O debate econômico de Samuel Pessoa e Luiz Gonzaga Belluzzoby mansueto, 16/03/2014 |
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
domingo, 16 de março de 2014
Debate: um economista sensato e um keynesiano de botequim - Mansueto Almeida
Deformacoes da Historia do Brasil: 1964 e a sua memoria
Antes e agora: uma pequena diferenca nos metodos, uma enorme diferenca moral - Reinaldo Azevedo
Dilma e Mujica são ex-presos políticos. Na sua biografia oficial, consta que combateram a ditadura militar de seus respectivos países. É o passado que aparece em preto e branco, na metade à esquerda da montagem. Vemos ali forças de segurança reprimindo manifestações de rua. O tempo passou, os dois abandonaram a luta armada e se tornaram presidentes da República por intermédio do voto direto. E, ora vejam, são apoiadores incondicionais de uma ditadura, não exatamente militar, mas militaresca.
Que se note: mesmo os regimes militasres mais discricionários da América Latina não contaram com milícias civis armadas em larga escala, como as que atuam hoje na Venezuela. Havia, sim, grupos paramilitares assassinos — e isso é lixo político e moral, como sabe qualquer pessoa razoável. Mas tinham um alcance menor do que o esquema montado pelo chavismo na Venezuela. Em 21 anos, a ditadura militar brasileira fez, em números superestimados, 424 vítimas — incluindo os guerrilheiros do Araguaia. Por razões comprovadamente políticas, são 293 as vítimas. Houve tortura, assassinatos, desaparecimentos. Não se trata de dizer se é muito ou pouco. É só absurdo! Quem, já rendido, morreu nas mãos do estado foi vitima de um crime. Mas sigamos. Em pouco mais de um mês — os protestos na Venezuela começaram no dia 4 de fevereiro —, o próprio governo admite que já morreram 28 pessoas.
Não me surpreende: a esquerda sempre soube ser mais letal. Ora, como ignorar que os grupelhos extremistas no Brasil, meia-dúcia de gatos pingados, mataram pelo menos 120 pessoas — nessa lista, não estão mortos em combate, não! Essas 120 pereceram em ataques terroristas. E aqui lembro a única imperfeição da arte de Calavera, embora isso não diminua a pertinência do seu trabalho: os que hoje protestam na Venezuela estão, de fato, pedindo democracia. Não era o caso de Dilma. Não era o caso de Mujica. Eles eram terroristas e pretendiam implementar em seus respectivos países uma ditadura comunista.
Assim, a luta do povo venezuelano, hoje, é muito mais moral do que eram a de Dilma e a de Mujica. Eles queriam ditaduras com sinal trocado. A população da Venezuela quer um regime democrático. No passado, era possível repudiar a “luta” da dupla também por bons motivos, Tratava-se do confronto de forças opostas em si, mas combinadas na malignidade. No caso venezuelano, no entanto, não: opor-se às reivindicações da população corresponde a renegar o regime de liberdades públicas. Ou por outra: Dilma e Mujica continuam a se alinhar com a ditadura.
A VEJA desta semana traz uma excelente reportagem sobre a Venezuela. Um dos textos, sobre Che Guevara, o “Porco Fedorento”, vai ao ponto. Ilustra de modo inequívoco, a farsa moral esquerdista. Observem como a linha de, vá lá, raciocínio de Che é a que orienta hoje a escolha de Dilma, Mujica, Cristina e outros “líderes” latino-americanos. Reproduzo o texto, publico um vídeo e volto para encerrar.
*
Imagine qual seria a reação se, em 1974, o general presidente do Brasil Emílio Garrastazu Médici ocupasse a tribuna diante da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, e afirmasse: “Temos que dizer aqui o que é uma verdade conhecida. Torturas, sim! Temos torturado: torturamos e vamos continuar torturando enquanto for necessário”.
Médici seria, justamente, execrado como um ditador. Em dezembro de 1964, porém, o argentino Ernesto Guevara, que, com o apelido de “Che”, ajudou Fidel Castro no triunfo do golpe comunista em Cuba, foi à ONU e confessou: “Nosotros tenemos que decir aquí lo que es una verdad conocida: fusilamientos, sí, hemos fusilado; fusilamos y seguiremos fusilando mientras sea necesario”.
Já se passavam seis anos da tomada do poder pelos comunistas em Cuba, e Guevara confessava que continuava em plena operação e sem data para arrefecer sua máquina de assassinatos políticos na prisão de La Cabaña. Seis anos de execuções sumárias de vítimas que chegavam ao paredão exauridas, pois delas se tirava até parte do sangue para transfusões.
Seis anos, e dissidentes continuavam a ser fuzilados. Guevara foi o único guerrilheiro a matar muito mais gente de mãos atadas e olhos vendados do que em combate — que, ao contrário da lenda, ele evitava ainda mais do que o banho. Qual foi a reação naquele instante em que permaneciam na audiência uma maioria de representantes de países “não-alinhados”, eufemismo para “pró-soviético”? Guevara foi aplaudido por 36 segundos.
No New York Times do dia seguinte, o redator, mesmerizado, fingiu que não ouviu a confissão de assassinato de Guevara, descrito como “versátil”, “economista autodidata” e “revolucionário completo”. A duplicidade ética não é uma exclusividade das esquerdas. Apenas elas são inexcedíveis nesse truque que, apesar de velho, ainda funciona. O ensurdecedor silêncio enquanto jovens mártires venezuelanos são torturados e mortos nas ruas é prova disso.
Para encerrar
Vejam esta foto.
Este que está pondo a venda nos olhos do rapaz que vai ser executado é Raúl Castro quando jovem. O tarado moral é hoje presidente de Cuba. Era um dos mais eloquentes na solenidade que marcava um ano da morte de Chávez, há alguns dias. Foi nesse evento que Nicolás Maduro convocou as milícias armadas a sair às ruas.
Com o apoio de Dilma.
Com o apoio de Mujica.
Com o apoio de Cristina, entre outros.
Venezuela: a violencia se dissemina, por parte do poder
Venezuela : l'opposition se dit victime de menaces et renonce à manifester
Ateismo, agnosticismo e irreligiosidade: um agnostico indiano-americano-- S. T. Joshi
Religiões podem ser boas coisas, no plano individual, e no plano social. Elas também evoluem, e já ultrapassamos há muito tempo aquelas religiões absolutamente cruéis com os seres humanos -- exigindo sacrifícios humanos, por exemplo, ou baseadas numa versão elementar da lei do talião, do olho por olho -- para religiões mais tolerantes, mais compassivas, enfim, mais humanas.
Algumas o foram desde as origens, como o judaísmo, por exemplo -- em que pese a lei do talião, justamente, mas que não é mais aplicada há muito tempo, e não acredito que venha a ser -- que representou um enorme progresso para o seu povo, e explica, em grande medida o imenso contributo positivo que os judeus ofereceram à humanidade -- em criações, inovações, descobertas, melhorias de todos os tipos, evidenciadas nos prêmios Nobel -- em total desproporção com a participação insignificante da população judia no conjunto da humanidade.
O cristianismo, e também o budismo, representaram imensos progressos para a vida dos povos, com suas mensagens humanistas, de respeito pela vida, de fraternidade, de amor ao próximo (descontando as fases guerreiras do cristianismo, não pela doutrina, mas pela ação de alguns fundamentalistas).
Eu não diria o mesmo do islamismo, ainda que seus seguidores insistam em afirmar seu caráter pacífico, o que absolutamente não é verdade. Uma religião que consolidou a opressão da mulher -- que já existia -- não pode ser positiva para metade da humanidade.
Mas, sem fundamentalismos, considero a maior parte das religiões coisas boas, pois não temos nada melhor para colocar no lugar. A ciência ainda é um terreno reservado para uma proporção ínfima dos seres humanos, e não traz certos confortos espirituais -- ao contrário, incita dúvidas e angústias -- que as pessoas necessitam.
Por isso considero contraproducente esse ativismo ateístico de certos cientistas -- Richard Dawkins, por exemplo -- ou de certos jornalistas, como o finado Christopher Hitchens.
E por isso mesmo, não me considero um ateu, mas simplesmente um irreligioso. Não me peçam para definir. Apenas digo que para mim não existe um problema religioso, apenas um objeto de estudo, como vários outros.
Paulo Roberto de Almeida
Spreading the Word on the Power of Atheism
sábado, 15 de março de 2014
Golpe de 1964: participacao americana - documentos do governo Johnson (NSA)
Almas cândidas, como diria Raymond Aron se espantam e ficam indignadas com o anti-comunismo do governo americano.
Seria surpreendente se fosse de outra forma.
Que capitalistas em geral, militares em particular, e em especial os governos americanos não gostem de comunistas é o natural.
Aqui abaixo documentos liberados aos 40 anos do golpe, em 2004:
http://www2.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB118/
BRAZIL MARKS 40th ANNIVERSARY OF MILITARY COUP
DECLASSIFIED DOCUMENTS SHED LIGHT ON U.S. ROLE
Audio tape: President Johnson urged taking "every step that we can" to support overthrow of Joao Goulart
U.S. Ambassador Requested Pre-positioned Armaments to aid Golpistas; Acknowledged covert operations backing street demonstrations, civic forces and resistance groups
Edited by Peter Kornbluh
peter.kornbluh@gmail.com / 202 994-7116 |
Washington D.C., 31 March 2004 - "I think we ought to take every step that we can, be prepared to do everything that we need to do," President Johnson instructed his aides regarding preparations for a coup in Brazil on March 31, 1964. On the 40th anniversary of the military putsch, the National Security Archive today posted recently declassified documents on U.S. policy deliberations and operations leading up to the overthrow of the Goulart government on April 1, 1964. The documents reveal new details on U.S. readiness to back the coup forces.
The Archive's posting includes a declassified audio tape of Lyndon Johnson being briefed by phone at his Texas ranch, as the Brazilian military mobilized against Goulart. "I'd put everybody that had any imagination or ingenuity…[CIA Director John] McCone…[Secretary of Defense Robert] McNamara" on making sure the coup went forward, Johnson is heard to instruct undersecretary of State George Ball. "We just can't take this one," the tape records LBJ's opinion. "I'd get right on top of it and stick my neck out a little."
Among the documents are Top Secret cables sent by U.S. Ambassador Lincoln Gordon who forcefully pressed Washington for direct involvement in supporting coup plotters led by Army Chief of Staff General Humberto Castello Branco. "If our influence is to be brought to bear to help avert a major disaster here-which might make Brazil the China of the 1960s-this is where both I and all my senior advisors believe our support should be placed," Gordon wrote to high State Department, White House and CIA officials on March 27, 1964.
To assure the success of the coup, Gordon recommended "that measures be taken soonest to prepare for a clandestine delivery of arms of non-US origin, to be made available to Castello Branco supporters in Sao Paulo." In a subsequent cable, declassified just last month, Gordon suggested that these weapons be "pre-positioned prior any outbreak of violence," to be used by paramilitary units and "friendly military against hostile military if necessary." To conceal the U.S. role, Gordon recommended the arms be delivered via "unmarked submarine to be off-loaded at night in isolated shore spots in state of Sao Paulo south of Santos."
Gordon's cables also confirm CIA covert measures "to help strengthen resistance forces" in Brazil. These included "covert support for pro-democracy street rallies…and encouragement [of] democratic and anti-communist sentiment in Congress, armed forces, friendly labor and student groups, church, and business." Four days before the coup, Gordon informed Washington that "we may be requesting modest supplementary funds for other covert action programs in the near future." He also requested that the U.S. send tankers carrying "POL"-petroleum, oil and lubricants-to facilitate the logistical operations of the military coup plotters, and deploy a naval task force to intimidate Goulart's backers and be in position to intervene militarily if fighting became protracted.
Although the CIA is widely known to have been involved in covert action against Goulart leading up to the coup, its operational files on intervention in Brazil remain classified-to the consternation of historians. Archive analyst Peter Kornbluh called on the Agency to "lift the veil of secrecy off one of the most important episodes of U.S. intervention in the history of Latin America" by completely declassifying the record of CIA operations in Brazil. Both the Clinton and Bush administrations conducted significant declassifications on the military regimes in Chile and Argentina, he noted. "Declassification of the historical record on the 1964 coup and the military regimes that followed would advance U.S. interests in strengthening the cause of democracy and human rights in Brazil, and in the rest of Latin America," Kornbluh said.
On March 31, the documents show, Gordon received a secret telegram from Secretary of State Dean Rusk stating that the Administration had decided to immediately mobilize a naval task force to take up position off the coast of Brazil; dispatch U.S. Navy tankers "bearing POL" from Aruba; and assemble an airlift of 110 tons of ammunition and other equipment including "CS agent"-a special gas for mob control. During an emergency White House meeting on April 1, according to a CIA memorandum of conversation, Secretary of Defense Robert McNamara told President Johnson that the task force had already set sail, and an Esso tanker with motor and aviation gasoline would soon be in the vicinity of Santos. An ammunition airlift, he reported, was being readied in New Jersey and could be sent to Brazil within 16 hours.
Such U.S. military support for the military coup proved unnecessary; Castello Branco's forces succeeded in overthrowing Goulart far faster and with much less armed resistance then U.S. policy makers anticipated. On April 2, CIA agents in Brazil cabled that "Joao Goulart, deposed president of Brazil, left Porto Alegre about 1pm local time for Montevideo."
The documents and cables refer to the coup forces as "the democratic rebellion." After General Castello Branco's takeover, the military ruled Brazil until 1985.
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Hear/Read the Documents
l) White House Audio Tape, President Lyndon B. Johnson discussing the impending coup in Brazil with Undersecretary of State George Ball, March 31, 1964
This audio clip is available in several formats:2) State Department, Top Secret Cable from Rio De Janiero, March 27, 1964
Windows Media Audio - High bandwidth (7.11 MB)
Windows Media Audio - Low bandwidth (3.57 MB)
MP3 - (4.7 MB)
In this 5:08 minute White House tape obtained from the Lyndon Baines Johnson Library, President Johnson is recorded speaking on the phone from his Texas ranch with Undersecretary of State George Ball and Assistant Secretary for Latin America, Thomas Mann. Ball briefs Johnson on that status of military moves in Brazil to overthrow the government of Joao Goulart who U.S. officials view as a leftist closely associated with the Brazilian Communist Party. Johnson gives Ball the green light to actively support the coup if U.S. backing is needed. "I think we ought to take every step that we can, be prepared to do everything that we need to do" he orders. In an apparent reference to Goulart, Johnson states "we just can't take this one." "I'd get right on top of it and stick my neck out a little," he instructs Ball.
Ambassador Lincoln Gordon wrote this lengthy, five part, cable to the highest national security officers of the U.S. government, including CIA director John McCone and the Secretaries of Defense and State, Robert McNamara and Dean Rusk. He provides an assessment that President Goulart is working with the Brazilian Communist Party to "seize dictatorial power" and urges the U.S. to support the forces of General Castello Branco. Gordon recommends "a clandestine delivery of arms" for Branco's supporters as well as a shipment of gas and oil to help the coup forces succeed and suggests such support will be supplemented by CIA covert operations. He also urges the administration to "prepare without delay against the contingency of needed overt intervention at a second stage."3) State Department, Top Secret Cable from Amb. Lincoln Gordon, March 29, 1964
Ambassador Gordon updates high U.S. officials on the deterioration of the situation in Brazil. In this cable, declassified on February 24, 2004 by the LBJ Presidential Library, he reiterates the "manifold" need to have a secret shipment of weapons "pre-positioned prior any outbreak of violence" to be "used by paramilitary units working with Democratic Military groups" and recommends a public statement by the administration "to reassure the large numbers of democrats in Brazil that we are not indifferent to the danger of a Communist revolution here."4) CIA, Intelligence Information Cable on "Plans of Revolutionary Plotters in Minas Gerias," March 30, 1964
The CIA station in Brazil transmitted this field report from intelligence sources in Belo Horizonte that bluntly stated "a revolution by anti-Goulart forces will definitely get under way this week, probably in the next few days. The cable transmits intelligence on military plans to "march toward Rio." The "revolution," the intelligence source predicted, "will not be resolved quickly and will be bloody."5) State Department, Secret Cable to Amb. Lincoln Gordon in Rio, March 31, 1964
Secretary of State Dean Rusk sends Gordon a list of the White House decisions "taken in order [to] be in a position to render assistance at appropriate time to anti-Goulart forces if it is decided this should be done." The decisions include sending US naval tankers loaded with petroleum, oil and lubricants from Aruba to Santos, Brazil; assembling 110 tons of ammunition and other equipment for pro-coup forces; and dispatching a naval brigade including an aircraft carrier, several destroyers and escorts to conduct be positioned off the coast of Brazil. Several hours later, a second cable is sent amending the number of ships, and dates they will be arriving off the coast.6) CIA, Secret Memorandum of Conversation on "Meeting at the White House 1 April 1964 Subject-Brazil," April 1, 1964
This memorandum of conversation records a high level meeting, held in the White House, between President Johnson and his top national security aides on Brazil. CIA deputy chief of Western Hemisphere operations, Desmond Fitzgerald recorded the briefing given to Johnson and the discussion on the progress of the coup. Defense Secretary reported on the movements of the naval task force sailing towad Brazil, and the arms and ammunition being assembled in New Jersey to resupply the coup plotters if necessary.7) CIA, Intelligence Information Cable on "Departure of Goulart from Porto Alegre for Montevideo," April 2, 1964
The CIA station in Brazil reports that the deposed president, Joao Goulart, left Brazil for exile in Uruguay at l pm, on April 2. His departure marks the success of the military coup in Brazil.
Venezuela-Brasil: uma relacao complicada (para dizer o minimo) - Leandro Loyola (Epoca)
Diplomacia brasileira: o grande retrocesso - Matias Spektor (Epoca)
Matias Spektor: "É um tapa na cara do Brasil"
Para o analista, a escalada autoritária do chavismo na Venezuela ameaça o projeto de integração na América do Sul. E o governo brasileiro silencia perigosamente
Matias Spektor – Isso é uma das coisas que a gente precisa recuperar da história. É um período em que havia uma crise real de política externa, de imagem externa do Brasil, que precisava ser resolvida. A maneira de resolvê-la foi pegar as duas forças políticas do Brasil e uni-las – e, quando eles trabalham juntos, ninguém segura. Parte do problema de nossa política externa hoje é que a polarização (PT-PSDB) é tão intensa que o Brasil não tem capacidade de barganha – como no caso da Venezuela.
Spektor – Num ano em que o grande drama nacional é a eleição de outubro, a Venezuela virou tema de política eleitoral no Brasil. Nos últimos dias houve artigos do Fernando Henrique e do (senador) Aécio (Neves, pré-candidato ao PSDB à Presidência) criticando frontalmente a política da (presidente) Dilma (Rousseff) para a Venezuela. Da mesma maneira, o PT pretende enviar o (presidente do partido) Rui Falcão a Caracas. Isso significa que o tema está partidarizado. O impacto disso sobre a política externa é engessar o Palácio do Planalto. Dilma está numa sinuca de bico. Se quiser dar uma dura em (Nicolás) Maduro (presidente da Venezuela), isso será visto dentro do embate político partidário como um recuo do governo. É uma situação péssima, porque a lógica de nossa política regional sempre deve ser ter o maior número de opções à mesa. Lula escapou disso. Fernando Henrique também escapou. Quando houve a tentativa de golpe contra Chávez em 2002, Fernando Henrique saiu em defesa de Chávez e mandou petroleiros para quebrar a greve da PDVSA contra ele.
Spektor – Desde o início se colocou com uma das partes do conflito, e fez vista grossa para os abusos que o chavismo vem cometendo. O Brasil perdeu espaço de manobra. Você só tem espaço de manobra se é visto por todas as partes em disputa como interlocutor legítimo. Dilma mandou Marco Aurélio (Garcia, assessor da Presidência) a Caracas e Rui Falcão vai a Caracas. Na semana passada, o Itamaraty recebeu a visita de Elías Jaua, o chanceler venezuelano. Em nenhuma dessas instâncias uma autoridade brasileira se encontrou com uma liderança de oposição venezuelana. Compare com o Lula: antes de assumir, ele mandou Marco Aurélio a Caracas. Ele encontrou primeiro Chávez, depois a oposição. Era para aumentar o leque de opções de Lula.
Spektor – Sem dúvida. Penso em três motivos. O primeiro é que o chavismo está testando seus limites – e tem ficado cada vez mais autocrático e autoritário. Uma escalada autoritária em nossa vizinhança é um tapa na cara do projeto brasileiro de integração regional. O segundo motivo: ou o chavismo faz reformas no modelo de gestão da economia, ou a economia vai para o brejo – e, se a economia for para o brejo, os interesses econômicos brasileiros sofrerão e botarão pressão no Planalto. O terceiro motivo – e desse quase ninguém fala no Brasil, mas para mim é dos mais importantes: a cada dia o chavismo parece menos uma alternativa de esquerda democrática. Os ganhos que o chavismo trouxe para os venezuelanos mais pobres estão ameaçados pela desordem da economia e desse modelo político cada vez mais autoritário. A gente tem visto repressão até em bairros pobres na Venezuela, (com) milícias mandadas pelo próprio presidente. Apesar de ser a chefe de Estado mais poderosa da América do Sul, Dilma se nega a emitir uma mensagem ao chavismo sobre aquilo que é tolerável. Pelo contrário: a diplomacia brasileira tem dado apoio a um governo que já perdeu os próprios limites. Não dizer nada é uma irresponsabilidade. Não existe uma percepção clara de que o desfecho da crise venezuelana definirá o futuro do projeto brasileiro de integração. Essa é a maior crise internacional que o Brasil enfrenta nos últimos anos.
Spektor – Existe uma percepção de que a OEA (Organização dos Estados Americanos) é um organismo dominado pelos Estados Unidos e também a percepção de que os Estados Unidos têm interesse na derrubada do governo democraticamente eleito de Maduro. É possível pensar no argumento contrário. Foi o que Lula fez na última grave crise do chavismo, em 2003. Em abril de 2002, houve uma tentativa de golpe contra Chávez com apoio americano, e a maneira que Lula achou de ajudar a tirar o país da crise foi trazer os Estados Unidos para a mesa.
Spektor – A relação viveu um pico muito positivo nos governos Lula e Bush. De lá para cá, degringolou para nunca mais decolar, apesar de tentativas sinceras. Tanto Dilma quanto Obama tentaram desde o início fazer a relação dar certo. Isso não foi possível. O escândalo de espionagem (as acusações contra a agência americana NSA de espinonar a presidente Dilma Rousseff) eliminou as condições para que houvesse uma restauração do relacionamento. Não há nenhuma condição política de isso acontecer antes das eleições de outubro. O desafio, no entanto, me parece claro: a relação com Washington é importante porque afeta em cheio a capacidade de o governo brasileiro fazer política pública em casa. Lula entendia isso perfeitamente, Fernando Henrique entendia isso perfeitamente. A gente precisará restaurar esse relacionamento, principalmente num sistema econômico internacional que ficou mais duro e difícil para o Brasil. Nossa assimetria de poder com os Estados Unidos é enorme – eles são muito mais poderosos que nós. Quem perde ao não falar somos nós. Precisamos encontrar uma fórmula de convivência.
Spektor – O Brasil se beneficiou enormemente do investimento na África. Agora, essa abertura foi feita sem sustentabilidade. Temos embaixadas vazias, que só existem no papel, nossa política de cooperação para o desenvolvimento é desastrada. Em relação ao Porto de Mariel, é claro que interessa ao Brasil estar em Mariel! O Porto de Mariel em pouco tempo virará um polo importantíssimo das Américas. Facilita a entrada no maior mercado do mundo, o americano e, do ponto de vista político, ajuda Cuba a fazer uma transição entre o regime castrista e o que virá depois, driblando o embargo americano.
Spektor – Para um país com pretensões a uma cadeira permanente (no Conselho de Segurança da ONU), o Brasil é um país muito pouco ativo. Isso é reflexo de algo importantíssimo na política externa brasileira: a aversão ao risco. Uma marca registrada de Lula e Celso Amorim era a disposição em assumir riscos. Isso é muito raro na história do Brasil. Lula teve uma posição doméstica de muita força para fazer política externa. Dilma não tem um ambiente internacional favorável para isso. A ideia do Brasil como potência emergente saiu do comentário internacional. Estamos voltando ao nosso hábitat natural, a política externa avessa ao risco.