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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Diplomatas escrevem (ao que parece...) - Prata da Casa

Enfim, alguns obrigados por esse rito de passagem obrigatório para promoção que é o Curso de Altos Estudos, supostamente um doutorado, na verdade apenas um exercício de redação de algum tema diplomático que, em alguns casos, é um longo memorando de posições, ou seja, uma coleção de telegramas que o próprio diplomata preparou, como dever de ofício, nos meses ou anos anteriores.
Em outros casos, felizmente a maioria, se trata de um trabalho real de pesquisa, valendo todos os méritos de um trabalho acadêmico en bonne et due forme, ou seja, um scholarly work.
Tenho resenhado todos esses trabalhos, o que me dá por vezes certo trabalho, mas por outras imenso prazer.
Aqui vão -- e acho que não postei nada este ano das resenhas feitas -- os mais recentes livros de diplomatas, prata da casa no bom e no mau sentido, pois que publicados d'office, sem alguma revisão editorial mais cuidadosa, que poderia melhorar forma e conteúdo.
Em todo caso, no panorama desolado dos estudos de RI no Brasil, são um bom aporte ao estudo de problemas da área.
Seguem, transcritas abaixo, as notas relativas aos livros resenhados para os boletins da ADB publicados em 2012. Em principio, todos os livros editados pela Funag estao disponiveis no site da Fundacao: www.funag.gov.br
Paulo Roberto de Almeida


Prata da Casa – Boletim ADB 1o. trimestre 2012

Paulo Roberto de Almeida
Boletim ADB (ano 19, n. 76, janeiro-março 2012, p. 30-32; ISSN: 0104-8503).

Alberto da Costa e Silva (coord.); Rubens Ricupero (colab.):
História do Brasil Nação: 1808-2010; vol. 1: Crise Colonial e Independência: 1808-1830
(Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, 280 p.; ISBN: 978-85-390-0275-7)

Dois diplomatas neste primeiro volume de uma coleção que está sendo preparada em coordenação com uma equipe espanhola, focando os 200 anos das autonomias latino-americanas: o próprio coordenador do volume, acadêmico Costa e Silva, que, ademais de assinar uma introdução sobre as “marcas do período”, responde também por um primeiro capítulo sobre população e sociedade; Rubens Ricupero traça o panorama do “Brasil no mundo” nesse período, desde os fatores externos da independência até o fracasso da guerra na Cisplatina e o envolvimento de D. Pedro I com os problemas da ex-metrópole. Ambas as bibliografias são literatura secundária, mas dentre autores consagrados. Existem ainda capítulos sobre a vida política, o processo econômico e a cultura. Uma obra doravante indispensável.

Eugenio Vargas Garcia:
O Sexto Membro Permanente: o Brasil e a criação da ONU
(Rio de Janeiro: Contraponto, 2011, 458 p.; ISBN: 978-85-7866-044-4)

O autor vem construindo uma obra consistente de história diplomática brasileira: primeiro, pelo exame da participação – e espetacular saída – do Brasil na Liga das Nações; depois, pelo exame da política externa na década de vinte, passando também por compêndios cronológicos e de documentos históricos; agora, por esse muito bem construído relato histórico sobre nossa quase aceitação como membro do CSNU, em 1945. Como para as obras anteriores, a leitura cuidadosa dos arquivos brasileiros, a consulta a fontes externas indispensáveis, o encadeamento dos documentos e dos depoimentos, tudo isso numa linguagem fluída, como convém aos historiadores que escrevem para o grande público. O poder de veto foi usado de forma preventiva, contra o Brasil; sobrou um gosto amargo que alguns buscam hoje superar.

Gelson Fonseca:
Diplomacia e Academia: um estudo sobre as análises acadêmicas sobre a política externa brasileira na década de 70 e sobre as relações entre o Itamaraty e a comunidade acadêmica
(Brasília: Funag, 2011, 248 p.; ISBN: 978-85-7631-349-6)

Trata-se de tese de CAE, defendida em 1981, e publicada pela primeira vez com pequenas alterações cosméticas: a temática está explícita no longo subtítulo e pode-se dizer que a tese inaugurou a abertura do Itamaraty à academia, com a criação do IPRI, em 1985 (como sublinham os apresentadores institucionais). O próprio autor faz um posfácio de esclarecimentos sobre como o trabalho foi construído, ainda no regime militar, mas já num momento de abertura gradual. Num prólogo, um dos membros da banca, o embaixador Rubens Ricupero destaca justamente o princípio democrático como o eixo central do trabalho, mas traça também o percurso de predecessores a esse tipo de trabalho. Os capítulos 2 e 3 da tese fazem um exame de toda a bibliografia relevante sobre a diplomacia brasileira publicada até final dos 70.

Maria Theresa Diniz Forster:
Oliveira Lima e as Relações Exteriores do Brasil: o legado de um pioneiro e sua relevância atual para a diplomacia brasileira
(Brasília: Funag, 2011, 220 p.; ISBN: 978-85-7631-331-1)

Um dos mais importantes historiadores diplomatas, senão o maior, Oliveira Lima andava um tanto esquecido, a despeito mesmo da republicação de alguns dos seus livros nos últimos anos. Este “embaixador intelectual do Brasil” mereceu uma bem pesquisada tese de CAE, que, depois de traçado seu perfil biográfico, coloca em perspectiva suas contribuições à diplomacia brasileira, tanto a de cem anos atrás, quanto a atual. A autora compulsou todas as obras do “Dom Quixote Gordo”, leu tudo o que se escreveu sobre ele e oferece suas próprias reflexões e ponderações sobre esse bibliófilo que morreu num exílio auto-imposto e que legou sua preciosa biblioteca à Catholic University of America. Desavenças com figuras importantes da República estão na raiz desse limbo: uma grande perda, para a diplomacia e para o Brasil.

Sarquis José Buainain Sarquis:
Comércio Internacional e Crescimento Econômico no Brasil
(Brasília: Funag, 2011, 248 p.; ISBN: 978-85-7631-335-9)

Poucos diplomatas são doutores em economia; pouquíssimos, se algum, dispõem de sólido conhecimento em econometria como o autor; e provavelmente só existirá um, o próprio Sarquis, contemplado com um prêmio pela London School of Economics pela excelência de sua tese em macroeconomia e finanças internacionais. Estes méritos já revelam um pouco da qualidade desta tese de CAE que, não apenas estuda as relações que existem entre os dois conceitos do título, nos planos teórico e empírico, como também reconstitui a experiência brasileira – comparativamente a exemplos latino-americanos e asiáticos – nessas áreas e, mais importante, formula recomendações de política econômica externa, extremamente bem fundamentadas em setores como comércio, finanças e câmbio. Vale a recomendação de Adam Smith: o segredo está em educar sua população.

Ademar Seabra da Cruz Junior:
Diplomacia, desenvolvimento e sistemas nacionais de inovação: estudo comparado entre Brasil, China e Reino Unido
(Brasília: Funag, 2011, 292 p.; ISBN: 978-85-7631-327-4)

Poucos países poderiam ser tão diferentes entre si quanto os três escolhidos por este doutor em Sociologia pela USP, mestre em Filosofia das Ciências Sociais pela London School of Economics, para propor uma espécie de “diplomacia da inovação” no esforço brasileiro pelo desenvolvimento. Os exemplos selecionados são, de fato pertinentes, numa perspectiva “schumpeteriana-marxista”, ainda que isso seja surpreendente, já que eles são “atores desiguais e assimétricos da globalização”. No entanto, as políticas de China e Reino Unidos são ilustrativas de estratégias coerentes de inovação; o Brasil faria bem em estudar e adaptar certas características. Ambos, em suas dimensões próprias, têm muito a ensinar ao Brasil. O Itamaraty tem funções a cumprir nesse processo; o autor mostra quais são: montar redes de informação, conectar os diversos agentes nacionais e capturar parte de nossa diáspora científica.

 [Brasília, 2354, 08.01.2012; rev.: 11/01/2012]
[Revisão: Paris: 19.03/2012]



Prata da Casa – Boletim ADB 2o. trimestre 2012

Paulo Roberto de Almeida
Boletim ADB (ano 19, n. 77, abril-junho 2012, p. 30-32; ISSN: 0104-8503).

Miguel Gustavo de Paiva Torres:
O Visconde do Uruguai e sua atuação diplomática para a consolidação da política externa do Império
(Brasília: Funag, 2011, 212 p.; ISBN: 978-85-7631-329-8)

Paulino José Soares de Sousa teve atuação destacada nos dois momentos em que chefiou o ministério dos negócios estrangeiros, no final dos anos 1840 e no início da década seguinte, confrontando a diplomacia arrogante das grandes potências e o arbítrio do caudilho Rosas, da vizinha Argentina, a quem venceu pelas tratativas diplomáticas (mentor que foi da missão do Visconde de Rio Branco) e também com o auxílio das armas. O autor realizou extensa pesquisa nas fontes primárias para reconstituir os principais episódios em que Uruguai se destacou: “foi uma pedra no caminho”, escreve ele, de vários representantes estrangeiros, tal o seu empenho na defesa dos interesses brasileiros. Uma futura edição precisa corrigir os erros de atribuição de trabalhos a Leslie Bethell, quando este foi de fato o coordenador da série de história da América Latina.

José Estanislau do Amaral:
Usos da história: a diplomacia contemporânea dos Estados Bálticos. Subsídios para a política externa do Brasil
(Brasília: Funag, 2011, 216 p.; ISBN: 978-85-7631-309-0)

Os três países bálticos tiveram, como vários outros infelizes vizinhos da Rússia czarista, da União Soviética comunista e da Alemanha expansionista e militarista, uma história movimentada, feita de guerras, ocupação e de “inundação” étnica; obtida a independência ao final da Primeira Guerra Mundial, ela foi varrida na Segunda; novamente autônomos ao final da Guerra Fria, desta vez com a dupla garantia da OTAN e da UE, eles confirmam a resiliência dos povos resistentes às tentativas de submissão. Esta tese de CAE examina sua política externa e as implicações diplomáticas para o Brasil: reconhecemos a independência de 1921 e novamente a de 1991, sem jamais legitimar a anexação soviética de 1940. São Paulo tem, depois de Chicago, a segunda colônia de lituanos no mundo. Bom começo para intensificar as relações.

Luiz Fernando Ligiéro:
A Autonomia na Politica Externa Brasileira - a Política Externa Independente e o Pragmatismo Responsável: momentos diferentes, políticas semelhantes?
 (Brasília: Funag, 2011, 412 p.; ISBN: 978-85-7631-348-9).

Tese de doutoramento defendida na UnB, constitui uma demonstração cabal da famosa mudança na continuidade, que caracterizaria, segundo a quase totalidade dos diplomatas, a diplomacia brasileira (ou, pelo menos, a do Itamaraty). Mas ocorrem mudanças surpreendentes, como justamente os dois exemplos aqui enfocados: a PEI, do início dos anos 1960, e a política de Geisel e de Azeredo da Silveira, mais de uma década depois. A comparação se dá tanto pelo lado dos discursos, quanto pelo da implementação das políticas, nas diversas áreas. O exame é exaustivo e o leque de autores consultados é impressionante, sem esquecer os depoimentos dos principais atores, direta (testemunho gravado) ou indiretamente (arquivos do Cpdoc, por exemplo). Falta uma bibliografia consolidada nesta edição.

San Tiago Dantas:
Política Externa Independente – Edição Atualizada
(Brasília: Funag, 2011, 372 p.; ISBN: 978-85-7631-304-5)

San Tiago Dantas é, por assim dizer, um diplomata honorário, tendo sido chanceler no parlamentarismo e, antes disso, delegado brasileiro em diversas reuniões internacionais. A utilidade desta reedição é a de não apenas compilar novamente os textos (discursos e palestras) já editados pela Civilização Brasileira em 1962, acrescida de cinco novos originais, dois deles de diplomatas: um do embaixador Afonso Arinos, publicado originalmente em seu livro Atualidade de San Tiago Dantas (Lettera, 2005), e outro, precioso, do embaixador Gelson Fonseca que introduz os “colóquios da Casa das Pedras”, reuniões de planejamento político que San Tiago conduzia com diplomatas, em 1961, sobre temas relevantes da agenda diplomática brasileira. Celso Amorim e Marcílio Marques Moreira também comparecem com relatos pessoais e reflexões esclarecedoras.

May Frances:
Cartas de uma jovem inglesa na fronteira de Uruguaiana: 1887-1888
(Tradução, introdução e notas: Fernando Cacciatore de Garcia; Porto Alegre: Sulina, 2010, 168 p.; ISBN: 978-85-205-0582-3)

São apenas 24 cartas, que compõem cada um dos capítulos destas missivas de uma jovem de 25 anos, que acompanhava o irmão, na construção de mais uma ferrovia inglesa, em local totalmente isolado do “mundo normal”. Uma puritana inglesa, eivada de todos os preconceitos de um povo conquistador, como sublinha o editor, gaúcho da mesma região, que se inseriu no grand monde da diplomacia. Miss Frances ainda fala dos brasileiros da fronteira como “colonizadores portugueses”, mas faz observações pertinentes sobre o atraso relativo da sociedade patriarcal local. Ela achava o Português “uma língua tão hedionda que é sem prazer que a estou aprendendo”, uma amostra típica de suas opiniões depreciativas. Um depoimento de primeira mão, muito bem traduzido e introduzido pelo colega de carreira.

Letícia Frazão Alexandre de Moraes Leme:
O Tratamento Especial e Diferenciado dos Países em Desenvolvimento: do GATT à OMC
(Brasília: Funag, 2011, 236 p.; ISBN: 978-85-7631-342-7)

O Brasil se orgulha de ser um país em desenvolvimento: tem direito a SGP e menores obrigações sob o sistema multilateral de comércio. Esta dissertação de mestrado do Rio Branco refaz toda a história da construção conceitual do tratamento especial, desde o primeiro GATT até sua transformação na atual OMC, examinando todos os instrumentos e normas e discutindo a questão do ponto de vista das teorias que fundamentam essa caracterização, como por exemplo o “embedded liberalism”; também examina, do ponto de vista ética, os argumentos filosóficos que sustentam essa posição, como por exemplo em Aristóteles, John Rawls e Amartya Sen. Os anexos são preciosos, pois além da cronologia detalhada, traz o sumário dos dispositivos relativos a esse mecanismo em todos os instrumentos do sistema multilateral de comércio e finaliza com entrevistas com três especialistas na questão.

Brasília, 14 janeiro 2012;
Revisão: Paris, 19/03/2012

Prata da Casa - Boletim ADB: 3ro. trimestre 2012

Paulo Roberto de Almeida
Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros
(ano 19, n. 78, julho-agosto-setembro 2012, p. 30-36; ISSN: 0104-8503

1) Fernando de Mello Barreto: A Politica Externa Após a Redemocratização; tomo 1: 1985-2002; ; tomo 2: 2003-2010 (Brasília: Funag, 2012, 746 e 670 p.; ISBN: 978-85-7631-363-2 e 978-85-7631-382-3);

Continuidade formal e substantiva das duas obras anteriores, Os Sucessores do Barão (para os períodos 1912-1964, e 1964-1985, respectivamente), os dois volumes, agora enfeixados sob o signo da redemocratização, cobrem minuciosamente, gestão por gestão, todos os atos e fatos da diplomacia brasileira, segundo uma divisão temática predominantemente geográfica (por regiões e países relevantes), mas também quanto às áreas de política multilateral e de economia externa, terminando pelo próprio serviço exterior brasileiro. São manuais indispensáveis para seguir o itinerário da diplomacia conduzida pelo Itamaraty (no primeiro período: 1985-2002) e, adicionalmente (no segundo período: 2003-2010), sob influência partidária; mais racionais do que os repertórios do MRE (uma simples compilação de pronunciamentos oficiais), os relatos de cada gestão seguem, no entanto, o discurso oficial, em todos os seus matizes.


2) Luís Cláudio Villafañe G. Santos: O evangelho do Barão: Rio Branco e a identidade brasileira (São Paulo: Unesp, 2012, 176 p.; ISBN: 978-85-393-0244-4)

Na sequência do anterior, O Dia em que Adiaram o Carnaval (2010), que também se interrogava sobre as peculiaridades da identidade brasileira, esta obra analisa as ideias e as obras do Barão no que elas têm de relevante para a criação de uma nacionalidade brasileira, naquilo que ela tem de mais significativo, que são os símbolos identitários da nação. Ele recua até a própria formação da diplomacia imperial (saquarema) e analisa de modo competente como, e com quais símbolos, o Barão veio a ser identificado com uma nova política externa, completando, no plano conceitual e na prática, a transição da velha ordem monarquista para o novo regime republicano. Pelo fato de ter completado o mapa do país, e de ser, também, um historiador, o Barão moldou, até hoje, a interpretação que se há de ter sobre a política externa do Brasil. Somos todos prisioneiros do Barão, ainda.

3) Antonio Augusto Cançado Trindade: Repertório da Prática Brasileira do Direito Internacional Público; vol. I: período 1889-1898; vol. II: período 1899-1918; vol. III: período 1919-1940; vol. IV: período 1941-1960; vol. V: período 1961-1981; vol. VI: Índice Geral Analítico (2a. ed.: Brasília: Funag, 2012, 304, 588, 392, 448, 428 e 288 p.; ISBN: 978-85-7631-367-0; 978-85-7631-368-7; 978-85-7631-369-4; 978-85-7631-370-0; 978-85-7631-371-7; 978-85-7631-372-4).

Obra única no gênero, e até agora não imitada (para os períodos anterior e posterior aos cinco cobertos no plano da cronologia, e mais um volume de índice analítico), o excepcional trabalho do ex-consultor jurídico do MRE, e atual juiz da corte da Haia, constitui um instrumento extremamente útil a todos os pesquisadores que pretendam identificar e reproduzir os fundamentos da prática brasileira do direito internacional público, ou seja, das próprias bases da política externa, tendo em vista a forte adesão da diplomacia brasileira aos princípios e normas do direito. Retirados da “poeira” dos arquivos do Itamaraty e dos outros poderes, foram compilados os documentos mais representativos dos atos internacionais, da condição dos Estados, da regulamentação dos espaços, da condição das organizações internacionais e dos indivíduos, solução de controvérsias, conflitos armados e direito humanitário. Magnífico empreendimento!

4) Felipe Hees e Marília Castañon Penha Valle (orgs.): Dumping, Subsídios e Salvaguardas: Revisitando aspectos técnicos dos instrumentos de defesa comercial (São Paulo: Singular, 2012, 486 p.; ISBN: 978-85-86626-62-3)

Dois diplomatas comparecem neste importante livro sobre a defesa comercial no Brasil: o organizador, que assina três densos capítulos – sobre o itinerário histórico do dumping e seus efeitos no comércio, sobre as negociações antidumping na rodada Doha, e sobre os aspectos técnicos na definição dos níveis de antidumping –, e que é também chefe da Defesa Comercial no MDCI; seu colega Eduardo Chikusa, responsável pela mesma área no Itamaraty, que fecha o volume com um estudo sobre a legislação sobre circunvenção no Brasil. Os outros quinze capítulos, sobre os demais temas do título, são em geral assinados por funcionários do Decom-MDIC ou no setor privado. O livro é relevante para os interessados nessa problemática, mesmo se, na apresentação, o ministro setorial se orgulha de que o Brasil tenha sido o país que mais iniciou investigações antidumping desde 2010. Seria essa uma marca de distinção?

5) Adolpho Justo Bezerra de Menezes: O Brasil e o mundo ásio-africano (Brasília: Funag, 2012, 372 p.; ISBN: 978-85-7631-387-8);

Publicado originalmente em 1956 e legítimo predecessor da atual política Sul-Sul, o livro em questão foi a primeira, e durante muitos anos a única, análise das duas regiões do ponto de vista da diplomacia brasileira, não apenas circunscrita às realidades coloniais então predominantes nos continentes africano e asiático, uma vez que também trata das primeiras conferências (Colombo, Bogor, Bandung) que marcariam a era pós-colonial. Reconhece a liderança americana, mas fala de uma futura liderança a brasileira, propondo medidas para a atuação diplomática brasileira nas duas regiões, inclusive no que se refere a uma comunidade luso-brasileira, antecipando também, portanto, os esforços atuais em torno da CPLP. São transcritos trechos de documentos oficiais, mas também testemunhos recolhidos pessoalmente pelo autor, o que converte o livro, na prática, em fonte primária.

6) André Heráclio do Rêgo: Os Sertões e os Desertos: o combate à desertificação e a política externa brasileira (Brasília: Funag, 2012, 204 p.; ISBN: 978-85-7631-380-9);

Autor de várias obras sobre a dimensão da política tradicional no Nordeste, com pleno conhecimento de causa – já que herdeiro de uma das oligarquias regionais –, André Heráclio examina agora, nesta tese de CAE, a dimensão ecológica e política do processo de desertificação, examinando não só toda a bibliografia relevante (30 páginas de obras) que trata do fenômeno no Brasil e no mundo, mas também o tratamento diplomático dado ao problema nos foros regionais e multilaterais. A atuação diplomática do Brasil e o papel das grandes convenções multilaterais da área climática e ambiental são examinados com extrema precisão; a temática oferece, justamente, grandes possibilidades de cooperação bilateral, regional e multilateral, não apenas quanto aos meios de se combater o fenômeno, mas igualmente nas tarefas de gestão dos recursos naturais, especialmente os hídricos. A obra permanecerá como de referência nessa área, hoje um pouco “deserta”.

7) Maria Feliciana Nunes Ortigão de Sampaio: O Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT): Perspectivas para sua Entrada em Vigor e para a Atuação Diplomática Brasileira (Brasília: Funag, 2012, 462 p.; ISBN: 978-85-7631-379-3);

Metade, desta maciça tese de CAE, constitui uma história exemplar da questão do armamento e desarmamento nucleares, desde as origens, em 1945, até a fase atual, de preparação para a entrada em vigor do CTBT (o que não irá ocorrer, por falta de apoio dos EUA), com uma análise paralela dos mecanismos e instrumentos que compõem esse instrumento (talvez) relevante da não proliferação. A outra metade são documentos técnicos, cuja coleta foi facilitada pelo trabalho da autora na comissão de implementação do tratado. A análise das políticas dos países mais sensíveis (ou mais complicados) é exaustiva, concluindo a tese pelo exame da atitude brasileira: obviamente, o Brasil apoia o esforço do CTBT, mas também acredita na eliminação completa das armas nucleares. Pena que nem um, nem outro, vão se realizar, mas isso a autora não diz...


8) Ricardo Luís Pires Ribeiro da Silva: A Nova Rota da Seda: caminhos para a presença brasileira na Ásia central (Brasília: Funag, 2011, 320 p.; ISBN: 978-85-7631-346-5);

A rota da sede, obviamente, é muito mais longa, mais velha, mais interessante do que seu trecho que percorre as antigas satrapias soviéticas da Ásia central: mas, talvez, seus trechos mais misteriosos, e ignotos, se situassem mesmo nos territórios que hoje correspondem a essas repúblicas supostamente pós-soviéticas: Cazaquistão, República Quirguiz, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão. Esta tese de CAE percorre terras incógnitas para a diplomacia brasileira, até uma data ainda recente. Seu autor leu uma bibliografia basicamente ocidental para abordar a trajetória recente dessas cinco satrapias convertidas de forma muito desigual à economia de mercado, mais aqui, em todo caso, do que a regimes democráticos. São onze capítulos substantivos e doze anexos para colocar o Brasil, finalmente, na moderna rota da seda, feita de combustíveis fósseis e mercados ainda pouco explorados.


9) Silvio José Albuquerque e Silva: As Nações Unidas e a luta internacional contra o racismo (2a ed.; Brasília: Funag, 2011, 292 p.; ISBN: 978-85-7631-338-0).

O multilateralismo contemporâneo foi transitando gradualmente dos grandes temas interestatais para assuntos humanitários, entre eles o do racismo. Esta tese de CAE analisa os resultados da conferência de Durban (2001) sobre o racismo e a xenofobia, com ênfase na atuação diplomática brasileira, antes, durante e depois, até a conferência de revisão, quase uma década após. Esse período correspondeu à aceleração das próprias políticas nacionais de caráter afirmativo, com intensa mobilização dos militantes negros, num ativismo que emula a atuação do grupo africano no plano multilateral, ambos pretendendo algum resgate de “dívidas históricas”. O maior especialista brasileiro na questão, José Augusto Lindgren Alves, acredita que essas demandas fundamentalistas podem causar uma sucessão interminável de cobranças de uns povos contra outros, para a maior infelicidade de todos. O racismo tem muitas faces, sem dúvida.

10) Gustavo Henrique Marques Bezerra: Da Revolução ao Reatamento: A Política Externa Brasileira e a Questão Cubana (1959-1986) (Brasília: Funag, 2012, 376 p.; ISBN: 978-85-7631-381-6)

Poucos temas diplomáticos, ou políticos, foram, e são, tão passionais, no espectro ideológico, interno e externo, quanto a revolução cubana e as reações do Brasil em relação aos rumos do único regime marxista do hemisfério. Cuba é, ao mesmo tempo, um assunto diplomático e de política interna, com todas as paixões associadas a esse dossiê, que começa em 1959 e vem aos nossos dias. Esta tese de CAE, revista e ampliada, segue o relacionamento bilateral, e as implicações da revolução cubana durante a Guerra Fria, desde o ano inaugural da revolução até o reatamento e 1986, passando pelas crises de 1962 (suspensão de Cuba da OEA e crise dos mísseis soviéticos) e pelo rompimento, em 1964. Modelo de pesquisa histórica, e de apresentação de documentos diplomáticos, a nova obra é metodologicamente impecável, perfeita no plano redacional e excepcional no desenvolvimento do argumento.
  
[Brasília, 20-25 agosto 2012]

Grandes crimes, grandes ladroes - Everardo Maciel

Segundo o ex-Secretário da Receita, Lula é um criminoso doentio (dixit). Também acho. E com doses de megalomania, achando que tudo o que faz é grandioso. Pode ser, até o crime e a torpeza de não se envergonhar dele.

Paulo Roberto de Almeida 

O caixa 2

Everaldo Maciel
O Estado de S.Paulo, 03 de setembro de 2012

Fiquei estarrecido quando tomei conhecimento, pela mídia, de que a mais alta autoridade da República, à época que eclodiu o denominado escândalo do mensalão, alegara tratar-se de um mero caixa 2.
Uma autoridade fiscal chegaria ao limite da perplexidade ao ouvir de um contribuinte que praticara crime de sonegação por omissão de receita, por exemplo, a justificação de que fora tão somente um cândido exercício de caixa 2. Pois bem, esse mau contribuinte poderia acrescentar que se inspirara em discurso de autoridade.
O advogado, no exercício de uma função essencial ao Estado Democrático de Direito, tem a obrigação de buscar a absolvição ou, ao menos, a redução das penas que, em tese, seriam aplicáveis a seus clientes. O que espanta, todavia, é ver políticos e advogados festejarem o crime do caixa 2, diante da possibilidade de prescrição. Bradam solenemente: Foi apenas caixa 2! É a banalização da indecência.
Crime deve ser confessado de forma compungida e envergonhada, de cabeça baixa, com um mínimo sinal de arrependimento. Somente criminosos doentios se vangloriam de suas iniquidades.
Essas condutas funcionam como uma espécie de cupins da frágil estrutura de valores da sociedade brasileira. Somadas a outras, que de tão pequenas às vezes não são percebidas, vão minando as convicções das pessoas e arruinando o processo civilizatório.
A alegação do caixa 2 é um episódio neste processo de aviltamento dos valores. Não é, todavia, fato isolado. O ovo da serpente há muito se encontra instalado no Estado brasileiro.
A redemocratização no Brasil, infelizmente, revigorou a condenável prática do fisiologismo. Não tendo sido decorrente de uma ruptura institucional, mas de um processo conciliatório, a redemocratização trouxe à mesa do governo personagens antes abrigados na oposição.
Os novos protagonistas da cena política exigiram, legitimamente, que fossem representados na administração, já sobrecarregada pelos oriundos da velha ordem. A Nova República iniciou a temporada das "indicações". Foi a festa do velho fisiologismo.
A arena política passou a ser povoada por uma miríade de partidos e tendências, em que prevaleceram interesses localizados, pretextando o que foi chamado de presidencialismo de coalizão. O clássico fisiologismo, então, se sofisticou.
Se antes as postulações dos partidos políticos se limitavam às "indicações", num novo estágio elas se direcionaram para despudoradas demandas por "diretoria que fura poço" e tesouraria de estatais.
Mais recentemente, surgiu o que se chamou de aparelhamento, em que se vislumbrava um comprometimento ideológico dos indicados. Não é nada disso, entretanto, ainda que, em alguns momentos, se escutassem murmúrios de teses obscuras, cada vez mais subjugadas pelo pragmatismo. Aparelhamento é apenas outra denominação do fisiologismo, aplicável à ambição de grupelhos políticos não tradicionais. Qualquer que seja o nome, o que fica evidente é o propósito de manter-se no poder e dele se servir.
Chegou-se à ousadia de cobrar fidelidade da toga ao poder. Muitos se espantam quando magistrados decidem de forma diferente da expectativa dos que os nomearam. Marianne, símbolo da República desde a Revolução Francesa, deve estar ruborizada.
Essas práticas pouco edificantes se combinam com barganhas e negócios que têm por base as emendas parlamentares ao Orçamento. Serão elas, mantido o modelo existente, uma fonte inesgotável de escândalos. Não raro, os acusadores de hoje se convertem nos acusados de amanhã. A maldição está num sistema completamente vulnerável à corrupção.
O afrouxamento moral do Estado tem outras faces. Qual o respaldo moral para cobrar as dívidas dos contribuintes, se o Estado não paga precatórios, atrasa tanto quanto possível restituições e compensações de tributos e faz uso de todos os recursos procrastinatórios para evitar a liquidação de sentenças em que foi condenado? Essa assimetria de conduta, tão recorrente, é um desserviço à República.
Não me surpreendo, embora deplore, quando vejo cidadãos, publicamente, dizendo que não pagam impostos porque os políticos são corruptos. É o império da torpeza bilateral.
O que impressiona, de mais a mais, é constatar que essa crise axiológica, que não é recente, vem crescendo continuadamente, sem que nada interrompa sua execrável trajetória.
Há uma novidade, todavia. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos réus do mensalão, independentemente das decisões que venham a ser tomadas, trouxe a lume alguns conceitos alentadores, superando o ranço positivista que pretende a supremacia do formalismo sobre os fatos. O que se colhe fora do juízo, ainda que não sejam provas cabais, robustece as evidências extraídas no rito judicial. Nenhuma destinação, por mais meritória que seja, sacraliza dinheiro oriundo de peculato. Deve-se alegar caixa 2 em tom contrito e penitente. Como contraponto, pessoas inocentes têm o direito de ser declaradas inocentes. É uma réstia de esperança, até mesmo para os céticos, como eu.
* CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA, FEDERAL (1995-2002)