Transcrevo abaixo o famoso discurso pronunciado pelo presidente João Goulart, no dia 13 de março de 1064, aquele que anunciou as "reformas de base", embora elas não estivessem todas formalizadas.
O discurso já se coloca num ambiente de confrontação, do presidente e das forças que o apoiavam (e ele cita basicamente os sindicatos de trabalhadores) contra os "reacionários", os representantes dos interesses estrangeiros, o latifúndio, os exploradores do povo, enfim, todos aqueles que tornavam a sua vida, no Congresso e junto a opinião pública de modo geral, mais difícil, pois sabia que não tinha o apoio do conjunto da nação para o que pretendia fazer.
A própria apresentação das reformas, na verdade, estava diluída entre medidas anunciadas e outras que ainda deveriam ser feitas. Procurei extrair o núcleo das reformas e explicar o que elas significavam e qual seria o seu impacto.
Os interessados em ver a minha elaboração sobre as reformas de base, podem ler aqui:
http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/03/13-de-marco-de-2014-50-anos-do-famoso.html
Vou fazer uma análise mais aprofundada desse discurso, que entrou para a história quando poucos o conhecem, na verdade.
Ele é um misto de demagogia e uma lista de promessas, com algumas medidas já tomadas, mas que careciam de maior efetividade, seja pela sua precária base legal, seja porque o governo se revelaria ineficiente na adoção de outras medidas. Aliás, grande parte dessas reformas seria conduzida pelos governos militares que sucederam ao período da República de 1946.
Segue o discurso de Jango:
Devo agradecer em
primeiro lugar às organizações promotoras deste comício, ao povo em geral e ao
bravo povo carioca em particular, a realização, em praça pública, de tão
entusiasta e calorosa manifestação. Agradeço aos sindicatos que mobilizaram os
seus associados, dirigindo minha saudação a todos os brasileiros que, neste
instante, mobilizados nos mais longínquos recantos deste país, me ouvem pela
televisão e pelo rádio.
Dirijo-me a todos os
brasileiros, não apenas aos que conseguiram adquirir instrução nas escolas, mas
também aos milhões de irmãos nossos que dão ao brasil mais do que recebem, que
pagam em sofrimento, em miséria, em privações, o direito de ser brasileiro e de
trabalhar sol a sol para a grandeza deste país.
Presidente de 80 milhões
de brasileiros, quero que minhas palavras sejam bem entendidas por todos os
nossos patrícios.
Vou falar em linguagem que pode ser rude, mas é
sincera sem subterfúgios, mas é também uma linguagem de esperança de quem quer
inspirar confiança no futuro e tem a coragem de enfrentar sem fraquezas a dura
realidade do presente.
Aqui estão os meus amigos trabalhadores, vencendo
uma campanha de terror ideológico e sabotagem, cuidadosamente organizada para
impedir ou perturbar a realização deste memorável encontro entre o povo e o seu
presidente, na presença das mais significativas organizações operárias e
lideranças populares deste país.
Chegou-se a proclamar, até, que esta
concentração seria um ato atentatório ao regime democrático, como se no Brasil
a reação ainda fosse a dona da democracia, e a proprietária das praças e das
ruas. Desgraçada a democracia se tiver que ser defendida por tais
democratas.
Democracia para esses democratas não é o regime da liberdade
de reunião para o povo: o que eles querem é uma democracia de povo emudecido,
amordaçado nos seus anseios e sufocado nas suas reinvindicações.
A
democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do
anti-sindicato, da anti-reforma, ou seja, aquela que melhor atende aos
interesses dos grupos a que eles servem ou representam.
A democracia que
eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos
monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra
os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo
sacrifício.
Ainda ontem, eu afirmava, envolvido pelo calor do entusiasmo
de milhares de trabalhadores no Arsenal da Marinha, que o que está ameaçando o
regime democrático neste País não é o povo nas praças, não são os trabalhadores
reunidos pacificamente para dizer de suas aspirações ou de sua solidariedade às
grandes causas nacionais. Democracia é precisamente isso: o povo livre para
manifestar-se, inclusive nas praças públicas, sem que daí possa resultar o
mínimo de perigo à segurança das instituições.
Democracia é o que o meu
governo vem procurando realizar, como é do seu dever, não só para interpretar
os anseios populares, mas também conquistá-los pelos caminhos da legalidade,
pelos caminhos do entendimento e da paz social.
Não há ameaça mais séria
à democracia do que desconhecer os direitos do povo; não há ameaça mais séria à
democracia do que tentar estrangular a voz do povo e de seus legítimos líderes,
fazendo calar as suas mais sentidas reinvindicações.
Estaríamos, sim, ameaçando
o regime se nos mostrássemos surdos aos reclamos da Nação, que de norte a sul,
de leste a oeste levanta o seu grande clamor pelas reformas de estrutura,
sobretudo pela reforma agrária, que será como complemento da abolição do
cativeiro para dezenas de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em
revoltantes condições de miséria.
Ameaça à democracia não é vir
confraternizar com o povo na rua. Ameaça à democracia é empulhar o povo
explorando seus sentimentos cristãos, mistificação de uma indústria do
anticomunismo, pois tentar levar o povo a se insurgir contra os grandes e
luminosos ensinamentos dos últimos Papas que informam notáveis pronunciamentos
das mais expressivas figuras do episcopado brasileiro.
O inolvidável
Papa João XXIII é quem nos ensina que a dignidade da pessoa humana exige
normalmente como fundamento natural para a vida, o direito ao uso dos bens da
terra, ao qual corresponde a obrigação fundamental de conceder uma propriedade
privada a todos.
É dentro desta autêntica doutrina cristã que o governo
brasileiro vem procurando situar a sua política social, particularmente a que
diz respeito à nossa realidade agrária.
O cristianismo nunca foi o
escudo para os privilégios condenados pelos Santos Padres. Nem os rosários
podem ser erguidos como armas contra os que reclamam a disseminação da
propriedade privada da terra, ainda em mãos de uns poucos
afortunados.
Àqueles que reclamam do Presidente de República uma palavra
tranquilizadora para a Nação, o que posso dizer-lhes é que só conquistaremos a
paz social pela justiça social.
Perdem seu tempo os que temem que o
governo passe a empreender uma ação subversiva na defesa de interesses
políticos ou pessoais; como perdem igualmente o seu tempo os que esperam deste
governo uma ação repressiva dirigida contra os interesses do povo. Ação
repressiva, povo carioca, é a que o governo está praticando e vai amplia-la
cada vez mais e mais implacavelmente, assim na Guanabara como em outros estados
contra aqueles que especulam com as dificuldades do povo, contra os que
exploram o povo e que sonegam gêneros alimentícios e jogam com seus
preços.
Ainda ontem, trabalhadores e povo carioca, dentro da associações
de cúpula de classes conservadoras, levanta-se a voz contra o Presidente pelo
crime de defender o povo contra aqueles que o exploram nas ruas, em seus lares,
movidos pela ganância.
Não tiram o sono as manifestações de protesto dos
gananciosos, mascarados de frases patrióticas, mas que, na realidade, traduzem
suas esperanças e seus propósitos de restabelecer a impunidade para suas
atividades antissociais.
Não receio ser chamado de subversivo pelo fato de
proclamar, e tenho proclamado e continuarei a proclamando em todos os recantos
da Pátria – a necessidade da revisão da Constituição, que não atende mais aos
anseios do povo e aos anseios do desenvolvimento desta Nação.
Essa
Constituição é antiquada, porque legaliza uma estrutura socioeconômica já
superada, injusta e desumana; o povo quer que se amplie a democracia e que se
ponha fim aos privilégios de uma minoria; que a propriedade da terra seja
acessível a todos; que a todos seja facultado participar da vida política
através do voto, podendo votar e ser votado; que se impeça a intervenção do
poder econômico nos pleitos eleitorais e seja assegurada a representação de
todas as correntes políticas, sem quaisquer discriminações religiosas ou
ideológicas.
Todos têm o direito à liberdade de opinião e de manifestar
também sem temor o seu pensamento. É um princípio fundamental dos direitos do
homem, contido na Carta das Nações Unidas, e que temos o dever de assegurar a
todos os brasileiros.
Está nisso o sentido profundo desta grande e
incalculável multidão que presta, neste instante, manifestação ao Presidente
que, por sua vez, também presta conta ao povo dos seus problemas, de suas
atitudes e das providências que vem adotando na luta contra forças poderosas,
mas que confia sempre na unidade do povo, das classes trabalhadoras, para
encurtar o caminho da nossa emancipação.
É apenas de lamentar que parcelas
ainda ponderáveis que tiveram acesso à instrução superior continuem
insensíveis, de olhos e ouvidos fechados à realidade nacional.
São
certamente, trabalhadores, os piores surdos e os piores cegos, porque poderão,
com tanta surdez e tanta cegueira, ser os responsáveis perante a História pelo
sangue brasileiro que possa vir a ser derramado, ao pretenderem levantar
obstáculos ao progresso do Brasil e à felicidade de seu povo
brasileiro.
De minha parte, à frente do Poder Executivo, tudo continuarei
fazendo para que o processo democrático siga um caminho pacífico, para que
sejam derrubadas as barreiras que impedem a conquista de novas etapas do
progresso.
E podeis estar certos, trabalhadores, de que juntos o governo
e o povo – operários , camponeses, militares, estudantes, intelectuais e
patrões brasileiros, que colocam os interesses da Pátria acima de seus
interesses, haveremos de prosseguir de cabeça erguida, a caminhada da
emancipação econômica e social deste país.
O nosso lema, trabalhadores
do Brasil, é “progresso com justiça, e desenvolvimento com igualdade”.
A
maioria dos brasileiros já não se conforma com uma ordem social imperfeita,
injusta e desumana. Os milhões que nada têm impacientam-se com a demora, já
agora quase insuportável, em receber os dividendos de um progresso tão
duramente construído, mas construído também pelos mais humildes.
Vamos
continuar lutando pela construção de novas usinas, pela abertura de novas
estradas, pela implantação de mais fábricas, por novas escolas, por mais hospitais
para o nosso povo sofredor; mas sabemos que nada disso terá sentido se o homem
não for assegurado o direito sagrado ao trabalho e uma justa participação nos
frutos deste desenvolvimento.
Não, trabalhadores; sabemos muito bem que
de nada vale ordenar a miséria, dar-lhe aquela aparência bem comportada com que
alguns pretendem enganar o povo. Brasileiros, a hora é das reformas de
estrutura, de métodos, de estilo de trabalho e de objetivo. Já sabemos que não
é mais possível progredir sem reformar; que não é mais possível admitir que
essa estrutura ultrapassada possa realizar o milagre da salvação nacional para
milhões de brasileiros que da portentosa civilização industrial conhecem apenas
a vida cara, os sofrimentos e as ilusões passadas.
O caminho das
reformas é o caminho do progresso pela paz social. Reformar é solucionar
pacificamente as contradições de uma ordem econômica e jurídica superada pelas
realidades do tempo em que vivemos.
Trabalhadores, acabei de assinar o
decreto da SUPRA com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro
que sofre no interior de nossa Pátria. Ainda não é aquela reforma agrária pela
qual lutamos.
Ainda não é a reformulação de nosso panorama rural
empobrecido.
Ainda não é a carta de alforria do camponês
abandonado.
Mas é o primeiro passo: uma porta que se abre à solução
definitiva do problema agrário brasileiro.
O que se pretende com o
decreto que considera de interesse social para efeito de desapropriação as
terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos
federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar
produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio
especulativo, odioso e intolerável.
Não é justo que o benefício de uma estrada,
de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses dos
especuladores de terra, que se apoderaram das margens das estradas e dos
açudes. A Rio-Bahia, por exemplo, que custou 70 bilhões de dinheiro do povo, não
deve beneficiar os latifundiários, pela multiplicação do valor de suas
propriedades, mas sim o povo.
Não o podemos fazer, por enquanto,
trabalhadores, como é de prática corrente em todos os países do mundo
civilizado: pagar a desapropriação de terras abandonadas em títulos de dívida
pública e a longo prazo.
Reforma agrária com pagamento prévio do latifúndio
improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária. É negócio agrário,
que interessa apenas ao latifundiário, radicalmente oposto aos interesses do
povo brasileiro. Por isso o decreto da SUPRA não é a reforma
agrária.
Sem reforma constitucional, trabalhadores, não há reforma
agrária. Sem emendar a Constituição, que tem acima de dela o povo e os
interesses da Nação, que a ela cabe assegurar, poderemos ter leis agrárias
honestas e bem-intencionadas, mas nenhuma delas capaz de modificações
estruturais profundas.
Graças à colaboração patriótica e técnica das
nossas gloriosas Forças Armadas, em convênios realizados com a SUPRA, graças a essa
colaboração, meus patrícios espero que dentro de menos de 60 dias já comecem a
ser divididos os latifúndios das beiras das estradas, os latifúndios aos lados
das ferrovias e dos açudes construídos com o dinheiro do povo, ao lado das
obras de saneamento realizadas com o sacrifício da Nação. E, feito isto, os
trabalhadores do campo já poderão, então, ver concretizada, embora em parte, a
sua mais sentida e justa reinvindicação, aquela que lhe dará um pedaço de terra
para trabalhar, um pedaço de terra para cultivar. Aí, então, o trabalhador e
sua família irão trabalhar para si próprios, porque até aqui eles trabalham
para o dono da terra, a quem entregam, como aluguel, metade de sua produção. E
não se diga, trabalhadores, que há meio de se fazer reforma sem mexer a fundo
na Constituição. Em todos os países civilizados do mundo já foi suprimido do
texto constitucional parte que obriga a desapropriação por interesse social, a
pagamento prévio, a pagamento em dinheiro.
No Japão de pós-guerra, há
quase 20 anos, ainda ocupado pelas forças aliadas vitoriosas, sob o patrocínio
do comando vencedor, foram distribuídos dois milhões e meio de hectares das
melhores terras do país, com indenizações pagas em bônus com 24 anos de prazo,
juros de 3,65% ao ano. E quem é que se lembrou de chamar o General MacArthur de
subversivo ou extremista?
Na Itália, ocidental e democrática, foram
distribuídos um milhão de hectares, em números redondos, na primeira fase de
uma reforma agrária cristã e pacífica iniciada há quinze anos, 150 mil famílias
foram beneficiadas.
No México, durante os anos de 1932 a 1945, foram
distribuídos trinta milhões de hectares, com pagamento das indenizações em
títulos da dívida pública, 20 anos de prazo, juros de 5% ao ano, e
desapropriação dos latifúndios com base no valor fiscal.
Na Índia foram
promulgadas leis que determinam a abolição da grande propriedade mal
aproveitada, transferindo as terras para os camponeses.
Essas leis
abrangem cerca de 68 milhões de hectares, ou seja, a metade da área cultivada da
Índia. Todas as nações do mundo, independentemente de seus regimes políticos,
lutam contra a praga do latifúndio improdutivo.
Nações capitalistas,
nações socialistas, nações do Ocidente, ou do Oriente, chegaram à conclusão de
que não é possível progredir e conviver com o latifúndio.
A reforma
agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da
inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil, constitui a
legenda mais viva da reinvindicação do nosso povo, sobretudo daqueles que
lutaram no campo.
A reforma agrária é também uma imposição progressista
do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para
sobreviver.
Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e
as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo
tempo em que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e
andam descalças, porque não tem dinheiro para comprar.
Assim, a reforma
agrária é indispensável não só para aumentar o nível de vida do homem do campo,
mas também para dar mais trabalho às industrias e melhor remuneração ao
trabalhador urbano.
Interessa, por isso, também a todos os industriais e
aos comerciantes. A reforma agrária é necessária, enfim, à nossa vida social e
econômica, para que o país possa progredir, em sua indústria e no bem-estar do
seu povo.
Como garantir o direito de propriedade autêntico, quando dos
quinze milhões de brasileiros que trabalham a terra, no Brasil, apenas dois
milhões e meio são proprietários?
O que estamos pretendendo fazer no
Brasil, pelo caminho da reforma agrária, não é diferente, pois, do que se fez
em todos os países desenvolvidos do mundo. É uma etapa de progresso que
precisamos conquistar e que haveremos de conquistar.
Esta manifestação
deslumbrante que presenciamos é um testemunho vivo de que a reforma agrária
será conquistada para o povo brasileiro. O próprio custo da produção,
trabalhadores, o próprio custo dos gêneros alimentícios está diretamente
subordinado às relações entre o homem e a terra. Num país em que se paga
aluguéis da terra que sobem a mais de 50 por cento da produção obtida daquela
terra, não pode haver gêneros baratos, não pode haver tranquilidade social. No
meu Estado, por exemplo, o Estado do deputado Leonel Brizola, 65% da produção
de arroz é obtida em terras alugadas e o arrendamento ascende a mais de 55% do
valor da produção. O que ocorre no Rio Grande é que um arrendatário de terras
para plantio de arroz paga, em cada ano, o valor total da terra que ele trabalhou
para o proprietário. Esse inquilinato rural desumano é medieval é o grande
responsável pela produção insuficiente e cara que torna insuportável o custo de
vida para as classes populares em nosso país.
A reforma agrária só
prejudica a uma minoria de insensíveis, que deseja manter o povo escravo e a
Nação submetida a um miserável padrão de vida.
E é claro, trabalhadores,
que só se pode iniciar uma reforma agrária em terras economicamente
aproveitáveis. E é claro que não poderíamos começar a reforma agrária, para
atender aos anseios do povo, nos Estados do Amazonas ou do Pará. A reforma
agrária deve ser iniciada nas terras mais valorizadas e ao lado dos grandes
centros de consumo, com transporte fácil para o seu escoamento.
Governo
nenhum, trabalhadores, povo nenhum, por maior que seja seu esforço, e até mesmo
o seu sacrifício, poderá enfrentar o monstro inflacionário que devora os
salários, que inquieta o povo assalariado, se não foram efetuadas as reformas
de estrutura de base exigidas pelo povo e reclamadas pela Nação.
Tenho
autoridade para lutar pela reforma da atual Constituição, porque esta reforma é
indispensável e porque seu objetivo único e exclusivo é abrir o caminho para a
solução harmônica dos problemas que afligem o nosso povo.
Não me animam,
trabalhadores – e é bom que a nação me ouça – quaisquer propósitos de ordem
pessoal. Os grandes beneficiários das reformas serão, acima de todos, o povo
brasileiro e os governos que me sucederem. A eles, trabalhadores, desejo
entregar uma Nação engrandecida, emancipada e cada vez mais orgulhosa de si
mesma, por ter resolvido mais uma vez, pacificamente, os graves problemas que a
História nos legou. Dentro de 48 horas, vou entregar à consideração do
Congresso Nacional a mensagem presidencial deste ano.
Nela, estão
claramente expressas as intenções e os objetivos deste governo. Espero que os
senhores congressistas, em seu patriotismo, compreendam o sentido social da
ação governamental, que tem por finalidade acelerar o progresso deste país e assegurar
aos brasileiros melhores condições de vida e trabalho, pelo caminho da paz e do
entendimento, isto é pelo caminho reformista.
Mas estaria faltando ao
meu dever se não transmitisse, também, em nome do povo brasileiro, em nome
destas 150 ou 200 mil pessoas que aqui estão, caloroso apelo ao Congresso
Nacional para que venha ao encontro das reinvindicações populares, para que, em
seu patriotismo, sinta os anseios da Nação, que quer abrir caminho, pacífica e
democraticamente para melhores dias. Mas também, trabalhadores, quero
referir-me a um outro ato que acabo de assinar, interpretando os sentimentos
nacionalistas destes país. Acabei de assinar, antes de dirigir-me para esta
grande festa cívica, o decreto de encampação de todas as refinarias
particulares.
A partir de hoje, trabalhadores brasileiros, a partir
deste instante, as refinarias de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas, e
Destilaria Rio Grandense passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao
patrimônio nacional.
Procurei, trabalhadores, depois de estudos
cuidadosos elaborados por órgãos técnicos, depois de estudos profundos,
procurei ser fiel ao espírito da Lei n. 2.004, lei que foi inspirada nos ideais
patrióticos e imortais de um brasileiro que também continua imortal em nossa
alma e nosso espírito.
Ao anunciar, à frente do povo reunido em praça
pública, o decreto de encampação de todas as refinarias de petróleo
particulares, desejo prestar homenagem de respeito àquele que sempre esteve
presente nos sentimentos do nosso povo, o grande e imortal Presidente Getúlio
Vargas.
O imortal e grande patriota Getúlio Vargas tombou, mas o povo
continua a caminhada, guiado pelos seus ideais. E eu, particularmente, vivo
hoje momento de profunda emoção ao poder dizer que, com este ato, soube interpretar
o sentimento do povo brasileiro.
Alegra-me ver, também, o povo reunido
para prestigiar medidas como esta, da maior significação para o desenvolvimento
do país e que habilita o Brasil a aproveitar melhor as suas riquezas minerais,
especialmente as riquezas criadas pelo monopólio do petróleo. O povo estará
sempre presente nas ruas e nas praças públicas, para prestigiar um governo que
pratica atos como estes, e também para mostrar às forças reacionárias que há de
continuar a sua caminhada, no rumo da emancipação nacional.
Na mensagem
que enviei à consideração do Congresso Nacional, estão igualmente consignadas
duas outras reformas que o povo brasileiro reclama, porque é exigência do nosso
desenvolvimento e da nossa democracia. Refiro-me à reforma eleitoral, à reforma
ampla que permita a todos os brasileiros maiores de 18 anos ajudar a decidir
dos seus destinos, que permita a todos os brasileiros que lutam pelo
engrandecimento do país a influir nos destinos gloriosos do Brasil. Nesta
reforma, pugnamos pelo princípio democrático, princípio democrático
fundamental, de que todo alistável deve ser também elegível.
Também está
consignada na mensagem ao Congresso a reforma universitária, reclamada pelos
estudantes brasileiros. Pelos universitários, classe que sempre tem estado
corajosamente na vanguarda de todos os movimentos populares
nacionalistas.
Ao lado dessas medidas e desses decretos, o governo
continua examinando outras providências de fundamental importância para a
defesa do povo, especialmente das classes populares.
Dentro de poucas
horas, outro decreto será dado ao conhecimento da Nação. É o que vai
regulamentar o preço extorsivo dos apartamentos e residências desocupados,
preços que chegam a afrontar o povo e o Brasil, oferecidos até mediante o pagamento
em dólares. Apartamento no Brasil só pode e só deve ser alugado em cruzeiros,
que é dinheiro do povo e a moeda deste país. Estejam tranquilos que dentro em
breve esse decreto será uma realidade.
E realidade há de ser também a
rigorosa e implacável fiscalização para seja cumprido. O governo, apesar dos
ataques que tem sofrido, apesar dos insultos, não recuará um centímetro sequer
na fiscalização que vem exercendo contra a exploração do povo. E faço um apelo
ao povo para que ajude o governo na fiscalização dos exploradores do povo, que
são também exploradores do Brasil. Aqueles que desrespeitarem a lei, explorando
o povo – não interessa o tamanho de sua fortuna, nem o tamanho de seu poder,
esteja ele em Olaria ou na Rua do Acre – hão de responder, perante a lei, pelo
seu crime.
Aos servidores públicos da Nação, aos médicos, aos
engenheiros do serviço público, que também não me têm faltado com seu apoio e o
calor de sua solidariedade, posso afirmar que suas reinvindicações justas estão
sendo objeto de estudo final e que em breve serão atendidas. Atendidas porque o
governo deseja cumprir o seu dever com aqueles que permanentemente cumprem o
seu para com o país.
Ao encerrar, trabalhadores, quero dizer que me
sinto reconfortado e retemperado para enfrentar a luta que tanto maior será
contra nós quanto mais perto estivermos do cumprimento de nosso dever. À medida
que esta luta apertar, sei que o povo também apertará sua vontade contra
aqueles que não reconhecem os direitos populares, contra aqueles que exploram o
povo e a Nação.
Sei das reações que nos esperam, mas estou tranquilo,
acima de tudo porque sei que o povo brasileiro já está amadurecido, já tem
consciência da sua força e da sua unidade, e não faltará com seu apoio às
medidas de sentido popular e nacionalista.
Quero agradecer, mais uma
vez, esta extraordinária manifestação, em que os nossos mais significativos
líderes populares vieram dialogar com o povo brasileiro, especialmente com o
bravo povo carioca, a respeito dos problemas que preocupam a Nação e afligem
todos os nossos patrícios. Nenhuma força será capaz de impedir que o governo
continue a assegurar absoluta liberdade ao povo brasileiro. E, para isto,
podemos declarar, com orgulho, que contamos com a compreensão e o patriotismo
das bravas e gloriosas Forças Armadas da Nação.
Hoje, com o alto
testemunho da Nação e com a solidariedade do povo, reunido na praça que só ao
povo pertence, o governo, que é também o povo e que também só ao povo pertence,
reafirma os seus propósitos inabaláveis de lutar com todas as suas forças pela
reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela
reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela
elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela
emancipação econômica, pela justiça social e pelo progresso do Brasil.