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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 5 de abril de 2014

Um diplomata diferente: Sergio Tutikian (aposentado, e falante...)

Com algumas evidências interessantes sobre as relações Brasil-Iraque aos tempos dos militares no Brasil e do Saddam Hussein. Já se sabia dessa estreita cooperação nuclear e militar com um dos regimes mais repressivos, ditatoriais e desumanos do planeta, mas não se tinha ideia de como se passavam as coisas realmente.
Israel denunciou essa cooperação Brasil-Iraque com razão...
Paulo Roberto de Almeida

ITAMARATY
O senhor embaixador / Entrevista / Sergio Tutikian
Cláudio Goldberg Rabin
Zero Hora, 31/03/2014

No apartamento no bairro Moinhos de Vento há quadros italianos e iraquianos, vasos chineses, tapetes persas e esculturas do Azerbaidjão. Pode parecer um cenário de kitsch, mas cada peça é parte de uma raiz difusa de um homem que cruzou o mundo, mas não se fixou em lugar nenhum. O embaixador Sergio Tutikian partiu de Porto Alegre, onde ficou até prestar o concurso para o Itamaraty em 1964, para retornar após se aposentar.

Viveu na Bolívia, fugiu da Brasília de pó, barro e militares dos anos 1970, morou no Irã da opulência esbanjadora dos tempos do xá e da repressão religiosa pós-Revolução Islâmica. Sobretudo, serviu no Iraque durante a guerra com os rivais iranianos, quando o segundo choque do petróleo colocou a economia brasileira de joelhos e o país teve de vender a alma diante da dependência do regime carniceiro de Saddam Hussein. Foi espionado e conheceu de perto os reatores nucleares que os engenheiros brasileiros ajudaram a construir.

Na entrevista a seguir, o diplomata de 74 anos de idade e 40 de carreira, fala sobre os problemas da profissão, as nuances das relações entre países, \as ameaças que sofreu e revela detalhes da trajetória de um gaúcho que esteve onde a história da segunda metade do século 20 aconteceu.

O que é um diplomata?
No país estrangeiro, é autoridade máxima, representa o presidente da República. O diplomata não se manifesta. Diplomata é só diplomata. No momento que você tentar sair das suas funções, por exemplo, e querer espionar no Iraque, como aconteceu com colegas meus, você acaba se incomodando e pode ser até ameaçado de morte.

O que levou o senhor para a vida diplomática?
Tive dois colegas que influenciaram. Um era o Manuel Maurício Cardoso, cujo pai era ministro na Bélgica. Ele estudou no mesmo colégio que eu, o Instituto Porto Alegre, o IPA. O Manuel era interno, coisa que havia naquela época. Nos finais de semana ele ia para minha casa. Outro foi Udt Bertrand, que hoje é diplomata da (chanceler alemã) Angela Merkel. Eles me mostraram o que é a carreira. Não havia informação, era tudo muito difícil aqui em Porto Alegre, as livrarias eram muito pobres. Mais ou menos por 1958 eu comecei a gestar a ideia. Fiz Direito na UFRGS, fui para o Rio de Janeiro, fiz o vestibular e consegui passar contra todos os auspícios e as ideias das pessoas que achavam que eu, sendo filho de imigrante da primeira geração, dificilmente entraria.

Filhos de imigrantes eram barrados?
Houve dois momentos no Itamaraty, tanto com relação ao aspecto socioeconômico quanto na parte da linhagem. Quando falo em linhagem, me refiro àqueles que têm pai, avô, mãe, dentro da carreira, como é o caso do (ex-ministro de Relações Exteriores Antônio) Patriota. Fiz o vestibular exatamente quando houve o golpe de 64. Houve uma “democratização do Itamaraty”. Até então, só entravam famílias que tinham linhagem na carreira e nomes de origem portuguesa e espanhola. Era muito difícil filhos de imigrantes do Oriente Médio, israelitas, negros ou pardos entrarem. Mas, na minha turma de 26, metade era descendente de imigrantes. Os militares resolveram abrir um pouco a coisa, também porque os adidos que existiam nas embaixadas tinham filhos, e esses filhos queriam entrar na carreira.

O batizado no Exterior foi na Bolívia?
Eu recém tinha saído do curso. Você veja a imprudência de quem me mandou (risos). Fui para La Paz substituir um colega. Acabei ficando sozinho. Sempre tivemos relações difíceis com a Bolívia. Aí, se deu o problema do asilo. Era o chefe do Estado-maior da Bolívia. Eu sofria pressão local e não se podia consultar Brasília, porque as comunicações eram difíceis. Um telefonema levava uma semana para a gente conseguir. O sistema criptográfico era muito primitivo, feito à mão. Tive de resolver sozinho. Isso propiciou que eu pudesse sair para o Exterior sem ir para Brasília.

Por que não Brasília?
Era um horror! Era só poeira e barro em 1970. Daí, fui considerado apto por causa da Bolívia, e acabei indo para Teerã. O que condicionou a minha carreira foi o acaso.

Havia algum cidadão brasileiro no Irã em 1970?
Existia a prima-irmã do (cirurgião plástico Ivo) Pitanguy. O Pitanguy modelou quase todos os narizes das princesas na época do xá. E ela acabou se apaixonando e casando com um iraniano, o que é mais comum do que a gente pensa. Mas sei o que tu queres dizer: era uma embaixada puramente de representação, não havia o que fazer. Aproveitei para estudar língua e civilização persa na Universidade de Teerã. Fazia esqui, também ia à praia, no Mar Cáspio.

Como era o Irã pré-revolução?
Era agradabilíssimo. A vida noturna era melhor do que em certos países da Europa. A liberdade era total, você podia fazer o que quisesse, desde que não falasse de política. Existia uma polícia secreta, a Savak, que acaba contigo, com tua família, com todo mundo. Posso te garantir que, mesmo com os aiatolás, prolifera a prostituição até hoje e tudo que tu puderes imaginar acontece. Eles chegavam a ter um bairro, que seria o equivalente ao Botafogo e Flamengo juntos, só para prostituição. Era bastante interessante. Quando o Santos jogou lá, até levei o Pelé para ver como era exótico. Você entrava nas casas e, como se fosse um palco, eles apresentavam as especialidades da casa. Não me pergunta quais são, porque algumas você ficaria horrorizado.

Quais eram as especialidades da casa?
Não, não, não (risos).
O xá Reza Pahlavi era completamente megalomaníaco. Um exemplo famoso foi a ostentação da festa de 2.500 anos do Império Persa, em 1971.
Ele quis festejar a data, esquecendo que o pai dele, que era um militar, havia dado um golpe na dinastia Qajar. Comemorou como se não tivesse havido nenhuma interrupção. Teerã foi decorada pela França, era uma coisa suntuosa feita durante o dia e destruída durante a noite pela população revoltada. Modelo Fifa (risos). Depois, as celebrações foram em Persépolis. Eu não deveria estar lá. Fui porque o Brasil não mandou chefe de Estado. Foi um ministro e o embaixador, mas o ministro só falava português e pediu que eu fosse. Na minha mesa estavam a princesa Anne, da Inglaterra; a princesa Sirikit, da Tailândia; e a Begum (Aga Khan III, nascida Yvette Labrousse), que tinha sido a miss França. Não se podia pagar nada, nem cabeleireiros para mulheres nem passagens de avião para Teerã. E os presentes eram patacões de ouro, abotoaduras com brilhantes da casa real do Irã que eu ganhei da princesa Ashraf, irmã gêmea do xá, que jogava os amantes no Mar Cáspio.

O Oriente Médio nunca abandonou o senhor?
Eu voltei para o Brasil, para a Secretaria de Estado, onde eu fui trabalhar com o embaixador Marcos Azambuja na área do Oriente Médio. E peguei quatro anos da guerra Irã-Iraque. De 1980 a 1984. A guerra vai até 1988.

Como é viver em um país estrangeiro em guerra?
É mais fácil do que viver o que meu colega está passando agora em Bagdá. Mas claro que é difícil. Primeiro, o desconforto. As primeiras coisas que eles bombardeiam são as usinas de eletricidade, daí não há gasolina, não tem carro, a comida não chega. Não vou dizer que não tinha medo. Eu tinha. Não cheguei a ficar biruta, aguentei. Trabalhei com generais que eram meus chefes, e eles não deixavam a gente sair do posto. Fiquei dois anos sem poder tirar férias. Não tinha luz, as ruas ficavam escuras. Tocava uma sirene para a gente correr para os abrigos e, por muito tempo, já no Brasil, tocava uma sirene de polícia, e eu corria.

Como o senhor conseguia comida?
Eu sou de descendência armênia. Minha empregada, uma iraquiana de origem armênia, era chefe de um supermercado do governo. Então, ela tinha de abrir o supermercado de manhã para limpeza, pegava o que tinha e trazia para mim. Senão eu teria passado muito mal. Os meus colegas foram para o acampamento da empreiteira Mendes Júnior. Naquele momento, a gente chegou a ter 20 mil brasileiros no Iraque, trabalhando no esforço de guerra. A empresa conseguia trazer comida do Brasil. Fiquei em Bagdá porque era o substituto do embaixador.

Saddam era especialmente cruel. Usou armas químicas na guerra. Esses relatos não chegavam até vocês?
Ele usou contra os curdos e contra os curdos do Irã. É horrível. Um dia usaram as armas químicas, o vento virou e voltou para o Iraque. Eu tinha um amigo que frequentava minha casa, um iraquiano que estava no front, ele ficou... não conseguia mais respirar, tinha 22 anos, não tinham mais força. Saddam fazia as reuniões ministeriais armado e, conforme o ministro incomodava ou discordava, ele já executava ali mesmo, na hora. Mas particularmente cruel era um filho que ele tinha, Uday.

O senhor conheceu Saddam. Como foi esse contato?
Ah, ele era agradável, simpático. Eu era diplomata, e ele tinha todo interesse em agradar o Brasil, porque nós estávamos dando cooperação nuclear. Então, nos tratava muito bem, tínhamos a porta do palácio aberta. Não pedia a saída de diplomatas, mas sabia como tornar a nossa vida insuportável.

O Iraque tinha um reconhecido serviço de inteligência. Vocês não eram espionados?
O famoso Mukhabarat. Eu mesmo fui seguido, mas consegui perceber porque era uma maneira burra, já que um deles não trocava a blusa e tinha uma camisa horrorosa verde. Daí, um dia, eu entrei em um ônibus e pensei: “Se essa criatura descer atrás de mim, ela está me seguindo”. E desceram. Também ficavam na frente da minha casa. Era muito desagradável. Os diplomatas eram proibidos de falar com os locais, coisa que eu não deixava de fazer.

Por que o senhor acha que era seguido pelo governo?
A informação é processada dentro da embaixada. Ela pode ser confidencial ou secreta, e você manda para o Ministério das Relações Exteriores, que separa, vê o que interessa e leva para o presidente da República. No caso da embaixada de Bagdá era diferente. Era o SNI (Serviço Nacional de Informação) que processava. Eles tinham gente lá dentro. O general passava para eles, e nós não tínhamos conhecimento. E a tua secretária, que necessariamente é local, era obrigada a fazer um relatório sobre tudo o que você faz e diz. Para se ter uma ideia da nossa dependência, nós precisávamos de 1,1 milhão de barris de petróleo por dia no Brasil e produzíamos acho que cinco ou 10 mil. Setecentos mil vinham do Iraque. Quer dizer, como é que se concentra toda a compra em um país só? É uma temeridade.

Foram quatro anos de privações e pressão. Quais eram os prazeres?
Você quer saber no particular? Uma pessoa que sabe que pode morrer amanhã, vai fazer o que hoje? Perdi o medo de muita coisa. Descobri que a minha companhia é boa também ao passar horas e horas sozinho no escuro.

Chegou a correr riscos físicos?
Eles estavam despreparados. Os aviões iranianos burlavam o radar e vinham abrindo caminho com metralhadoras na ponta da cabeça do avião. Os iraquianos tinham ninhos de metralhadoras nos edifícios e ficavam tão nervosos que, em vez de levantar a metralhadora em direção ao avião, faziam assim (aponta para baixo). Corria-se risco de vida toda hora. Talvez por isso eu tenha ganho condecorações do Exército. Uma vez fomos presos todos, a embaixada toda. Alguém bêbado bateu no carro de um colega, veio a polícia e começou uma discussão. Estávamos em quatro ou cinco. A gente foi falar com o delegado, isso umas duas da manhã, que estava deitado atrás da mesa dele, dormindo de farda e um cuecão. A gente caiu na risada. O delegado acordou e disse: “Vocês vão esperar até amanhã de manhã”. Mandou abrir a cela e nos colocou lá. Aí, veio um preso muito chique de robe de chambre, falando em inglês, e disse: “Olha, vocês tomem cuidado, eles são diplomatas. Vai dar problema muito sério”. Até estava achando engraçado, porque eu estava louco para sair do Iraque. Acabaram nos levando pra casa e pedindo desculpas. Foi o pior episódio, porque estávamos sem embaixador, e eu era o chefe.

O quão importante era o Iraque para o Brasil?
Até 1978, o Brasil não conseguia exportar serviços, principalmente de engenharia. O Iraque abriu as portas para nós, claro que pagamos um preço político. Permitiu que a Braspetro explorasse petróleo em Basra, onde os rios Tigre e Eufrates se juntam e deságuam no Golfo Pérsico. Onde era o paraíso de Adão e Eva. E o Brasil descobre o maior lençol de petróleo do Iraque bem na fronteira com o Irã. Isso aí coincide com um período difícil do Brasil, os anos 80, o segundo choque do petróleo por causa da Revolução Iraniana. O petróleo, que custava US$ 3 o barril, passa para mais de 30. A gente conseguia explorar petróleo e mandar para o Brasil a, digamos, US$ 13. Nós importávamos todo o petróleo do Iraque porque era mais barato e não tínhamos dinheiro.

E o que nós demos em troca?
A gente teve de votar (na ONU) dizendo que o sionismo era uma espécie de racismo, voto retirado nos anos 90. Depois, começamos a dar apoio total aos palestinos, quando, antes, tínhamos uma posição equidistante no conflito entre Israel e os países árabes. Mais a cooperação nuclear. Eu próprio entrei nos arredores do reator lá, fui mais de uma vez levar documentos, que não sei o que eram, porque só o SNI lidava com isso. Com a guerra, parte do petróleo para o Brasil passou a ser suprido pela Arábia Saudita. Foi feito um escambo também. Wolfgang Sauer, na época o presidente da Volkswagen, era muito amigo de um grande banqueiro turco. O Iraque precisava do dinheiro para o esforço de guerra e trocamos petróleo pelos Passat. Esse banqueiro comprou uma frota de caminhões cisterna, que buscavam o óleo na fonte, passavam pela Jordânia e iam para Alemanha, que dava o dinheiro para nós. Era uma triangulação, mas a maneira de continuarmos recebendo dinheiro.

Se isso não tivesse sido feito, o Bra...
O Brasil ia pras cucuias (interrompe a pergunta). O Brasil não tinha mais dinheiro para suportar o segundo choque do petróleo e também estava com uma inflação nas alturas, com demissões em massa, tendo acabado o período áureo do milagre econômico. O Iraque era essencial, e a gente faria qualquer coisa para continuar com aquelas relações naquele nível.Tínhamos, acho, US$ 10 bilhões em interesses. Era muito dinheiro.

Nelson Rodrigues disse uma vez que o maior terror de um diplomata brasileiro no Exterior era encontrar um compatriota. Onde acaba a piada e começa a realidade?
Não gostava muito de encontrar brasileiro, porque era sempre encrenca. Trabalhei em Milão como embaixador até 2002 e, só lá, tinha 20 mil travestis brasileiros. Havia honrosas exceções, mas a maioria ia para se prostituir, tanto feminina quanto masculina e de travesti. Meu melhor amigo era o chefe de polícia, porque toda hora eu tinha de encostar um ônibus e levar aquela gente toda que entrava ilegalmente. Eu dizia para (o governo da) Itália, vocês pagam a passagem (de volta para o Brasil) mas eles vão voltar. Tanto que a mulher brasileira tem uma fama terrível na Itália. Daí tem crime, tem droga, mas é por isso.

O que é preciso para subir na carreira? Linhagem, mérito, política, ou os três?
Sem mérito não dá mais. Se tu tiveres mérito, é muito mais fácil se tiveres linhagem. Sem linhagem, ou tem de trabalhar muito ou conseguir por fora. Dizia-se que só existiam dois que promoviam durante muito tempo no Itamaraty. O Antônio Carlos Magalhães e o Sarney. O Sarney acho que até hoje. Com o governo civil, passaram a recrutar gente dentro do Itamaraty. Por quê? Porque as carreiras hierarquizadas dependem de promoção e de remoção. Conclusão: bico fechado. Tem de ser uma carreira que você preze e goste, porque no dia que sair aquele governo, você cai em desgraça.

O senhor retornou a Teerã depois dos tempos do xá. O que mudou com a repressão sexual depois da revolução islâmica?
O que eu notei é que se fazia dentro de casa o que antes se fazia na rua. Teerã é uma cidade cortada por uma avenida que tem 50 quilômetros de uma ponta a outra. A cidade começa no Deserto do Sal e acaba nos Montes de Alborz. Do deserto até a metade da cidade, aplica-se a religião, chicotada, pedrada. Uma das poucas coisas que o Lula conseguiu foi acabar com a lapidação no Irã desde aquele problema da Sakineh (Mohammadi-Ashtiani, condenada à morte por adultério). Agora, eles matam a mulher com um tiro. À medida que se vai subindo em direção à montanha, os costumes vão afrouxando. O suborno aplaca a ira da polícia religiosa. Qualquer carro particular pode levar passageiro, pois os táxis não são suficientes. Então, a mulher que quer se prostituir para na rua e na hora que passar um carro bonito, ela entra. Se a polícia religiosa chega, ela diz que é táxi. A raposa perde os pelos, mas não perde os vícios.

A vida de um diplomata é quase como a de um nômade. O senhor não chegou a casar?
Não, não casei e não pretendo. Mas acho que tem mulheres que ajudam muito na carreira e outras que acabam com a carreira do marido.

Alguma saudade da ativa?
A sensação que eu tenho como aposentado é muito boa, é uma sensação de liberdade. Passei minha vida me policiando, porque tudo que tu fazes no Exterior tem consequências, tem a imprensa em cima da gente. Não pode dar declaração, não pode falar. Você é sempre um estrangeiro, não posso criticar o país onde estou. Comecei outro ciclo, choveram propostas de trabalho, mas aceitei. Escolhi desfrutar.

“Tocava uma sirene para a gente correr para os abrigos e, por muito tempo, já no Brasil, tocava uma sirene de polícia, e eu corria “

“O Iraque era essencial, e a gente faria qualquer coisa para continuar as relações naquele nível”

Zero Hora – Saddam Hussein, o aliado do regime militar

Em setembro de 1980, começa a violenta guerra entre Irã e Iraque. O mundo é asssolado pelo segundo choque do petróleo, no qual o preço do produto, essencial para qualquer economia moderna, dispara. O Brasil de então tinha uma escassa produção nacional e importava quase tudo que consumia do Iraque.

– Dizia-se que chegamos a mandar urânio enriquecido para lá em avião de passageiros, mas havia uma guerra de informação do lado brasileiro e iraquiano. Israel descobriu indícios e divulgou na imprensa. O voo fazia Bagdá-São Paulo pela Iraqi Airways a pretexto de levar e trazer funcionários para a Mendes Júnior – lembra Tutikian.

Na ocasião, cerca de 20 mil brasileiros estavam no país, muitos contribuindo no esforço de guerra.


– Eles nos financiavam para que a Avibrás e outras empresas brasileiras desenvolvessem armas para o Iraque. Fornecemos desde tanques, os Urutus, até mísseis. Mandamos mais de 30 engenheiros do ITA para lá, com o brigadeiro (Hugo de Oliveira) Piva, para melhorar os mísseis que vinham da Coreia do Norte e que não alcançavam Israel. Nosso pessoal fez alcançar Israel e a Arábia Saudita – conta.

Por que a Asia resistiu melhor 'as crises do que a America Latina? - paper do FMI

A Ásia resistiu melhor às crises porque não perpetrou as mesmas bobagens que a América Latina nas décadas anteriores e no período recente. Senão vejamos:
1) crescimento moderado do crédito não é o que tivemos no Brasil no passado recente, ao contrário: ele dobrou nos últimos oito anos;
2) crédito baseado na poupança interna? Nem pensar...;
3) Financiamento externo reduzido? Ninguém consegue...
4) Transações correntes sólidas? Mas elas estão se degradando rapidamente...
Pois é, tudo o que temos de bom, que é um sistema bancário sólido (et encore) foi feito pelo governo anterior; a flutuação cambial também, que nos ajuda a aliviar os desequilíbrios externos e que os companheiros tanto criticaram quando foi feito.
Os companheiros, na verdade, são responsáveis por tudo o que está acontecendo de ruim na economia brasileira, e já nem falo da destruição da Petrobras e da Eletrobras, das patifarias em todas as áreas e da incompetência generalizada. Eles estão simplesmente afundando o Brasil.
Podiam pelo menos aprender como fazer as coisas direito.
Este paper do FMI sobre a Ásia ensina como...
Paulo Roberto de Almeida

Why Was Asia Resilient? Lessons from the Past and for the Future
Prepared by Phakawa Jeasakul, Cheng Hoon Lim, Erik Lundback
February, 2014
IMF Working Paper, WP/14/38
Monetary and Capital Markets Department 

Abstract:
Asia proved to be remarkably resilient in the face of the global financial crisis, but why was its output performance stronger than that of other regions? The paper shows that better initial conditions—in the form of lower external and financial vulnerabilities—contributed  significantly to Asia’s resilience. Key pre-crisis factors included moderate credit expansion, reliance on deposit funding, enhanced bank asset quality, reduced external financing, and improved current accounts. These improvements reflected the lessons from the Asian financial crisis in the late 1990s, which helped reshape both public policies and private sector behavior. For example, several countries stepped up their use of macroprudential policies, well before they were recognized as an essential component of the financial stability toolkit.
They also overhauled financial regulations and strengthened oversight of financial institutions, which helped reduce risk-taking by households and firms before the global financial crisis. Looking ahead, Asia is in the process of adjusting to more volatile external conditions and higher risk premiums. By drawing the right lessons from its pre-crisis experiences, Asia’s economies will be better equipped to address new risks associated with increased cross-border capital flows and greater integration with the rest of the world.

This Working Paper should not be reported as representing the views of the IMF.

O Brasil é um país caro: o exemplo da ZARA - Mansueto Almeida (via Estadao)

Não é uma novidade. Dois fatores: impostos e mercado protegido, sem concorrência. Os brasileiros são reféns de um governo extorsivo e de carteis protegidos de produtores.
Paulo Roberto de Almeida



by mansueto, 5/04/2014

O Estado de São Paulo publicou hoje uma matéria sobre o preço dos produtos da loja “ZARA” no Brasil (clique aqui: Brasil tem roupas mais caras do mundo, aponta ‘Índice Zara’). Essa marca e o seu modelo de fast fashion com o lançamento várias coleções sucessivas é admirado no mundo todo e muitas empresas imitam o business model da ZARA.
Esse modelo implica em ter a cadeia de valor perto do ponto de venda para alimentar de forma rápida as novas coleções. É por isso que aqui no Brasil a loja trabalha com vários fornecedores locais, o que significa custo elevado. A matéria do Estadão baseada nos estudos do Fabio Monteiro e Thiago Andrade do BTG Pactual mostra que os produtos da Loja ZARA aqui são quase 50% acima do preço dos EUA (sem o efeito cambial) e, junto com a Polônia, temos os preços mais caros.

Fonte: Estado de São Paulo
Apesar do custo caro, possivelmente o modelo ZARA funciona no Brasil apesar dos custos elevados da produção porque o modelo de negócios da marca é fortemente voltado para o varejo – a empresa é muito menos indústria e muito mais varejo e “brand building”.
Como o mercado no Brasil é muito protegido, apesar do elevado custo de produção e dos preços a companhia consegue crescer no Brasil. Mas consegue porque a ZARA não é indústria. E mesmo empresas na área de caçados e confecção que são indústrias passaram a investir fortemente no varejo. Hoje, varias das lojas da Nike no Brasil são de uma fábrica calçados doméstica. O Brasil é um país caro para produzir e, como 49% de nossa arrecadação é via imposto indireto, os preços de produtos aqui são muito acima do resto do mundo.

O academico aloprado (petista, claro) e o economista sensato: o primeiro quer enganar, o segundo apenas explica...

Inacreditável como esses gramscianos petistas não sabem fazer contas. Com isso, eles vão enganando muita gente, como já enganaram, para ganhar. O problema, depois, é governar.
Como explica Mansueto, alguém precisa pagar a conta.
A herança maldita que está sendo deixada pelos companheiros já está pesada demais.
Paulo Roberto de Almeida


Mansueto Almeida, 5/04/2014

Fazia tempo que não lia um artigo tão “bom” em defesa do aumento da carga tributária, impostos indiretos e a continuidade do processo de desindustrialização como este do professor André Singer na Folha de São Paulo (clique aqui).
Explico. O professor explica algumas das demandas das centrais sindicais em passeata que ocorrerá esta semana como uma luta de “cada classe social no jogo que se arma em torno da eleição de outubro e do programa a ser executado pelo futuro governo, qualquer que seja ele”.
O que o professor não esclarece é que para atender integralmente essas demandas (legítimas) das centrais sindicais será necessário um brutal aumento da carga tributária. Quando falo “brutal” quero dizer elevar a carga tributária em pelo menos 10 pontos do PIB nos próximos 4 anos. Assim, não se trata de uma luta do bem contra o mal, como parece sugerir o professor da USP. Vamos ver os quatro pontos levantados pelo professor André Singer que são as demandas das centrais sindicais.
(1) Continuidade de valorização do salário mínimo (SM): Sim, o crescimento real do SM desde 2003 foi de 72%. Mas até mesmo as centrais sindicais reconhecem que não será possível continuar com aumentos reais acima do crescimento da produtividade. Com salários crescendo acima da produtividade, ganha quem consegue repassar aumento de custo para preços, ou seja, ganha o setor de serviços e perde a indústria. Adicionalmente, além dos efeitos no mercado de trabalho, crescimento do salário mínimo implica maior despesa previdenciária e assistencial, isso não ocorre nos outros países.
A sociedade quer manter a politica de valorização do salario mínimo nos moldes atuais? OK, mas então será preciso explicar quem pagará mais impostos. Como 49% da arrecadação de impostos no Brasil é imposto indireto, isso significa mais imposto indireto e produtos mais caros ainda. Em outra ocasião explico porque não dá para conseguir esse extra via imposto direto.
(2) Fim do fator previdenciário e valorização das aposentadorias: aqui vou confiar na declaração do próprio governo do PT. O ministro da previdência do governo Dilma, Garibaldi Alves, tem afirmado recorrentemente que é impossível acabar com o fator previdenciário sem estabelecer uma idade mínima para aposentadorias e o próprio ministro, em mais de uma vez, já falou da grande distorção que é o sistema de pensões no Brasil (ver aqui). O Brasil gasta com pensões em torno de 3% do PIB, o dobro da média de países desenvolvidos que gastam 1,5% do PIB.
Assim, quando Singer fala que: “cresce a exigência do capital para que se estabeleça uma idade mínima de aposentadoria e haja menos gastos com pensões por morte e com o seguro-desemprego” não está sendo honesto. Essa agenda não é do capital, mas sim do próprio governo que sabe que, se nada for feito, precisaremos aumentar mais ainda a carga tributária. Será que o ministério da previdência é um representante do grande capital?
(3) Redução dos juros e do superávit primário: Novamente o professor passa a impressão que o aumento de juros é injusto pois tira recursos públicos de outras áreas essenciais. O problema é que com uma inflação de 6% ao ano mesmo com o quase congelamento dos preços administrados, sem o aumento de juros a inflação estaria ainda maior. Se o governo não quer aumentar a taxa de juros, ele poderia fixar o centro da meta de inflação em 6,5% e não em 4,5%. Quanto maior for a meta de inflação, menor será a taxa de juros necessária para trazer a inflação para o centro da meta. Mas será que os trabalhadores querem isso? Será que é bom ter mais inflação para ter uma taxa de juros menor? será os trabalhadores votariam em um candidato que prometesse elevar a meta de inflação para 10% ao ano para reduzir os juros?
(4) Transporte público de qualidade, 10% do Orçamento da União para a saúde, 10% do PIB para a educação: Esse é o meu grupo preferido. Quem é contra essa agenda? Que eu saiba ninguém, mas o problema é sempre quem paga a conta. O Brasil gasta com educação algo perto de 5,5% do PIB. De onde vamos tirar 4,5% do PIB a mais? Aumentando impostos?
Transporte público de qualidade exige mais recursos. No âmbito dos municípios, prefeitos podem aumentar IPTU e, no caso do governo federal, é possível o governo aumentar novamente a CIDE (que hoje está com alíquota “zero”) e utilizar recursos para investir em transporte público. Novamente, estamos falando de aumento de carga tributária. É isso que a sociedade quer?
Por fim, o aumento do gasto com saúde para 10% do orçamento da União. O gasto com saúde do governo federal no ano passado, 2013, foi de R$ 83,3 bilhões, ou 9,1% da despesa total não financeira do Governo Central que foi R$ 914 bilhões. Chegar aos 10% em valores do ano passado significaria um gasto adicional de 8 bilhões. Esse valor que falta já está em restos a pagar, valor foi empenhado mas não gasto.
Agora se os 10% for em cima do orçamento total (que inclui as transferências para estados e municípios) o valor seria muito maior. Por exemplo, a receita primária esperada pelo Governo Central este ano é de R$ 1,3 trilhão. Logo, 10% disso significa R$ 130 bilhões; ou um crescimento de 56% em relação ao executado no ano passado para a função saúde. Esse crescimento seria equivalente a 1 ponto do PIB.
Conclusão:
Seria muito bom os trabalhadores entrarem nesta briga, mas seria bom que suas demandas fossem também seguidas de um debate sobre como financiar o aumento dos gastos. A agenda acima só é possível com um aumento brutal da carga tributária em mais de 10 pontos do PIB nos próximos quatro anos.
E os juros? O gasto do governo com juros, em 2013, foi de 5,2% do PIB. Mesmo com a hipótese heróica de um calote total na dívida pública, a economia seria de 5 pontos do PIB. Não seria suficiente para financiar a agenda acima e precisaríamos também de mais carga tributária. Infelizmente, sonho não resolve problemas. Essa foi a frase que faltou no artigo do professor André Singer.
Faltou também  na lista de demandas das centrais sindicais o fim imediato dos subsídios para os ricos, ou seja, acabar imediatamente com os empréstimos do Tesouro para bancos públicos e aumentar a TJLP. Não entendo porque as centrais sindicais não batem neste ponto. Ao que parece, todo mundo está querendo aumento de carga tributária ou, como fizemos no passado, que a inflação resolva nossos problemas. E ai, quando teremos a passeata em defesa do aumento de 10 pontos do PIB de carga tributária?

mansueto | 5 de abril de 2014 às 7:12 PM | Categorias: Economia | URL: http://wp.me/pAMib-11g

Eleicoes 2014: transferencia de votos e prognosticos com base em pesquisas de opiniao - Alberto Carlos Almeida

A avaliação do governo Dilma está no limbo
Alberto Carlos Almeida
Valor Econômico, 4/04/2014

César Maia reapareceu. Durante 2009 e no início de 2010, ele defendeu o argumento complexo e mirabolante de que Lula não seria capaz de transferir votos para Dilma. Em seu ex-blog Cesar Maia, em abril de 2010, ao ilustrar a incapacidade de transferência de votos de Lula para Dilma, o ex-prefeito do Rio disse: "Em fevereiro do 2009 fiz uma análise do personagem Dilma Rousseff lembrando que a transferência de votos entre políticos de personagens diferentes é muito difícil. No caso de Lula e Dilma, trata-se de personagens antípodas. Aliás, o personagem Dilma - séria, tecnocrática, vertical, inflexível - foi criado pelo próprio Lula pós-mensalão. Lula, do ponto de vista da psicologia social, é um personagem feminino, próximo, amigo, acarinhável, vitimizável. Dilma é um personagem, do ponto de vista da psicologia social, masculino, distante, vertical. Talvez Patrus fosse um personagem com perfil mais próximo a Lula. Agora é tarde, Inês é morta".

Ler esse texto hoje, quando sabemos que Dilma derrotou Serra por uma margem de 12 pontos percentuais (em nenhuma eleição recente nos Estados Unidos o vencedor abriu uma margem tão folgada no voto popular), é um exercício revelador do desacerto da análise. O texto de Maia indicava que se tratava de um raciocínio sofisticado, inteligente, brilhante, genial. A realidade foi mais dura e simples. O eleitorado que avaliava o governo como ótimo ou bom, ao tomar conhecimento de que Dilma era a candidata governista, decidiu passar a votar nela.

Esse processo de aumento de conhecimento do candidato governista se acelerou e se massificou com o início do horário eleitoral gratuito. Todos os argumentos supostamente brilhantes foram anulados pela realidade, foram atropelados por um rolo compressor denominado conversão de avaliação positiva do governo em votos para o candidato governista.

Cesar Maia, em todo aquele período eleitoral, utilizou metáforas pouco conhecidas e tentou cunhar novos termos: luta de espadachins, jogo de xadrez, jogo go e também "jogo de coordenação", segundo ele uma expressão que significa processo de distribuição de informações e de troca de opiniões entre as pessoas até que a intenção de voto se transforme em decisão de voto. Foram muitas metáforas e muitos termos não usuais. O que realmente aconteceu é que à medida que o eleitorado tomou conhecimento de que Dilma era a candidata do governo, passou a votar em Dilma. Como a maioria aprovava o governo, a maioria decidiu, no decorrer do último ano, abandonar Serra e passar a votar em Dilma.

Os dados mostram que em janeiro de 2009, em segundo turno, Serra tinha 63% de votos de quem avaliava Lula como ótimo e bom. Essa proporção veio caindo desde então, atingiu 43% em maio de 2009, ficou estabilizado daí até dezembro e continuou caindo em seguida para 31% em maio de 2010 e 21%, apenas, em agosto. Dilma conheceu trajetória oposta à de Serra. Em janeiro de 2009, tinha somente 15% de quem avaliava o governo Lula como ótimo ou bom. Ela subiu para 39% em maio de 2009, ficou estabilizada em quase 50% no primeiro semestre de 2010 e subiu bastante depois que começou a propaganda na TV, convertendo em votos 70% do ótimo e bom de Lula. Óbvio e ululante.

Cesar Maia reapareceu e afirmou, na semana passada, que os erros de Aécio e do PSDB podem levar Dilma a vencer no primeiro turno. Será que mais uma vez o ex-prefeito do Rio vai errar em suas análises?

O Instituto Análise fez um levantamento de 104 eleições para governador ocorridas no Brasil entre 1994 e 2010. A partir de 1998 passou a haver reeleição. De lá para cá, 46 governadores eleitos quatro anos antes disputaram a sua reeleição. A primeira descoberta importante é que todos os governadores que disputaram a reeleição com a soma de ótimo e bom igual ou maior do que 46% foram reeleitos.

Sérgio Cabral está nesse grupo. Ele foi reeleito em 2010, quando sua avaliação positiva estava em torno de 60% no fim de setembro. Aécio Neves, em 2006, estava com mais de 65% de ótimo e bom; Eduardo Campos tinha em 2010, às vésperas da eleição, mais do que 70% de ótimo e bom. Aqueles que ficaram mais próximos do limite de 46% foram Joaquim Roriz em 2002; Cássio Cunha Lima, que tinha 47% em 2006; Roseana Sarney, com 48% em 2010; e Jarbas Vasconcelos, com 50% de avaliação positiva em 2002.

Igualmente importante é a conclusão desse mesmo estudo: todos que tiveram menos de 34% de ótimo e bom foram derrotados em seu objetivo de ser reeleitos - Miguel Arraes, em 1998; Yeda Crusius, no Rio Grande do Sul, em 2010; José Bianco, em Rondônia, em 2002; e Valdir Raupp, no mesmo Estado, quatro anos depois; Ana Júlia, no Pará, em 2006; Germano Rigotto, no Rio Grande do Sul, no mesmo ano; e Paulo Afonso, em Santa Catarina, em 1998. Esses sete governadores não conseguiram ser reeleitos porque sua avaliação estava abaixo de 34% de ótimo e bom. Trata-se de uma avaliação muito ruim - quando isso acontece, o desejo de mudança é mais disseminado do que o desejo de continuidade. O eleitorado foi claro nessas sete eleições: queremos trocar de governo.

Atualmente, o governo Dilma tem 36% de ótimo e bom. Se ela estivesse disputando uma eleição para um governo estadual, não estaria na faixa cuja vitória é certa, acima de 46% de ótimo e bom, nem na faixa na qual a derrota é certa, abaixo de 34% de ótimo e bom. O atual patamar de avaliação do governo Dilma, entre 35 e 45% de ótimo e bom, a põe na faixa na qual 42% dos governadores que disputaram a reeleição foram vitoriosos, ao passo que 58% foram derrotados. Dilma é candidata à reeleição, mas não para um governo estadual. Ela é candidata a presidente. Assim, alguns poderiam argumentar que as eleições de governador são um parâmetro ruim para analisar uma eleição presidencial. Pode ser que sim, pode ser que não.

Nas duas reeleições ocorridas no Brasil, Fernando Henrique em 1998 e Lula em 2006, os candidatos foram vitoriosos com uma avaliação muito próxima dos 46% de ótimo e bom dos governadores reeleitos: Fernando Henrique tinha 43% às vésperas da eleição e Lula, 47%. Considerando-se as margens de erro das pesquisas, é possível que Fernando Henrique tivesse uma avaliação um pouco melhor, talvez 44 ou 45% de ótimo e bom. O fato é que a diferença entre os 43% de FHC e os 46% acima do qual todos os governadores foram reeleitos é irrisória. Os dois candidatos a presidente que disputaram a reeleição se encaixam na regra dos governadores.

O Instituto Análise também estudou as eleições para prefeito. Foi analisado qual é o patamar de ótimo e bom a partir do qual as chances de um prefeito ser reeleito é de 100% ou próximo disso. Ao contrário do que acontece nas eleições para governadores, há prefeitos que são derrotados mesmo com uma avaliação positiva na casa dos 60%. O inverso também ocorre com frequência: prefeitos com avaliação muito negativa, menor do que 34% de ótimo e bom, são vitoriosos.

Isso se dá porque o prefeito está mais próximo do eleitor do que o governador ou o presidente. Muitas vezes a vida pessoal do prefeito é bem conhecida em seu município - mesmo em lugares populosos, sabe-se onde o prefeito mora, que viagens ele fez no último ano, como é sua vida familiar etc. Isso faz que a avaliação de governo tenha outros competidores, todos bem menos impessoais do que simplesmente a aprovação ou desaprovação de um governo.

Os cargos de presidente ou de governador estão muito distantes do eleitor. São cargos que suscitam uma relação mais impessoal entre o representante e o representado. Dificilmente ele se encontrará com um deles em uma campanha eleitoral ou durante o mandato. A melhor maneira de escolher, a mais racional e mais eficiente, é por meio de um critério igualmente distante e impessoal. Eis que nesses casos a avaliação do governo tem um peso maior. É nesse sentido que talvez seja possível aproximar a eleição de presidente com as eleições de governador. Além disso, não devemos nos esquecer de que muitos de nossos Estados são, em área geográfica e população, maiores do que numerosos países.

O estudo de 104 eleições para governador e 2 para presidente serve de alerta para o governo Dilma. A avaliação do governo Dilma está no limbo. Considerando-se o estudo das eleições para governador, caso a avaliação caia de três a cinco pontos percentuais, a oposição tende a se tornar favorita para vencer. Caso a avaliação melhore de três a cinco pontos percentuais, vá para perto de 40% de ótimo e bom, e caso ocorra com Dilma o mesmo que ocorreu com Fernando Henrique e Lula - que melhoraram sua avaliação depois de agosto do ano eleitoral -, ela se torna favorita para vencer. Limbo vem do latim "limbus", que significa beira. O governo Dilma está entre duas beiras, na beira do inferno e na beira do céu. Já Cesar Maia não tem eira nem beira.


Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".

Eleicoes 2014: popularidade da candidata do PT cai, petistas se preocupam...

O pessoalzinho começa a engrossar o coro que se sabe: vão cristianizar a dita cuja antes mesmo da campanha.
Paulo Roberto de Almeida 

Folha de S.Paulo, 5/04/2014

A pesquisa Datafolha divulgada neste sábado (5) pelo site do jornal "Folha de S.Paulo" indica que a presidente Dilma Rousseff (PT) teria 38% das intenções de voto e venceria no primeiro turno caso a eleição fosse hoje e ela tivesse como adversários o senador Aécio Neves (PSDB), o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB), e incluísse partidos menores.
Nesse cenário, Aécio teria 16% das intenções de voto, e Campos, 10%. Votos em branco ou nulos seriam a opção de 20%. O outros 9% responderam que não saberiam em quem votar.
O Datafolha entrevistou 2.637 pessoas em 162 municípios na quarta (2) e quinta (3), com margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Em relação à pesquisa feita em fevereiro e comparando o mesmo cenário, a intenção de votos em Dilma caiu de 44% para 38%. Aécio manteve os mesmos 16% de intenções de voto e Campos tinha 9%.
Cenários
De acordo com a pesquisa Datafolha, em cinco cenários, a única candidata que poderia levar as eleições para presidente para um eventual segundo turno seria Marina da Silva, com 27% das intenções de voto - o que representa uma elevação de 4% em relação ao levantamento de fevereiro deste ano. Neste caso, Dilma teria 39% das intenções de voto, e Aécio, 16%.
Sem os partidos menores, Dilma teria 43% das intenções de voto, Aécio, 18%, e Campos, 14%.
Caso Lula fosse o candidato do PT na disputa para a presidência, ele teria 52% das intenções de voto. Aécio teria 16%, e Campos, 11%.
No cenário com Lula, Marina e Aécio, o candidato do PT teria 48% das intenções de voto, Marina 23%, e Aécio, 14%.
Segundo o levantamento do Datafolha, a queda na aprovação da presidente Dilma Rousseff em relação à última pesquisa está relacionada com a deterioração das expectativas de inflação, com o emprego e com o poder de compra da população. Ao mesmo tempo, a pesquisa também mostra que, hoje, para 63% dos entrevistados, a presidente faz menos pelo país do que eles esperavam - contra 34% há pouco mais de um ano atrás.

Cenário A (com os partidos menores)
- Dilma: 38%
- Aécio: 16%
- Campos: 10%
- Brancos/nulos: 20%
- Não sabe: 9%

Cenário B (sem os partidos menores)
- Dilma: 43%
- Aécio: 18%
- Campos: 14%
- Brancos/nulos: 19%
- Não sabe: 6%

Cenário C
- Dilma: 39%
- Marina: 27%
- Aécio: 16%
- Brancos/nulos: 13%
- Não sabe: 6%

Cenário D
- Lula: 52%
- Aécio: 16%
- Campos: 11%
- Brancos/nulos: 16%
- Não sabe: 5%

Cenário E
- Lula: 48%
- Marina: 23%
- Aécio: 14%
- Brancos/nulos: 11%
- Não sabe: 4%

O Globo, 5/04/2014

A queda tanto na aprovação do governo Dilma como na corrida presidencial na pesquisa Datafolha, publicada neste sábado, acendeu sinal amarelo na cúpula do PT. Para dirigentes do partido ouvidos agora pelo Blog foi confirmado o pior cenário para a presidente Dilma com a percepção negativa do quadro econômico e a expectativa de que a inflação vai aumentar.

A constatação interna é de que a perda de seis pontos na corrida presidencial vai criar um ambiente interno pelo “Volta, Lula”. O Palácio do Planalto também teme o movimento no PT pela substituição de Dilma pelo ex-presidente nas eleições de outubro, já que Lula aparece com desempenho bem superior ao da presidente. A avalição no núcleo palaciano é que esse é o maior obstáculo de Dilma.

Ontem, em São Paulo, Dilma e Lula se encontraram por três horas para tentar acertar os ponteiros. Para um dirigente petista, a maior dificuldade hoje “é a própria capacidade da presidente Dilma em reagir ao cenário político adverso, já que até o momento os seus principais adversários, Aécio Neves, do PSDB, e Eduardo Campos, do PSB, não conseguiram melhorar seus respectivos desempenhos na pesquisa Datafolha”.

Apesar desse levantamento (publicado hoje) não ter aferido o efeito do escândalo envolvendo irregularidades na Petrobras, a percepção no PT é que o noticiário negativo das últimas semanas influenciou na avaliação do governo Dilma.

Entre os números do Datafolha, causou forte preocupação na cúpula do PT avaliação negativa de 31% na região Sudeste. Também preocupou o índice de 25% de ruim e péssimo em todo país. Na pesquisa Datafolha, a queda na aprovação do governo Dilma foi de cinco pontos, de 41% para 36% de ótimo e bom em todo o país.

Ainda sobre 1964: um depoimento de fonte primaria sobre o presidente Goulart

Recebo, de um amigo mais velho, este depoimento pessoal, sobre um "despacho" de técnicos, sobre a "luta" contra a inflação, já na fase agônica do governo Goulart.
A Sunab, para quem não sabe, era a Superintendência de Abastecimento, um órgão criado na era Vargas para cuidar dos estoques de alimentos e, como soe acontecer no Brasil inflacionário, começou a também fixar preços, tanto para o produtor -- o que obviamente reduziu a oferta -- como para o distribuidor e varejista, tudo para não alimentar a inflação e beneficiar o consumidor. Como sempre ocorre, nesses casos, todos os controles de preços são irracionais e contraproducentes, pois acabam provocando aquilo mesmo que pretendiam evitar. Mas isto já é teoria econômica, vejamos o lado real da coisa.
Vale como testemunho histórico. Acrescento abaixo, minha resposta a este amigo.
Paulo Roberto de Almeida 

Um depoimento sobre sobre 1964

On Apr 5, 2014, at 11:26, Rxxxxx <rxxxxxx@uol.com.br> wrote:

Meu caro Paulo Roberto: 
Em 1964 eu tinha 27 anos e era assistente do superintendente da Sunab depois de brigar com o Celso Furtado no Min. Planejamento(isto fica para outro dia). 
A equipe da Sunab, inclusive seu superintendente era extraordinária, formada em sua maioria por gente do Banco do Brasil que nesta  época se constituía na nata do funcionalismo público, todos com larga experiência na área agrícola e de abastecimento. Eram todos absolutamente honestos, é bom que se diga. 
Pois muito bem um belo dia tivemos que viajar pra Brasilia para despachar com o Presidente da República. Jango já [estava] em pleno presidencialismo. 
Fomos recebidos por ele numa sala cheia de gente um barulho infernal. Todos dirigentes sindicais que denominávamos de "pelêgos". 
Jango, de perna esticada, nos recebeu neste gabinete aonde durante 20 minutos expusemos nossos planos de abastecimento. Tínhamos preparado uma exposição de uns 40 minutos.
Olhava pro chão e no final nos disse: "Os senhores façam aquilo que acharem melhor". 

E fomos embora. No avião eu olhava para o superintendente e ele pra mim, como que dizendo: "que merda". 
Nesse dia tudo o que aconteceu não me surpreendeu. (...) Jango estava enfadado e sabia que estava se suicidando politicamente. Queria sair à la Getulio Vargas [mas] sem suicídio. 
Brizola de um lado e os problemas do país de outro. Ele estava esmagado. Essa de falar que caiu por causa das reformas e, pior, por causa da intervenção americana, é papo furado de esquerdista delirante. O erro foi não haver uma transição para um governo cvil tampão que Castelo queria e que Costa e Silva e outros impediram.
Aí deu no que deu 
abs Rxxxxxx


Minha resposta a ele: 

Grato meu caro, por este depoimento de primeira mão, de fonte primária, como se diz. 
Isso apenas nos confirma a nulidade, a mediocridade, a pusilanimidade que era o Jango.
A questão seria saber se, em algum momento, ele acreditou que poderia conduzir as suas reformas de base -- para as quais era mais empurrado do que tomava iniciativa --, ou se já achava que tudo aquilo era um teatro, e estava apenas esperando para tudo acabar e voltar para a sua fazenda.
Ao que parece, ele ele provocou conscientemente aquela situação de impasse, para talvez ficar na história como um "sacrificado" pelas forças de oposição, mas sem suicídio, claro, pois nunca teve coragem para tanto...
O abraço do
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Paulo Roberto de Almeida

A destruicao do Estado brasileiro - Everardo Maciel

Destruindo o Estado brasileiro

Everardo Maciel
O Globo, 04/04/2014
Constitui singular paradoxo a crescente destruição do Estado brasileiro nos governos de partidos de tendências, ao menos no discurso, estatizantes.
A mídia oferece, dia após dia, abundantes exemplos de má gestão, incúria contumaz, desqualificação técnica nas decisões. É notório o fracasso das políticas públicas de segurança pública, educação, saúde, mobilidade urbana etc.
A razia realizada na Petrobras e Eletrobras produziu uma catástrofe, com expressiva perda de valor de mercado, endividamento elevado e recorrentes prejuízos. O dano é de tal magnitude que se anunciado, em passado recente, seria tido como alucinação.
No Banco do Brasil e na Caixa Econômica há uma contínua e crescente perda de qualidade nos serviços prestados, sem falar na temerária política de crédito do BNDES.
Esse estranho desapreço pelo Estado explica, também, as práticas de fisiologismo e de aparelhamento, sua variedade radical. Os ministérios passam a ser um múltiplo do número de partidos que integram a denominada “base aliada”, aos quais se somam as “tendências” e as bancadas, em cada uma das casas congressuais, dos partidos.
As “indicações”, contudo, não se limitam aos ministérios. Alcançam, além disso, as diretorias das autarquias, fundações, agências reguladoras e estatais, o que gera um caldo de cultura próprio para o florescimento de todas as modalidades de corrupção.
Para os conselhos de administração das estatais são designadas autoridades de elevado coturno como forma apenas de elevar seus vencimentos, fraudando descaradamente o conceito de teto de remuneração dos servidores públicos.
Esse processo é de tal sorte exuberante que, em Brasília, a demanda dos órgãos públicos ultrapassou os limites fixados no plano urbanístico para projetar-se sobre os espaços antes destinados à atividade privada, assumindo proporções mastodônticas.
Receio que nenhuma pessoa bem informada, salvo os responsáveis pelas atividades de protocolo, conheça, simultaneamente, os nomes dos ministérios e de seus respectivos titulares.
Para justificar esse estado de coisas se recorre à cínica tese da governabilidade, deduzida do chamado presidencialismo de coalização, que frequentemente se converte em colisão por motivos poucos virtuosos.
Como reação primitiva à promiscuidade na provisão das funções públicas de confiança, exsurge o corporativismo, que tanto quanto o fisiologismo e o aparelhamento é uma forma nociva de indevida apropriação do Estado.
A aversão à meritocracia se estende ao Judiciário. É particularmente ultrajante a trajetória de humilhações a que se submetem magistrados, membros do Ministério Público e advogados que almejam assento nos tribunais. São obrigados a recrutar, quase sempre sem o mínimo pendor para a tarefa, apoio de políticos e dos membros dos tribunais para exercer aquilo que deveria decorrer tão somente de sua qualificação jurídica e moral. No limite, esse perverso ritual tende a comprometer a imparcialidade dos julgamentos.
Nesse quadro patológico, tem destaque o desprestígio do princípio constitucional da eficiência. Não há avaliações, minimamente consistentes, dos servidores ou dos serviços públicos. Não se buscam soluções para os problemas com base em critérios de eficiência, que sequer existem. A cada deficiência se responde, toscamente, com expansão do efetivo de pessoal, sem nenhuma preocupação com suas repercussões sobre o equilíbrio fiscal.
Ainda no âmbito da eficiência, é lamentável a banalização das greves no serviço público. Tornou-se comum o que deveria ser um recurso extremo, revelando a supremacia do interesse corporativo sobre o coletivo, tendo o povo como vítima indefesa. Sem lei, por negligência dos Poderes Executivo e Legislativo, as greves hoje são limitadas, precariamente, por uma decisão do STF.
Esse Estado inchado e ineficiente, que flerta com o abismo, decorre, principalmente, da voracidade intervencionista combinada com uma visão centrada na perpetuação do poder.
Sua reconstrução é tarefa para estadistas.

Judeus na Inquisicao espanhola: uma historia de cinco seculos



In Spain, a Family Reunion, Centuries Later

At twilight, I roamed a honey-colored labyrinth of brick houses in Segovia’s medieval Jewish quarter, walking a cobblestone path in the footsteps of my distant ancestor from 16 generations ago.
In the shadows, I reminded myself that every element in his story is true: a Vatican power struggle; an Inquisition trial that confused our family’s religious identity for generations; and a neighborhood infested with spies, from the queen’s minions to the leather maker and butcher.
I was hunting for documents, landmarks and even medieval recipes that could bring to life the family history of Diego Arias Dávila, a wealthy 15th-century royal treasurer to King Enrique IV who was loved and loathed for the taxes he extracted. Call it ancestral tourism, a quest for roots, branches and a family reunion across centuries.
My quest was inspired, in part, by the ancient Spanish custom of Holy Week religious processions: brotherhoods of penitents in robes and peaked hoods that for centuries marched through the narrow lanes in different regions in cities like Seville, Málaga and Segovia. The first time I saw them was in the south of Spain, passing an old Jewish quarter of whitewashed houses where the images plunged me into a medieval era when inquisitors in anonymous hoods confronted suspected heretics, including my own ancestors.

During Easter week, the brotherhoods in Segovia, in central northern Spain, parade with lifelike wooden sculptures of Jesus and Mary past the Gothic cathedral in the center of town and the illuminated Alcázar, the towering castle of the kings of Castile and León.
I feel shivers of the past each time I walk the path along the limestone ramparts — facing the dusky blue Guadarrama mountain range. Perhaps in some ways I know the Arias Dávila family better than my own generation. When I learned their fate, I felt my own identity shatter and shift, changing who I am.
Their dramas are preserved in Inquisition folder 1,413, No. 7, in handwritten script and housed in the Madrid national archives. Almost 200 pages are devoted to their daily habits, gleaned from neighbors turned spies — wedding rituals, burial clothes, prayers and frequently the adafina lamb stew of chick peas and cinnamon they savored, slow cooked on hot embers overnight and served on the Sabbath.
For these rituals, Diego Arias Dávila — and other Jewish ancestors who were Christian converts — were investigated by the Spanish Inquisition in 1486 for heresy. Their religious crime: maintaining a double Jewish life in secret.

On this journey to Segovia, perhaps I could find their missing tomb — their remains whisked away to evade the reach of inquisitors looking for telltale signs of Jewish burial rituals. Or maybe I could reclaim the shards of the identity of my family who converted to Christianity centuries ago to survive but guarded a Jewish legacy in secret for generations from Spain to Costa Rica to California.
Not many people come to explore the roots of a family tree in this rocky crag of about 55,000 people, nestled between two river valleys 55 miles north of Madrid. But there are plenty of tourists who arrive in Segovia by bus and train, bound for the granite Roman aqueducts that loom over the entrance to the historic quarter and the taverns serving the Segovian specialty of baby suckling pig. Most vanish before sunset.
Then the rhythm of the city shifts to a meditative, unhurried one. For me, it’s a contemplative time to savor Segovia’s historical charm by its Gothic 16th-century cathedral and a leafy plaza of outdoor cafes where Queen Isabella was crowned — power used in 1492 to expel thousands of Jews who faced the choice of fleeing, converting to Christianity or preserving their religion in secret.
Ana Sundri Herrero, of the city’s tourism center, told me during one of my visits last spring and summer that there isn’t much demand for genealogy information although Spain has a vast diaspora of emigrants that dates back centuries.

Other countries with a more recent history of mass migration, such as Ireland and Scotland, are aggressively promoting genealogical records on government-sponsored websites to increase tourism. And Irish and Scottish businesses have seized it as an attraction. The Shelbourne Hotel in Dublin offers a special genealogy butler to guide guests. The Four Seasons hotel in Prague also offers a genealogy service to fashion tours to track the neighborhoods of grandparents.
For my own quest, I cobbled together a strategy with a right and left-brain approach that started with an emotional immersion in Andalusia and then a methodical genealogical search to track family lines that led north to Segovia.
For one summer, my husband, Omer, and daughter, Claire, and I moved to the south of Spain, to Arcos de la Frontera. We settled in one of the white houses, an ex-bordello clinging on the side of a limestone cliff and a short walk from the remains of a Jewish quarter and a synagogue transformed into an orphanage during the Inquisition.
I moved there to learn the history and geography of the country and to understand why ancestors left or stayed and submerged their identity. I traveled to Arcos frequently, fascinated that food, art, music and culture could help me travel back in time — especially the brotherhoods that in some cases played historic roles as enforcers during the Inquisition.


I felt chills at the sharp notes of saeta music — distinctive to the region and sung a cappella in the streets during Holy Week. The music echoes the rising and falling chant of the Jewish Kol Nidre, a Yom Kippur prayer. And some flamenco experts believe that converts sang the saetas to passing Holy Week images of Jesus and Mary to demonstrate loyalty, but with a double meaning for insiders.
For the left brain side of my hunt, I started researching all the family branches. My search dated back to 2001, after a move from New York to Europe, a moment in middle age that strikes most of us when we think about roots and what we can pass on to our children.
In my work as a journalist, people had long inquired about my byline, Carvajal, a Sephardic Jewish name that in some spelling variations means lost place, rejected. But I knew nothing about the past. My father, Arnoldo Carvajal, had grown up in Costa Rica and emigrated to San Francisco with his mother and sister while a teenager. He married, and with my mother raised six children. We were Catholic, attended weekly Sunday Mass, ate fish on Fridays and wore it all: Catholic school uniforms of green plaid skirts and medieval-style scapulars tucked around our necks.
After I started my search, I found many clues to our submerged Jewish identity from relatives, but I hit brick walls on the Carvajal line. A 19th-century Costa Rican ancestor had not registered a husband, giving her Carvajal name to a newborn, registered as a "natural son," the polite Spanish term for illegitimate.

I had made a critical error by not looking at other family lines, ignoring an ancestral habit of intermarriage among Costa Rican cousins. I realized later it was a sign that they were marrying one another to protect secrets and preserve rituals like the menorah that my cousin said he found in my great-aunt’s bedroom after she died in 1998.
My grandmother’s line on the Chacón side led to Spaniards who abandoned prosperous lives in Andalusia in the 16th century. One was a judge who died of a heart attack on the way to the Spanish colony of Costa Rica, and another, his young son, who drowned on the same journey in the Río Negro in Honduras. Each new generation fit together in a crossword puzzle of wives and husbands — a search for birth and death certificates that emerged in fits and starts, aided by sites likefamilysearch.org or ancestry.com.
Segovia startled me when it surfaced in my puzzle. I knew of no family tie to the city. But my grandmother’s line leapt a new generation in the 16th century, to Isabel Arias Dávila, the wife of the first governor of Costa Rica, who emigrated from Segovia during the Inquisition.
With that name, I rapidly learned about the Inquisition trial that tangled the family’s identity for generations and forced others to lead new lives as conquistadores in Spanish colonies. The patriarch was Diego Arias Dávila, whose family converted when he was a boy and whose son Juan was the bishop of Segovia for 30 years.


The bishop’s internal political struggle with the inquisitor Tomás de Torquemada turned into an epic legal clash that reached all the way to the Vatican. The Grand Inquisitor battled the bishop by probing his family for evidence of their double life. His parents and grandmother were investigated posthumously, among them Diego Arias Dávila.
I knew the contours of their story the first time I arrived last spring in Segovia’s Jewish quarter, which dates back to the 13th century. Today it still gives the eerie sense at some moments that little has changed among the three-story houses where inhabitants once worshiped at one of five synagogues, some still intact.
The mansion of Abraham Seneor — a contemporary of Diego Arias Dávila and a royal financial adviser who converted in 1492 — has been meticulously restored by the city and was transformed into a museum for the Jewish quarter in 2004. There conversos like the Arias Dávila family worshiped in secret in a private synagogue, according to accounts of the time.
Up until the early 1990s, Segovia did not promote this quarter, which is set off from the rest of the walled city by brick arches that were gated in the 15th century to separate Jews from Christians. But since then the local government and state invested heavily to restore the quarter. Now its streets have an air of calm: clean brick and stone facades, rhythmic detailing of balconies and hanging plants at the windows.
To restore my own family history, I knew I needed a very special kind of guide. On my own, I had failed to find the missing tomb of Diego Arias Dávila, though I had located the family coat of arms in the cathedral of Segovia.
Typically most cities in Spain have a cronista, a historian with a passion for the place and its quirks. I had found one earlier in Arcos de la Frontera, Manuel Pérez Regordán, a retired accountant who was so obsessive that he self-published four volumes of history told through each one of its little streets.
In Segovia, the tourist office led me to a high school teacher named María Eugenia Contreras, who is researching the Arias Dávila family for a doctorate.
It was María Eugenia who guided me through Segovia’s tranquil neighborhoods, passing a park with nesting storks where the Mercedes convent once stood. It was the site of the last official tomb of Diego Arias Dávila, and his wife, Elvira, also a Christian convert. But even Maria Eugenia did not know what happened to their remains. They had been moved too many times. She gave me a huge gift, though, when she told me about a Salamanca professor who had painstakingly transcribed the handwritten Inquisition testimonies of 200 witnesses against the family.
I found the title — in pristine condition — through an online used-book store in Spain. It was a window into their lives — the lettuce and unleavened bread they ate at Passover, their donations of oil to the local synagogues and the telling anecdote that as he lay on his deathbed at 86, Diego Arias Dávila thundered at the Franciscan friars who had come to administer last rites to go to the devil.
He lived in an enormous palace on the southern side of the city that is dominated by its fortress tower and plastered in Segovia’s unique limestone patterns. Today, a neighboring street is named for the family. A sign also marks the landmark tower, but with no reference to the Inquisition.
The first time I tried to enter the palace, I was turned away because it was closing time. The next morning, the first floor was bustling with people waiting to pay bills. Fittingly, the Arias Dávila palace has been transformed into government tax offices — a perfect legacy for a royal treasurer.
In theory, I should have felt something, but I didn’t. I studied the palace’s coffered ceilings and the stone carvings of the coat of arms of the Arias Dávila family, but the government office could be anywhere with its counters, red chairs and bureaucrats.
Instead I felt the pangs of yearning for home — añoranza in Spanish — when I sat in a windswept little plaza at sunset near the city’s stone walls. It was loud with birdsong. A few neighbors occupied plastic chairs, and tables were cluttered with iced tinto de verano wine cocktails.
The square lies near Calle Martínez Campos, where a vanished synagogue stood that was funded by Diego’s wife, Elvira, and her presence, after reading the Inquisition transcripts, was inescapable. I wondered, as I sat in the square, if Segovia had absorbed some of her burdens and if places, like people, can be scarred by history.
Elvira converted as a young girl with her family in the 15th century in the midst of spreading anti-Semitism.
Yet it was clear from the Inquisition testimony that she yearned to maintain family bonds: taking pleasure in Jewish weddings and holidays, leaving explicit instructions before her death about who should be at her bedside. Those family ties remained so strong that she managed to share something precious with us 16 generations later. Perhaps some things are meant to be.
I was startled when I discovered her real name was actually Clara, changed after her conversion. It means clear and bright. By coincidence — or maybe not — we named our daughter the French version, Claire.
As I sat in the little plaza in Segovia, watching the pale stone walls and the blue night deepen, I knew that I could not change what is past. But I can change the story we tell about ourselves, and by doing that I can change our future.
Doreen Carvajal is a correspondent at the International New York Times in Paris and author of a memoir, “The Forgetting River.”
Correction: April 4, 2014
An earlier version of a picture caption with this article misstated the location where the photo was taken. The photo, of the author’s grandmother, father and aunt, was taken in Costa Rica, not the Dominican Republic.