O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

E por falar em Thomas Sowell e ideias inteligentes...

Um artigo dele para o qual minha atencao foi chamada pelo leitor Eduardo R., do Rio:

Lugares comuns que substituem o raciocínio crítico
por 
Insitituto Mises Brasil, quinta-feira, 9 de maio de 2013


Se algum dia criarem um concurso para aquelas palavras que se passam por pensamento profundo e crítico, "diversidade" e pluralidade certamente iriam para a final e teriam um embate duríssimo.
A beleza destas duas palavras mágicas e encantadoras é que você não necessita de nenhuma nódoa de evidência empírica e nem de nenhum processo de encadeamento lógico para recitar rapsódias sobre os supostos benefícios da diversidade e do pluralismo.  A própria ideia de querer testar estes belos termos em relação a algo tão feio quanto a realidade é em si vista como um ato sórdido.
Gorilla origin of man.jpgDiversidade e pluralidade são termos que, justamente por englobarem de tudo, dispensam seus promovedores de explicar especificamente o que defendem.  Há diversidade e pluralidade de gênero, de cor, de preferências sexuais, de renda, de inteligência, de etnia etc.  Sendo assim, perguntar se aquelas instituições que promovem a diversidade 24 horas por dia e sete dias por semanas apresentam melhores resultados do que as instituições que não dão a mínima para estes "pré-requisitos" fará apenas com que você seja visto como um reacionário insensível, malicioso, racista, misógino e homofóbico. 
Citar evidências empíricas que mostram que aquelas localidades obcecadas com pluralidade e diversidade geram relações ruins entre as pessoas forçadas a conviver sob o mesmo ambiente é se arriscar a ser rotulado e marginalizado.  O livre pensamento e a liberdade de expressão não são livres.
A moda agora ao redor do mundo é afirmar que os governos devem promover a diversidade e a pluralidade — o que na prática significa que alguns grupos organizados têm mais direitos do que outros, o que por sua vez significa a abolição da ideia de "igualdade perante a lei".
Neste cenário, algumas perguntas se fazem necessárias.  Como é possível que um país racialmente homogêneo como o Japão consiga apresentar uma educação de alta qualidade sem ter de recorrer ao essencial ingrediente da diversidade e do pluralismo, uma necessidade "premente" segundo os sociólogos da atualidade?
Inversamente, por que a Índia, uma das mais plurais e diversas nações da terra, apresenta um histórico de intolerância e de violência letal entre seus diversos grupos de pessoas pior do que aquele observado no sul dos EUA durante a vigência da segregação racial?
O simples ato de fazer tais perguntas já é garantia de ser acusado de recorrer a táticas desonestas e de possuir motivações torpes demais para serem dignificadas com uma resposta.  Não que os genuínos defensores da pluralidade tenham alguma resposta, é claro.
Dentre os candidatos que disputam a segunda colocação no torneio dos lugares comuns que tornam o pensamento algo obsoleto está o termo "socialmente excluído" e todas as suas variáveis.
Pessoas que não se encaixam nos pré-requisitos básicos exigidos por determinados objetivos e funções, desde admissão em uma universidade a um empréstimo bancário, passando por empregos em cargos que exigem diversas habilidades, são tidas como pessoas socialmente excluídas cuja ascensão social lhes foi "negada pela sociedade".  Donde surgem as desculpas de que tais pessoas estão moralmente eximidas de seguirem uma vida pautada pelas mesmas regras aplicáveis ao restante da população — como, por exemplo, não recorrerem à criminalidade.
Tanto o 'pluralismo' quanto a 'exclusão social' devem ser corrigidos por políticas públicas, como por exemplo as cotas.  Segundo os teóricos, tais políticas equalizariam as "oportunidades de acesso".  O problema é que os defensores dessa tese sempre refugam quando instados a explicar por que uma igual oportunidade de acesso seria sinônimo de igual probabilidade de sucesso.
Há um exemplo interessante disso na própria política.  Peguemos um estado americano conhecido mundialmente: a Califórnia.  Trata-se de um estado majoritariamente progressista.  Neste estado, eleitores conservadores e eleitores progressistas têm exatamente a mesma oportunidade de votar.  No entanto, as chances de um candidato conservador ser eleito na Califórnia são muito menores do que as chances de um candidato progressista.  Será que os progressistas defenderiam cotas e uma lei de "igual oportunidade de acesso" para políticos conservadores na Califórnia?
Similarmente, todas as pessoas podem tentar adentrar uma universidade, pedir um empréstimo bancário ou disputar um determinado emprego.  Se todas essas solicitações forem julgadas pelos mesmos critérios, então todos tiveram uma igual oportunidade de acesso.  Se aquele sujeito com pouquíssimas qualificações intelectuais não conseguiu o emprego na multinacional ou o ingresso em uma universidade, ou se um sujeito de histórico creditício duvidoso não conseguiu o empréstimo bancário, isso não significa que lhe foi negada a mesma oportunidade de acesso.  Simplesmente nunca houve uma igual probabilidade de sucesso.
A 'diversidade' e a 'exclusão social' geram um terceiro lugar comum: 'redistribuição de renda' — ou, sua variável próxima, 'justiça social'.
Aparentemente, todas as pessoas têm direito a receber uma "fatia justa" da prosperidade da sociedade, não importa se elas trabalharam 16 horas por dia para ajudar a criar essa prosperidade ou se não fizeram nada mais do que viver na mendicância ou recorrer ao crime.  No final, tudo indica que devemos alguma coisa a estas pessoas pelo simples fato de elas nos agraciarem com sua existência.  Tudo indica que elas "têm o direito" de viver à custa dos pagadores de impostos, mesmo que sintamos que poderíamos viver muito bem sem elas.
No outro extremo da escala da renda, os ricos supostamente devem pagar sua "fatia justa" em altos impostos.  Mas para nenhum dos dois extremos da escala da renda há uma definição concreta do que é uma "fatia justa".  Há um determinado número ou uma proporção exata?  Nunca se soube.  'Justiça social' e 'redistribuição de renda' são apenas sinônimos políticos para "mais poder arbitrário para o governo", cuidadosamente adornado por uma retórica sonoramente moralista. 
intelligentsia vem há décadas promovendo a ideia de que não deve haver nenhum estigma em se aceitar auxílios do governo.  Viver à custa dos pagadores de impostos é retratado como um "direito", ou, mais ponderadamente, como parte de um "contrato social".
É claro que você não se lembra de ter assinado qualquer contrato desse tipo, mas tal lugar comum soa poético e pomposo.  Ademais, e isso é o que interessa, ele rende muitos votos entre os ingênuos, e este é exatamente o objetivo de políticos que defendem assistencialismo.
Por fim, "acessível" é outro termo popular que substitui toda e qualquer necessidade de pensamento crítico.  Dizer que todo mundo tem direito a "moradia acessível" é bem diferente de dizer que todo e qualquer indivíduo deve poder decidir qual tipo de casa quer ter.
Programas governamentais que distribuem "moradias a preços acessíveis" nada mais são do que programas que dão a algumas pessoas o poder de não apenas decidir qual imóvel elas querem ter como também o de obrigar outras pessoas — os pagadores de impostos, os donos dos imóveis etc. — a absorver uma fatia do custo desta decisão, uma decisão da qual elas nunca foram convidadas a participar.
E, ainda assim, a crença de que pessoas que preferem que as decisões econômicas sejam feitas voluntariamente por indivíduos no mercado não são tão compassivas quanto aquelas pessoas que preferem que tais decisões sejam tomadas coletivamente por políticos nunca é vista como uma crença que deveria ser comprovada por fatos.
Mas, por outro lado, isso não é algo recente.  A crença na compaixão superior dos políticos é um fenômeno mundial que data ainda do século XVIII.  E, em todas as épocas e em todos os locais, nunca houve nenhum esforço genuíno dos progressistas para verificarem se esta pressuposição crucial é sustentada por fatos.
A realidade econômica, no entanto, é que o governo fazer, por meio de decretos, com que várias coisas sejam mais "acessíveis" de modo algum aumenta a quantidade de riqueza na sociedade.  Colocar o governo para redistribuir propriedade e determinar seu "valor justo" não faz com que a sociedade seja mais rica do que seria caso os preços dos imóveis fossem "proibitivos".  Ao contrário: tais políticas, que nada mais são do que controles de preços e redistribuição de propriedade, reduzem os incentivos para se produzir.
Nada do que aqui foi dito é uma ciência obscura e inacessível.  Porém, se você é do tipo que jamais se põe a pensar criticamente e se contenta com a mera repetição de lugares comuns, então não importa se você é um gênio ou um deficiente mental.  Palavras fáceis que impedem as pessoas de pensar criticamente reduzem até mesmo o mais reconhecido gênio ao nível de um completo idiota.

The Chinese Are Coming (with money, that is...) - NYTimes

Nos tempos da Guerra Fria, um filme fez muito sucesso nos EUA: The Russians Are Coming, e se tratava apenas de um submarino soviético avariado que acaba adernando numa praia da California, despertando os instintos guerreiros dos alarmados habitantes da pequena aldeia próxima da praia.
Agora são os chineses que estão chegando, não em submarinos, mas em aviões, e num volume que pode representar  metade da antiga população da Rússia soviética. Eles estão invadindo as universidades americanas, e agora parece que resolveram também chegar antes.
Pelo que pude perceber, existem três tipos de "bolsas" que sustentam os estudantes chineses nos EUA: a bolsa normal, de apoio científico governamental (tipo CNPq ou Capes, no caso brasileiro); as "bolsas família", de que trata o artigo abaixo, ou seja, ricas famílias chinesas que mandam seus pupilos estudar nos EUA, a seu encargo e custo (e esses dispõem de carros e muito dinheiro para gastar); e o que poderia ser chamado de "bolsa corrupção", que é quando um capitalista paga os estudos de um filho de funcionário do PCC que lhe facilitou os negócios na China. Enfim, todos são grandes estudiosos, e devem começar a se destacar, como o fizeram os estudantes coreanos durante muito tempo...
Paulo Roberto de Almeida 


Seeking College Edge, Chinese Pupils Arrive in New York Earlier



Weiling Zhang, a sophomore at the Léman Manhattan Preparatory School, yearned to communicate with more conviction and verve than her peers back home — the “American way,” she said.

Yijia Shi, a freshman, wanted to increase her chances of an acceptance letter from Brown University. And Meng Yuan, a junior, was seeking Western-style independence, not to mention better shopping. When she is not heading to track practice or doing her homework, she is combing Bergdorf Goodman for Louis Vuitton limited edition handbags and relishing in the $295 tasting menu at the celebrated Columbus Circle restaurant Per Se.
New York City private schools have always been the province of the city’s young and wealthy, students whose home lives and educations can inspire both disdain and envy. But these students are the children of Shanghai real estate magnates, shipping giants, luxury hotel owners and doctors from coastal regions bordering the East China Sea. They are also part of a small, but growing, cadre of teenagers from wealthy families in China who are attending school in New York City.
According to the Department of Homeland Security, 638 Chinese students with visas attended high schools in the city in 2012, up from 114 five years earlier.
The influx has not been seamless. But the schools — particularly ones with lagging enrollment — have actively sought an international component and parents who can pay full tuition, even if that means accepting students who speak limited English. Chinese students and their parents have seen the schools as a way to gain an advantage on the thousands of students at home who apply to United States colleges every year. They are also availing themselves of a more well-rounded educational model than they find in China, including that decidedly American college application line-item: extracurricular activities.
“At home, I couldn’t do any activities because we had too much work,” said Yijia, 15, who plays basketball at Léman.
A large contingent of Chinese students attends the school, a young for-profit academy trying to generate more interest from applicants.
In September, Léman welcomed 27 Chinese students, about one-fifth of the high school population, and 10 students from other countries.
The students settled into studio apartments in a residential tower on Wall Street above a Tiffany & Company store and across from a Trump office building. The apartments feature marbled bathrooms, bean bags and bunk beds. The students are supervised by a team of houseparents who live in the same building and serve as round-the-clock caretakers to help ease their transition to a new city. The total tuition: $68,000 a year, compared with $36,400 for nonboarders.
When the students are not in classes, which they attend with their American peers, poring over quadratic equations and analyzing passages from American classics like “The Great Gatsby,” they are exploring the city.
They attend Broadway shows and Cirque du Soleil with their houseparents, shop for designer sneakers in SoHo, get manicures at Wall Street spas and eat waffles and cheese-omelet brunches cooked for them every Sunday by one of the school’s chefs.
Léman, known as the Claremont Preparatory Academy before it was purchased two years ago by Meritas, a chain of international boarding schools, is not the only New York City private high school with students from China. However, it is the only one that currently houses them. At theBeekman School in Midtown Manhattan, the school’s four Chinese students board with local families.
Last year, when Avenues: The World School, a for-profit institution in Chelsea, opened its doors, 20 students from Beijing applied. But the school was unable to accept them because of delays in student visa approval, which the school says will be resolved by the time it opens a 200-student international dorm in 2016.
Administrators at Léman say the cross-cultural exchange has enriched the whole school. The Chinese students are discovering Halloween, school dances and plays. The American students are learning how to be welcoming hosts.
“We have a symbiotic relationship going on here,” Drew Alexander, the head of the school, said. Max Rosenthal, a junior, said he was often paired with students from China during class discussions on American Civil War battles or Prohibition-era mores.
“It really helps you to understand the big picture when you have to explain it to someone,” he said.
But other students said that same need to explain could get in the way.
“I love that they are here,” said Osiris Vanible, a 10th grader. “But they don’t understand a lot of what I say. There’s a language barrier that you need to break through.”
That barrier was evident one day last week, during an 11th-grade English class discussion on Toni Morrison’s novel, “Song of Solomon.”
Meng, who has adopted the nickname Monroe, after President James Monroe and her idol Marilyn Monroe, followed the conversation, which centered on the depiction of African-American women and their struggles, and sometimes she interjected points. But at least two of her Chinese classmates were logged into a translation site, plugging in phrases they did not know. Some students were following along in online Mandarin versions of the book. A second teacher sat in the back, taking notes for students who would need them later.
The teacher, Jessica Manners, said some of her international students struggled to grasp nuances that were simple for American students.
“I try to talk more slowly than I normally would,” she said. “And I almost never do cold-calling,” selecting students who do not have their hands raised to answer questions.
Mr. Alexander said foreign students were required to have a “minimum level of proficiency” before being accepted. And once enrolled, many are given different tests and homework assignments as well as more rudimentary reading material than American students. Those who need extra help take a special English-language class.
According to Nicole Xu, a representative from Usaedu International Consulting Group, one of several international agencies that places Chinese students in American schools, this type of full immersion is a main reason Chinese parents are eager to send their children to the United States.
Weiling, the 16-year-old daughter of an entrepreneur from the Mongolian uplands, said her parents had sought out a place where she would learn to negotiate more effectively and become skilled at solving real-world problems. Both are traits she said her parents deemed more American than Chinese and good for business.
“In China, we only learn academics,” she said.
Reached by e-mail, some parents have reported immediate results.
Yulan Hu, Monroe’s mother, said that she noticed a newfound streak of self-sufficiency in her daughter when she arrived in Shanghai for winter break. Monroe, 18, is now on the track team and has learned to swim. But perhaps, most notable, Monroe had declined a longstanding household ritual — breakfast brought to her every morning in bed.
“Literally, she has changed,” she wrote.

O declinio da OMC e o protecionismo brasileiro, segundo o Wall Street Journal


The Decline of the WTO
Editorial The Wall Street Journal, May 13, 2013

The trade body picks a Brazilian who helped to scuttle the Doha talks.

A depressing rule of international institutions is that whatever their founding intentions they inevitably evolve to serve themselves or their worst members more than their original cause. The latest example is the World Trade Organization, which began as a rule-making body to promote free trade and has drifted toward protectionism when it isn't useless.
That drift was illustrated last week with the election of Brazilian Roberto Azevedo as new WTO director-general. The 55-year-old career diplomat beat out Mexican economist Herminio Blanco, who had U.S. support and has a reputation as a more assertive free trader. Mr. Azevedo is by all accounts a charming diplomat who won because of support among developing nations.
Yet he won that support in large part by helping to scuttle the Doha round of free-trade talks. Mr. Azevedo was Brazil's chief Doha negotiator, and opposition to freer trade in manufacturing by Brazil, India, South Africa and other emerging economic powers made a worthwhile Doha deal impossible. It's now moribund.
The result has been that the WTO is increasingly a bystander as the world's economic powers ignore the global talks and pursue their own bilateral and regional trade pacts. The most important trade diplomacy today is taking place within the trans-Pacific and Europe-U.S. negotiations.
"I think we're getting a very sick patient. The WTO at this point in time is not doing well. It's almost like the next DG [director-general] is coming to the operating table with a very sick patient on it," Mr. Azevedo conceded in the lead up to the vote. No one doubts his diagnosis. The question is whether he's Dr. Kevorkian.
According to IMF data, Brazil is among the most protected economies in the Americas. If his goal is to spread his country's trade model, Mr. Azevedo will guarantee that the WTO will become even less relevant. Let's hope he tries to do a Nixon goes to China and overcome his previous Doha handiwork.

O PT, a OMC e o comércio internacional - Percival Puggina

Caro leitor,
Antes de ler o artigo abaixo, sobre a situação atual, leia antes estas declarações "econômicas" do velho PT:
"O Brasil caminhará em direção a uma alternativa ao neoliberalismo que, necessariamente, terá que vir acompanhada de uma disputa de hegemonia com a cultura da mercantilização excessiva propagada pela globalização capitalista. É esta que articula valores, relações sociais, controles institucionais e que determina atitudes, comportamentos e projetos individualistas, oportunistas e consumistas inclusive entre os próprios excluídos e oprimidos."
Veja ainda esta outra declaração:
"As políticas liberais foram acompanhadas de uma nova institucionalidade internacional. Além do Banco Mundial e do FMI, a Organização Mundial do Comércio (OMC) ocupou um papel de destaque em pressionar e monitorar a liberalização comercial e garantir as práticas monopolistas das grandes corporações transnacionais."
E ainda esta aqui, criticando uma suposta deterioração das relações comerciais externas, que na verdade só viria a ocorrer sob o reino dos companheiros:
"Outro elemento constitutivo da inserção externa no âmbito do modelo liberal foi a abertura comercial. Pela sua forma e velocidade, esta abertura terminou por produzir uma regressão expressiva do setor produtivo doméstico e uma precarização do nosso comércio exterior."
E o que se propunha, então?:
"Para corrigir os desequilíbrios oriundos da abertura comercial será necessário rever a estrutura tarifária, e criar proteção não tarifária para determinadas atividades. A correção desse desequilíbrio se fará através de uma política comercial com caráter seletivo. Ou seja, será necessário criar novas atividades geradoras de divisas e incentivar as empresas implantadas no país para que cumpram a função de substituir importações, ampliar exportações e reinvestir internamente os seus lucros."

Todas essas declarações faziam parte das propostas de política econômica do PT em 2001, quando ele se preparava para a campanha eleitoral presidencial do ano seguinte.
Pois é, quem diria?
Paulo Roberto de Almeida

SUCESSOS DA HERANÇA DESDENHADA
Percival Puggina
12/05/2013 

            Mas não é que o brasileiro, embaixador Roberto Azevêdo, foi eleito para dirigir a Organização Mundial do Comércio (OMC)? Que tal? É nós na fita, como se poderia dizer, apropriando o título do espetáculo encenado por Marcius Melhem e Leandro Assun. Como foi acontecer uma coisa dessas?
            Pois é. Um pouco mais do mesmo. Os outros plantam, o PT atrapalha quanto pode e, depois, colhe. Durante anos ouvi os petistas dizerem que abertura ao comércio internacional era coisa maldita, neoliberal, invencionice da nefasta globalização. A bem da verdade, essa ideia, de um viés nacionalista equivocado, que transformou o Brasil numa das economias mais fechadas do mundo, era anterior ao PT. Mas ganhou militância com o petismo.
            Nas últimas décadas do século passado, o Brasil convivia com inúmeras maldições, entre elas estas três: atraso tecnológico, precaríssimo acesso a muitos bens de consumo e preços escorchantes por mercadorias do Primeiro Mundo. Ah, o Primeiro Mundo! O Primeiro Mundo promovia integrações e mercados comuns. Fazia tudo errado ... e ia muito bem. Bem demais, aliás, a ponto de esquecer a primeiríssima das lições, aquela que todas as donas de casa sabem: quem gasta mais do ganha se endivida e, um dia, a conta chega. Mas essa é outra história.
            Nós, brasileiros, nos habituamos a ouvir discursos em defesa dos protecionismos a setores tecnologicamente atrasados, avessos à abertura a importações, contra privatizações, contra o pagamento da dívida externa - chave mestra para todas as dificuldades do país. Moratória já! Ianques go home! Abaixo o receituário do FMI! O Brasil, não precisaria tanto para se tornar carta fora do baralho nas relações internacionais.
            Deus talvez não seja brasileiro. Se for, não é lá muito bairrista. Mas, felizmente, nos propiciou reação a essa didática do atraso. E o Brasil, aos poucos, foi rompendo com aquele nacionalismo fajuto, irresponsável e caloteiro. À medida que isso acontecia, revertia-se o quadro e o país granjeava credibilidade e respeito no mercado internacional. Desde o final do século 20, tornamo-nos um país que paga contas, cumpre contratos e se integra comercialmente. Sob vaias, é verdade. Quanto mais o Brasil dava certo nas relações externas, mais essa política econômica era combatida, escarrada e pisoteada. A metralhadora giratória do PT e seus consectários tinha nela seu alvo preferido.
            Loucura ideológica não rasga dinheiro. Quando o PT chegou ao poder, sem pedir desculpas a ninguém pelas bobagens que antes defendia e pelos impropérios que proferia, tratou de preservar o que estava dando certo. Descobriu, por exemplo, que o agronegócio paga as contas da balança comercial. Mas era tudo herança antes desdenhada. Por mais que o petismo delirante pretenda atribuir esses êxitos às suas próprias investidas em novos mercados africanos, o certo é que estes representam apenas 4% dos negócios do Brasil e não têm como passar disso em médio prazo. São economias muito pequenas.
            Portanto, a eleição de um diplomata brasileiro para presidir a OMC é expressão de um sucesso que avançou à conta dos empreendedores brasileiros e de políticas às quais o PT se opunha com humores e furores vulcânicos.
_____________
* Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Brasil: do deficit comercial ao de transacoes correntes? - Editorial Estadao

A situação é muito mais grave do que a que transparece neste editorial, inclusive porque os problemas são de difícil solução (o que aliás está registrado no texto) e porque um déficit comercial tem consequências inevitáveis sobre as transações correntes, nas quais os serviços já são cronicamente deficitários.
A partir de um determinado nível nessa balança (digamos 4 a 5% do PIB como déficit) começa a desconfiança dos investidores estrangeiros e dos próprios nacionais: a tendência se acelera e o déficit se avoluma muito rapidamente, com fuga de capitais e desinvestimento.
As perspectivas não são brilhantes, para não dizer que são claramente negras, se me permitem a boutade politicamente incorreta...
Paulo Roberto de Almeida

A crise que o governo não vê

12 de maio de 2013 | 2h 07
Editorial O Estado de S.Paulo
Ao minimizar os maus resultados da balança comercial - que, de janeiro a abril, acumulou um déficit de US$ 6,15 bilhões, o maior da história para o período -, como fez na segunda-feira em São Paulo, a presidente Dilma Rousseff tenta encobrir um problema que preocupa cada vez mais o empresariado e está cada vez mais longe de ser passageiro. "Qualquer oscilação na balança comercial é apenas uma oscilação", disse tautologicamente a presidente, na posse da nova diretoria da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, para demonstrar despreocupação com o desempenho do comércio exterior. É uma atitude que pode ter consequências - e não serão positivas para o Brasil.
Nessa questão, quanto mais despreocupado estiver o governo tanto pior para o País, pois cada vez menos os responsáveis pelas políticas públicas voltadas para o setor produtivo conseguirão entender que o problema não é ocasional. Por sua persistência e profundidade, começa a transformar-se em problema estrutural da economia brasileira. Ainda há tempo para evitar que a situação piore tanto que fique muito mais difícil corrigi-la, mas é preciso que, primeiro, o governo entenda o que ocorre e, depois, admita que o problema existe e é grave e comece a agir na direção correta.
São muitos os fatores que afetam o setor produtivo brasileiro, sobretudo a indústria de transformação, que vem tendo dificuldades cada vez maiores para enfrentar os competidores, tanto no mercado externo como no interno.
São muito expressivos os números que mostram a progressiva perda de competitividade dos produtos manufaturados brasileiros. O jornal O Globo (6/5) mostrou que, no ano passado, o setor de bens manufaturados registrou um déficit comercial de US$ 94,9 bilhões. Não se trata de uma oscilação, mas de um processo que começou há seis anos (em 2006, o setor registrou superávit comercial, que, naquele ano, alcançou US$ 5,2 bilhões), intensificou-se em consequência da crise mundial iniciada em 2008 e mantém-se ativo. Os resultado vêm piorando de maneira persistente.
A crise mundial aprofundou uma tendência iniciada em 2007 (no primeiro trimestre daquele ano, a balança da indústria de transformação registrou saldo positivo), fazendo crescer os déficits até os níveis observados atualmente.
De acordo com um relatório divulgado há dias pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o crescimento do déficit comercial da indústria de transformação nesse período não ocorreu de maneira homogênea. Em 2010 e 2011, o saldo negativo foi causado sobretudo pelo rápido aumento das importações, fato que ficou conhecido como "invasão" do mercado por produtos estrangeiros. Embora as exportações continuassem a crescer, as importações cresceram a velocidades bem maiores.
Em 2013, no entanto, embora as importações continuem a crescer, as exportações começaram a diminuir, o que pode tornar ainda maiores os déficits do setor. Essa tendência é observada em três dos quatro segmentos da indústria classificados de acordo com a densidade tecnológica dos produtos. A exceção é a indústria de baixo conteúdo tecnológico, cuja linha de produção inclui itens como alimentos industrializados, bebidas, fumo, produtos de madeira, celulose, papel.
Quanto maior o conteúdo tecnológico, mais rápida tende a ser a deterioração da balança comercial. A balança conjunta da indústria de alta intensidade tecnológica - que atende aos mercados que mais crescem em todo o mundo - e de média intensidade, por exemplo, registrou déficit de US$ 16,3 bilhões no primeiro trimestre, 22,6% maior do que o dos três primeiros meses de 2012.
As causas da perda de competitividade da indústria são conhecidas. Carga tributária excessiva, graves deficiências de infraestrutura, ausência de política efetiva de comércio exterior, escassez cada vez mais aguda de mão de obra adequadamente preparada, entre outras. Sobre isso, o governo nada diz. 

Brasil recua no comercio internacional - Luiz Felipe Lampreia


As opções internacionais do Brasil

12 de maio de 2013 | 2h 04
Luiz Felipe Lampreia*
"In Latin America, and elsewhere, it's no coincidence that the practitioners of free trade are also the ones who consistently enjoy the most robust economic growth and development." 
Claudio Loser, revista 'Forbes', maio de 2013


É minha convicção que estamos crescentemente limitados e isolados em nossas opções de comércio internacional. Em termos de acordos, só temos a exibir uma lista particularmente magra, em especial pela obrigação de negociar conjuntamente com os demais sócios do Mercosul. Ora, na realidade o Mercosul desviou-se totalmente de sua concepção original de projeto de integração comercial e econômica e hoje é quase que somente uma frente política. Há fortes tendências protecionistas internas que frequentemente colidem com os propósitos originais do próprio Mercosul.
Há 20 anos era possível encher o peito para dizer que o Brasil era um global trader. Hoje somos apenas um grande exportador de um número restrito de commodities de pouco valor agregado e de uma pequena e decrescente porcentagem de manufaturados que só se destinam a um número muito limitado de mercados. Daí é legítimo concluir que algo deu errado.
Nossa pauta de exportações voltou a ser, como era antes dos anos 1970, marcada pela preponderância dos produtos de base, com todos os riscos gerados pela volatilidade de preços inerente a esse tipo de mercados. Nossos produtos manufaturados vêm perdendo espaço, seja por obra do protecionismo, em particular da Argentina, seja pela perda de vantagem competitiva criada por preferências comerciais dadas por nossos tradicionais compradores a nossos competidores em razão de acordos comerciais ou, enfim, por concorrência intensa de produtos chineses.
A persistir esse quadro, o Brasil terá déficits de balança comercial cada vez maiores, ficando mais vulnerável a flutuações de preços de commodities e mais dependente de grandes ingressos de capital estrangeiro para equilibrar a conta corrente. Além do mais, é preciso enfatizar que não pertencer a acordos comerciais importantes significa tornar o Brasil menos atrativo para a integração de cadeias produtivas que, sempre mais, constituem a essência dos acordos de comércio modernos.
Recorde-se, aqui, a existência dos diversos acordos de grande alcance: entre Estados Unidos e Coreia do Sul (Korus), o acordo entre China e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), a Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile), a Parceria Trans-Pacífico (TPP)e o acordo Estados Unidos-União Europeia. Alguns deles em fase de negociação, outros já em plena vigência. O Brasil não pertence a nenhum deles.
Pertencemos à Organização Mundial do Comércio (OMC), entretanto, e ela continua a ser a tábua das leis. As 550 páginas de seus textos normativos são o fundamento do livre-comércio. Há grandes lacunas, sem dúvida, especialmente na agricultura, em que o protecionismo que falseia o comércio continua a vigorar em todo o mundo desenvolvido. Mas a OMC é a instituição em que impera o sistema de solução de controvérsias que permite a qualquer de seus membros questionar os atos de outros, qualquer que seja a disparidade de força entre eles. Por isso ganhamos importantes questões dos Estados Unidos e da União Europeia. Temos de defender a OMC, porque ela é o último reduto contra os abusos dos mais fortes.
A vitória de Roberto Azevêdo para diretor-geral da OMC é, antes de mais nada, um êxito pessoal de um diplomata de grande profissionalismo e competência. Sem isso não teria sido possível eleger um brasileiro que serve a um governo cada vez mais protecionista e, portanto, pouco afinado com o espírito de liberalização do comércio, que é a alma da OMC. Mas o que contou na eleição foi a mensagem central de Roberto de que não há tempo a perder, pois - uma vez institucionalizados os acordos extra-OMC, como os acima mencionados, em vigor ou em gestação, entre um limitado número de países - será dificílimo retomar a dinâmica multilateral e evitar que a OMC se torne um organismo apenas subsidiário.
Independentemente dessa vitória e da luta permanente pelo fortalecimento da OMC, é urgente reavaliar as opções internacionais do Brasil. Será necessário rever a regra da posição solidária de todos os membros do Mercosul ou deveremos continuar a nos apresentar, sem muitas chances, em companhia da Argentina e da Venezuela nas mesas de negociação que virão? Devemos estudar a possibilidade de buscar acordos bilaterais com a União Europeia, os Estados Unidos e outras grandes potências do comércio internacional? Podemos explorar um entendimento com os quatro países da Iniciativa do Pacífico? São questões de grande atualidade que precisam ser estudadas a fundo pelo governo, pelo Congresso Nacional, pelos atores econômicos brasileiros e por todos os que nelas têm interesse. O que não é possível é praticar a política da cabeça enterrada na areia, que o avestruz aperfeiçoou.
O preço do imobilismo seria o aprofundamento do protecionismo nacional e, portanto, o afastamento dos principais centros de inovação. Seria também a exclusão crescente do Brasil do movimento de integração de cadeias industriais produtivas que está em marcha em escala global.
Esses grandes temas precisam ser objeto de uma reflexão profunda entre nós. Não levá-la a cabo significará uma crescente marginalização do Brasil em termos de investimentos, balanço de pagamentos, comércio internacional e, portanto, de desenvolvimento econômico.    
 * Foi ministro das relações exteriores no governo Fernando Henrique Cardoso

A desindustrializacao ameaca tornar-se sistemica no Brasil: energia carissima

O preço da energia, em geral, que já foi muito barato no Brasil dos anos 1970 e 1980, tornou-se abusivamente cara, mais do dobro da média mundial, obrigando grandes indústrias transformadoras baseadas no uso intensivo da eletricidade a migrarem do Brasil para paragens mais amenas (como a indústria do alumínio, por exemplo).
Agora é o pessoal do vidro e da cerâmica -- enganados pela propaganda governamental de que teriam gás barato fornecido pela Bolívia -- que enfrenta elevação dos preços, o que simplesmente torna inviável a produção nacional para exportação. O mercado interno certamente não conseguirá absorver toda a oferta protegida, inclusive porque sempre haverá alguma competição externa, vinda da China, por exemplo.
Acrescenta-se, pois, mais uma tragédia nacional.
Quando é que o governo vai começar a resolver problemas sistêmicos, estruturais, da economia brasileira?
Paulo Roberto de Almeida


Energia barata nos EUA já afeta indústrias no Brasil

Com a exploração mais consistente do gás de xisto nos EUA, preço do gás americano passou a custar 20% do cobrado no Brasil, o que reduziu a competitividade nacional e afastou investimentos de indústrias como as de vidro, cerâmica e petroquímica

12 de maio de 2013 | 23h 40
Sabrina Valle - O Estado de S. Paulo
RIO - A concorrência com o baixo custo do gás de xisto americano, que em três anos passou a custar 20% do preço do gás natural no Brasil, está fazendo o País perder ou adiar bilhões de dólares em investimentos.
Indústrias que têm até 35% de seus custos no gás, como fabricantes de cerâmica e vidro, petroquímica e química, perderam competitividade, elevaram importações e migram investimentos para o exterior. Até setores tradicionais, como o de brinquedos, sentem os efeitos.
"Uma fatia importante do setor está com forno desligado. Estamos perdendo competitividade. O risco é a produção nacional ser substituída pela importada", diz o superintendente da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos (Anfacer), Antonio Carlos Kieling.
Kieling diz que as importações do setor estouraram 9.000% em sete anos, para US$ 220 milhões ao ano, num movimento crescente, já que 25% dos custos de produção vêm do gás. A avaliação sobre perda de competitividade é a mesma em vários setores, mas atinge com maior peso a indústria química e petroquímica. Empresas como Braskem, Unigel e Dow Chemical estão entre as que paralisaram decisões de investimento de bilhões de dólares.
A multinacional de vidros AGC decidiu há pouco mais de três anos investir numa fábrica de R$ 800 milhões. Será inaugurada em Guaratinguetá (SP) neste ano para produção de vidro plano, espelhos e vidro automotivo. "De lá para cá, o preço do gás dobrou, mudou totalmente o cenário e a rentabilidade", disse o CEO da AGC Vidros do Brasil, Davide Cappellino.
A decisão de dobrar a capacidade, com mais R$ 800 milhões, foi suspensa por tempo indeterminado. Unidades da multinacional nos Estados Unidos, Emirados Árabes, Arábia Saudita e Egito, onde o preço do gás é 20% do cobrado no Brasil, ganharam preferência na destinação de recursos. "Com certeza, o preço do gás tornou a decisão de investir no Brasil muito mais difícil."
Revisão
A também multinacional Cebrace planejou até R$ 1 bilhão para transformar o Brasil em plataforma de exportação de vidros para a América Latina. A empresa estancou novas decisões de investimentos no Brasil e voltou os olhos para países como Argentina e Colômbia. O mesmo aconteceu com a Guardian, que revê investimentos. Hoje, o setor importa 35% do vidro plano, ante 10% de 2007.
"Não há novos investimentos de peso, e o futuro depende de decisões de agora. Quero ver como o setor vai estar lá para 2018", diz Lucien Belmonte, superintendente da associação setorial Abividro, que estima, grosso modo, uma perda de até US$ 3 bilhões na década pela redução de competitividade acarretada pelo preço do gás.
Revolução
A reviravolta no mercado aconteceu depois de uma revolução energética nos Estados Unidos, com a disseminação, nos últimos cinco anos, da técnica de fraturamento terrestre em formações de xisto.
Neste curto período, os Estados Unidos trocaram a posição de grande importador de gás pela de potencial exportador, um cenário impensável em 2008. A superoferta fez o preço do gás americano cair de US$ 9, naquele ano, a US$ 1,82 por milhão de BTU (unidade térmica britânica, a referência para o mercado de gás) em abril de 2012.
Hoje, o preço do gás americano fica em torno de US$ 2,5 a US$ 3 por milhão/BTUs. No Brasil o produto está cerca de cinco vezes mais caro – custa entre US$ 12 e US$ 16. Na Europa, ronda os US$ 8 a US$ 10. "Todo mundo que compete no mercado internacional e que tem produção no Brasil está reclamando conosco", diz uma fonte do governo.
O efeito é mais intenso para indústrias que usam o gás como matéria-prima, caso das fabricantes de fertilizantes, ou para mover as máquinas. Costuma ser o caso também de produtos que dependem de altas temperaturas para serem produzidos, como as cerâmicas. 

domingo, 12 de maio de 2013

Anatomia da corrupcao - Joao Sayad



Taxonomia dos ratos
João Sayad
Folha de S.Paulo, 06/05/2013

Face a problemas insuperáveis, a ciência classifica.
Médicos classificam tumores em benignos, malignos, perversos ou dóceis. Zoólogos falam de baratas pretas, marrons, voadoras, cascudas ou molengas; ratos de rabo longo, camundongos, ratazanas, roedores urbanos e rurais. O método se chama taxonomia.
Se é impossível resolver, extinguir ou explicar, classificamos. O taxonomista é, antes de tudo, um resignado.
Convido o leitor a iniciar uma taxonomia da corrupção.
Existe a corrupção do fiscal, do policial, do oficial de justiça, do perito avaliador, do inspetor da prefeitura, do parlamentar. Esta é a malversação do tipo público. E a corrupção do setor privado, obviamente, faz par a cada uma das classes de corrupção do setor público.
Mas gêneros, espécies e subespécies ainda não foram bem definidos.
Contribuo, então, com uma classificação que, mesmo modesta, pode aumentar a produtividade dos caçadores de ratos, fabricantes de inseticidas e ratoeiras, auditores, corregedores, promotores, funcionários do Ministério Público, jornalistas e até gente do terceiro setor que ainda se incomode com o tema.
Dividiria a corrupção do setor público em dois grandes grupos.
A grande corrupção (chamemos de corrupção "a la grande") está associada a investimentos públicos enormes. É o mundo das negociatas impressionantes, das concessões viciadas, das toneladas de cimento.
O caso famoso do prédio do Tribunal Regional do Trabalho, na Barra Funda, em São Paulo, é bom exemplo. O prédio está lá. É grande, espaçoso e funcional. Pode-se dizer até que é bonito. Custou 160 milhões de reais a mais do que deveria ter custado. Mas está lá.
O culpado pelo desvio foi morar em Miami, comprou um monte de carros esporte e voltou preso. Quem ficou aqui acabou devolvendo em prestações o superfaturamento praticado. A relação custo-benefício, no final das contas, foi positiva: houve custo excessivo, mas o prédio, repita-se, ficou pronto.
As características desse tipo de corrupção são duas: primeiro, o bem público foi produzido e entregue. Depois, o valor subtraído ficou conhecido e teve limite. Acabou a obra, acabou o roubo. E os culpados mudam de ramo e nos deixam em paz, se não forem presos.
Existe também a corrupção pequena (de custeio, diriam os economistas): contrata parentes, compra papel higiênico superfaturado, orienta a criação de empresas de fachada para prestarem serviços, cria cooperativas para pagar funcionários terceirizados, faz acordo de "kick back" com os fornecedores e, principalmente, avacalha, paralisa, lasseia e termina por matar a organização que administra.
Esse tipo de corrupto "petit cash" instala-se em organizações públicas menores, nas quais pode atender a fisiologia e necessidades de financiamento eleitoral sem ser percebido de imediato. funcionários de carreira; o segredo e a confidencialidade passam a ser as regras na organização.

E os serviços públicos que seriam oferecidos vão perdendo qualidade, tornam-se irrelevantes. Os funcionários acabam deprimidos, pois não têm o que fazer, ganham mal e sabem que o "andar de cima" ganha bem por dentro e por fora. O resultado é o apodrecimento da organização até a morte definitiva.
O custo desse tipo de corrupção parece pequeno. Mas um desvio de 1 milhão por ano por tempo indefinido tem um valor atual elevado. Se a taxa de juros de desconto for de 7,5% ao ano, 1 milhão por ano custa ao contribuinte mais de 10 milhões.
Sangra a organização anos a fio, faz favores a seus superiores e enche-se de queijo de maneira paulatina e continuada. A alta administração do órgão se afasta e se esconde dos Pior ainda, a relação custo-benefício é infinita: custa 10 milhões e não oferece nenhum benefício público. Não há adição, só subtração. É dez dividido por zero.
Não há um prédio, não há nada concreto no fim da linha, só há ruínas e desmoralização. E a sociedade fica sem o serviço público direito, enquanto centenas de funcionários passam anos em meio ao lixo.
Finalmente, esse tipo de corrupção tem um agravante.
Como é obtido em suaves prestações, não permite ao parasita fugir para outro país, ir morar na praia ou dedicar-se à criação de cavalos. O parasita permanece grudado na instituição hospedeira da qual suga o sustento por longos períodos, até que mudem os partidos no governo.
É uma corrupção mixa, que não produz fóruns, estradas ou pontes.
Proponho, a quem tiver paciência de continuar o trabalho de classificação, chamá-la de "corrupção brega". Minha vontade de prosseguir na tarefa acabou. Estou indignado.
JOÃO SAYAD, 67, doutor em economia pela Universidade Yale (EUA), é presidente da Fundação Padre Anchieta.