguinte, confrontando a diplomacia arrogante das grandes potências e o arbítrio do caudilho Rosas, da vizinha Argentina, a quem venceu pelas tratativas diplomáticas (mentor que foi da missão do Visconde de Rio Branco) e também com o auxílio das armas. O autor realizou extensa pesquisa nas fontes primárias para reconstituir os principais episódios em que Uruguai se destacou: “foi uma pedra no caminho”, escreve ele, de vários representantes estrangeiros, tal o seu empenho na defesa dos interesses brasileiros. Uma futura edição precisa corrigir os erros de atribuição de trabalhos a Leslie Bethell, quando este foi de fato o coordenador da série de história da América Latina.

José Estanislau do Amaral:
Usos da história: a diplomacia contemporânea dos Estados Bálticos. Subsídios para a política externa do Brasil
(Brasília: Funag, 2011, 216 p.; ISBN: 978-85-7631-309-0)

Os três países bálticos tiveram, como vários outros infelizes vizinhos da Rússia czarista, da União Soviética comunista e da Alemanha expansionista e militarista, uma história movimentada, feita de guerras, ocupação e de “inundação” étnica; obtida a independência ao final da Primeira Guerra Mundial, ela foi varrida na Segunda; novamente autônomos ao final da Guerra Fria, desta vez com a dupla garantia da OTAN e da UE, eles confirmam a resiliência dos povos resistentes às tentativas de submissão. Esta tese de CAE examina sua política externa e as implicações diplomáticas para o Brasil: reconhecemos a independência de 1921 e novamente a de 1991, sem jamais legitimar a anexação soviética de 1940. São Paulo tem, depois de Chicago, a segunda colônia de lituanos no mundo. Bom começo para intensificar as relações.

Luiz Fernando Ligiéro:
A Autonomia na Politica Externa Brasileira - a Política Externa Independente e o Pragmatismo Responsável: momentos diferentes, políticas semelhantes?
 (Brasília: Funag, 2011, 412 p.; ISBN: 978-85-7631-348-9).

Tese de doutoramento defendida na UnB, constitui uma demonstração cabal da famosa mudança na continuidade, que caracterizaria, segundo a quase totalidade dos diplomatas, a diplomacia brasileira (ou, pelo menos, a do Itamaraty). Mas ocorrem mudanças surpreendentes, como justamente os dois exemplos aqui enfocados: a PEI, do início dos anos 1960, e a política de Geisel e de Azeredo da Silveira, mais de uma década depois. A comparação se dá tanto pelo lado dos discursos, quanto pelo da implementação das políticas, nas diversas áreas. O exame é exaustivo e o leque de autores consultados é impressionante, sem esquecer os depoimentos dos principais atores, direta (testemunho gravado) ou indiretamente (arquivos do Cpdoc, por exemplo). Falta uma bibliografia consolidada nesta edição.

San Tiago Dantas:
Política Externa Independente – Edição Atualizada
(Brasília: Funag, 2011, 372 p.; ISBN: 978-85-7631-304-5)

San Tiago Dantas é, por assim dizer, um diplomata honorário, tendo sido chanceler no parlamentarismo e, antes disso, delegado brasileiro em diversas reuniões internacionais. A utilidade desta reedição é a de não apenas compilar novamente os textos (discursos e palestras) já editados pela Civilização Brasileira em 1962, acrescida de cinco novos originais, dois deles de diplomatas: um do embaixador Afonso Arinos, publicado originalmente em seu livro Atualidade de San Tiago Dantas (Lettera, 2005), e outro, precioso, do embaixador Gelson Fonseca que introduz os “colóquios da Casa das Pedras”, reuniões de planejamento político que San Tiago conduzia com diplomatas, em 1961, sobre temas relevantes da agenda diplomática brasileira. Celso Amorim e Marcílio Marques Moreira também comparecem com relatos pessoais e reflexões esclarecedoras.

May Frances:
Cartas de uma jovem inglesa na fronteira de Uruguaiana: 1887-1888
(Tradução, introdução e notas: Fernando Cacciatore de Garcia; Porto Alegre: Sulina, 2010, 168 p.; ISBN: 978-85-205-0582-3)

São apenas 24 cartas, que compõem cada um dos capítulos destas missivas de uma jovem de 25 anos, que acompanhava o irmão, na construção de mais uma ferrovia inglesa, em local totalmente isolado do “mundo normal”. Uma puritana inglesa, eivada de todos os preconceitos de um povo conquistador, como sublinha o editor, gaúcho da mesma região, que se inseriu no grand monde da diplomacia. Miss Frances ainda fala dos brasileiros da fronteira como “colonizadores portugueses”, mas faz observações pertinentes sobre o atraso relativo da sociedade patriarcal local. Ela achava o Português “uma língua tão hedionda que é sem prazer que a estou aprendendo”, uma amostra típica de suas opiniões depreciativas. Um depoimento de primeira mão, muito bem traduzido e introduzido pelo colega de carreira.

Letícia Frazão Alexandre de Moraes Leme:
O Tratamento Especial e Diferenciado dos Países em Desenvolvimento: do GATT à OMC
(Brasília: Funag, 2011, 236 p.; ISBN: 978-85-7631-342-7)

O Brasil se orgulha de ser um país em desenvolvimento: tem direito a SGP e menores obrigações sob o sistema multilateral de comércio. Esta dissertação de mestrado do Rio Branco refaz toda a história da construção conceitual do tratamento especial, desde o primeiro GATT até sua transformação na atual OMC, examinando todos os instrumentos e normas e discutindo a questão do ponto de vista das teorias que fundamentam essa caracterização, como por exemplo o “embedded liberalism”; também examina, do ponto de vista ética, os argumentos filosóficos que sustentam essa posição, como por exemplo em Aristóteles, John Rawls e Amartya Sen. Os anexos são preciosos, pois além da cronologia detalhada, traz o sumário dos dispositivos relativos a esse mecanismo em todos os instrumentos do sistema multilateral de comércio e finaliza com entrevistas com três especialistas na questão.

Brasília, 14 janeiro 2012;
Revisão: Paris, 19/03/2012

Prata da Casa - Boletim ADB: 3ro. trimestre 2012

Paulo Roberto de Almeida
Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros
(ano 19, n. 78, julho-agosto-setembro 2012, p. 30-36; ISSN: 0104-8503

1) Fernando de Mello Barreto: A Politica Externa Após a Redemocratização; tomo 1: 1985-2002; ; tomo 2: 2003-2010 (Brasília: Funag, 2012, 746 e 670 p.; ISBN: 978-85-7631-363-2 e 978-85-7631-382-3);

Continuidade formal e substantiva das duas obras anteriores, Os Sucessores do Barão (para os períodos 1912-1964, e 1964-1985, respectivamente), os dois volumes, agora enfeixados sob o signo da redemocratização, cobrem minuciosamente, gestão por gestão, todos os atos e fatos da diplomacia brasileira, segundo uma divisão temática predominantemente geográfica (por regiões e países relevantes), mas também quanto às áreas de política multilateral e de economia externa, terminando pelo próprio serviço exterior brasileiro. São manuais indispensáveis para seguir o itinerário da diplomacia conduzida pelo Itamaraty (no primeiro período: 1985-2002) e, adicionalmente (no segundo período: 2003-2010), sob influência partidária; mais racionais do que os repertórios do MRE (uma simples compilação de pronunciamentos oficiais), os relatos de cada gestão seguem, no entanto, o discurso oficial, em todos os seus matizes.


2) Luís Cláudio Villafañe G. Santos: O evangelho do Barão: Rio Branco e a identidade brasileira (São Paulo: Unesp, 2012, 176 p.; ISBN: 978-85-393-0244-4)

Na sequência do anterior, O Dia em que Adiaram o Carnaval (2010), que também se interrogava sobre as peculiaridades da identidade brasileira, esta obra analisa as ideias e as obras do Barão no que elas têm de relevante para a criação de uma nacionalidade brasileira, naquilo que ela tem de mais significativo, que são os símbolos identitários da nação. Ele recua até a própria formação da diplomacia imperial (saquarema) e analisa de modo competente como, e com quais símbolos, o Barão veio a ser identificado com uma nova política externa, completando, no plano conceitual e na prática, a transição da velha ordem monarquista para o novo regime republicano. Pelo fato de ter completado o mapa do país, e de ser, também, um historiador, o Barão moldou, até hoje, a interpretação que se há de ter sobre a política externa do Brasil. Somos todos prisioneiros do Barão, ainda.

3) Antonio Augusto Cançado Trindade: Repertório da Prática Brasileira do Direito Internacional Público; vol. I: período 1889-1898; vol. II: período 1899-1918; vol. III: período 1919-1940; vol. IV: período 1941-1960; vol. V: período 1961-1981; vol. VI: Índice Geral Analítico (2a. ed.: Brasília: Funag, 2012, 304, 588, 392, 448, 428 e 288 p.; ISBN: 978-85-7631-367-0; 978-85-7631-368-7; 978-85-7631-369-4; 978-85-7631-370-0; 978-85-7631-371-7; 978-85-7631-372-4).

Obra única no gênero, e até agora não imitada (para os períodos anterior e posterior aos cinco cobertos no plano da cronologia, e mais um volume de índice analítico), o excepcional trabalho do ex-consultor jurídico do MRE, e atual juiz da corte da Haia, constitui um instrumento extremamente útil a todos os pesquisadores que pretendam identificar e reproduzir os fundamentos da prática brasileira do direito internacional público, ou seja, das próprias bases da política externa, tendo em vista a forte adesão da diplomacia brasileira aos princípios e normas do direito. Retirados da “poeira” dos arquivos do Itamaraty e dos outros poderes, foram compilados os documentos mais representativos dos atos internacionais, da condição dos Estados, da regulamentação dos espaços, da condição das organizações internacionais e dos indivíduos, solução de controvérsias, conflitos armados e direito humanitário. Magnífico empreendimento!

4) Felipe Hees e Marília Castañon Penha Valle (orgs.): Dumping, Subsídios e Salvaguardas: Revisitando aspectos técnicos dos instrumentos de defesa comercial (São Paulo: Singular, 2012, 486 p.; ISBN: 978-85-86626-62-3)

Dois diplomatas comparecem neste importante livro sobre a defesa comercial no Brasil: o organizador, que assina três densos capítulos – sobre o itinerário histórico do dumping e seus efeitos no comércio, sobre as negociações antidumping na rodada Doha, e sobre os aspectos técnicos na definição dos níveis de antidumping –, e que é também chefe da Defesa Comercial no MDCI; seu colega Eduardo Chikusa, responsável pela mesma área no Itamaraty, que fecha o volume com um estudo sobre a legislação sobre circunvenção no Brasil. Os outros quinze capítulos, sobre os demais temas do título, são em geral assinados por funcionários do Decom-MDIC ou no setor privado. O livro é relevante para os interessados nessa problemática, mesmo se, na apresentação, o ministro setorial se orgulha de que o Brasil tenha sido o país que mais iniciou investigações antidumping desde 2010. Seria essa uma marca de distinção?

5) Adolpho Justo Bezerra de Menezes: O Brasil e o mundo ásio-africano (Brasília: Funag, 2012, 372 p.; ISBN: 978-85-7631-387-8);

Publicado originalmente em 1956 e legítimo predecessor da atual política Sul-Sul, o livro em questão foi a primeira, e durante muitos anos a única, análise das duas regiões do ponto de vista da diplomacia brasileira, não apenas circunscrita às realidades coloniais então predominantes nos continentes africano e asiático, uma vez que também trata das primeiras conferências (Colombo, Bogor, Bandung) que marcariam a era pós-colonial. Reconhece a liderança americana, mas fala de uma futura liderança a brasileira, propondo medidas para a atuação diplomática brasileira nas duas regiões, inclusive no que se refere a uma comunidade luso-brasileira, antecipando também, portanto, os esforços atuais em torno da CPLP. São transcritos trechos de documentos oficiais, mas também testemunhos recolhidos pessoalmente pelo autor, o que converte o livro, na prática, em fonte primária.

6) André Heráclio do Rêgo: Os Sertões e os Desertos: o combate à desertificação e a política externa brasileira (Brasília: Funag, 2012, 204 p.; ISBN: 978-85-7631-380-9);

Autor de várias obras sobre a dimensão da política tradicional no Nordeste, com pleno conhecimento de causa – já que herdeiro de uma das oligarquias regionais –, André Heráclio examina agora, nesta tese de CAE, a dimensão ecológica e política do processo de desertificação, examinando não só toda a bibliografia relevante (30 páginas de obras) que trata do fenômeno no Brasil e no mundo, mas também o tratamento diplomático dado ao problema nos foros regionais e multilaterais. A atuação diplomática do Brasil e o papel das grandes convenções multilaterais da área climática e ambiental são examinados com extrema precisão; a temática oferece, justamente, grandes possibilidades de cooperação bilateral, regional e multilateral, não apenas quanto aos meios de se combater o fenômeno, mas igualmente nas tarefas de gestão dos recursos naturais, especialmente os hídricos. A obra permanecerá como de referência nessa área, hoje um pouco “deserta”.

7) Maria Feliciana Nunes Ortigão de Sampaio: O Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT): Perspectivas para sua Entrada em Vigor e para a Atuação Diplomática Brasileira (Brasília: Funag, 2012, 462 p.; ISBN: 978-85-7631-379-3);

Metade, desta maciça tese de CAE, constitui uma história exemplar da questão do armamento e desarmamento nucleares, desde as origens, em 1945, até a fase atual, de preparação para a entrada em vigor do CTBT (o que não irá ocorrer, por falta de apoio dos EUA), com uma análise paralela dos mecanismos e instrumentos que compõem esse instrumento (talvez) relevante da não proliferação. A outra metade são documentos técnicos, cuja coleta foi facilitada pelo trabalho da autora na comissão de implementação do tratado. A análise das políticas dos países mais sensíveis (ou mais complicados) é exaustiva, concluindo a tese pelo exame da atitude brasileira: obviamente, o Brasil apoia o esforço do CTBT, mas também acredita na eliminação completa das armas nucleares. Pena que nem um, nem outro, vão se realizar, mas isso a autora não diz...


8) Ricardo Luís Pires Ribeiro da Silva: A Nova Rota da Seda: caminhos para a presença brasileira na Ásia central (Brasília: Funag, 2011, 320 p.; ISBN: 978-85-7631-346-5);

A rota da sede, obviamente, é muito mais longa, mais velha, mais interessante do que seu trecho que percorre as antigas satrapias soviéticas da Ásia central: mas, talvez, seus trechos mais misteriosos, e ignotos, se situassem mesmo nos territórios que hoje correspondem a essas repúblicas supostamente pós-soviéticas: Cazaquistão, República Quirguiz, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão. Esta tese de CAE percorre terras incógnitas para a diplomacia brasileira, até uma data ainda recente. Seu autor leu uma bibliografia basicamente ocidental para abordar a trajetória recente dessas cinco satrapias convertidas de forma muito desigual à economia de mercado, mais aqui, em todo caso, do que a regimes democráticos. São onze capítulos substantivos e doze anexos para colocar o Brasil, finalmente, na moderna rota da seda, feita de combustíveis fósseis e mercados ainda pouco explorados.


9) Silvio José Albuquerque e Silva: As Nações Unidas e a luta internacional contra o racismo (2a ed.; Brasília: Funag, 2011, 292 p.; ISBN: 978-85-7631-338-0).

O multilateralismo contemporâneo foi transitando gradualmente dos grandes temas interestatais para assuntos humanitários, entre eles o do racismo. Esta tese de CAE analisa os resultados da conferência de Durban (2001) sobre o racismo e a xenofobia, com ênfase na atuação diplomática brasileira, antes, durante e depois, até a conferência de revisão, quase uma década após. Esse período correspondeu à aceleração das próprias políticas nacionais de caráter afirmativo, com intensa mobilização dos militantes negros, num ativismo que emula a atuação do grupo africano no plano multilateral, ambos pretendendo algum resgate de “dívidas históricas”. O maior especialista brasileiro na questão, José Augusto Lindgren Alves, acredita que essas demandas fundamentalistas podem causar uma sucessão interminável de cobranças de uns povos contra outros, para a maior infelicidade de todos. O racismo tem muitas faces, sem dúvida.

10) Gustavo Henrique Marques Bezerra: Da Revolução ao Reatamento: A Política Externa Brasileira e a Questão Cubana (1959-1986) (Brasília: Funag, 2012, 376 p.; ISBN: 978-85-7631-381-6)

Poucos temas diplomáticos, ou políticos, foram, e são, tão passionais, no espectro ideológico, interno e externo, quanto a revolução cubana e as reações do Brasil em relação aos rumos do único regime marxista do hemisfério. Cuba é, ao mesmo tempo, um assunto diplomático e de política interna, com todas as paixões associadas a esse dossiê, que começa em 1959 e vem aos nossos dias. Esta tese de CAE, revista e ampliada, segue o relacionamento bilateral, e as implicações da revolução cubana durante a Guerra Fria, desde o ano inaugural da revolução até o reatamento e 1986, passando pelas crises de 1962 (suspensão de Cuba da OEA e crise dos mísseis soviéticos) e pelo rompimento, em 1964. Modelo de pesquisa histórica, e de apresentação de documentos diplomáticos, a nova obra é metodologicamente impecável, perfeita no plano redacional e excepcional no desenvolvimento do argumento.
  
[Brasília, 20-25 agosto 2012]

Grandes crimes, grandes ladroes - Everardo Maciel

Segundo o ex-Secretário da Receita, Lula é um criminoso doentio (dixit). Também acho. E com doses de megalomania, achando que tudo o que faz é grandioso. Pode ser, até o crime e a torpeza de não se envergonhar dele.

Paulo Roberto de Almeida 

O caixa 2

Everaldo Maciel
O Estado de S.Paulo, 03 de setembro de 2012

Fiquei estarrecido quando tomei conhecimento, pela mídia, de que a mais alta autoridade da República, à época que eclodiu o denominado escândalo do mensalão, alegara tratar-se de um mero caixa 2.
Uma autoridade fiscal chegaria ao limite da perplexidade ao ouvir de um contribuinte que praticara crime de sonegação por omissão de receita, por exemplo, a justificação de que fora tão somente um cândido exercício de caixa 2. Pois bem, esse mau contribuinte poderia acrescentar que se inspirara em discurso de autoridade.
O advogado, no exercício de uma função essencial ao Estado Democrático de Direito, tem a obrigação de buscar a absolvição ou, ao menos, a redução das penas que, em tese, seriam aplicáveis a seus clientes. O que espanta, todavia, é ver políticos e advogados festejarem o crime do caixa 2, diante da possibilidade de prescrição. Bradam solenemente: Foi apenas caixa 2! É a banalização da indecência.
Crime deve ser confessado de forma compungida e envergonhada, de cabeça baixa, com um mínimo sinal de arrependimento. Somente criminosos doentios se vangloriam de suas iniquidades.
Essas condutas funcionam como uma espécie de cupins da frágil estrutura de valores da sociedade brasileira. Somadas a outras, que de tão pequenas às vezes não são percebidas, vão minando as convicções das pessoas e arruinando o processo civilizatório.
A alegação do caixa 2 é um episódio neste processo de aviltamento dos valores. Não é, todavia, fato isolado. O ovo da serpente há muito se encontra instalado no Estado brasileiro.
A redemocratização no Brasil, infelizmente, revigorou a condenável prática do fisiologismo. Não tendo sido decorrente de uma ruptura institucional, mas de um processo conciliatório, a redemocratização trouxe à mesa do governo personagens antes abrigados na oposição.
Os novos protagonistas da cena política exigiram, legitimamente, que fossem representados na administração, já sobrecarregada pelos oriundos da velha ordem. A Nova República iniciou a temporada das "indicações". Foi a festa do velho fisiologismo.
A arena política passou a ser povoada por uma miríade de partidos e tendências, em que prevaleceram interesses localizados, pretextando o que foi chamado de presidencialismo de coalizão. O clássico fisiologismo, então, se sofisticou.
Se antes as postulações dos partidos políticos se limitavam às "indicações", num novo estágio elas se direcionaram para despudoradas demandas por "diretoria que fura poço" e tesouraria de estatais.
Mais recentemente, surgiu o que se chamou de aparelhamento, em que se vislumbrava um comprometimento ideológico dos indicados. Não é nada disso, entretanto, ainda que, em alguns momentos, se escutassem murmúrios de teses obscuras, cada vez mais subjugadas pelo pragmatismo. Aparelhamento é apenas outra denominação do fisiologismo, aplicável à ambição de grupelhos políticos não tradicionais. Qualquer que seja o nome, o que fica evidente é o propósito de manter-se no poder e dele se servir.
Chegou-se à ousadia de cobrar fidelidade da toga ao poder. Muitos se espantam quando magistrados decidem de forma diferente da expectativa dos que os nomearam. Marianne, símbolo da República desde a Revolução Francesa, deve estar ruborizada.
Essas práticas pouco edificantes se combinam com barganhas e negócios que têm por base as emendas parlamentares ao Orçamento. Serão elas, mantido o modelo existente, uma fonte inesgotável de escândalos. Não raro, os acusadores de hoje se convertem nos acusados de amanhã. A maldição está num sistema completamente vulnerável à corrupção.
O afrouxamento moral do Estado tem outras faces. Qual o respaldo moral para cobrar as dívidas dos contribuintes, se o Estado não paga precatórios, atrasa tanto quanto possível restituições e compensações de tributos e faz uso de todos os recursos procrastinatórios para evitar a liquidação de sentenças em que foi condenado? Essa assimetria de conduta, tão recorrente, é um desserviço à República.
Não me surpreendo, embora deplore, quando vejo cidadãos, publicamente, dizendo que não pagam impostos porque os políticos são corruptos. É o império da torpeza bilateral.
O que impressiona, de mais a mais, é constatar que essa crise axiológica, que não é recente, vem crescendo continuadamente, sem que nada interrompa sua execrável trajetória.
Há uma novidade, todavia. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos réus do mensalão, independentemente das decisões que venham a ser tomadas, trouxe a lume alguns conceitos alentadores, superando o ranço positivista que pretende a supremacia do formalismo sobre os fatos. O que se colhe fora do juízo, ainda que não sejam provas cabais, robustece as evidências extraídas no rito judicial. Nenhuma destinação, por mais meritória que seja, sacraliza dinheiro oriundo de peculato. Deve-se alegar caixa 2 em tom contrito e penitente. Como contraponto, pessoas inocentes têm o direito de ser declaradas inocentes. É uma réstia de esperança, até mesmo para os céticos, como eu.
* CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA, FEDERAL (1995-2002)

Brasil: fascismo penal em construcao - Miguel Reale Jr.


FALHAS CONCEITUAIS
"Novo Código Penal é obscenidade, não tem conserto"
Consultor Jurídico, 2/09/2012

De todas as atividades que Miguel Reale Júnior já desempenhou na vida, a que melhor o define, e que exerceu por mais tempo, é a de professor. É livre-docente da Universidade de São Paulo desde 1973 e professor titular desde 1988. Foi lá também que concluiu seu doutoramento, em 1971. Tudo na área do Direito Penal.
Fora das salas de aula, foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, secretário estadual de Segurança Pública de São Paulo durante o governo de Franco Montoro (1983-1987), presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos desde sua criação até 2001 e presidente do PSDB. Mas é a versão "professor" que o jurista mais deixa aflorar nesta primeira parte da entrevista concedida à revista Consultor Jurídico no dia 21 de agosto.
O texto do anteprojeto de reforma do Código Penal, elaborado por uma comissão de juristas nomeada pelo Senado, recém-enviado ao Congresso, é hoje o alvo preferido do penalista. “O projeto é uma obscenidade, é gravíssimo”, diz. Para ele, os juristas chefiados pelo ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, não estudaram o suficiente. “Não têm nenhum conhecimento técnico-científico”, dispara.
Segundo o professor, faltou experiência à comissão. Tanto no manejo de termos técnicos e científicos quanto na elaboração de leis. Entre os erros citados, o mais grave, para Reale Júnior, foi a inclusão de doutrina e termos teóricos e a apropriação, segundo ele, indiscriminada, da lei esparsa no código. “Não tem conserto. Os erros são de tamanha gravidade, de tamanha profundidade, que não tem mais como consertar.”
Leia a primeira parte da entrevista:
ConJur — Qual sua avaliação do projeto de reforma do Código Penal?
Miguel Reale Júnior — É uma obscenidade, é gravíssimo. Erros da maior gravidade técnica e da maior gravidade com relação à criação dos tipos penais, de proporcionalidade. E a maior gravidade de todas está na parte geral, porque é uma utilização absolutamente atécnica, acientífica, de questões da maior relevância, em que eles demonstram não ter o mínimo conhecimento de dogmática penal e da estrutura do crime.
ConJur — Onde isso aconteceu?
Miguel Reale — Basta ler. Para começar, no primeiro artigo. Está escrito lá: Legalidade. “Não há crime sem lei anterior”. É anterioridade da lei penal! Não existe lei anterior. E eles põem a rubrica de penal na legalidade. Nas causas de exclusão da antijuridicidade, eles colocam “exclusão do fato criminoso”, como se fossem excluir um fato naturalístico. Não é o fato criminoso que desaparece, é a ilicitude que desaparece. É ilógico. De repente, desaparece o fato. Veja o parágrafo 1º: “Também não haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as seguintes condições: mínima ofensividade, inexpressividade da lesão jurídica”. Mas uma coisa se confunde com a outra.
ConJur — Onde esses erros interferem?
Miguel Reale — Na parte do princípio da insignificância, da bagatela, colocam lá como exclusão do fato criminoso. E o que se conclui? Que é quando a conduta é de pequena ofensa ou que a lesão seja de pequena mora. Ofensividade e lesividade, para os autores que interpretam, são coisas diferentes. Tem de ter as duas, a ofensividade e a lesividade. E colocam no projeto também como condição, em uma linguagem coloquial, “reduzidíssimo”. Instituiu-se o direito penal coloquial. “Reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento.” “Grau de reprovabilidade reduzidíssimo”. A reprovabilidade é da culpabilidade, não tem nada a ver com a antijuridicidade. Que haja um reduzidíssimo grau de reprovação, que isso é uma matéria da culpabilidade, não tem nada a ver com exclusão da antijuridicidade, que erroneamente eles chamam de fato criminoso.
ConJur — O que quer dizer "reduzidíssimo"?Miguel Reale — Boa pergunta. O que é reduzidíssimo? Grau de reprovabilidade? A reprovabilidade é elemento da culpabilidade, é o núcleo da culpabilidade, da reprovação. Não é antijuridicidade, não é ilicitude. Estado de necessidade. Considera-se em estado de necessidade quem pratica um fato para proteger bem jurídico. Bem jurídico é o núcleo, é o valor tutelado da lei penal. Ele não sabe o que é bem jurídico? Não é bem jurídico, é direito! Bem jurídico é um termo técnico. Qual é o bem jurídico tutelado pela norma? O juiz vai procurar saber qual é o bem jurídico. O bem jurídico é a vida, por exemplo. Bem jurídico é um conceito dogmático geral, é um valor tutelado por um direito. O que isso mostra? Falta de conhecimento técnico científico de direito jurídico.
ConJur — Faltou conhecimento?
Miguel Reale — Faltou estudar. Falta conhecer, manobrar, manejar os conceitos jurídicos. É isso que preocupa. E tem muitas teorias. Então, vamos em determinado autor, como a teoria do domínio do fato. É uma determinada teoria. Não pode fazer teoria no código. Mas existem coisas aqui que realmente ficam... Por exemplo: “considera-se autor”. Vamos ver se é possível entender essa frase: “Os que dominam a vontade de pessoa que age sem dolo atipicamente”. Isso aqui é para ser doutrina. "Atipicamente." Dominam a vontade de pessoa que age sem dolo "atipicamente". Trata-se de alguém que está sob domínio físico, como uma pessoa com uma faca no pescoço. Ou quem é coagido. Usaram uma linguagem que você tem que decifrar. "Dominam a vontade de pessoa que age sem dolo". Como sem dolo? "Justificada" é quem vai e atua em legítima defesa, não tem nada a ver com falta de dolo. Não é dolo. Então, é agir sem dolo de forma justificada? Isso não existe! Não se concebe isso porque são conceitos absolutamente diversos e diferentes.
ConJur — São erros banais?
Miguel Reale — Banais. Em suma, trouxeram toda a legislação especial sem se preocupar em melhorar essa legislação esparsa que estava aí, extravagante, que tinha erros manifestos já anotados pela crítica e transpõe sem mudar nada. Crimes financeiros, crimes ambientais. Eu defendo que a lei dos crimes ambientais foi a pior lei brasileira. Mas esse projeto ganha por quilômetros...
ConJur — A Lei de Crimes Ambientais é tão ruim?
Miguel Reale — Ela diz que a responsabilidade da pessoa jurídica só ocorrerá se houver uma decisão colegiada pela conduta criminosa, cometida por decisão do seu representante legal ou por ordem do colegiado, em interesse e benefício da entidade. Mas a maior parte dos crimes ambientais são culposos, os mais graves. Quando vaza petróleo na Chevron, por exemplo, não houve uma decisão: “Vamos estourar o cano aqui e destruir ecossistemas...” Pela lei, precisa haver uma decisão de prática do delito. Deixar escrito: “Vamos praticar o delito.” No projeto de Código Penal, eles reproduzem a lei ambiental, mas têm a capacidade, que eu mesmo imaginava inexistente, de aumentar ainda mais as tolices.
ConJur — Por que aconteceram erros tão graves?
Miguel Reale — Não sei. Há pessoas até muito amigas, mas que não têm experiência na área efetivamente acadêmica ou experiência legislativa. Eles não conhecem teoria do Direito. Estão trabalhando com teoria do Direito com absoluto desconhecimento técnico.
ConJur — Como foi escolhida a comissão?Miguel Reale — Foi o Sarney. Foram pessoas conhecidas, do Sergipe, de Goiás. É o "Código do Sarney", porque daqui a pouco acaba o mandato dele, mas o código criado por ele precisa perdurar. O que mais me impressiona é a forma como isso foi feito.
ConJur — Qual foi?Miguel Reale — Foi picotado. Tanto que na exposição de motivos, cada artigo vem assinado por uma pessoa. Não houve trabalho conjunto sistemático, não houve meditação. Eu participei de várias comissões legislativas. O trabalho que dá é você pôr a cabeça no travesseiro, pensar, trocar ideias, fazer reuniões, brigar.
ConJur — Falhas teóricas prejudicam os méritos do texto?
Miguel Reale — Seria uma vergonha para a Ciência Jurídica Brasileira se saísse um código com erros tão profundos. Quando você acha que encontrou um absurdo, leia o artigo seguinte. O artigo 137 prevê que a pena para difamação vai de um a dois anos. Já o artigo 140 diz que se a difamação for causada por meio jornalístico, a pena é o dobro. A Lei de Imprensa, que foi declarada inconstitucional, e era considerada dura demais, previa que a pena para isso era de três meses!
ConJur — O texto recebeu elogios.Miguel Reale — Os elaboradores é que falaram bem! Fizeram um Código Penal que jornalista gosta. Punham no jornal e se valiam dos meios de comunicação do STJ ou do Senado para agitar a imprensa. Quem é que falou bem? Qual foi o jurista que falou bem? Até porque não se conhecia o projeto, só se conhecia por noticia de jornal. Isso que eu estou dizendo sobre o fato criminoso é gravíssimo. Mas tem erros que já estavam incluídos nos dados preparatórios, como o nexo de causalidade. Eles vão mexer em termos que estavam consagrados no Direito, que ninguém.
ConJur — Não estavam em pauta?
Miguel Reale — Não estavam pauta, já estavam consolidadas no Código Penal. Não é uma coisa para ser mexida, nós mesmos não mexemos em 1984, quando fizemos a reforma da parte geral. Mexemos na parte do sistema de penas, mas eles acabaram com o livramento condicional sem justificativa.
ConJur — Foi para diminuir as penas das condenações?
Miguel Reale — Pelo contrário, as penas são elevadíssimas! E para fatos irrelevantes. "Artigo 394: omissão de socorro para animal." A qualquer animal. Se você passa e encontra um animal em estado de perigo e não presta socorro a esse animal, sem risco pessoal, sabe qual é a pena? De um a quatro anos. Agora, omitindo socorro a criança extraviada, abandonada ou pessoa ferida, sabe qual a pena? Um mês. Ou seja, a pena por não prestar socorro a um animal é 12 vezes maior do que a pena de não prestar socorro a uma pessoa ferida. Outro exemplo: pescar ou molestar cetáceo. Sabe qual é a pena? Dois a quatro anos. Mas se você molestar um filhote de cetáceo, é três anos. Se você só pesca o cetáceo é dois, mas se o cetáceo morre, passa para quatro anos. Você vai pescar para quê? Para colocar a baleia no aquário dentro de casa?
ConJur — E sem livramento condicional.
Miguel Reale — Pois é. Acabar com o livramento condicional é uma violência. Eles criam uma barganha com a colaboração da Justiça. A barganha elimina o processo sem a presença do réu, e é feita pelo advogado ou defensor público que estabelece que não haverá processo. Então, aceita-se uma negociação na qual haverá a imposição de uma pena reduzida sem que se possa aplicar o sistema fechado.
ConJur — De onde tiraram isso?
Miguel Reale — Do sistema americano. Para qualquer crime, qualquer delito, haverá barganha para não manter o sistema fechado. E depois da colaboração, já mais vergonhosa de todas, porque quebra com todos os sistemas éticos de vida, que é denunciar os amigos para todos os delitos, vem a colaboração com a Justiça em qualquer tipo de crime. Aí o sujeito não é apenado, em qualquer tipo de delito, se ele antes da denúncia apresentar uma investigação, elementos suficientes para culpar os coautores, os cúmplices. É uma coisa importada. Esse exemplo americano é extremamente grave, porque nos Estados Unidos já se tem a comprovação, estudos estatísticos, do número de pessoas que, na incapacidade de produzir provas a seu favor, na falta de ter um advogado competente, aceitam a barganha porque acham melhor, mais seguro aceitar uma pena menor do que enfrentar o processo.
ConJur — Mesmo sendo inocentes?
Miguel Reale — Mesmo sendo inocentes. O número de inocentes que acabam aceitando a barganha, com a ameaça de que haverá uma pena muito maior de outra forma, é muito grande. Por outro lado, a colaboração da Justiça é o sujeito ficar praticando o delito até a hora que a barca vai afundar. Na hora que a barca afunda, ele pula fora e entrega os outros. Quer dizer, é o Estado se valendo da covardia e da falta de ética do criminoso. É a ética do delator. É premiar o mal caráter, premiar o covarde. Porque há de ter pelo menos um código de ética entre aqueles que praticam o crime.
ConJur — O novo Código Penal vai acabar com isso?
Miguel Reale — Todas as leis internacionais querem introduzir normas de delação. Delação demonstra o seguinte: incapacidade de apuração. É o juiz, recebendo os fatos, considerar o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade. Se imputado como primário, ou reduzirá a pena de um terço a dois terços ou aplicará somente a pena restritiva. Quer dizer, não tem pena de prisão ao acusado que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação. Mas como voluntariamente? Ele está com um processo em cima dele.
ConJur — Como funcionaria essa delação?
Miguel Reale — Você delata, sua delação fica sigilosa, e depois que é delatado é dado conhecimento dela aos advogados das partes, ou dos réus, que foram delatados pelo beneficiário. É delação de coautor. Os coautores vão ser processados por causa da delação. Está dizendo aqui que não basta a delação para ser prova, tem que ter outros elementos. Mas ele delatou. E se não tiver nenhuma outra prova? Não está escrito aqui. Aqui diz a total ou parcial identificação dos demais coautores, e não prova.
ConJur — Ou seja, é preciso correr para delatar primeiro e não ser delatado por um comparsa.
Miguel Reale — Sim. E a delação tem de ter como resultado: "a total ou parcial identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; a localização da vítima com a sua integridade física preservada". Aqui é no caso de um sequestro. Recuperação total ou parcial do produto do crime.
ConJur — Dispositivos como esses são para ganhar manchetes?
Miguel Reale — É isso que estou dizendo, não se faz Código Penal com o jornalista à porta. A cada pérola produzida, punham na imprensa. Os notáveis não têm o menor conhecimento técnico-científico, o menor conhecimento jurídico. O que me espantou foi, na parte geral, encontrar isso. Confusões gravíssimas conceituais. Algumas coisas são mais técnicas. “A realização do fato criminoso exige ação ou omissão, dolosa ou culposa, que produza ofensa, potencial ou ofensiva.” Tem vários crimes que não têm ofensa potencial ou efetiva. Por exemplo: tráfico de drogas, não tem. Qual a ofensa potencial que o tráfico de drogas oferece a um determinado bem jurídico? Não tem. São chamados crimes de perigo abstrato, em que você presume que há um perigo em decorrência dele. Porte de entorpecentes, por exemplo. Porte de arma é crime grave hoje. Não tem nenhuma ofensa potencial ou efetiva. Porque é um crime de perigo abstrato, é um crime chamado de "de mera conduta". E hoje isso se repete. Em vários tipos de delito há a figura do crime de perigo abstrato. Quando fala do fato criminoso, você já está incluindo todos os crimes de perigo abstrato. Isso tem que ser comedido. Têm de ser limitados os crimes de perigo abstrato, mas com o novo texto, acaba-se com os crimes de perigo abstrato. Tem ainda uma frase que eu não consegui entender: “A omissão deve equivaler-se à causação”. Como ela mesma vai se equivaler? Não dá para entender. Tem outra coisa aqui: “o resultado exigido.” Exigido por quem?
ConJur — Seria o resultado obtido?
Miguel Reale — Claro! Resultado exigido? Por quem? O resultado exigido pela norma?
ConJur — O senhor havia falado da questão do dolo.
Miguel Reale — Isso. O artigo 18, inciso I, diz: “doloso, quando o agente quis realizar o tipo penal ou assumiu o risco de realizá-lo”. Eu quis o tipo penal? O tipo penal tem vários elementos constitutivos. É falta de conhecimento técnico no uso dos termos técnico-jurídicos. O tipo penal é um conceito da estrutura do crime, dogmático. Não se "quer o tipo penal", se quer a ação. O texto diz também que há um início de execução quando o autor realiza uma das condutas constitutivas do tipo ou, segundo seu plano delitivo, pratica atos imediatamente anteriores à realização do tipo. Se você não realizou, são os atos preparatórios que exponham a perigo o bem jurídico protegido. Isso é o samba do crioulo doido! Por isso que eu disse que o problema não é ser técnico, é ser compreensível e se ter um pouco de lógica, de fundamento, de conhecimento. São coisas que realmente me deixam extremamente preocupado.
ConJur — Pode melhorar no Congresso?
Miguel Reale — Não tem conserto. Os erros são de tamanha gravidade, de tamanha profundidade, que não tem mais como consertar. Eu sei que o Executivo não põe suas fichas nesse projeto. O projeto é realmente de envergonhar a ciência.
ConJur — O desinteresse do governo é aberto?
Miguel Reale — Não. Eu tive notícias de que o Executivo não teria interesse porque sabe dos comprometimentos, das ausências técnicas que estão presentes nesse projeto.
ConJur — Já lhe consultaram?
Miguel Reale — Não. E o membro mais importante que tinha nessa comissão, que tinha experiência legislativa, era um acadêmico. Era o professor Renê Dotti, que saiu dizendo que não tinha condições de permanecer ali do jeito que os trabalhos estavam sendo conduzidos.
ConJur — No seu ponto de vista, qual é o erro principal?
Miguel Reale — É você estabelecer uma punição, uma interferência do Direito Penal em fatos que devem ser enfrentados pelo processo educacional, processo de educação na escola, processo de educação na família, e não com a repressão penal.
ConJur — Tentar resolver todos os problemas com punição pode ser visto como reflexo do momento social em que vivemos?
Miguel Reale — Também. Imaginar que trazer punição do Direito Penal para resolver as coisas, que vamos dormir tranquilos porque o Direito Penal está resolvendo tudo. É a ausência dos controles informais, a escola, a igreja, a família, o sindicato, o clube, a associação do bairro, a vizinhança etc. São todas formas naturais, sociais, de controle social. Quando os controles informais já não atuam, se reforça o Direito Penal como salvação. Passa a ser o desaguador de todas as expectativas.
ConJur — Isso mostra uma hipertrofia do Estado?
Miguel Reale — Uma grande hipertrofia e uma fragilidade política e uma fragilidade social. Políticas de sociabilidade, políticas de agonia social. É um agigantamento do Direito Penal.
ConJur — Passamos também por um afã acusatório, ou seja, é mais importante fazer uma acusação do que se chegar a uma solução?
Miguel Reale — Sim. Isso passa um pouco pela dramatização da violência, pelo Direito Penal presente nos meios de comunicação diariamente, uma exacerbação. Ao mesmo tempo em que existe uma crença no Direito Penal, há uma descrença, porque se chega a um momento de grande decepção. Ao mesmo tempo em que depositam todas as fichas no Direito Penal, as pessoas dizem: “Mas ninguém vai ser punido” ou “só vão ser punidos os pequenos, e os grandes nomes vão se safar”. A pesquisa da Folha de S.Paulo sobre o mensalão é um exemplo. As pessoas acham que os réus são culpados, mas 73% acham que eles não serão punidos. Ou seja, é ao mesmo tempo ter o Direito Penal como único recurso, e saber que esse recurso não vai funcionar. Aí vem um grande desânimo que acaba, talvez, levando negativamente a uma grande permissividade.
ConJur — O nosso sistema penal está preparado para isso?
Miguel Reale — Não, inclusive com esse problema de não haver o livramento condicional. O que eu vejo é o seguinte: grande parte da população carcerária está presa por crime de roubo, violência, crime contra patrimônio, ou seja, roubo comum, roubo à mão armada, latrocínio e tráfico de drogas. Esses são os crimes, os núcleos que mais levam à prisão. A maior parte é por latrocínio e tráfico de drogas, que são crimes hediondos. Ser crime hediondo não levou a uma redução da incidência criminal. E os crimes de roubo, que crescem vertiginosamente, crime de roubo comum ou roubo à mão armada, ou mesmo, infelizmente, com mais gravidade, o latrocínio, cresceram vertiginosamente, pelo menos em São Paulo, e é um crime hediondo. Por que se dissemina? Porque existe uma grande impunidade. Essa impunidade vem do quê? Da falta de apuração dos fatos delituosos.
ConJur — Então o problema é da falta de polícia e não de lei?
Miguel Reale — Nem da falta de lei, nem da falta de polícia. É da falta de investigação. O percentual dos crimes de roubo cuja a natureza é descoberta é de apenas 2%. Então, se nós temos 500 mil presos a maioria desses presos é por roubo, imagina se você descobrisse dez vezes mais, ou 20%. Qual seria a população carcerária? Eu mesmo fui assaltado duas vezes e não registrei boletim de ocorrência. O problema todo é imaginar que a lei penal em abstrato tenha efeito intimidativo. O que tem efeito intimidativo é a lei quando é efetivada ou quando se mostra possível de efetivar. Vou dar um exemplo: se você está em um estrada e passa um carro no sentido contrário e dá um sinal de luz, você diminui a velocidade porque tem guarda rodoviário pela frente. Quando você passa o guarda rodoviário, você acelera. Quando você está na estrada e tem lá o radar, você diminui. Então o que é? É a presença efetiva, ou humana ou por via de instrumentos de controle.
ConJur — Neste ano, o Código Civil, cujo anteprojeto foi elaborado pelo seu pai, Miguel Reale, faz dez anos. Foi um projeto que demorou 25 anos para ser aprovado, aparentemente sem pressa.
Miguel Reale — E foi um trabalho imensamente meditado. Depois veio a Constituição Federal, daí houve 400 emendas oferecidas, um grande trabalho do relator no Senado, e meu pai respondeu as 400 emendas sozinho, à mão. Nós temos tudo isso feito à mão por ele, anotado. Eu guardo tudo isso em um instituto que nós temos.
ConJur — Quanta gente havia na comissão elaboradora?
Miguel Reale — Pouca gente. E o Código Civil está produzindo efeitos, tem novidades e contribuições importantes. Há erros, mas ao mesmo tempo foi reconhecido o imenso avanço que o Código Civil trouxe na consagração de valores importantes do Direito Civil, como a função social, como a sociabilidade. Um código voltado para um futuro aberto graças a normas que têm cláusulas abertas, cláusulas gerais. Foi um código muito pensado, muito meditado, meu pai discutia muito com outros professores, como o professor Moreira Alves, com quem trocava ideias, e havia troca de ideias no Congresso Nacional. Assim que se faz uma legislação de tamanha grandeza.
ConJur — O fato de o Direito mudar muito rápido não exige que se aprove uma lei antes que seja tarde demais?
Miguel Reale — Aí é que fica tarde demais, porque já nasce mal feito. Não se pode fazer uma legislação dessa maneira, de afogadilho. Aliás, tem coisas ali no projeto de reforma do Código Penal que são notáveis, como toda a questão da parte geral, que exige um profundo conhecimento da estrutura do crime, da dogmática penal. E já foi visto que não existe nem de longe o conhecimento técnico-jurídico penal na parte geral, que é a parte central. 
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Marcos de Vasconcellos é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 2 de setembro de 2012

Argentina: progressos do fascismo economico

Argentina: el Fisco dispone cargo extra por uso de tarjeta de débito en exterior

Infolatam/Efe
Buenos Aires, 2 de septiembre de 2012

El Fisco de Argentina impondrá un cargo extra al uso de las tarjetas de débito en el exterior y a las compras realizadas a través de sitios de internet fuera del país, informó la prensa local.
La Administración Federal de Ingresos Públicos (AFIP) extenderá a estos medios de pago la retención de un 15 % que ya había dispuesto el jueves pasado sobre las compras en el exterior con tarjetas de crédito.
Fuentes del ente recaudador citadas por la agencia oficial Télam indicaron que la nueva medida será oficializada el lunes próximo.
El cobro del 15 % sobre las compras en el exterior con tarjetas es considerado a cuenta del pago de impuestos a la renta y a los bienes personales que pagan los contribuyentes cada año.
Las compras en el exterior con tarjetas de crédito y débito comenzaron a crecer fuertemente desde que en los últimos meses el Fisco incrementó las restricciones para la compra de divisas extranjeras.
Las nuevas medidas anunciadas por la AFIP se enmarcan en una campaña del Fisco para aumentar la recaudación, reducir el fraude y “desdolarizar” la economía argentina.

A queda nas exportacoes brasileiras - IEDI


A Queda das Exportações Brasileiras: Retração de Mercados e Perda de Competitividade
Carta IEDI n. 535, 31/08/2012



Sumário
A queda nas exportações brasileiras no segundo trimestre de 2012 em relação ao mesmo período de 2011 não pode ser atribuída somente à crise internacional. Em números, essa redução significou quase US$ 5 bilhões a menos. Nem a desvalorização do Real no ano ajudou a recuperar as exportações, que apresentam tendência de arrefecimento desde 2011, em contraposição ao forte crescimento observado ao longo da década anterior.
É preciso ressaltar, em primeiro lugar, que em todas as categorias de uso (bens de capital, bens intermediários, bens duráveis e não duráveis, e combustíveis) houve variação negativa. Em segundo lugar, que as perdas mais agudas ocorreram em setores industriais, mais especificamente, em bens de capital (-13,7%) e bens de consumo duráveis (-12,2%). Finalmente, em terceiro lugar, os destinos das exportações que mais deixaram de importar os produtos brasileiros foram o MERCOSUL (-21,9%), América Latina e Caribe (-15,9%), e União Europeia (-11,0%).
Estes resultados estão bastante correlacionados, pois a União Europeia e o MERCOSUL - particularmente a Argentina, são os principais destinos de bens de capital e bens de consumo duráveis dos produtos exportados pelo Brasil. No caso de bens de capital, o MERCOSUL no final dos anos noventa chegou a adquirir 32% das exportações do Brasil. Em 2011, mantinha percentuais de participação entre 21 e 28%, o que vem caindo nos últimos três trimestres até atingir 15,6% no período abril/junho de 2012. Essa queda se deve basicamente à menor demanda da Argentina.
Por sua vez, no caso de bens de consumo duráveis, em que a importância da Argentina e do MERCOSUL nas exportações é muito acentuada (participação na pauta acima de 60%), o crescimento das exportações para a região retraiu consistentemente até se tornar negativa no segundo trimestre deste ano (-14,6% em relação ao mesmo período do ano passado). A União Europeia chegou a representar 35% das exportações brasileiras de duráveis ao final dos anos noventa. A parcela foi reduzida para cerca de 10% em 2010 e finalmente 4,3% no segundo trimestre de 2012. As perdas de 2012 continuam sendo dramáticas: a variação das exportações brasileiras destes bens para a Europa foi de -40% nos dois primeiros trimestres desse ano.
Mas a redução das exportações europeias está quase que totalmente relacionada à crise econômica que o continente atravessa, pois a participação do Brasil nas importações da União Europeia vem se mantendo estável, tendo logrado um ligeiro aumento em 2011, para depois voltar aos patamares de 2010. No segundo trimestre de 2012, 2,34% das importações totais da união Europeia foram de origem brasileira. Contudo a participação do país nas compras bens de capital e bens de consumo do bloco não chega a 1,5%. Isto reflete a séria problemática que diz respeito à perda de competitividade dos bens industriais brasileiros, como fica mais evidente no caso do MERCOSUL.
No MERCOSUL a redução nas importações de origem brasileira é mais do que proporcional à total. O principal problema está na economia argentina (importadora de cerca de 80% do que é exportado para o MERCOSUL pelo Brasil), que no trimestre abril-julho de 2012 importou 24% a menos em valor do que no mesmo período de 2011. Em termos de participação, o Brasil mantém a posição de principal origem das importações argentinas, apesar de pequena queda no primeiro trimestre de 2012 (27,5%) em benefício da União Europeia.
A tendência de queda das exportações brasileiras de bens de capital para a Argentina é mais pronunciada do que a própria queda das importações totais argentinas desses bens, o que indica perda de mercado do produto brasileiro. No primeiro semestre de 2012, a Argentina importou -21% em relação ao mesmo período de 2011 em bens de capital, enquanto as exportações brasileiras para lá se reduziu –30,5%. Em bens de consumo duráveis, a importância da Argentina e do MERCOSUL nas exportações é muito acentuada, com participação na pauta acima de 60%. A variação das exportações para a região, e para a Argentina notadamente, retraiu consistentemente – como em bens de capital – até se tornar negativa no segundo trimestre deste ano (-14,6% em relação ao mesmo período do ano passado).
Portanto, as perdas no Mercosul mostram que as quedas das exportações brasileiras não se devem tão somente à crise econômica – como  no caso da União Europeia. De um lado, há questões estruturais relacionadas à perda de competitividade, seja fatores sistêmicos, como Custo Brasil e câmbio, ou fatores internos das firmas relacionados ao baixo 
investimento, estancamento da produtividade, defasagem tecnológica, ineficiências de escala, etc. De outro, as barreiras informais impostas pela Argentina, com retenções dos produtos na alfândega, atingindo por exemplo os setores de máquinas e equipamentos e de componentes da indústria automobilística.

Estudo completo neste link: 

Um "atentado veemente, desabrido e escancarado" ao direito no Brasil - presidente do STF

Um atentado desse quilate só poderia provir de quem a gente conhece: os companheiros corruptos, claro...

O STF aperta o cerco


Editorial O Estado de S.Paulo, 1/09/2012

Muito mais do que confirmar a condenação do ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha e de seus cúmplices, na Ação Penal 470, o voto do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto, prolatado na última quinta-feira, escancarou a trama urdida no Parlamento e fora dele pelo PT e aliados para proteger seus membros que estão sentados no banco dos réus no julgamento desse que, a cada dia que passa, se confirma como o maior escândalo de corrupção da história da política brasileira. Para Ayres Britto, a emenda introduzida na Lei 12.232/2010, que regula a contratação de serviços de publicidade por órgãos públicos, na qual está baseada a argumentação de defesa dos acusados de se terem apropriado indevidamente, em contrato com o Banco do Brasil, da chamada "bonificação de volume", foi "preparada intencionalmente, maquinadamente" em benefício dos acusados da Ação Penal 470, constituindo-se em "atentado veemente, desabrido e escancarado" ao preceito constitucional segundo o qual "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".
A manifestação do presidente da Suprema Corte confirma a já clara tendência que a primeira "fatia" do julgamento evidencia, de estarem os juízes do STF firmando "convicção também sobre o imperativo de extirpar qualquer resquício de tolerância à corrupção e de resignação à impunidade", como pontuamos em editorial publicado ontem.
De fato, o contrato firmado entre o Banco do Brasil (BB) e as agências de publicidade de Marcos Valério estipulava claramente que os descontos e outras vantagens obtidas junto aos veículos de comunicação, como o bônus de volume, teriam que ser devolvidos ao banco, em vez de serem apropriados pelas agências, como é comum nos contratos com anunciantes privados. Mas as agências de Marcos Valério simplesmente embolsaram os quase R$ 3 milhões da bonificação, que teriam sido aplicados, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral, no esquema do mensalão.
Em 2010 o presidente Lula sancionou a Lei 12.232, aprovada pelo Congresso, que dispõe sobre "as normas gerais para licitação e contratação pela administração pública de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda". Atendendo a reivindicações "do mercado", segundo o autor do projeto, o deputado petista José Eduardo Cardozo (SP), hoje ministro da Justiça, o projeto permitia às agências de propaganda embolsar os descontos e outras bonificações na veiculação de propaganda oficial. Uma emenda apresentada por seu colega de partido Claudio Vignatti (SC), estendeu o benefício às licitações então em andamento e aos contratos em execução. O relator do projeto, deputado Milton Monti (PR-SP), do mesmo partido do réu do mensalão Valdemar Costa Neto (SP), não apenas acolheu a emenda, como estendeu o benefício aos contratos já encerrados na data de publicação da lei.
Com base na Lei 12.232, a ministra do TCU Ana Arraes - ex-deputada federal pelo PSB e mãe do governador pernambucano, Eduardo Campos -, contrariando parecer técnico, poucas semanas antes do início do julgamento da Ação Panal 470, considerou regulares as prestações de contas referentes aos famigerados contratos entre o BB e as agências de Marcos Valério. Ou seja, ofereceu de bandeja forte argumento legal para a defesa de vários réus do mensalão. Mas a decisão da ministra Ana Arraes foi contestada pelo Ministério Público de Contas. O TCU decidiu então suspender os efeitos da decisão e a matéria será novamente submetida à apreciação do plenário. Depois da contundente manifestação do presidente do STF, é pouco provável que seja mantida a contribuição de Ana Arraes à absolvição dos mensaleiros.
A esta altura do julgamento em curso no STF, já começam a ser sentidos os efeitos saneadores da firmeza com que a maioria dos ministros se mostra disposta a combater a corrupção na vida pública. João Paulo Cunha renunciou à sua candidatura a prefeito de Osasco e está por perder o seu mandato de deputado federal. Há de ter muita gente colocando as barbas de molho.

Tragedia educacional brasileira: desvio de dinheiro, roubo, desleixo... (ePublica)

Transcrevo apenas uma pequena parte da matéria que o ePublica, site de imprensa, dedica à educação brasileira.
Paulo Roberto de Almeida 

Ana Aranha
ePublica, 28/08/2012
Um aluno da 1a série assiste à aula encharcado. Ele caiu do barco de madeira superlotado que faz o transporte escolar. Na mesma cidade, funcionários da prefeitura circulam em lanchas enviadas pelo Ministério da Educação, equipadas com colete salva-vidas.
Um professor com problemas de saúde recorre ao INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) e descobre que não tem direito ao benefício. Suas contribuições, descontadas mensalmente há 15 anos na folha de pagamento, nunca foram recolhidas pela prefeitura.
Pais têm medo de deixar os filhos na escola. As paredes foram pintadas por fora, mas por dentro rachaduras se estendem do teto ao piso. Na prestação de contas da secretaria municipal de Educação, mais de um milhão de reais gastos em reforma.
Escolas fecham as portas uma hora mais cedo. A merenda, que deveria durar todo o mês, acaba em menos de duas semanas – e os professores não conseguem ensinar aos alunos com fome. Nas notas fiscais da prefeitura, os alimentos foram comprados. Por até três vezes o preço do mercado local.
Os casos acima são uma amostra da série de crimes cometidos contra os estudantes do Pará. As evidências de desvio de recursos – e as suas consequências – são encontradas fartamente dentro das escolas. Aqui, a relação de causa e efeito é clara: quanto mais corrupção, pior é o ensino oferecido.
Antes de chegar a essa conclusão, a Pública coletou informações sobre a qualidade da educação no norte do país e fez um detalhado cruzamento dos dados sobre os desvios na verba que deveria ser investida nas escolas do Pará. Depois, visitou as escolas do Pará, estado que divide com o Amapá o último lugar no ranking em educação na região norte, por sua vez a que oferece pior ensino no país, de acordo com os novos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação.
A reportagem visitou as cidades de Portel e Anajás, ambas na Ilha de Marajó. Anajás foi a campeã paraense de irregularidades na educação detectadas nas fiscalizações feitas pela CGU ao longo de 2010 e 2011. Portel foi uma das cidades onde houve condenação do prefeito devido a desvios da verba para as escolas. A ideia da visita era a descobrir se a punição surtiu efeito sobre o modo como o novo prefeito gere a educação.
A verba para educação repassada pelo governo federal representa mais de 70% da receita dessas prefeituras, como acontece em 25% dos municípios brasileiros. Boa parte dela é proveniente do Fundeb, (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), que distribui os recursos da educação básica em todo o país. Os recursos se destinam ao pagamento de diretores, professores e coordenadores, aquisição de equipamentos e reparos. As verbas para merenda, transporte, construção de escolas e livros didáticos vem através de convênios diretos com o Ministério da Educação (MEC).
Portel, 52 mil habitantes, recebeu 40,7 milhões do Fundeb em 2011; Anajás, 25 mil habitantes, recebeu 20,2 milhões. Pelo peso que têm na receita, as escolas deveriam oferecer o melhor serviço público dessas cidades. Não é o que se vê nas salas de aula.
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Ler o restante da matéria neste link: 

Argentina: progressos do fascismo economico (governo vai atras de quem comprou dolares)

De fato, a situação na Argentina não é normal: mesmo na inexistência de conversibilidade, em face de controles de capitais -- o que também ocorre no Brasil -- se espera, pelo menos, que os particulares acumulem divisas estrangeiras, ainda que eles não consigam manter contas internas em divisas (como também acontece no Brasil).
Parece que CK, instruída por conselheiros malucos, derivou para o exagero. Governos começam a cair quando se posicionam contra a classe média. Parece que já é o caso na Argentina.
Paulo Roberto de Almeida 

Receita Federal argentina aperta cerco sobre quem comprou dólares

Fisco exigirá a 6.800 argentinos que devolvam seus dólares

Ariel Palacios, correspondente
O Estado de S.Paulo, 26 de julho de 2012
BUENOS AIRES - O governo da presidente Cristina Kirchner intensificou o cerco sobre o dólar nesta quinta-feira ao anunciar que a Administração Federal de Ingressos Públicos (Afip), a receita federal argentina, enviará notificações às pessoas que compraram a moeda americana com o objetivo de viajar ao exterior e que finalmente não saíram do país. No total, a Afip identificou 6.800 pessoas que deverão devolver em um prazo de cinco dias os dólares comprados. Caso não devolvam os dólares - para receber em troca pesos argentinos cotados com o câmbio oficial - estas pessoas serão punidas com multas. O governo também alertou que poderia aplicar a suspensão do CUIT (o equivalente ao brasileiro CNPJ).
Segundo a Afip, as pessoas que não viajaram como estava previsto - e que não devolveram os dólares - constituem 20% do total dos compradores de divisas americanas para turismo.
Esta é uma nova etapa na cruzada anti-dólar deslanchada pela presidente Cristina Kirchner em novembro passado, logo após sua reeleição. De lá para cá - com o objetivo de equilibrar suas contas fiscais - a presidente aplicou uma série de medidas que praticamente impedem que os argentinos adquiram dólares, moeda que nas últimas quatro décadas foi o principal refúgio econômico dos habitantes deste país.
Nesta quinta-feira o dólar oficial foi cotado a 4,59 pesos, enquanto que o dólar paralelo encerrou a jornada em 6,43 pesos.
Compras restritas
Atualmente os argentinos só podem comprar dólares para o caso de viagens ao exterior (com a apresentação da passagem aérea) e uma detalhada explicação para onde viajará e os lugares onde o avião fará escala.
Além disso, os argentinos precisam explicar ao Estado nacional os motivos da viagem. De quebra, a compra da moeda americana para viagens só poderá ser efetuada com dinheiro "bancarizado" (por cartão de débito ou por cheque). Mas, somente 30% da população está bancarizada (a desconfiança no sistema bancários é tradicional na Argentina).
A compra de dólares para o caso de doações para pessoas vítimas de catástrofes naturais ou para casos de caráter humanitário de conhecimento público, que era uma das poucas alternativas existentes, foi cancelada nesta semana.
Dias atrás o Banco Central também proibiu os argentinos de comprar dólares para poupar, rompendo com o costume de comprar a divisa americana para guardar em casa, nas caixas de segurança, nas cadernetas de poupança na Argentina ou em contas no exterior.
Os habitantes e estrangeiros residentes neste país também estão proibidos de usar dólares nas operações imobiliárias. Esta medida provocou um colapso nos negócios imobiliárias nas últimas semanas, já que durante 40 anos, mais de 90% destas operações eram realizadas na divisa americana.
Vários ministros do gabinete Kirchner declararam ao longo das últimos meses que os argentinos deverão "começar a pensar em pesos e deixar de lado os dólares".
A bateria de medidas contra o dólar provocou o ressurgimento do mercado paralelo de divisas, que havia desaparecido em 1991 com a implantação da conversibilidade econômica (que instaurou a paridade um a um entre o peso e o dólar) durante o governo do presidente Carlos Menem (1989-99).