Enfim, alguns obrigados por esse rito de passagem obrigatório para promoção que é o Curso de Altos Estudos, supostamente um doutorado, na verdade apenas um exercício de redação de algum tema diplomático que, em alguns casos, é um longo memorando de posições, ou seja, uma coleção de telegramas que o próprio diplomata preparou, como dever de ofício, nos meses ou anos anteriores.
Em outros casos, felizmente a maioria, se trata de um trabalho real de pesquisa, valendo todos os méritos de um trabalho acadêmico en bonne et due forme, ou seja, um scholarly work.
Tenho resenhado todos esses trabalhos, o que me dá por vezes certo trabalho, mas por outras imenso prazer.
Aqui vão -- e acho que não postei nada este ano das resenhas feitas -- os mais recentes livros de diplomatas, prata da casa no bom e no mau sentido, pois que publicados d'office, sem alguma revisão editorial mais cuidadosa, que poderia melhorar forma e conteúdo.
Em todo caso, no panorama desolado dos estudos de RI no Brasil, são um bom aporte ao estudo de problemas da área.
Seguem, transcritas abaixo, as notas relativas aos livros resenhados para os boletins da ADB publicados em 2012. Em principio, todos os livros editados pela Funag estao disponiveis no site da Fundacao: www.funag.gov.br
Paulo Roberto de Almeida
Prata
da Casa – Boletim ADB 1o. trimestre 2012
Paulo Roberto de Almeida
Boletim ADB (ano 19, n. 76, janeiro-março 2012, p. 30-32;
ISSN: 0104-8503).
Alberto
da Costa e Silva (coord.); Rubens Ricupero (colab.):
História do Brasil Nação: 1808-2010; vol.
1: Crise Colonial e Independência:
1808-1830
(Rio
de Janeiro: Objetiva, 2011, 280 p.; ISBN: 978-85-390-0275-7)
Dois diplomatas neste primeiro volume de uma coleção
que está sendo preparada em coordenação com uma equipe espanhola, focando os
200 anos das autonomias latino-americanas: o próprio coordenador do volume,
acadêmico Costa e Silva, que, ademais de assinar uma introdução sobre as
“marcas do período”, responde também por um primeiro capítulo sobre população e
sociedade; Rubens Ricupero traça o panorama do “Brasil no mundo” nesse período,
desde os fatores externos da independência até o fracasso da guerra na
Cisplatina e o envolvimento de D. Pedro I com os problemas da ex-metrópole. Ambas
as bibliografias são literatura secundária, mas dentre autores consagrados. Existem
ainda capítulos sobre a vida política, o processo econômico e a cultura. Uma
obra doravante indispensável.
Eugenio Vargas Garcia:
O
Sexto Membro Permanente: o Brasil e a criação da ONU
(Rio de Janeiro: Contraponto, 2011, 458 p.; ISBN: 978-85-7866-044-4)
O autor vem construindo uma obra consistente de
história diplomática brasileira: primeiro, pelo exame da participação – e
espetacular saída – do Brasil na Liga das Nações; depois, pelo exame da política
externa na década de vinte, passando também por compêndios cronológicos e de
documentos históricos; agora, por esse muito bem construído relato histórico
sobre nossa quase aceitação como membro do CSNU, em 1945. Como para as obras
anteriores, a leitura cuidadosa dos arquivos brasileiros, a consulta a fontes
externas indispensáveis, o encadeamento dos documentos e dos depoimentos, tudo
isso numa linguagem fluída, como convém aos historiadores que escrevem para o
grande público. O poder de veto foi usado de forma preventiva, contra o Brasil;
sobrou um gosto amargo que alguns buscam hoje superar.
Gelson
Fonseca:
Diplomacia e Academia: um estudo sobre as análises
acadêmicas sobre a política externa brasileira na década de 70 e sobre as
relações entre o Itamaraty e a comunidade acadêmica
(Brasília:
Funag, 2011, 248 p.; ISBN: 978-85-7631-349-6)
Trata-se de tese de CAE, defendida em 1981, e
publicada pela primeira vez com pequenas alterações cosméticas: a temática está
explícita no longo subtítulo e pode-se dizer que a tese inaugurou a abertura do
Itamaraty à academia, com a criação do IPRI, em 1985 (como sublinham os
apresentadores institucionais). O próprio autor faz um posfácio de
esclarecimentos sobre como o trabalho foi construído, ainda no regime militar,
mas já num momento de abertura gradual. Num prólogo, um dos membros da banca, o
embaixador Rubens Ricupero destaca justamente o princípio democrático como o
eixo central do trabalho, mas traça também o percurso de predecessores a esse
tipo de trabalho. Os capítulos 2 e 3 da tese fazem um exame de toda a bibliografia
relevante sobre a diplomacia brasileira publicada até final dos 70.
Maria
Theresa Diniz Forster:
Oliveira Lima e as Relações Exteriores do Brasil: o
legado de um pioneiro e sua relevância atual para a diplomacia brasileira
(Brasília:
Funag, 2011, 220 p.; ISBN: 978-85-7631-331-1)
Um dos mais importantes historiadores diplomatas,
senão o maior, Oliveira Lima andava um tanto esquecido, a despeito mesmo da
republicação de alguns dos seus livros nos últimos anos. Este “embaixador
intelectual do Brasil” mereceu uma bem pesquisada tese de CAE, que, depois de
traçado seu perfil biográfico, coloca em perspectiva suas contribuições à
diplomacia brasileira, tanto a de cem anos atrás, quanto a atual. A autora
compulsou todas as obras do “Dom Quixote Gordo”, leu tudo o que se escreveu
sobre ele e oferece suas próprias reflexões e ponderações sobre esse bibliófilo
que morreu num exílio auto-imposto e que legou sua preciosa biblioteca à
Catholic University of America. Desavenças com figuras importantes da República
estão na raiz desse limbo: uma grande perda, para a diplomacia e para o Brasil.
Sarquis
José Buainain Sarquis:
Comércio Internacional e Crescimento Econômico no
Brasil
(Brasília:
Funag, 2011, 248 p.; ISBN: 978-85-7631-335-9)
Poucos diplomatas são doutores em economia;
pouquíssimos, se algum, dispõem de sólido conhecimento em econometria como o
autor; e provavelmente só existirá um, o próprio Sarquis, contemplado com um
prêmio pela London School of Economics pela excelência de sua tese em
macroeconomia e finanças internacionais. Estes méritos já revelam um pouco da
qualidade desta tese de CAE que, não apenas estuda as relações que existem
entre os dois conceitos do título, nos planos teórico e empírico, como também
reconstitui a experiência brasileira – comparativamente a exemplos
latino-americanos e asiáticos – nessas áreas e, mais importante, formula
recomendações de política econômica externa, extremamente bem fundamentadas em
setores como comércio, finanças e câmbio. Vale a recomendação de Adam Smith: o
segredo está em educar sua população.
Ademar
Seabra da Cruz Junior:
Diplomacia, desenvolvimento e sistemas nacionais de
inovação: estudo comparado entre Brasil, China e Reino Unido
(Brasília:
Funag, 2011, 292 p.; ISBN: 978-85-7631-327-4)
Poucos países poderiam ser tão diferentes entre si quanto
os três escolhidos por este doutor em Sociologia pela USP, mestre em Filosofia
das Ciências Sociais pela London School of Economics, para propor uma espécie
de “diplomacia da inovação” no esforço brasileiro pelo desenvolvimento. Os
exemplos selecionados são, de fato pertinentes, numa perspectiva
“schumpeteriana-marxista”, ainda que isso seja surpreendente, já que eles são
“atores desiguais e assimétricos da globalização”. No entanto, as políticas de
China e Reino Unidos são ilustrativas de estratégias coerentes de inovação; o
Brasil faria bem em estudar e adaptar certas características. Ambos, em suas
dimensões próprias, têm muito a ensinar ao Brasil. O Itamaraty tem funções a
cumprir nesse processo; o autor mostra quais são: montar redes de informação, conectar
os diversos agentes nacionais e capturar parte de nossa diáspora científica.
[Brasília, 2354,
08.01.2012; rev.: 11/01/2012]
[Revisão: Paris: 19.03/2012]
Prata da Casa – Boletim ADB 2o. trimestre 2012
Paulo Roberto de Almeida
Boletim ADB (ano 19, n. 77, abril-junho 2012, p. 30-32;
ISSN: 0104-8503).
Miguel
Gustavo de Paiva Torres:
O Visconde do Uruguai e sua atuação diplomática para a
consolidação da política externa do Império
(Brasília:
Funag, 2011, 212 p.; ISBN: 978-85-7631-329-8)
Paulino José Soares de Sousa teve atuação destacada
nos dois momentos em que chefiou o ministério dos negócios estrangeiros, no
final dos anos 1840 e no início da década seguinte, confrontando a diplomacia
arrogante das grandes potências e o arbítrio do caudilho Rosas, da vizinha
Argentina, a quem venceu pelas tratativas diplomáticas (mentor que foi da
missão do Visconde de Rio Branco) e também com o auxílio das armas. O autor
realizou extensa pesquisa nas fontes primárias para reconstituir os principais
episódios em que Uruguai se destacou: “foi uma pedra no caminho”, escreve ele,
de vários representantes estrangeiros, tal o seu empenho na defesa dos
interesses brasileiros. Uma futura edição precisa corrigir os erros de
atribuição de trabalhos a Leslie Bethell, quando este foi de fato o coordenador
da série de história da América Latina.
José
Estanislau do Amaral:
Usos da história: a
diplomacia contemporânea dos Estados Bálticos. Subsídios para a política externa do Brasil
(Brasília: Funag,
2011, 216 p.; ISBN: 978-85-7631-309-0)
Os três países bálticos tiveram, como vários outros
infelizes vizinhos da Rússia czarista, da União Soviética comunista e da
Alemanha expansionista e militarista, uma história movimentada, feita de
guerras, ocupação e de “inundação” étnica; obtida a independência ao final da
Primeira Guerra Mundial, ela foi varrida na Segunda; novamente autônomos ao
final da Guerra Fria, desta vez com a dupla garantia da OTAN e da UE, eles
confirmam a resiliência dos povos resistentes às tentativas de submissão. Esta
tese de CAE examina sua política externa e as implicações diplomáticas para o
Brasil: reconhecemos a independência de 1921 e novamente a de 1991, sem jamais legitimar
a anexação soviética de 1940. São Paulo tem, depois de Chicago, a segunda
colônia de lituanos no mundo. Bom começo para intensificar as relações.
Luiz
Fernando Ligiéro:
A Autonomia na Politica Externa Brasileira - a
Política Externa Independente e o Pragmatismo Responsável: momentos diferentes,
políticas semelhantes?
(Brasília: Funag, 2011, 412 p.; ISBN:
978-85-7631-348-9).
Tese de doutoramento defendida na UnB, constitui uma
demonstração cabal da famosa mudança na continuidade, que caracterizaria,
segundo a quase totalidade dos diplomatas, a diplomacia brasileira (ou, pelo
menos, a do Itamaraty). Mas ocorrem mudanças surpreendentes, como justamente os
dois exemplos aqui enfocados: a PEI, do início dos anos 1960, e a política de
Geisel e de Azeredo da Silveira, mais de uma década depois. A comparação se dá
tanto pelo lado dos discursos, quanto pelo da implementação das políticas, nas
diversas áreas. O exame é exaustivo e o leque de autores consultados é
impressionante, sem esquecer os depoimentos dos principais atores, direta
(testemunho gravado) ou indiretamente (arquivos do Cpdoc, por exemplo). Falta
uma bibliografia consolidada nesta edição.
San
Tiago Dantas:
Política Externa Independente –
Edição Atualizada
(Brasília:
Funag, 2011, 372 p.; ISBN: 978-85-7631-304-5)
San Tiago Dantas é, por assim dizer, um diplomata
honorário, tendo sido chanceler no parlamentarismo e, antes disso, delegado
brasileiro em diversas reuniões internacionais. A utilidade desta reedição é a
de não apenas compilar novamente os textos (discursos e palestras) já editados
pela Civilização Brasileira em 1962, acrescida de cinco novos originais, dois
deles de diplomatas: um do embaixador Afonso Arinos, publicado originalmente em
seu livro Atualidade de San Tiago Dantas
(Lettera, 2005), e outro, precioso, do embaixador Gelson Fonseca que introduz
os “colóquios da Casa das Pedras”, reuniões de planejamento político que San
Tiago conduzia com diplomatas, em 1961, sobre temas relevantes da agenda
diplomática brasileira. Celso Amorim e Marcílio Marques Moreira também
comparecem com relatos pessoais e reflexões esclarecedoras.
May
Frances:
Cartas de uma jovem inglesa na fronteira de
Uruguaiana: 1887-1888
(Tradução,
introdução e notas: Fernando Cacciatore de Garcia; Porto Alegre: Sulina, 2010,
168 p.; ISBN: 978-85-205-0582-3)
São apenas 24 cartas, que compõem cada um dos
capítulos destas missivas de uma jovem de 25 anos, que acompanhava o irmão, na
construção de mais uma ferrovia inglesa, em local totalmente isolado do “mundo
normal”. Uma puritana inglesa, eivada de todos os preconceitos de um povo
conquistador, como sublinha o editor, gaúcho da mesma região, que se inseriu no
grand monde da diplomacia. Miss
Frances ainda fala dos brasileiros da fronteira como “colonizadores
portugueses”, mas faz observações pertinentes sobre o atraso relativo da
sociedade patriarcal local. Ela achava o Português “uma língua tão hedionda que
é sem prazer que a estou aprendendo”, uma amostra típica de suas opiniões
depreciativas. Um depoimento de primeira mão, muito bem traduzido e introduzido
pelo colega de carreira.
Letícia Frazão Alexandre de Moraes Leme:
O Tratamento Especial e Diferenciado dos Países em
Desenvolvimento: do GATT à OMC
(Brasília:
Funag, 2011, 236 p.; ISBN: 978-85-7631-342-7)
O Brasil se orgulha de ser um país em desenvolvimento:
tem direito a SGP e menores obrigações sob o sistema multilateral de comércio.
Esta dissertação de mestrado do Rio Branco refaz toda a história da construção
conceitual do tratamento especial, desde o primeiro GATT até sua transformação
na atual OMC, examinando todos os instrumentos e normas e discutindo a questão
do ponto de vista das teorias que fundamentam essa caracterização, como por
exemplo o “embedded liberalism”; também examina, do ponto de vista ética, os
argumentos filosóficos que sustentam essa posição, como por exemplo em
Aristóteles, John Rawls e Amartya Sen. Os anexos são preciosos, pois além da
cronologia detalhada, traz o sumário dos dispositivos relativos a esse
mecanismo em todos os instrumentos do sistema multilateral de comércio e
finaliza com entrevistas com três especialistas na questão.
Brasília, 14
janeiro 2012;
Revisão: Paris, 19/03/2012
Prata da Casa - Boletim ADB: 3ro.
trimestre 2012
Paulo Roberto de Almeida
Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros
(ano
19, n. 78, julho-agosto-setembro 2012, p. 30-36; ISSN: 0104-8503
1) Fernando de Mello Barreto: A Politica Externa Após a Redemocratização; tomo
1: 1985-2002; ; tomo 2: 2003-2010 (Brasília:
Funag, 2012, 746 e 670 p.; ISBN: 978-85-7631-363-2 e 978-85-7631-382-3);
Continuidade formal e
substantiva das duas obras anteriores, Os
Sucessores do Barão (para os períodos 1912-1964, e 1964-1985,
respectivamente), os dois volumes, agora enfeixados sob o signo da
redemocratização, cobrem minuciosamente, gestão por gestão, todos os atos e
fatos da diplomacia brasileira, segundo uma divisão temática predominantemente
geográfica (por regiões e países relevantes), mas também quanto às áreas de
política multilateral e de economia externa, terminando pelo próprio serviço
exterior brasileiro. São manuais indispensáveis para seguir o itinerário da
diplomacia conduzida pelo Itamaraty (no primeiro período: 1985-2002) e,
adicionalmente (no segundo período: 2003-2010), sob influência partidária; mais
racionais do que os repertórios do MRE (uma simples compilação de
pronunciamentos oficiais), os relatos de cada gestão seguem, no entanto, o
discurso oficial, em todos os seus matizes.
2) Luís Cláudio Villafañe G. Santos: O evangelho do Barão: Rio Branco e a identidade
brasileira (São Paulo: Unesp, 2012, 176 p.; ISBN: 978-85-393-0244-4)
Na sequência do anterior, O Dia em que Adiaram o Carnaval (2010),
que também se interrogava sobre as peculiaridades da identidade brasileira,
esta obra analisa as ideias e as obras do Barão no que elas têm de relevante
para a criação de uma nacionalidade brasileira, naquilo que ela tem de mais
significativo, que são os símbolos identitários da nação. Ele recua até a
própria formação da diplomacia imperial (saquarema) e analisa de modo
competente como, e com quais símbolos, o Barão veio a ser identificado com uma
nova política externa, completando, no plano conceitual e na prática, a
transição da velha ordem monarquista para o novo regime republicano. Pelo fato
de ter completado o mapa do país, e de ser, também, um historiador, o Barão
moldou, até hoje, a interpretação que se há de ter sobre a política externa do
Brasil. Somos todos prisioneiros do Barão, ainda.
3) Antonio Augusto Cançado Trindade: Repertório da Prática Brasileira do Direito Internacional
Público; vol. I: período 1889-1898;
vol. II: período 1899-1918; vol. III:
período 1919-1940; vol. IV: período 1941-1960; vol. V: período 1961-1981; vol. VI: Índice Geral Analítico (2a.
ed.: Brasília: Funag, 2012, 304, 588, 392, 448, 428 e 288 p.; ISBN:
978-85-7631-367-0; 978-85-7631-368-7; 978-85-7631-369-4; 978-85-7631-370-0;
978-85-7631-371-7; 978-85-7631-372-4).
Obra única no gênero, e
até agora não imitada (para os períodos anterior e posterior aos cinco cobertos
no plano da cronologia, e mais um volume de índice analítico), o excepcional
trabalho do ex-consultor jurídico do MRE, e atual juiz da corte da Haia,
constitui um instrumento extremamente útil a todos os pesquisadores que
pretendam identificar e reproduzir os fundamentos da prática brasileira do
direito internacional público, ou seja, das próprias bases da política externa,
tendo em vista a forte adesão da diplomacia brasileira aos princípios e normas
do direito. Retirados da “poeira” dos arquivos do Itamaraty e dos outros
poderes, foram compilados os documentos mais representativos dos atos
internacionais, da condição dos Estados, da regulamentação dos espaços, da
condição das organizações internacionais e dos indivíduos, solução de
controvérsias, conflitos armados e direito humanitário. Magnífico
empreendimento!
4) Felipe Hees e Marília Castañon Penha
Valle (orgs.): Dumping, Subsídios e
Salvaguardas: Revisitando aspectos técnicos dos instrumentos de defesa
comercial (São Paulo: Singular, 2012, 486 p.; ISBN: 978-85-86626-62-3)
Dois diplomatas comparecem
neste importante livro sobre a defesa comercial no Brasil: o organizador, que
assina três densos capítulos – sobre o itinerário histórico do dumping e seus
efeitos no comércio, sobre as negociações antidumping na rodada Doha, e sobre
os aspectos técnicos na definição dos níveis de antidumping –, e que é também
chefe da Defesa Comercial no MDCI; seu colega Eduardo Chikusa, responsável pela
mesma área no Itamaraty, que fecha o volume com um estudo sobre a legislação
sobre circunvenção no Brasil. Os outros quinze capítulos, sobre os demais temas
do título, são em geral assinados por funcionários do Decom-MDIC ou no setor
privado. O livro é relevante para os interessados nessa problemática, mesmo se,
na apresentação, o ministro setorial se orgulha de que o Brasil tenha sido o
país que mais iniciou investigações antidumping desde 2010. Seria essa uma
marca de distinção?
5) Adolpho Justo Bezerra de Menezes: O Brasil e o mundo ásio-africano (Brasília:
Funag, 2012, 372 p.; ISBN: 978-85-7631-387-8);
Publicado originalmente em
1956 e legítimo predecessor da atual política Sul-Sul, o livro em questão foi a
primeira, e durante muitos anos a única, análise das duas regiões do ponto de
vista da diplomacia brasileira, não apenas circunscrita às realidades coloniais
então predominantes nos continentes africano e asiático, uma vez que também
trata das primeiras conferências (Colombo, Bogor, Bandung) que marcariam a era
pós-colonial. Reconhece a liderança americana, mas fala de uma futura liderança
a brasileira, propondo medidas para a atuação diplomática brasileira nas duas
regiões, inclusive no que se refere a uma comunidade luso-brasileira,
antecipando também, portanto, os esforços atuais em torno da CPLP. São transcritos
trechos de documentos oficiais, mas também testemunhos recolhidos pessoalmente
pelo autor, o que converte o livro, na prática, em fonte primária.
6) André Heráclio do Rêgo: Os Sertões e os Desertos: o combate à
desertificação e a política externa brasileira (Brasília: Funag, 2012, 204
p.; ISBN: 978-85-7631-380-9);
Autor de várias obras
sobre a dimensão da política tradicional no Nordeste, com pleno conhecimento de
causa – já que herdeiro de uma das oligarquias regionais –, André Heráclio
examina agora, nesta tese de CAE, a dimensão ecológica e política do processo de
desertificação, examinando não só toda a bibliografia relevante (30 páginas de
obras) que trata do fenômeno no Brasil e no mundo, mas também o tratamento
diplomático dado ao problema nos foros regionais e multilaterais. A atuação
diplomática do Brasil e o papel das grandes convenções multilaterais da área
climática e ambiental são examinados com extrema precisão; a temática oferece,
justamente, grandes possibilidades de cooperação bilateral, regional e
multilateral, não apenas quanto aos meios de se combater o fenômeno, mas
igualmente nas tarefas de gestão dos recursos naturais, especialmente os
hídricos. A obra permanecerá como de referência nessa área, hoje um pouco “deserta”.
7) Maria Feliciana Nunes Ortigão de Sampaio:
O Tratado de Proibição Completa dos
Testes Nucleares (CTBT): Perspectivas para sua Entrada em Vigor e para a
Atuação Diplomática Brasileira (Brasília: Funag, 2012, 462 p.; ISBN:
978-85-7631-379-3);
Metade, desta maciça tese
de CAE, constitui uma história exemplar da questão do armamento e desarmamento
nucleares, desde as origens, em 1945, até a fase atual, de preparação para a
entrada em vigor do CTBT (o que não irá ocorrer, por falta de apoio dos EUA),
com uma análise paralela dos mecanismos e instrumentos que compõem esse
instrumento (talvez) relevante da não proliferação. A outra metade são
documentos técnicos, cuja coleta foi facilitada pelo trabalho da autora na
comissão de implementação do tratado. A análise das políticas dos países mais
sensíveis (ou mais complicados) é exaustiva, concluindo a tese pelo exame da
atitude brasileira: obviamente, o Brasil apoia o esforço do CTBT, mas também
acredita na eliminação completa das armas nucleares. Pena que nem um, nem
outro, vão se realizar, mas isso a autora não diz...
8) Ricardo Luís Pires Ribeiro da Silva: A Nova Rota da Seda: caminhos para a
presença brasileira na Ásia central (Brasília: Funag, 2011, 320 p.; ISBN:
978-85-7631-346-5);
A rota da sede,
obviamente, é muito mais longa, mais velha, mais interessante do que seu trecho
que percorre as antigas satrapias soviéticas da Ásia central: mas, talvez, seus
trechos mais misteriosos, e ignotos, se situassem mesmo nos territórios que
hoje correspondem a essas repúblicas supostamente pós-soviéticas: Cazaquistão,
República Quirguiz, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão. Esta tese de CAE
percorre terras incógnitas para a diplomacia brasileira, até uma data ainda
recente. Seu autor leu uma bibliografia basicamente ocidental para abordar a
trajetória recente dessas cinco satrapias convertidas de forma muito desigual à
economia de mercado, mais aqui, em todo caso, do que a regimes democráticos. São
onze capítulos substantivos e doze anexos para colocar o Brasil, finalmente, na
moderna rota da seda, feita de combustíveis fósseis e mercados ainda pouco
explorados.
9) Silvio José Albuquerque e Silva: As Nações Unidas e a luta internacional
contra o racismo (2a ed.; Brasília: Funag, 2011, 292 p.; ISBN:
978-85-7631-338-0).
O multilateralismo
contemporâneo foi transitando gradualmente dos grandes temas interestatais para
assuntos humanitários, entre eles o do racismo. Esta tese de CAE analisa os
resultados da conferência de Durban (2001) sobre o racismo e a xenofobia, com ênfase
na atuação diplomática brasileira, antes, durante e depois, até a conferência
de revisão, quase uma década após. Esse período correspondeu à aceleração das
próprias políticas nacionais de caráter afirmativo, com intensa mobilização dos
militantes negros, num ativismo que emula a atuação do grupo africano no plano
multilateral, ambos pretendendo algum resgate de “dívidas históricas”. O maior
especialista brasileiro na questão, José Augusto Lindgren Alves, acredita que
essas demandas fundamentalistas podem causar uma sucessão interminável de
cobranças de uns povos contra outros, para a maior infelicidade de todos. O
racismo tem muitas faces, sem dúvida.
10) Gustavo Henrique Marques Bezerra: Da Revolução ao Reatamento: A Política
Externa Brasileira e a Questão Cubana (1959-1986) (Brasília: Funag, 2012,
376 p.; ISBN: 978-85-7631-381-6)
Poucos temas diplomáticos,
ou políticos, foram, e são, tão passionais, no espectro ideológico, interno e
externo, quanto a revolução cubana e as reações do Brasil em relação aos rumos
do único regime marxista do hemisfério. Cuba é, ao mesmo tempo, um assunto
diplomático e de política interna, com todas as paixões associadas a esse
dossiê, que começa em 1959 e vem aos nossos dias. Esta tese de CAE, revista e
ampliada, segue o relacionamento bilateral, e as implicações da revolução
cubana durante a Guerra Fria, desde o ano inaugural da revolução até o
reatamento e 1986, passando pelas crises de 1962 (suspensão de Cuba da OEA e
crise dos mísseis soviéticos) e pelo rompimento, em 1964. Modelo de pesquisa
histórica, e de apresentação de documentos diplomáticos, a nova obra é metodologicamente
impecável, perfeita no plano redacional e excepcional no desenvolvimento do argumento.
[Brasília, 20-25 agosto 2012]
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