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terça-feira, 5 de maio de 2015

Retorno ao futuro, Parte I: a ordem internacional no horizonte 2000 - Paulo Roberto de Almeida (1988)


Retorno ao futuro, Parte I: 
a ordem internacional no horizonte 2000

Paulo Roberto de Almeida
Revista Brasileira de Política Internacional 
(Rio de Janeiro: Ano XXXI, 1988/2, n. 123-124, pp. 63-75). 
Relação de Trabalhos n. 164; Publicados n. 049. 
  
1. PROFECIA E HISTORIA
As análises prospectivas, segundo seus críticos, têm o hábito de pecar duplamente: pelo que contêm e também pelo que deixam de conter. Trata-se, aparentemente, de um "pecado original" da futurologia, partilhado em igual medida pelas diversas variantes do gênero. Quer abordando o futuro pela ótica estatística e quantitativa, quer fazendo-o segundo os padrões do ensaio interpretativo, muitas dessas análises tendem a atribuir importância desproporcional a elementos secundários ou, inversamente, a negligenciar fatores potencialmente estratégicos.
Em qualquer hipótese, porém, elas frequentemente revelam-se incapazes de impedir sua própria esclerose precoce quando confrontadas, alguns anos depois, à realidade que supostamente deveriam descrever. O processo de envelhecimento é ainda mais rápido quando o cenário projetado pretende prevenir a eclosão (ou alertar sobre a intervenção) de riscos e catástrofes considerados "iminentes": colapsos nas bolsas de ações, crise financeira mundial, revolução no mercado dos produtos de base ou - por que não? - eclosão da Terceira Guerra Mundial. Mesmo análises mais bem comportadas de trends futuros costumam revelar-se doucement naïves quando o futuro bate à porta. A razão é ao mesmo tempo uma pergunta: modelos econométricos, projeções de computador ou induções geniais terão algum dia o poder de antecipar, em todos seus detalhes, o caminho que tomará o carro de Cronos ?
O curto "ciclo de vida" da maior parte das análises prospectivas não é apenas devido às deficiências metodológicas intrínsecas a toda projeção futura de tendências do presente. É preciso referir-se também a um defeito mais grave, ainda que mais prosaico: os exercícios de futurologia soem constituir uma fixação inconsciente (e muitas vezes arbitrária) dos preconceitos políticos e das preferências pessoais de seus autores. O uso "adequado" da imaginação permite quase sempre, aos que se dedicam a essa espécie de "leitura das estrelas", acomodar estimativas contraditórias sobre a evolução das sociedades, quando não imaginar cenários políticos fantasiosos com base em forças e tendências conjunturalmente dominantes.
O perigo de ver uma análise caducar prematuramente é por certo maior no caso das projeções de natureza econômica e social estabelecidas a partir do universo atual do mundo desenvolvido, onde a rapidez do progresso tecnológico e a mutação das estruturas sociais invalidam em breve espaço de tempo as tendências apontadas nos melhores estudos macrossociológicos. O cemitério do "futuro" está repleto de previsões não realizadas, desde o anedotário dos desastres ecológicos ou das quebras nas Bolsas, até as estimativas mais sérias lidando com os preços das matérias-primas, o desemprego tecnológico ou os ciclos de crescimento e de estagnação, de longo ou de curto prazo.
As projeções envolvendo as relações internacionais, por sua vez, tendem ser mais sóbrias, se o que está em causa não é evidentemente o mero desejo de emplacar algum sucesso no mercado dos best sellers. Aqui, a fúria futurologista de alguns analistas apressados pode eventualmente construir cenários movimentados, onde o roteiro vai da chantagem nuclear ao day after, passando pela subida aos extremos e a guerra total.
Mas, as relações internacionais propriamente ditas, enquanto matéria de reflexão universitária, seriam relativamente menos propensas a esse tipo de exercício futurológico, já que lidando com atores e cenários dotados de maior estabilidade estrutural: o Estado-Nação e o sistema de equilíbrio estratégico derivado da lógica westfaliana. Estas duas categorias constituem o padrão de referência básica da teoria das relações internacionais, assim como o soldado e o diplomata são os elementos conceituais par excellence quando se passa da formulação doutrinária para a análise operacional da política internacional.
A experiência histórica dos últimos cinco séculos demonstra que, em se tratando  da  ordem política interestatal, as linhas de continuidade tendem a ocupar um espaço comparativamente maior àquele representado pelos momentos de ruptura. Estes também têm o seu peso próprio, mas costumam apresentar-se inseridos naquela, as sucessões dos Estados na hierarquia do poder internacional servindo mais para reforçar as características do sistema do que para alterar a forma de seu funcionamento. As projeções relativas ao ordenamento futuro do sistema internacional, para serem credíveis, devem operar um verdadeiro retorno ao passado, isto é, apoiar-se em sólidas fundações históricas, uma vez que os modelos disponíveis de organização da sociedade internacional não são em número infinito. O horizonte histórico do Estado-nação, por exemplo, em que pese a lenta emergência de uma soberania coletiva no cenário europeu, afigura-se temporariamente estável, ou seja estruturalmente insuperável pelas próximas décadas. Da mesma forma, a despeito da transnacionalização crescente dos circuitos produtivos e da internacionalização dos instrumentos monetários, o sistema internacional permanecerá econômica e politicamente heterogêneo num futuro previsível, ainda que possa vir a reduzir, de maneira lenta, seu coeficiente de anarquia. Em outros termos, a política de poder não está próxima de ser substituída por uma ordem jurídica supranacional construída segundo os princípios da equidade e da justiça.
A estrutura das relações internacionais em vigor nos últimos séculos - digamos, desde o século XVI - constituiu-se de maneira extremamente lenta e não se modifica senão em ritmo igualmente lento. A incorporação de novas áreas geográficas ao mundo então civilizado - o que fez com que a política internacional se tornasse verdadeiramente mundial - se fez sob a emprise dos novos Estados europeus, cuja política nacional passou a refletir a crescente relevância dos assuntos externos, em seu sentido mais amplo. A política mundial torna-se europeia, ou melhor dito ocidental, e como tal permaneceu  desde  então,  pelo  menos no sentido cultural da palavra. Foi a racionalidade ocidental, mais que a superioridade militar, a exploração colonial ou o intercâmbio desigual, que assegurou a continuidade, por tão longo tempo, da dominação ocidental sobre os negócios do mundo: uma combinação específica de espírito inventivo - a inovação e a descoberta científica aplicada à economia - e de organização social esteve na origem dessa performance historicamente inédita.
Mas, dada essa invenção propriamente europeia que é o Estado-nação, a hegemonia cultural ocidental nunca logrou transformar-se em hegemonia tout court . As grandes potências, e os variados sistemas de alianças militares forjados por elas, anularam reciprocamente seus drives hegemônicos, conformando sucessivas "balanças de poder" ao longo desses últimos cinco séculos. Estas, de forma precária ou efetiva, continuarão cumprindo sua missão histórica por um período de tempo ainda indefinido.
O padrão referido acima permanece válido em suas grandes linhas. Ou seja, a despeito da "ascensão" e "queda" dos mais variados atores nacionais ao longo desse período, as tentações hegemônicas e a vontade de poder imperial de candidatos sucessivos ao "domínio global" nunca chegaram a debilitar fundamentalmente o sistema interestatal de relações internacionais que se constituiu no início da era moderna e se desenvolveu de maneira extraordinária desde então. O sistema mostrou-se por exemplo resistente a tentativas de constituição de algum império verdadeiramente universal, fundado sobre o modelo da pax romana.
Nesse sentido, o analista que pretenda oferecer reflexões sobre a evolução provável do sistema internacional contemporâneo tem de ser necessariamente modesto quanto ao escopo transformista de suas projeções. Estas devem, em todo caso, sustentar-se nas tendências já reveladas pela história passada, desdobrando-se cuidadosamente em direção ao futuro. O mais recente e mais brilhante exemplo desse tipo de exercício, ainda que limitado às performances futuras de atores individuais, é representado pelo último capítulo do livro de Paul Kennedy sobre a ascensão e queda das grandes potências. 
Um dos limites impostos pela "longa duração" à ação da "conjuntura histórica de transformação" parece ser constituído pela extraordinária vitalidade demonstrada pelo Estado-nação enquanto fundamento e princípio organizador das relações internacionais na era moderna e contemporânea. O sistema internacional - organizado sobre a base da independência política formal dos Estados e de sua interação concorrente na administração de recursos que garantam o exercício de um poder soberano - continuará previsivelmente sua trajetória histórica bem além das primeiras décadas do século XXI.
Ainda assim, o observador atento poderia formular algumas suposições sobre as possibilidades de transformação desse sistema com base em tendências que começam a desenhar-se lentamente no horizonte 2000. Sem aspirar à futurologia, o ensaio que se segue pretende oferecer algumas idéias e reflexões sobre a possível evolução do cenário internacional nas próximas décadas. A ênfase analítica será colocada nos elementos econômicos e políticos já em processo de mutação (e portanto mais suscetíveis de influenciar o curso da ação futura dos Estados), bem como nos fatores que poderão desempenhar papel relevante no destino ulterior das relações Leste-Oeste, clássico terreno dos estudos geopolíticos e nó crucial das relações internacionais contemporâneas.
Na tentativa de identificar as características futuras do sistema mundial emergente, o observador deve necessariamente operar uma seleção dentre os cenários potencialmente "realizáveis". Algumas das linhas evolutivas já se encontram presentes na atualidade, outras representam apenas uma promessa de possível implementação, ainda que alimentadas por "inferências lógicas" a partir das "tendências prováveis" do sistema contemporâneo. Mesmo que não se pretenda traçar aqui uma lista exaustiva, as seguintes tendências poderiam fornecer a base de um exercício moderado de "futurologia internacional", sem que a ordem de apresentação signifique o estabelecimento de uma interação cronológica necessária no desenvolvimento de cada uma delas: o declínio do condominium  bipolar, a preeminência estratégica e econômica do saber tecnológico, o abandono das últimas ilusões econômicas do socialismo realmente existente, o esmaecimento do conflito ideológico global e a consequente superação histórica da oposição Leste-Oeste.
Os elementos selecionados não representam aliás a introdução de nenhum processo fundamentalmente novo de transformação histórica, já que todos eles se encontram presentes, em maior ou menor grau, na agenda contemporânea das relações internacionais.
Qualquer que seja a validade relativa das conjeturas aqui realizadas, seu autor não pretende eximir-se da responsabilidade apontada acima, qual seja, a tendência a fixar nas projeções preferências pessoais quanto ao curso futuro da História. Max Weber afirmava, a esse propósito que é quase impossível fazer ciência social liberado de todo a priori analítico. Que seu exemplo sirva de consolo, no sentido em que, se a imparcialidade política é dificilmente alcançável, a busca honesta da objetividade permanece, em princípio, possível.

2. O DECLINIO IMPERIAL
Desengajamento estratégico, revisão unilateral dos compromissos assumidos com os aliados e realismo econômico: estes parecem ser os elementos característicos da nova política imperial num fin-de-siècle decididamente neomercantilista.
"De acordo", responderia o observador “imparcial”, apenas para perguntar em seguida: "Mas, de qual império se está falando ?" A questão, talvez dispensável de um ponto de vista essencialmente formal, assume acuidade prática quando se trata de determinar os contornos do sistema internacional emergente e o papel que nele deverão jogar as atuais superpotências. O politólogo pode  se  permitir brincar com formulações "ideal-típicas" a propósito do jogo imperial, mas não o estadista ou o diplomata, que necessitam apoiar suas propostas de ação governamental numa análise sóbria das relações de poder realmente existentes e seu impacto nas diretrizes nacionais relativas à segurança estratégica e à política econômica.
Em princípio, os termos do problema poderiam ser aplicados indiferentemente a uma ou outra das duas superpotências, Estados Unidos ou União Soviética, adaptando-se a ênfase atribuida a cada elemento em função do aspecto que se pretende ressaltar num ou noutro caso: reconhecimento do fracasso do intervencionismo ou introdução da doutrina da dissuasão discriminada, incapacidade em assumir os custos militares do império ou revisão conceitual da política aliancista, necessidade de reforma econômica ou tentativa de corrigir dificuldades de natureza comercial e problemas de ordem orçamentária.
Em cada um dos lados da equação estratégica, os problemas podem se colocar de maneira diferente, mas seu efeito converge para as realidades tangíveis de uma problemática comum: racionalização das despesas militares, repartição dos gastos em defesa com as respectivas alianças militares e reestruturação econômica interna. Ainda que o discurso sobre o desarmamento da cada uma das superpotências possa conservar a velha retórica de sempre, a mutação de prioridades é uma necessidade que deverá se impor de forma natural: inevitavelmente ocorrerá algum tipo de burden-sharing soviético, como se poderá assistir a alguma forma de perestroika norte-americana.
Sem embargo, porém, da suposta bidirecionalidade do foco analítico, deve-se reconhecer que a reconversão imperial não significa a mesma coisa para os atores em presença, nem ocupa a mesma prioridade nas agendas de seus respectivos líderes políticos: de um lado, impõe-se o que se poderia chamar de necessidade sistêmica de reformas estruturais, de outro, sugere-se introduzir uma correção de rumos em função de dificuldades conjunturais.
Apesar de que em ambos os casos se convencionou falar de "declínio imperial" e de "ocaso do poder", o processo de transformação num dos lados é relativamente administrado, enquanto que no outro ele afigura-se como verdadeiro "imperativo categórico", determinado por uma realidade econômica praticamente insustentável. Em termos explícitos, o conceito de revisão da política imperial aplica-se mais adequadamente à União Soviética, cuja retórica oficial passou a refletir as necessidades de uma diplomacia mais conforme com as reais possibilidades de seu sistema econômico e cuja política internacional teve de dobrar-se aos limites efetivos dos recursos disponíveis.
O livro já citado de Paul Kennedy permitiu identificar no chamado "imperial over-reach" - a super-extensão imperial - a razão principal da enfermidade senil que parece atingir, a partir de um certo momento, todo poder imperial. A assunção ampliada de obrigações propriamente "policiais" tende a introduzir uma desproporção crescente entre os recursos alocados a tarefas de defesa e de controle externo e os recursos destinados ao investimento produtivo, necessários para manter a estrutura econômica inovadora e próspera.
Esta tese é, contudo, especialmente relevante no caso soviético, onde parece realmente ter-se congelado uma relação de mútua exclusão entre os setores civil e militar da economia, como sublinhava há alguns anos Cornelius Castoriadis. O investimento nas indústrias ligadas à defesa representou, do ponto de vista da economia norte-americana, uma verdadeira bonança, tanto no sentido de reduzir a defasagem entre a produção e o "consumo" de vários produtos feitos para não serem "consumidos", como no de estimular a inventividade técnica e o desenvolvimento à outrance de setores ligados à comunicações e ao tratamento de informações. O programa SDI, finalmente, poderia ser considerado, do ponto de vista econômico, como uma grande demonstração de "keynesianismo militar".
Assim, se as duas superpotências enfrentam este final de século firmemente comprometidas com uma política de desengajamento estratégico, de redistribuição de papéis no sistema aliancista e de austeridade econômica interna, a administração equilibrada desses processos paralelos assume extrema acuidade no caso soviético, onde a margem de manobra é extremamente reduzida pela maior rigidez estrutural do sistema produtivo e pela inadequação do aparelho político. Em qualquer hipótese, a URSS de Gorbachev está condenada a auto-reformar-se: não parece haver alternativas a um programa de révision déchirante das prioridades ou escolhas do passado.
Não se pode porém pretender que o declínio mais acelerado de um dos dois parceiros do condomínio bipolar do pós-guerra abrirá espaço para o estabelecimento de uma pax imperial no velho estilo. A natureza da dominação imperial americana, de natureza mais econômica que militar, abriu espaço a uma verdadeira multilateralização dos circuitos de extração de recursos, paralelamente à emergência das "legiões modernas" que são as empresas transnacionais.
Mais do que qualquer profissão de fé democrática, o sistema produtivo baseado na corporação multinacional foi o verdadeiro agente da difusão acelerada dos centros de poder, no sentido de uma maior atomização dos núcleos decisórios.
A desconcentração do poder mundial constitui, assim, uma das características mais salientes de nossa época, com a emergência de novos centros regionais de dominação que não parecem dispostos a repetir, ou não são capazes de assumir, os compromissos e obrigações das duas potências rivais. Em lugar de um único centro com periferias sucessivas, passam a coexistir diversos centros com interpenetração de periferias. Os mecanismos de dominação e de exploração são provavelmente os mesmos, embora com consequências diferentes para a nova ordem internacional.
Por outro lado, a nova repartição de cartas ligada a esse processo de desconcentração hegemônica não significa tampouco a re-atualização do antigo esquema ligado à "balança de poder", já que os novos parceiros não parecem pretender assentar sobre instrumentos propriamente militares os fundamentos de uma preeminência non avouée . Não está evidentemente excluída a utilização dos meios clássicos de dissuasão e de pressão, embora pareça mais provável que a imposição da vontade, no novo padrão, terá mais a ver com o economic statecraft do que com a gun-boat diplomacy .
 O núcleo do processo decisório nesses novos centros já não colocará tanto ênfase no planejamento estratégico quanto na administração de performances econômico-comerciais. O padrão de referência das relações internacionais poderia, assim, estar deslocando seu eixo conceitual: passaríamos de uma visão baseada na concepção político-militar para uma concepção baseada no comércio, ou o que Rosecrance chamou de "expansão do Estado comercial".

3. DO PODER SOBERANO À SOBERANIA ECONOMICA
O maciço livro de Paul Kennedy trata da interação entre economia e estratégia no sistema interestatal moderno e contemporâneo. Suas teses centrais são relativamente simples: "existe uma relação causal entre as mudanças ocorridas com o correr do tempo nos equilíbrios econômicos e produtivos e a posição ocupada pelas Potências individuais no sistema internacional... as mudanças econômicas anunciando a ascensão de novas Grandes Potências que um dia teriam um impacto decisivo na ordem militar/territorial. (...) Da mesma forma, o registro histórico sugere a existência de uma clara conexão no longo prazo entre a ascensão e a queda econômica de uma Grande Potência determinada e seu crescimento e declínio como poder militar importante" (xxii).
A riqueza e o poder, ou a força econômica e o poderio militar, são sempre relativos e, como todas as sociedades estão sujeitas a uma inexorável tendência à mudança, os equilíbrios internacionais não podem ser permanentes. Para referir-se ao exemplo que tem motivado discussões acaloradas: a dominação norte-americana sobre os negócios do mundo é decrescente não porque o país tenha se tornado mais pobre ou mais fraco, mas porque outras nações tornaram-se mais fortes e ricas. O veredito de Kennedy é o de que os EUA poderiam se tornar mais ricos ainda, no longo prazo, se suas elites dominantes aceitassem gentilmente uma diminuição relativa de seu atual status estratégico e militar.
Mas, essas elites ainda não se resignaram a passar de uma visão do mundo baseada na "teoria da estabilidade hegemônica" para uma outra baseada na "teoria do equilíbrio de poderes", segundo os termos de Richard Rosecrance. O diagnóstico, na verdade, se aplica tanto às elites políticas e militares dos Estados Unidos quanto às sua homólogas na União Soviética. Em ambos os casos, elas ainda não abandonaram a pretensão de pretender moldar o futuro com base numa estratégia político-militar para aceitar esse mesmo futuro de acordo com uma estratégia comercial.
Mas, ambas as teorias são essencialmente falhas, no sentido em que permitem preservar a lógica westfaliana da territorialidade, que por sua vez serviu de fundamento à conhecida equação geopolítica "espaço é poder". Na opinião de Rosecrance, tanto os Estados Unidos como a União Soviética continuam hipnotizados pelo território, pelo espaço e pelo poder, esquecendo-se da quarta dimensão: a perseguição de uma estratégia comercial consequente, como forma de revitalizar e potencializar suas economias.
As lideranças políticas e militares das duas superpotências partilham da mesma visão westfaliana do mundo, com seus conceitos chaves organizados em torno da soberania política absoluta, da independência militar, de garantias territoriais e fronteiriças e do poderio militar de seus respectivos Estados. Kissinger, por exemplo, concebia sua estratégia nos mesmos termos em que Metternich dispunha, em sua época, da ordem política e territorial europeia. Os dirigentes e estrategistas soviéticos, por sua vez, mostram-se tão obsecados com a defesa de seu território quanto seus antecessores russos da época imperial.
Tanto Kennedy quanto Rosecrance demonstram, com riqueza de detalhes, a inadequação de uma estratégia baseada na super-extensão imperial: os poderes hegemônicos revelam-se, a partir de um certo momento, incapazes de sustentar uma relação viável entre suas pretensões geopolíticas e seus recursos econômicos. Apesar de que os investimentos militares possam servir, em última instância, à causa do desenvolvimento tecnológico e científico, a experiência indica que os gastos militares não aumentam a produtividade nacional. Alguns estudos consultados por Rosecrance demonstraram a existência de uma correlação negativa entre os dois elementos: maiores despesas militares significam menor investimento produtivo.
A concepção comercial das relações internacionais, propugnada por Rosecrance, não deve ser confundida com uma visão otimista da realidade. Isto é, ela não pode ser vista, apenas, como uma oportunidade de reforçar os elementos de paz no sistema interestatal contemporâneo, opondo-se portanto à lógica dos enfrentamentos que por muito tempo caracterizou o cenário mundial. Ela é também decorrente das novas características estruturais que passou a assumir o crescimento econômico, hoje fortemente dependente de investimentos maciços em pesquisa e desenvolvimento nos setores de alta densidade tecnológica.
Aliás, qualquer que seja o futuro das relações políticas entre as superpotências, a concorrência entre ambas, pacífica ou militar, será cada vez mais dependente das performances respectivas alcançadas nos terrenos econômico e tecnológico, inclusive e principalmente no que se refere à modernização de seus arsenais ofensivos e sistemas de defesa. O verdadeiro princípio estratégico no mundo atual se chama superioridade tecnológica.
Curiosamente, embora ambas as superpotências sejam igualmente reticentes em abandonar a concepção territorial-militar das relações internacionais, é a União Soviética o Estado mais empenhado em reformular as bases materiais de seu poder soberano. Paradoxalmente, ela só conseguirá fazê-lo se aceitar precisamente uma diminuição do grau de independência econômica nacional (que no seu caso é o equivalente de autarcia) em prol de uma decidida opção pela interdependência em escala regional e internacional. As concepções econômicas do socialismo realmente existente representam, porém, um sério obstáculo à consecução dessa tarefa, no mesmo sentido, talvez, em que as relações feudais de produção representavam, na Europa pré-moderna, uma grande barreira ao desenvolvimento das forças produtivas. O avanço em direção ao futuro do socialismo parece, assim, situar-se, num certo retorno ao passado em termos de história econômica.

4. A TRANSIÇÃO DO SOCIALISMO AO CAPITALISMO
Durante muito tempo os estudiosos do socialismo real se perguntaram se os sistemas de tipo soviético, em que pese toda a rigidez weberiana das burocracias totalitárias, poderiam realmente passar por algum outro tipo de mudança que não fosse de natureza traumática, reconhecendo, implicitamente, que eles tinham pouca ou nenhuma possibilidade de evoluir ou de se auto-reformar. Atualmente, o que se questiona é se os regimes do socialismo realmente existente podem mudar lentamente ou se eles terão de se reformar em ritmo mais rápido.
 Em escala histórica, a evolução social tende a ser vista em termos de ruptura ou de continuidade. A Revolução bolchevista de 1917 inscreve-se seguramente à sombra do primeiro conceito, enquanto que os três lustros da era brejnevista teriam certamente de ser vistos sob o ângulo da continuação, quando não da estagnação. O período gorbacheviana já pode ser considerado, usando-se a terminologia da école des Annales, como tendo inaugurado uma "conjuntura histórica de transformação" (como diria o historiador Ernest Labrousse), ainda que, falhando ou afastando a tentativa de operar uma brusca mudança política com o passado, ele se contente em administrar um lento processo de mutação social e econômica, mais de acordo com a "longa duração", cara a Fernand Braudel.
Os processos de transformação social, econômica ou política numa determinada sociedade e numa época determinada não podem ser facilmente catalogados em função de modelos dicotômicos de racionalização histórica senão a posteriori, quando todos suas possíveis consequências e implicações já se fizeram sentir, deixando aos historiadores o cuidado de medir a amplitude da transformação societal. O caso das revoluções violentas é evidentemente particular, uma vez que, antes do historiador, o cronista mundano já teve oportunidade de sentir seus efeitos devastadores para o cenário social em que atua. Mas, as transformações verdadeiramente revolucionárias são extremamente raras nos laboratórios da História, a maior parte das sociedades conhecendo apenas pacíficos processos de modernização social.
Poderia a perestroika gorbacheviana ser interpretada como um modelo de transformação revolucionária, isto é, um movimento suscetível de alterar fundamentalmente a estrutura social e econômica da sociedade soviética e de operar a passagem a um novo regime de poder e a um novo sistema político ? Alguns observadores diriam que faltam-lhe os elementos estruturais mais essenciais de uma típica transformação radical da ordem social ou política, não cabendo pois a identificação com o modelo teórico proposto pela maioria dos historiadores para o conceito de ruptura fundamental na continuidade histórica. 
Sem embargo, a conjuntura histórica de transformação em curso na URSS tem sido vista, em perspectiva comparada, como assumindo um significado similar ao dos grandes processos reformistas do início da era moderna. Com efeito, os observadores não deixaram de notar a similitude de intenções entre o atual "revisionismo" socialista e as grandes aventuras reformistas dos séculos XV a XVII, chegando mesmo a traçar paralelos entre a tentativa transformista de Gorbachev e os processos deslanchados por figuras históricas como Henrique VIII ou Lutero.
As analogias históricas são, em grande parte, mistificadoras, mas não se pode realmente negligenciar a poderosa capacidade sintetizadora dos exemplos do passado para auxiliar no esforço explicativo do presente. O problema da maior parte dessas análises centradas sobre o que se poderia chamar - retomando mais uma vez conceitos trabalhados pela escola dos Annales - de histoire événementielle (inclusive no que se refere o apelo a figuras exponenciais) é a tendência à personalização do jogo político e social, com a consequente atribuição do "sucesso" ou "fracasso" de um determinado movimento às qualidades pessoais de seu líder.
Que Mikhail Gorbachev seja comparado a Henrique VIII ou a Lutero - Calvino, aliás, conviria melhor, já que se trata igualmente de uma tentativa de reestruturação autoritária de uma visão do mundo formulada anteriormente  - não modifica em nada o conteúdo historicamente original dos desafios enfrentados pelo líder soviético. A esse título, se poderia, por exemplo, dizer do movimento de reformas políticas na URSS que este significa, para a autocracia socialista, o que o despotismo esclarecido representou para as monarquias absolutas do Ocidente entre os séculos XV e XVIII. A busca de "déspotas esclarecidos" é no entanto um expediente eventualmente utilizado pela imaginação histórica quando o curso dos acontecimentos se confunde com o destino particular de um líder providencial, sem que o "historiador" consiga separar o contingente do necessário. Nesse caso específico, por acaso, a comparação não é de todo absurda: o "comunismo esclarecido" que eventualmente emergirá do entrechoque de posições entre o partido da reforma e o da conservação na URSS permitirá ao dirigente soviético em exercício reunir condições políticas para acelerar o processo de modernização do país, de forma a aproximá-lo das nações mais avançadas.
Sem pretender descurar o peso decisivo muitas vezes exercido por certas personalidades individuais sobre o curso de determinados acontecimentos históricos, o recurso à analogia histórica, no caso do atual movimento reformista na União Soviética, talvez ganhasse em consistência se se fizesse referência a certos processos do passado que igualmente serviram para alterar as bases de funcionamento da sociedade em causa, sem modificar no entanto a composição social das elites envolvidas na transformação societal.
Nesse sentido, se poderia comparar a "revolução" da perestroika com a Inovação Meiji no Japão do século passado, quando a elite dominante se abriu para uma maior ocidentalização do país, no sentido da abolição de certos privilégios feudais, na constituição de um parlamentarismo de fachada e na incorporação acelerada das conquistas estrangeiras em ciência e tecnologia. Como no caso, igualmente, da transformação bismarckiana operada nas instituições políticas, sociais e econômicas da Alemanha imperial, assiste-se, na União Soviética, a uma Revolution von oben  cujo objetivo é o de modernizar o país sem trazer prejuízo àqueles que ocupam as alavancas do poder político e social.
É dessa perspectiva que talvez possam ser vistos os eventos de maior impacto político sobre a história recente da URSS. Tanto o 27º Congresso do PCUS, em fevereiro-março de 1986, como a 19ª Conferência do PCUS, em junho-julho de 1988, visavam permitir a aceleração do processo de reestruturação da economia soviética. Em que pese o conjunto de afirmações em contrário nos círculos dirigentes, a reforma do sistema tem de ser dirigida precisamente contra a estrutura ossificada do Partido Comunista, que se converteu no principal obstáculo à mutação econômica e política da sociedade. A tarefa é tanto mais árdua na medida em que o partido renovador na URSS não pode implementar o conjunto de reformas sem passar pelo intermédio do aparelho organizacional do velho Partido burocratizado. Para contornar o obstáculo, surge a proposta de constituição de um novo tipo de poder "executivo" - a Presidência de um Soviet Supremo ampliado, através do recurso ao voto secreto - como forma de dar legitimidade à direção política renovadora contra eventuais manobras obstrucionistas do Comitê Central e dos comitês provinciais. A intenção é claramente de transformar a administração econômica da sociedade sem ter de confrontar-se ao veto político da máquina partidária.
Aqui parece residir a contradição fundamental do novo "revisionismo" socialista: a solução para a maior parte dos problemas estruturais das sociedades socialistas passa por uma reforma radical do sistema de organização econômica, mas essa transformação teria de ser operada em detrimento do monopólio político partidário. Mesmo os sistemas que avançaram mais longe no caminho das reformas econômicas, nomeadamente Hungria e China, não ousaram ainda demolir a exclusividade da representação política atribuída ao Partido Comunista.
O movimento de reformas econômicas é no entanto irrefreável, no sentido em que ele representa a condição mesma da sobrevivência da maior parte dos regimes do socialismo realmente existente. Já o processo de mudanças políticas será em parte determinado pelo sucesso das reformas empreendidas na esfera econômica, mas dependerá igualmente da estrutura social própria a cada país da área. Em outros termos, nos países caracterizados pela existência de uma sociedade civil historicamente independente do Estado (Hungria, Polônia e, em parte, Iugoslávia) a marcha para a democracia política será provavelmente mais rápida. A tendência deverá ser marcada pelo lento desenvolvimento do pluralismo partidário e sindical e pela introdução das regras mais elementares da competitividade eleitoral na esfera das instituições políticas de representação popular. O monopólio do Partido Comunista será assim erodido gradualmente, num processo de transição tutelada e administrada.
Nos países dotados de maior rigidez estrutural nas instituições de representação ou cuja estrutura social é marcadamente fragmentária e heterogênea, o processo de transição política deverá assumir contornos conflitivos. É o caso, por exemplo, da maior parte dos países balcânicos, da China e da própria União Soviética. As crises de legitimidade política reforçarão em consequência a natureza autoritária do processo de reforma política, de acordo aliás com o modelo de Revolution von oben .
No campo econômico, onde os desafios serão maiores, a revolução pelo alto passa pela diminuição da participação do Estado na esfera produtiva, alocando espaços à iniciativa privada. Abel Aganbegyan, o conselheiro econômico plus en vue do partido reformista soviético, prevê que nos anos 90 a economia soviética conhecerá uma redução do papel do Estado para 30% ou menos. O próprio Gorbachev já se declarou disposto a reformar o sistema de alocação de matérias-primas para as empresas soviéticas, sem passar pelo planejamento central, mas ele ainda não enfrentou seriamente a questão do sistema de formação de preços, pedra angular de todo sistema econômico "racional".
A opção pelo mercado, que aparece como inevitável na transição do socialismo ao "capitalismo" empreendida sub-repticiamente pelas economias socialistas, implica igualmente aceitar todas as suas distorções e efeitos desestabilizadores sobre as unidades produtivas e sobre a distribuição de renda ao nível dos consumidores. Quando o sistema de preços de mercado guiar toda a economia e tiver sido abolido o "pecado original" ligado à apropriação de lucros privados, o socialismo realmente existente se terá desfeito de seus últimos mitos econômicos e poderá enfim penetrar no purgatório do sistema capitalista.
No que se refere ao último aspecto, a opção já parece ter sido tomada: Nikolay Shmelyov, um dos conselheiros econômicos do partido da reforma, declarou expressamente que a atitude de desconfiança em relação ao lucro é uma espécie de "desentendimento histórico", o custo da ignorância econômica de pessoas que pensaram que o socialismo poderia eliminar lucros e perdas. A legislação para introduzir um sistema de taxação individual e para legalizar o papel do lucro consagrarão esse reencontro com a história. No que se refere ao sistema de preços, sua implementação exigirá, provavelmente, um penoso sacrifício de adaptação às exigências da competitividade, eliminando do "mercado socialista" diversos dinossauros introduzidos pelos planos quinquenais.
Qualquer que seja o sucesso relativo do processo reformista na União Soviética e nos demais países do socialismo realmente existente, a nova postura revisionista de seus dirigentes mais lúcidos constitui o elemento estratégico suscetível de alterar o padrão de relacionamento global no eixo Leste-Oeste. Os últimos anos do século parecem assistir a uma rara combinação de détente estratégico-militar e de détente político-ideológica.

5. O FIM DA GUERRA FRIA
Deve-se observar, antes de mais nada, que o equilíbrio estratégico entre as duas superpotências não será necessariamente rompido pelo movimento de re-acomodação interna num dos lados da balança, já que o "fardo imperial" impõe responsabilidades das quais não se pode escapar facilmente, mesmo se elas não são de natureza exclusivamente militar.
O quadro de rivalidades geopolíticas, no entanto, tende a esmaecer-se num cenário em transformação, como o que se assiste atualmente na zona do socialismo real. A bipolaridade permanece real, mas a força agregadora de cada um dos lados da balança será cada vez menos determinada pelo conflito ideológico global.
Numa época em que alguns representantes modernos dos ideólogos - que são os sociólogos - identificam sinais de "fim das ideologias", perde-se por vezes a visão de como o elemento ideológico influenciou a construção do mundo contemporâneo. A Europa, nos últimos setenta anos, e o Ocidente em geral, nos últimos quarenta anos, viveram sob o signo das relações Leste-Oeste. Sua face mais ameaçadora produziu o que acertadamente ficou identificado como "guerra fria". Depois de pelo menos quatro décadas de livre circulação, essa hantise ideológica parece agora encaminhar-se lentamente para o museu das antiguidades.
A guerra fria não foi certamente apenas um produto de ideologias conflitantes, mas foram as racionalizações construídas a partir das "intenções malévolas" do concorrente estratégico que lhe deram uma dimensão jamais vista nas antigas disputas hegemônicas. Ainda aqui um retorno ao passado pode contribuir para esclarecer os contornos dessa "projeção utópica do futuro" que é o final da guerra fria.
Um exame imparcial da história do período anterior mostraria que não foi a oposição entre ideologias capitalistas - ou, digamos, liberais - e socialistas - conceda-se-lhes, cum grano salis, o epíteto de marxistas - que provocou o quadro de instabilidade política e militar e precipitou conflitos que retiraram definitivamente da Europa as alavancas do poder mundial. Ao contrário, foram os conflitos de natureza quase "feudal" - como diria o historiador Arno Mayer - latentes no continente europeu que permitiram o surgimento do poder socialista e, com ele, do conflito ideológico global.
Não se deve, com efeito, esquecer que o surgimento da dimensão Leste-Oeste no contexto político europeu é virtualmente o resultado prático de um pequeno, mas fecundo, "acidente" histórico, desencadeado involuntariamente por um dos beligerantes durante a Primeira Guerra Mundial: o retorno à Rússia de um punhado de bolcheviques exilados, quase desanimados pela ausência de perspectivas revolucionárias. O voluntarismo oportunista da diplomacia do Kaiser, que buscava apenas provocar um pequeno "tremor" político na frente oriental, podendo servir a interesses militares imediatos, transformou-se porém em "cataclismo" histórico de proporções inimagináveis, dando nascimento aliás ao próprio conceito de relações Leste-Oeste.
Uma vez instalado o poder bolchevique, as diversas invasões do território russo contribuíram mais para alimentar a oposição ideológica irredutível com os países capitalistas do que uma suposta "luta de classes" em escala internacional. Para Stalin, por exemplo, a razão de Estado sempre teve preeminência sobre o "internacionalismo proletário", este último invariavelmente servindo de travestimento ideológico aos interesses do Estado soviético.
Se se pode afirmar, portanto, que foi a vocação imperial, mais do que a militância ideológica, que esteve na origem da chamada "guerra fria", foi contudo o elemento ideológico que exacerbou extraordinariamente o fator da segurança estratégica na ordem mundial contemporânea, fenômeno ainda ressaltado pelo caráter militarmente inédito da arma nuclear. Esta última seguramente impediu uma guerra "suicida" entre o capitalismo e o socialismo, mas, no mesmo momento em que a capacidade de retaliação ficou assegurada também do lado soviético, ela deixou de ser uma "arma", no sentido militar do termo, para se tornar um fator de dissuasão.
Evidentemente, os chefes militares e muitos líderes políticos vão continuar acreditando na guerra nuclear e na possibilidade do emprego da arma nuclear, daí a modernização continuada do equipamento nuclear e as dificuldades de estabelecimento de um comprehensive nuclear test ban. Mas, a concepção de que uma guerra nuclear é "racional" ou factível tem cada vez menos adeptos. A dissuasão nuclear vai continuar existindo, pois ninguém vai se desfazer de suas armas sem a garantia de que o adversário potencial está seguindo o mesmo caminho. As alianças passaram no entanto a trabalhar com cenários não-nucleares e estratégias não-ofensivas de defesa.
Ainda que o mundo pós-nuclear possa ser uma utopia, a superação da oposição Leste-Oeste não o é, desde que não se dê a esse conceito uma elasticidade duvidosa para fazê-lo abrigar igualmente os fenômenos de competição econômica ou de concorrência política no âmbito de conflitos regionais. O esmaecimento da Guerra Fria deriva não apenas do clima de détente militar propiciado pelo processo de desarmamento estratégico e regional, mas também e principalmente da nova postura internacional assumida pela União Soviética.
Os motivos dessa mudança significativa no comportamento externo da superpotência socialista não têm tanto a ver com o "novo pensamento" ou com os conceitos de "segurança mútua" e de "interdependência", como com a dura realidade do desequilíbrio tecnológico. Enquanto que o declínio do "império americano" é largamente imaginário, o do rival socialista não pode mais ser disfarçado: as bases econômicas do poder soviético, em sua forma socialista de organização, passaram do estado de erosão ao de desagregação irremediável.
A dimensão Leste-Oeste continuará, é verdade, a desempenhar um papel relevante no jogo político-diplomático do continente europeu no futuro imediato. Mas, a delimitação dos interesses em causa obedecerá cada vez menos a critérios de natureza ideológico-militar, para se concentrar nos imperativos da cooperação econômica e do intercâmbio comercial. A Europa oriental, liberando-se da ideologia que prometia enterrar o capitalismo, abre campo a que a Europa ocidental por sua vez possa libertar-se do fantasma de uma defesa superdimensionada.
Os contornos da nova realidade são relativamente previsíveis: um grande espaço Mitteleuropeu no qual em lugar de manobras de divisões adversárias se observará a circulação de mercadorias e serviços. O cenário pode parecer róseo, mas o otimismo em direção ao futuro parece ser uma mania daqueles que costumam lidar com os desastres do passado.

 [Genebra, 06.06.88/27.07.88]
Relação de Trabalhos nº 164

Geoestrategia do Atlantico Sul - resenha de Herve Couteau-Begarie - Paulo Roberto de Almeida (1986)


GEOESTRATEGIA DO ATLANTICO SUL:
UMA VISAO DO SUL

Paulo Roberto de Almeida
Revista Brasileira de Política Internacional
(Rio de Janeiro: vol. XXIX, n. 115-116, 1986/2, pp. 131-138).

Sumário:

Tomando como ponto de partida analítico o conflito global entre as duas grandes potências, o pensamento geopolítico norte-atlântico tem tendência a negligenciar as dimensões propriamente regionais da segurança estratégica no Atlântico Sul e os aspectos propriamente políticos do equilibrio de forças nessa região. A superestimação da ameaça soviética no terreno militar e o espantalho de um estrangulamento econômico do Ocidente constituem os elementos mais característicos dessa geopolítica from above. Uma visão a partir do Sul tenderia a enfatizar, de sua parte, a  multipolarização dos conflitos políticos e miltares na região sul-atlantica e a privilegiar a passagem de um cenário de confrontação geopolítica a uma estratégia regional de cooperação política e econômica.

Plano do Trabalho:
1. Geopolítica do Atlântico Sul: A Visão do Norte
2. Presença Militar na Região: Ameaça à Leste
3. O Abastecimento em Matérias Primas: Temor à Oeste
4. Da Geoestrategia à Cooperação: Uma Visão do Sul

Referência de base:
Hervé Couteau-Bégarie:
Géostratégie de l'Atlantique Sud
(Paris, PUF, 1983)

1. GEOPOLITICA DO ATLANTICO SUL: A VISAO DO NORTE
A inconsistência das doutrinas baseadas na retaliação maciça produziu, ao longo dos anos setenta, um gradual retorno às estratégias convencionais de enfrentamento localizado e limitado e à reavaliação, nesse contexto, do papel reservado às forças navais. Crescia, no mesmo momento, o poder naval soviético, que passou a ser considerado, pela Aliança Atlantica, como a “principal ameaça para a segurança dos mares”. Um Grupo de Trabalho do Conselho Atlântico dedicou-se especialmente ao estudo dessa questão, elaborando, no final da década, um relatoório completo sobre o desafio naval soviético que ainda hoje permanece uma fonte indispensável de referência. 1
Sintomaticamente, pouca atenção é dada nesse trabalho ao Atlântico Sul, listado em último lugar numa série de cinco possíveis “teatros de operações” para enfrentamentos navais, ao lado do Atlântico Norte, do Mediterrâneo, do Índico e do Pacífico. Ao criticar essa negligência dos especialistas em poder marítimo, o estrategista e cientista político francês Hervé Couteau-Bégarie formula a hipótese, em seu importantíssimo estudo sobre a Géostratégie de l’Atlantique Sud, de que essa indiferença seja em primeiro lugar devida a fatores propriamente ideológicos, ou seja, a existência nos dois lados do Atlântico Sul de países marcados por ditaduras militares ou por um regime racista condenado ao ostracismo mundial. 2 Sua visão, neste particular, parece muito marcada pela voga de estudos sobre os regimes militares latino-americanos, pois o processo de redemocratização no cone sul já apresentava uma certa consistência quando seu livro foi publicado em meados de 1985, e não cessou de aprofundar-se desde então, sem que isso pudesse representar qualquer mudança significativa no status estratégico-militar do Atlântico Sul para os países ribeirinhos ou para as superpotências navais. 3
O obstáculo ideológico é assim relativamente incongruente, pelo menos deste lado do Atlântico Sul, o que nos leva aos fatores propriamente geográficos da marginalização do Atlântico Sul nos planos estratégicos dos principais poderes navais. Couteau-Bégarie não deixa de considerar a posição “excêntrica e finalmente secundária” do Atlântico Sul em relação aos demais espaços oceânicos, caráter ainda mais reforçado depois da abertura de Suez e do canal do Panama. 4
Mas, não é apenas a geografia que condena o Atlântico Sul à sua condição de “quinto teatro de operações”, mas sobretudo o próprio carater “periférico” da região, em termos de sua participação nos grandes fluxos do comércio internacional ou sua importância estratégica para o equilíbrio do poder mundial. O tráfico marítimo comercial é, nessa região, rarefeito e secundário, sendo importante sobretudo no sentido sudeste-noroeste entre o Cabo da Boa Esperança e as Ilhas de Cabo Verde, dispersando-se a partir daí em duas rotas bem frequentadas, uma em direção ao Mediterrâneo e Europa do Norte, outra em direção à costa leste dos Estados Unidos. O Atlântico Sul sempre foi, por outro lado, o menos militarizado de todos os oceanos, permanecendo ainda hoje ao largo dos conflitos entre as grandes potências navais: foi preciso que entrassem em cena fatores históricos essencialmente contingentes, derivados de conflitos militares relativamente imprevisíveis, para que frotas armadas passassem a frequentar suas duas margens, de um lado com a instalação da Fortress Falklands, de outro com o estacionamento irregular de navios soviéticos em Angola. Ainda assim, esses dois conflitos devem ser considerados numa perspectiva sobretudo regional, extraindo sua dinâmica interna de fatores propriamente locais, e não no quadro de um suposto enfrentamento global entre potências marítimas rivais, o que po de ser confirmado pela diminuta presensa nuclear ostensiva de uma ou outra das duas grandes frotas bélicas da atualidade.

Desde a publicação do livro pioneiro de Alfred T. Mahan em 1890, The Influence of Sea Power upon History, e do estudo do já conhecido pensador alemao Karl Haushofer em 1924, Die Geopolitik des Pazifischen Ozeans, o pensamento geopolítico busca integrar os espasos marítimos a sua conhecida equação “Espaço é Poder”. 5 O estudo já referido de Herve Couteau-Bégarie é – com a notável exceção do livro editado por Carlos Moneta, Geopolitica y Politica del Poder en Atlantico Sur 6 – o primeiro ensaio de conjunto sobre os problemas geopoliticos e militares, ou, como ele prefere chamar, sobre a geoestratégia dessa região marítima. O autor já tinha se notabilizado pela publicação, em 1983, de uma pequena mas consistente monografia sobre La Puissance Maritime Soviétique, 7 tendo prometido a continuação por meio de um estudo sobre as potências marítimas do Índico e do Pacífico, além de um trabalho, em colaboração, sobre as “geopolíticas latino-americanas”.
Segundo suas próprias palavras, o objetivo de Géostratégie de l’Atlantique Sud “é o de estudar o desenvolvimento dos meios militares nessa região do mundo com vistas a identificar suas implicações para a política das grandes potências. O Atlântico Sul não é portanto considerado como um sistema fechado, mas como um elemento de um conjunto planetário. Neste nível de análise, apenas dois países contam: os Estados Unidos e a União Soviética”. 8 O especialista francês, cujo excepcional poder de síntese deve ser prontamente reconhecido, partilha, neste livro, da tendência do pensamento geopolítico tradicional a pensar as problemáticas regionais sob o ângulo dos enfrentamentos globais, dominados inquestionavelmente, em nossa época, pela oposição irredutível entre os EUA e a URSS.
Ora, como justamente observou Alvaro Vasconcelos em seu artigo no número inaugural de Estratégia, “se o mundo é cada vez mais acentuadamente bipolar à dimensão da estratégia global, é tambem, paradoxalmente, cada vez mais multipolar à dimensão regional”. 9 É essa tendência a considerar os problemas da região sul-atlantica sob a ótica da “política de poder”, e num contexto essencialmente bipoIar, que caracteriza o estudo de Couteau-Bégarie. Se a ênfase nas questões de segurança e de estratégia militar, inclusive naval, constitui a pedra angular dos estudos geopolíticos, nada diz que essa pretendida “ciência” da projeção geográfica dos Estados deva ignorar o conceito historico que Wolfram Eberhard chamou de world time, 10 para congelar as relações de poder entre os Estados sob um mesmo pattern de comportamento que seria transhistórico e auto-aplicável.
Esse congelamento da História – em contradição talvez com uma geopolítica mais “esclarecida” – está por exemplo presente na seguinte passagem retro-prospectiva de Géostratégie: “as antigas potências coloniais praticamente desertaram [do Atlântico Sul] sem que tenha aparecido um verdadeiro ‘grande’ regional: mesmo o Brasil é apenas um grande potência em perspectiva [en devenir]. Ele reivindica [sic] uma hegemonia regional, mas ele ainda não a exerce” (p. 15). Além do “pecado venial” de praticar uma geopolítica historicamente “congelada”, Couteau-Bégarie parece operar aqui uma transposição da doutrina do “destino manifesto” no quadro de uma “política de poder” que deveria ser inexoravelmente assumida pelo Estado brasileiro, em sua atual e futura política externa regional. A geopolítica não consegue conviver com “vazios de poder”, reais ou supostos: ela estará sempre à procura de “potências em perspectiva” para preencher seus próprios “vácuos” teóricos.
Na concepção geoestratégica dos especialistas norte-atlânticos, haveria um “vácuo de poder” no Atlântico Sul, cujo preenchimento deveria ser assegurado por um arranjo multilateral calcado no modelo da OTAN ou por garantias estratégicas assumidas bilateralmente, no quadro de um “relacionamento especial” unindo a principal potência ocidental e um “grande regional”. A importância do Atlântico Sul é definida de maneira unilateral na visão estratégica ocidental, de que e exemplo a seguinte passagem do livro de Couteau-Bégarie: “o Atlântico Sul voltou a ser [depois da crise de Suez] uma artéria vital de comunicações; ele é cercado de países importantes para o Ocidente; enfim, ele poderia adquirir um lugar na [estratégia de] dissuasão, com o aparecimento de submarinos lança-mísseis em suas águas” (p. 57; nós sublinhamos). Não parece ocorrer aos propugnadores dessa visão a possibilidade dos países sul-atlânticos defenderem uma visão própria de seus interesses nacionais nessa região, garantindo a segurança e a liberdade de navegação através dos instrumentos do Direito Internacional e não por meios de pactos militares, que aliás soem constituir a exceção e não a regra na maior parte dos oceanos.
O pensamento geoestratégico identifica no Atlântico Sul todos os elementos da tetralogia das missões atribuidas às grandes frotas navais: domínio dos mares, projeção de potência, presença naval e dissuasão estratégica, este último apenas em esboço. “Mesmo se sua importância não alcança a do Oceano Índico ou a do Pacífico, o Atlântico Sul ocupa um espaço próprio na estratégia marítima. Mas, até uma data recente, apenas os soviéticos parecem ter se conscientizado plenamente disso” (p. 71). Coutau-Bégarie partilha aqui da visão norte-americana do problema, que parece caracterizar-se por um pessimismo exagerado na construção de cenários de ameaças à segurança marítima e ao aprovisionamento em matérias-primas para melhor justificar um military building acrescido. Uma consideração adequada de cada um dos elementos importantes em jogo, de um ponto de vista sul-atlântico, poderá eventualmente introduzir um pouco mais de equilibrio nessa visão geoestratégica do Atlântico Sul.

2. PRESENÇA MILITAR NA REGIAO: AMEAÇA À LESTE
O controle das principais artérias de comunicação constitui a mais importante e inadiável tarefa das frotas ocidentais. A presença de navios soviéticos na região sul-atlântica representa, para Couteau-Bégarie, “uma séria ameaça em caso de conflito”; ora, como esses navios “sont déjá sur place” (p. l9), é preciso pensar no pior: “Deve-se esperar ataques simultâneos em diversos pontos. A luta pelo domínio dos mares vai ocupar toda a situação estratégica no Atlântico Sul. Esta é a primeira missão das marinhas da OTAN, a mais importante, a mais constante, em face da ameaça permanente” (p.64). Dada a “insuficiência das frotas da OTAN”, deve-se pensar nas possibilidades de uma “defesa ocidental” através da “cooperação com os países ribeirinhos”, cuja missão, na visão norte-atlântica, deveria ser a de integrar seus próprios planos estratégicos nos esquemas defensivos concebidos pela primeira potência ocidental.
É preciso, em primeiro lugar, observar que a presença naval soviética no Atlântico Sul, embora tenha crescido no período recente, está longe de justificar a inquietação despertada pelos estrategistas ocidentais. A região é, de todas, a mais distante dos pontos de apoio da frota soviética e a que apresenta o maior número de dificuldades logísticas e estratégicas, o que tornaria altamente custoso qualquer esforço da URSS se decidisse interromper ali as rotas de suprimento dos países da OTAN. O próprio Comite de Defesa da União da Europa Ocidetal reconheceu o fato de ser “o Atlântico Sul a área mais improvável para uma ameaça naval [soviética] à navegação aliada”. 11 Deve-se igualmente lembrar que, em caso de necessidade, a aliança ocidental conseguiria reunir na região, num espaço reduzido de tempo, um número razoável de navios e submarinos, com o correspondente apoio aéreo e logístico. Não se conhece, por fim, qualquer tentativa soviética no sentido de interromper o fluxo normal das rotas marítimas ocidentais, no Atlântico Sul ou alhures, e é razoavel supor que uma tal iniciativa só seja concebível no quadro de uma séria deterioração no padrão global do relacionamento bipolar.
Hervé Couteau-Bégarie reconhece que os riscos de um ataque soviético contra as linhas de comunicação ocidentais nessa região são extremamente reduzidos, “mas, no caso em que a dissuasão fracassasse, o cenário de ataque ao tráfico ocidental é um dos que comporta o menor risco de escalada, pois uma batalha no mar não provoca perdas colaterais” (p. 98). Na verdade, um eventual fracasso da dissuasão comportaria um cenário muito mais complexo que o imaginado pelo especialista francês, mas, mesmo admitindo-se a hipótese de uma resposta marítima soviética, o Atlântico Sul é a região que menos se presta a um ataque diversionista da frota soviética. De toda forma, a Marinha norte-americana, e por extensão a aliada, parece dispor de todas as condições para deter, mesmo preventivamente, qualquer ação soviética nessa ou em outra região, mantendo acompanhamento permanente da localização de navios e submarinos soviéticos em diversos oceanos.

3. O ABASTECIMENTO EM MATÉRIAS-PRIMAS: TEMOR À OESTE
A ameaça suposta ou real contra as linhas de comunicação marítimas do Ocidente não é tudo porém, pois “a estratégia [da URSS] comporta um segundo painel, muito mais ambicioso e cujá eficácia poderia se revelar bem mais temível: a busca do controle das matérias-primas” (p. 99). A crer no especialista frances, que retoma um dos temas mais conhecidos na literatura sobre o assunto, “Moscou busca atualmente incorporar à sua órbita os principais países produtores de matérias-primas” (p. 99).
O temor ocidental é tanto maior que a história e a geografia já pareciam ter assegurado ao Atlântico Norte um seguro monopólio sobre os recursos do Sul. “O geopolítico Haushofer foi sem dúvida o que melhor observou a verticalidade do sistema internacional. Ele não deixou de sublinhar a continuidade entre a Europa e a África (a ‘Eurafrica’) e entre as duas partes do continente americano (a ‘PanAmerica’). Isto é ainda mais verdadeiro na atualidade. A zona sul-atlântica é, antes de mais nada, um fantástico reservatório de matérias-primas” (p. 64; nós sublinhamos). Mas, o Atlântico Sul não serve apenas ao simples aprovisionamento em materiais estratégicos para as economias ocidentais: “Os países do Atlântico Norte não poderiam viver sem sua periferia latino-americana ou africana” (p. 66). “Os países do hemisfério sul não são apenas produtores de matérias-primas, eles são também uma área de expansão econômica e cultural sem a qual o mundo norte-atlântico seria asfixiado. (...) Ora, a conservação da África e da América Latina passa antes de mais nada pelo controle das águas adjacentes, e em primeiro lugar, do Atlântico Sul” (p. 67; nós sublinhamos). Não parece vir à mente dos geoestrategistas norte-atlânticos que os países do Sul possam pretender controlar eles mesmos seus próprios recursos minerais, colocando suas matérias-primas a serviço de seu próprio desenvolvimento nacional, ou que eles não têm exatamente como um de seus objetivos estratégicos o de servir de “área de expansão” para os países ocidentais. Ao ler Couteau-Bégarie fica-se na dúvida sobre se o famoso lebensraum representou apenas e tão somente uma passageira deformação nazista da geopolítica ou se ele é um componente indispensável de suas formulações ideológicas.
A visão alarmista ocidental sobre a dependência do Atlântico Norte em relação às matérias-primas estratégicas provenientes do Sul originou-se da crise política e econômica criada com o embargo petrolífero de 1973 e ampliou-se com a intervenção soviética por ocasião da independência angolana em 1975. Acredita-se, por um lado, que os assim chamados “minerais estratégicos” da África austral representarão, nos anos 80 e 90, o que o petróleo representou nos anos 70. Hervé Coutau-Bégarie considera, por outro lado, que a guerra de Angola marca o tournant decisivo no desenvolvimento da penetração soviética nessa área africana: “No total, o assunto angolano se apresenta como um deslumbrante sucesso para a União Soviética” (p. 85). Nenhuma dessas crenças parece encontrar fundamento na realidade.
O cientista político Bruce Russett, após rigorosa análise quantitativa, conclui, por exemplo, que a visão alarmista sobre a dependência mineral do Ocidente, ademais de ser baseada em fundações conceituais muito primitivas, não encontra justificativa real nos dados disponíveis sobre o aprovisionamento estratégico dos principais países desenvolvidos capitalistas. O risco da dependência de fontes externas para a maior parte das matérias-primas foi simplesmente exagerado, pelo menos para os Estados Unidos. 12 Outro especialista norte-americano considera que “a dependência de importações da África austral e o problema do acesso ininterrupto aos suprimentos minerais não representam ameaças críticas ou estratégicas imediatas para os Estados Unidos e seus aliados. E a ameasa principal não vem da União Sovietica”. 13 Para esse autor, uma eventual ameaça nessa área, traduzindo-se por interrupções caóticas e imprevisíveis na produção ou fornecimento de minerais estratégicos, poderia ocorrer não em conexão com uma intervenção soviética, mas devido a problemas internos nos países produtores: a instabilidade doméstica, e não a ameaça soviética, representa assim o perigo maior. 14 De toda forma, “os Estados Unidos poderiam perder uma parte substancial de suas importações de minerais estratégicos sem que isso significasse qualquer ameaça a sua segurança nacional”. 15 Para o mesmo analista, a medida mais importante para garantir e aumentar a segurança mineral do Ocidente está no terreno da política externa e não no da segurança estratégica: “Os Estados Unidos deveriam usar a diplomacia para tentar prevenir conflitos inter-estatais nas regiões produtoras de minerais”. 16 Outras medidas incluiriam a estabilização dos preços, a assistência econômica e ajuda bilateral aos fornecedores doTerceiro Mundo.
A outra vertente da “guerra de recursos” seria dada pela “modificação radical” da estratégia soviética a partir de 1975: apoiando-se na intervenção angolana, a URSS teria passado a buscar integrar suas novas “aquisições” num novo “Terceiro Mundo”, seguindo uma política em dois eixos: a) o país protegido deve operar uma “restruturação idêntica” segundo o modelo socialista; b) o país protegido deve custar o menos possível e render o maximo possível. 17
Não é contudo o que parece indicar a política “terceiro-mundista” da URSS nos últimos cinco ou seis anos, e particularmente desde a morte de Brejnev em novembro de 1982. Como demonstra Francis Fukuyama, em artigo na Foreign Affairs, passou a época das generosas ofertas de ajuda econômica e militar aos “países liberados”: o programa do 27° Congresso do PCUS, encerrado em outubro de 1985, consigna apenas a “profunda simpatia” com as aspirações dos povos que estão se libertando do jugo colonial, uma frase tépida para indicar os limites da assistência soviética a seus clientes do Terceiro Mundo. 18 Os Estados “orientados para o socialismo” devem, segundo o programa do partido, desenvolver suas economias “por meio de seus próprios esforços”, sendo-lhes implicitamente recomendado “aprofundar a cooperação com os países que percorrem a via capitalista”. 19 A desilusão com os resultados obtidos no Terceiro Mundo e a consequente proposta de “desengajamento” são expressamente reconhecidos no recentemente divulgado manifesto da “oposição clandestina” ao PCUS, que reproduz na verdade o pensamento oficioso sobre a matéria: “A política externa soviética tem experimentado sérios reveses em países que foram colonias do Ocidente. Apesar dos vastos recursos investidos na Indonésia, no Egito, na Argélia e no Iraque, a URSS não obteve nenhum dividendo político ou econômico”. 20
É altamente improvável, portanto, que Moscou disponha de meios para, ou tenha a intenção efetiva de, conduzir uma “guerra de recursos” contra o Ocidente com base na intervenção direta em países da África austral: ao contrário de pensar na asfixia econômica do Ocidente, a URSS procura desesperadamente intensificar suas relações econômicas e os vínculos de cooperação com a zona capitalista. Uma “guerra de recursos”, aliás, não apenas iria contra os próprios interesses da URSS, como afetaria igualmente interesses substanciais de seus aliados socialistas e parceiros “não-alinhados”, além de, mais uma vez, só ser concebível no contexto de um enfrentamento global entre os dois campos.
Contrariamente, portanto, ao que sugeriu Peter Wiles em sua tese sobre o novo “Terceiro Mundo” soviético, as tendências indicam que a postura da URSS em relação aos países em desenvolvimento caminha no sentido de relativizar o impeto da mudança revolucionária em direção ao “socialismo” e de reconhecer o próprio potencial transformador da “via capitalista”. As evidências são tanto de carater teórico, como o demonstra uma recente resenha da literatura soviética a esse respeito, 21 quanto de natureza prática, de que são exemplos diversos discursos e pronunciamentos oficiais soviéticos do período recente, a começar pelo próprio Gorbachev. Isto não quer dizer que a URSS deixará de aproveitar as oportunidades locais que se abram à sua ação no Terceiro Mundo, e na África austral em particular, mas suas prioridades atuais são bem diferentes de uma política de “guerra total” contra o Ocidente.

4. DA GEOESTRATEGIA À COOPERAÇÃO: UMA VISAO DO SUL
A segurança, na visão geopolítica, tende a ser alcançada não por meios políticos e diplomáticos, mas através da dissuasão estratégica. O argumento não deixa de ter sua legitimidade, tanto teórica quanto prática, e parece justificado em face do conhecido quadro de enfrentamento bipolar à dimensão global. O problema começa quando, num quadro regional caracterizado por baixo coeficiente de polarizações dicotômicas e, portanto, com tendências à multipolarização, se pretende introduzir à força o cenário da dissuasão estratégica. O Atlântico Sul corre hoje esse risco, menos provavelmente pelo desenvolvimento de uma dinâmica própria de conflitos inter-estatais do que pela vontade dos ideólogos da geoestratégia.
Hervé Couteau-Bégarie reconhece implicitamente a realidade da multipolarização no Atlântico Sul, quando afirma que “o desenvolvimento das forças navais latino-americanas não pode ser considerado como uma resposta ao aparecimento de navios soviéticos na região. Ele decorre mais exatamente de fatores locais que de modificações no equilibrio planetário de forças” e, dentre esses fatores, o autor alinha a busca de “prestígio”, a defesa da soberania, o “efeito induzido” de outras frotas vizinhas ou mesmo “ambições hegemônicas, bastante nítidas na América Latina, onde se digladiam antagonismos irredutíveis” (pp. 17-18). Mas, o cenário global, segundo ele, é dominado pelo surgimento dos submarinos dotados de mísseis estratégicos – “o elemento mais estável dos arsenais” – acarretando a militarização ampliada dos oceanos. Nesse contexto, o Atlântico Sul é inevitavelmente elevado “à categoria de zona de patrulha para os submarinos estratégicos” (p. 68).
Assim, a despeito da reconhecida multipolarização dos cenários regionais – evidente, entre outros motivos, pela multiplicação de conflitos locais no Sul – a estratégia da dissuasão global é transposta para o Atlântico Sul, observando-se mesmo uma tentativa de reverticalização nos espaços geográficos considerados fundamentais pela superpotência americana. A visão americana da problemática do Atlântico Sul, assumida inteiramente por Couteau-Bégarie, caracteriza-se tanto pela exacerbação do potencial de conflitos globais nessa área, como pelo total desconhecimento das aspirações e preocupações específicas dos países ribeirinhos, considerados como meros instrumentos da defesa dos interesses ocidentais na região. Condizente com essa visão, cogitou-se no passado – e talvez alguns ainda mantenham a ilusão – não apenas da constituição de uma OTAS alinhada com sua irmã do Norte, mas também de um delírio geopolítico popularizado sob o nome de “Aliança de todos os Oceanos”, nova versão da Liga Ateniense, que pretenderia ser uma transposição da OTAN em escala mundial. 22 O alinhamento com os EUA, nesse contexto, é considerado como algo natural, ou mesmo como uma obrigação dos países do hemisfério sul, assim como a garantia de acesso ocidental às fontes de recursos estratégicos, em primeiro lugar as matérias-primas minerais. A estabilidade política dos países da região sul-atlântica é considerada, nessa visão, como meramente funcional para os objetivos da segurança estratégica do Ocidente, não possuindo valor próprio em termos de requisito adequado para as metas de desenvolvimento econômico, bem-estar social e democracia política nos países contemplados.
A segurança econômica e política dos países ribeirinhos do Atlântico Sul não pode, é certo, dispensar um nível adequado de segurança militar, mas esta, por sua vez, nunca será completa se persistirem focos de tensão e de agitação decorrentes não de uma ameaça externa mas das próprias condições de subdesenvolvimento e atraso econômico-social. Concretamente: a penetração soviética no Atlântico Sul é contraria aos interesses de todos os países da região, mas enquanto para as duas superpotências a zona sul-atlântico é apenas um cenário a mais, e necessariamente secundário, no quadro da confrontação global, para as nações ribeirinhas ela é uma area essencial e prioritária para seus próprios objetivos nacionais de paz e desenvolvimento.
Aos países do Atlântico Sul interessa a segurança da região não em termos de sua integração à dissuasão estratégica, mas em termos de mantê-la à margem das tensões externas, de modo a promover as condições favoráveis ao desenvolvimento da cooperação horizontal entre os países que a margeiam. Do ponto de vista da segurança, tanto a Carta da OEA, quanto o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, no âmbito da América Latina, contêm disposições relativas à segurança dos Estados Membros, aplicáveis dentro ou fora da área específica coberta por esse último Tratado. Não parece, assim, haver necessidade de uma organização de defesa específica para garantir a segurança do Atlântico Sul, do ponto de vista da América Latina. Qualquer tentativa nesse sentido, aliás, daria à totalidade dos Estados participantes a mera função de coadjuvantes menores em face do grande irmão do Norte, aproximando portanto a organização proposta mais do modelo do Pacto de Varsóvia do que do da OTAN. Em todo caso, nada há que impeça a continuidade de empreendimentos bilaterais de cooperação naval – como as operações Unitas – ou mesmo projetos multilaterais fora do marco de um tratado específico como ocorreu com a “Ocean Venture 81”. Qualquer esquema de cooperação entre os países ribeirinhos do Atlântico Sul e os parceiros do Norte – os EUA ou a OTAN – só poderia concretizar-se adequadamente a partir do reconhecimento dos interesses específicos dos países da área e considerando seus ob;etivos nacionais em primeiro lugar; em uma palavra, cabe aos interesses do Atlântico Norte coordenar-se com os do Atlântico Sul e não o contrário.
A questão essencial para os países do Atlântico Sul é a do estabelecimento de uma presença própria, autônoma e independente na região, exatamente para atingir aos objetivos do desenvolvimento e da cooperação regional. Não pode haver qualquer incompatibilidade entre esses objetivos e o interesse ocidental na região e é com base neles, portanto, que se deve buscar as formas de cooperação mais adequadas entre os países do Norte e os do Sul. Em síntese, as possibilidades de cooperação devem estar subordinadas, como não poderia deixar de ser, aos interesses políticos, econômicos e estratégicos próprios e permenentes dos países do Atlântico Sul. À estratégia geopolítica da dissuasão, o Atlântico Sul deve opor a estratégia política da cooperação e do desenvolvimento.

Notas e Referências Bibliográficas:

1. Paul H. Nitze, Leonard Sullivan, Jr., and the Atlantic Council Working Group on Securing the Seas: Securing the Seas: the Soviet Naval Challenge and Western Alliance Options (Boulder, Co.: Westview Press, 1979).
2. Hervé Couteau-Bégarie: Géostratégie de l’Atlantique Sud (Paris: Presses Universitaires de France, 1985); dividido em quatro grandes partes, dedicadas respectivamente ao “quadro geoestratégico do Atlântico Sul”, à “penetração soviética” nessa região, à “desintegração da defesa ocidental” e aos esforços tendentes à integração das defesas navais na área, e, finalmente, aos “antagonismos geopolíticos na América Latina”, o estudo de Couteau-Bégarie representa o ensaio mais bem sucedido, até agora, de apresentar a visão “norte-atlântica” sobre os problemas da segurança estratégica do Atlântico Sul. Sem deixar de reconhecer os méritos próprios dessa obra é preciso desde logo apontar seu comprometimento com o pensamento típico da OTAN sobre essa problemática.
3. Ver a esse propósito Alain Rouquie: L’Etat Militaire en Amérique Latine (Paris: Seuil, 1982), que parece ser a única fonte de referência de Couteau-Bégarie sobre a questão militar na América Latina.
4. Cf Couteau-Bégarie, Géostratégie de l’Atlantique Sud, op. cit., pp. 13-14.
5. Sobre o trabalho pioneiro de Mahan sobre o poder naval, consultar o excelente artigo de Joao Carlos G. Caminha: “Mahan: Sua Época e suas Ideias”, Política e Estratégia (vol IV, n° 1, Jan-Mar 1986, 54-103); para a referência ao livro de Haushofer ver o artigo de Lewis Tambs: “A Influência da Geopolítica na Formação da Politica Internacional e da Estratégia das Grandes Potências”, Política e Estratégia (vol I, n° 1, Out-Dez 1983, 73-104), p. 90.
6. Carlos J. Moneta y otros: Geopolitica y Politica del Poder en Atlantico Sur (Buenos Aires: Pleamar, 1983).
7. Hervé Couteau-Bégarie: La Puissance Maritime Soviétique (Paris: Economica/Institut Français des Relations Internationales, 1983).
8. Cf Géostratégie de l’Atlantique Sud, p. 15. Para evitar o apelo frequente às notas de rodape, as referências ao livro de Couteau-Bégarie, extensivamente citadas neste artigo, serão a partir de agora colocadas entre parênteses ao final de cada transcrição.
9. Alvaro Vasconcelos: “Os Desafios do Sul e a Segurança Regional”, Estratégia, Revista de Estudos Internacionais (n° 1, Primavera 1986, 147-170), p. 149. A multipolaridade – política, econômica e militar – é com efeito o traço mais saliente de nossa época, a despeito mesmo das tentativas de verticalização operadas por um ou outro dos dois grandes poderes em suas respectivas áreas de influência.
10. Wolfram Eberhard: Conquerors and Rulers: Social Forces in Medieval China (Leyden: E.J. Brill, 1965), vide “Introduction”, transcrita em Reinhard Bendix (ed): State and Society: a reader in comparative political sociology (Berkeley: University of California Press, 1973), pp. 16-28.
11. Cf Committee on Defence Questions and Armaments of the Assembly of the Western European Union: European Security and the South Atlantic (WEU, 26 October 1981).
12. Bruce Russett: “Dimensions of Resource Dependence: some elements of rigor in concept and policy analysis”, International Organization (Vol 38, n° 3, Summer 1984, 481-499).
13. Michael Shafer: “Mineral Myths”, Foreign Policy (n° 47, Summer 1982, 154-171), p. 155.
14. Idem, p. 161.
15. Idem, p. 165.
16. Idem, p. 168.
17. Ver Peter Wiles: The New Communist Third World (London: Croom Helm, 1982).
18. Cf Francis Fukuyama: “Gorbachev and the Third World”, Foreign Affairs (vol 64, n° 4, Spring 1986, 715-731), p. 715.
19. Idem, pp. 715-6.
20. Ver “The Secret Dream of a Soviet tomorrow”, The Guardian (August 3, 1986), p. 10. O manifesto do “Movimento de Renovação Socialista” foi publicado no Brasil pela Folha de São Paulo (31.08.86).
21. Ver o excelente artigo-resenha de Elizabeth Kridl Valkenier: “Revolutionary Change in the Third World: recent soviet assessments”, World Politics (vol 38, n° 3, April 1986, 415-434).
22. A proposta é de Ray Cline, o conhecido autor de World Power Assessment; cf “Avaliação do Poder Mundial”, Política e Estratégia (vol I, n° 1, Out-Dez 1983, 7-19).

[1a: 24-26.09.86]
[2a: 12.01.87]


132. “Geoestratégia do Atlântico Sul: uma Visão do Sul”, Brasília, 24-26 setembro 1986, 13 pp. Ampliação do trabalho anterior em forma de artigo, excluída a segunda parte sobre a política brasileira para a região (Anexo: Esboço de um artigo intitulado: “Da Geopolítica à Cooperação: o Brasil e o Atlântico Sul”). Publicado sob o título “Geopolítica do Atlântico Sul” na Revista Brasileira de Política Internacional (Rio de Janeiro, vol. XXIX, nºs 115-116, 1986/2, pp. 131-138), sob o título “Geoestratégia do Atlântico: uma Visão do Sul” em Estratégia (Lisboa, 3, Primavera 1987, pp. 117-128) e, sob o título “Geoestratégia do Atlântico Sul: uma Visão do Sul”, em Política e Estratégia (São Paulo, vol. V, nº 4, outubro-dezembro 1987, pp. 486-495). Relação de Trabalhos Publicados nºs 031, 036 e 045.

Conteudo local na Petrobras: mais um crime economico do lulo-petismo


 
Diretora- geral da ANP diz que mudança entraria em vigor até outubro
 
O ministro Eduardo Braga e a presidente da ANP, Magda Chambriard, defenderam mudança nas regras que exigem o uso de fornecedores locais na indústria de petróleo.
 
HOUSTON, EUA- O governo brasileiro está discutindo mudanças na regulação do setor de petróleo, confirmaram ontem a diretora- geral da Agência Nacional do Petróleo ( ANP), Magda Chambriard, e o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, durante a Offshore Technology Conference (OTC), em Houston, nos Estados Unidos.
Segundo Magda, a ANP e o ministério devem apresentar proposta para ajustar as regras dentro de 30 a 60 dias, noticiou a agência Bloomberg. Magda reforçou que o país não desistirá da política que obriga a construção de parte dos projetos por empresas brasileiras ou com fábrica no Brasil. Em média, o percentual oscila entre 45% e 60%. Magda ponderou que a alteração é necessária para manter a indústria atraente. Qualquer mudança só será válida para contratos futuros, não para os já assinados.
— Entendemos que a política precisa ser reforçada com alguma simplificação. Vamos tentar incluir as mudanças já na 13 ª Rodada de Blocos Exploratórios de Petróleo — disse ela, referindo-se às próximas licitações.
Mesmo confirmando que o assunto está em discussão, Braga afirmou que as novas regras não deverão entrar em vigor antes da próxima licitação de blocos exploratórios de petróleo, prevista para outubro.
— Precisamos ajustar as políticas, porque a economia é muito dinâmica — disse.
A discussão sobre uma mudança de regras do conteúdo local já estava em discussão no governo desde o início do ano, como revelou reportagem do GLOBO publicada em 18 de janeiro. O mercado também já apontava a necessidade de mudanças. De 2011 a 2013, a ANP aplicou multas de R$ 36 milhões às petroleiras pelo não cumprimento das regras de contratação de fornecedores locais.
A diretora-geral da ANP disse ainda que dificilmente a Petrobras ficaria totalmente de fora da 13ª Rodada, embora possa decidir não participar como operadora. Ela reiterou que o tema é decisão da companhia. Segundo Magda, apesar do cenário de queda no preço do barril de petróleo, petroleiras estrangeiras já manifestaram interesse em participar da disputa.
CONTRA A OBRIGATORIEDADE
Assim como declarou o ministro Eduardo Braga anteontem, em entrevista à agência Bloomberg, Magda também se mostrou favorável à retirada da obrigatoriedade da Petrobras em todos os leilões de exploração de blocos do pré-sal.
— Obrigar uma empresa é difícil. Vejo com muito cuidado essa questão de obrigar uma empresa (a participar do leilão mesmo que não queira) — disse.
Segundo Magda, a realização da rodada do pré-sal em 2016 vai depender dos preços no mercado internacional. Caso eles se mantenham baixos, ela afirmou que os planos podem ser mudados para 2017, embora ainda não exista uma data definida.
O Brasil planeja licitar 269 áreas em outubro, na 13ª Rodada de Blocos Exploratórios de Petróleo, sob regime de concessão, sem a inclusão de áreas do pré-sal. A expectativa do governo é arrecadar até R$ 2,5 bilhões em bônus de assinatura.
 
 
DANILO FARIELLO
 
Para relator de projeto de lei, mudança permitirá maior competição
 
-BRASÍLIA- A proposta de acabar com a exigência de a Petrobras ser a operadora exclusiva do présal, com uma participação obrigatória de ao menos 30% em todos os blocos licitados, defendida abertamente anteontem em Houston pelo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, conta com o apoio de parlamentares da base da oposição no Senado. Na semana passada, foi designado Ricardo Ferraço (PMDB-ES) como relator de um projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP) que trata do assunto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ferraço é abertamente favorável à mudança.
— Esse é um projeto para atender aos interesses do Brasil. O presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, falou aqui no Senado na semana passada que, se fosse feito qualquer leilão agora (no pré-sal), a Petrobras teria extraordinária dificuldade em participar. A flexibilização significa ampliar a competição pelo présal — disse Ferraço.
O senador pretende apresentar seu relatório ainda este mês e vai propor uma tramitação unificada do texto nas comissões de Assuntos Econômicos e Infraestrutura, além da CCJ, para agilizar a discussão. Segundo ele, esse instrumento está previsto no regimento e já foi adotado na tramitação do Código Florestal, em 2011.
— Havendo entendimento para isso, há precedente e mecanismo regimental. Vou ter pressa, porque esse assunto precisa ser enfrentado.
O recém-nomeado líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), é outro parlamentar da base que defende a revisão da exigência da Petrobras como operadora única do pré-sal. Depois de tramitar nas comissões, o texto seguirá diretamente para a Câmara dos Deputados, sem ter de passar pelo plenário do Senado.
Para Serra, a aprovação da mudança melhoraria as expectativas do mercado com relação ao ritmo de exploração do pré-sal no país e à própria economia. Para ele, é a deterioração dessas expectativas que vem contribuindo para a piora do cenário macroeconômico do país e a subida dos juros ao nível atual, de 13,25% ao ano.
 

Dívida Externa, Resenha de Santiago Fernandes - Paulo Roberto de Almeida (1986)


Dívida Externa: uma velha história

Paulo Roberto de Almeida
Revista Brasileira de Política Internacional
(Rio de Janeiro: Ano XXIX, 1986/2, nº 115-116, pp. 127-130)

FERNANDES, Santiago:
A Ilegitimidade da Dívida Externa do Brasil e do III Mundo
(Rio de Janeiro: Nórdica, 1985)

Ao se perguntarem como foi possível que o Brasil atingisse o nível de endívidamento externo a que chegou, sem que mecanismos de controle fossem acionados, os parlamentares responsáveis pela CPI da Dívida Externa e dos Acordos Brasil-FMI levantaram a questão da ilegalidade dos empréstimos contratados. Com efeito, argumentaram eles, em nenhum momento os instrumentos contratuais da dívida foram submetidos à processualística constitucional da apreciação legislativa, nem poderia o Banco Central renunciar à imunidade jurisdicional e aceitar foro judicial nos países credores (Nova York e Londres) para julgamento de pendências e eventual decretação de penhora dos bens mantidos no exterior. Constatada a ilegalidade dos contratos de empréstimo, não apenas se deveria decretar sua nulidade por inconstitucionalidade, mas igualmente declarar a responsabilização criminal dos responsáveis pela enorme dívida e pelas escandalosas cartas de intenção assinadas com o FMI. Como se sabe, nada disso aconteceu.
Ao tratar da mesma problemática em seu curioso e instigante livro, o economista Santiago Fernandes prefere analisar a questão do ponto de vista da ilegitimidade da dívida externa do Brasil e dos países do Terceiro Mundo. A ilegitimidade decorreria, segundo ele, da ação conjugada de três processos descapitalizadores: a) a secular deterioração dos termos de intercâmbio, drenando recursos das nações pobres para os países ricos; b) a penetração financeira do Terceiro Mundo por instituições e agências bancárias dos países centrais, que passam a operar com recursos locais e muitas vezes a remeter divisas obtidas com manipulações cambiais; c) a evasão de capitais, oficial e criminosa, propiciada pela singular e perniciosa situação de privilégio de que goza o dólar, como moeda de reserva internacional. Constatada a ilegitimidade das dívidas do Terceiro Mundo, não apenas se deveria decretar o seu repúdio, puro e simples, mas igualmennte encetar a reorganização do sistema monetário e financeiro internacional, desmonetizando o ouro e transformando o FMI numa Câmara Internacional de Compensação. Como se sabe, nada disso aconteceu tampouco.
Os banqueiros internacionais receberiam com céticos sorrisos propostas de renegociação que utilizassem os argumentos da legalidade ou da legitimidade das dívidas contraídas pelos países em desenvolvimento. A História parece lhes dar razão: na longa experiência de renegociação das dívidas de Estados temporariamente insolventes, o repúdio completo foi comparativamente raro, ocorrendo em alguns casos uma redução temporária, mas não uma cessação completa do serviço da dívida.
Na época em que a Europa atuava sozinha como world’s banker, ocorreram pelo menos dois períodos de insolvências generalizadas: ao final das independências latino-americanas, na terceira década do século XIX, e nos anos setenta desse século, envolvendo novamente países latino-americanos e alguns médio-orientais (Turquia, Egito). A Grã-Bretanha foi evidentemente o primeiro país a sentir necessidade de proteger seus interesses e, mesmo na ausência de qualquer apoio governamental, os grupos privados organizaram, desde 1868, uma Corporation of Foreign Bondholders. Os resultados parecem ter sido animadores, pois já em princípios dos anos 80, o economista britânico R.L. Nash informava que “the losses caused through defaults were, in the long run almost insignificant compared with the large gains derived by British investors over the whole field of foreign and colonial securities” (A Short Inquiry into the Profitable Nature of Our Investments; London: Wilson, 1881, p. 9).
Em raras ocasiões – como nos casos históricos do México (1861) e da Venezuela (1902) – os governos detentores de títulos de dívida pública chegaram a fazer apelo à ação armada para o ressarcimento dos débitos, provocando, no campo jurídico-conceitual, a primeira contestação à até então dominante “teoria dos credores”. Esta, como se sabe, afirma que a obrigação do devedor é controlada pelo Direito privado dos contratos e que as relações entre as partes estão reguladas por instrumentos vinculativos: quando um Estado contrata um empréstimo ele tacitamente abdicaria de seu caráter soberano e se submeteria voluntariamente às regras do Direito privado.
Para contrapor-se a essa doutrina, o então Ministro argentino das Relações Exteriores, Luis Drago, formulou uma “teoria dos devedores”, colocando ênfase no caráter soberano do Estado devedor, na impossibilidade de se perseguir judicialmente o Estado e na definição da dívida como uma simples “questão de honra”. Para conciliar essas posições antitéticas, surgiu, posteriormente, uma terceira doutrina, a “teoria do contrato sui generis”, que via as transações de empréstimos como contratos de Direito público.
Seja como for, a Corporation britânica parece ter servido de modelo para diversos outros grupos organizados na França, na Bélgica, na Alemanha e na Holanda, bem como para o American Foreign Bondholders Protective Council, organizado diretamente pelo Departamento de Estado norte-americano em 1932, como consequência do terceiro grande período de insolvências generalizadas, provocado pelo bank crash de 1929-1931, que trouxe consigo uma serie de inadimplências na Europa e na América Latina. Os ingleses, que asseguraram sozinhos o funding loan brasileiro de 1898, tiveram, em 1934, de ceder terreno aos norte-americanos, como observa o historiador econômico Edwin Borchard (State Insolvency and Foreign Bondholders; New Haven: Yale, 1951, p. 343).
A estrutura da comunidade financeira internacional alterou-se substancialmente no 2° pós-guerra, com a emergência do FMI e do Banco Mundial, mas sobretudo com o desenvolvimento extraordinário do setor bancário privado. Assim, as renegociações provocadas pelo quarto grande período de defaults, inaugurado em princípios da década de 80, são normalmente conduzidas pelos Advisory Banking Committees, criados pela comunidade bancária privada, e supervisionadas pelo Clube de Paris e pelo FMI. O cartel dos credores tem portanto uma longa história atrás de si, e uma das mais dignificantes: se as incursões armadas, os bloqueios de portos e as intervenções diretas nas finanças dos devedores parecem ter hoje saído de moda, ficou a truculência dos banqueiros atuais que, mesmo resguardada pelos salões acarpetados dos grandes hotéis, nada fica a dever à ética enviesada de seus predecessores.
0s devedores, por sua vez, parecem ter estacionado nas banalidades conceituais da Doutrina Drago, uma vez que o chamado Consenso de Cartagena nada mais fez, até agora, do que reconhecer o óbvio: a carga financeira é insuportável, os programas de reajuste são inadequados, mas continua-se a drenar recursos líquidos para o exterior a título do serviço da dívida. Se não parece tão simples proclamar a ilegalidade jurídica dos contratos de empréstimo, alguns Governos tem procurado avançar a tese da ilegitimidade de fato das dívidas atuais, sem muitos resultados tangíveis ate aqui.
O livro de Santiago Fernandes procura justamente fornecer argumentos econômicos para sustentar esta última posição e é com base nessa pretensão que ele deve ser julgado. Os três mecanismos de descapitalização por ele mencionados – resumindo: desequilíbrio nas relações de troca, manipulações de bancos estrangeiros e fuga de capitais – podem realmente ser responsabilizados pela acumulação do enorme passivo financeiro que caracteriza hoje grande parte do Terceiro Mundo ?
A ilegitimidade da dívida externa brasileira e de diversos outros países em desenvolvimento só poderá ser comprovada na prática se estabelecermos um vínculo estrutural, isto é uma relação causal, entre os fatores acima citados e o processo de formação das obrigações financeiras externas desses países. Uma análise isenta das relações econômicas internacionais dos países em desenvolvimento constataria, efetivamente, que os três fatores selecionados atuaram de forma negativa, muitas vezes de maneira contundente, sobre as contas nacionais desses países, agravando os desequilíbrios externos e ampliando indiretamente a dimensão do endívidamento externo.
Os dados não são porém conclusivos quanto à transformação daqueles elementos contingentes em fatores estruturais do endívidamento externo dos países em desenvolvimento, no sentido em que eles passariam de necessários a suficientes. Não cabe, nos limites desta resenha, uma análise detalhada de cada um daqueles fatores considerados como dotados de relevância causal no processo de endívidamento externo, mas não se pode deixar de notar que, no plano das variáveis explicativas, nem sempre é facil ou possível converter a realidade empírica em paradigma interpretativo.
Em outros termos, o possível histórico não pode ser automaticamente convertido em lógico necessário: ainda que aqueles mecanismos tenham efetivamente atuado como processos defraudadores de nosso equilíbrio externo, não existe um nexo diretamente causal que os ligue ao passivo financeiro acumulado ao longo dos últimos anos. A descapitalização pode efetivamente ter resultado daqueles processos defraudadores de nossas riquezas, mas o endividamento não foi provocado, do ponto de vista formal, por lesivos contratos de empréstimo feitos pelas elites do Terceiro Mundo e nos quais tivessem sido expressamente consignados o intercâmbio desigual, a manipulação bancária e a fuga de capitais.
O endívidamento atual deriva de causas essencialmente financeiras, ligadas à forma de funcionamento do mercado de capitais de empréstimo e que incidem prioritariamente sobre o serviço do principal em regime de taxas de juros flutuantes. Do ponto de vista estritamente econômico, a ilegalidade de alguns contratos de empréstimo e de determinadas práticas bancárias, bem como a injustiça e a irracionalidade da transferência de recursos operada apenas para servir a dívida não são suficientes para caracterizar uma situação de ilegitimidade da dívida externa.
O conceito de (i)legitimidade, segundo Mestre Aurelio, refere-se ao fato de terem sido ou não atendidos os requisitos legais ou a qualidade ou condição de desarrazoado e injusto. É evidente que Santiago Fernandes descarta o entendimento jurídico-legal desse conceito, preferindo encará-lo do ponto de vista da autenticidade ou da adequação aos critérios da razão e da justiça. Ainda que a razão e a justiça pudessem militar em favor da tese da ilegitimidade da dívida externa do Brasil e do Terceiro Mundo, deve-se reconhecer que o sistema econômico internacional está muito longe de fundar-se nesses dois princípios.
As relações de espoliação e de expropriação de recursos, no quadro da interação centro-periferia (que Braudel chama de “economia-mundo” e Wallerstein de “capitalismo histórico”), constituem em ultima instância a base sobre a qual se assentam a desigualdade na distribuição de riquezas e a estrutura iníqua do poder mundial. Uma vez que a organização atual da produção social não foi feita para reparar injustiças ou introduzir a igualdade de chances não há razão de esperar que a ordem internacional venha a ser fundada em imperativos éticos ou critérios morais. A menos de se tomar uma decisão política de cancelar simplesmente o serviço ou o principal da dívida, decisão que só pode resultar de uma nova correlação de forças no plano das relações inter-estatais, os atuais países endívidados continuarão a transferir uma parte de suas riquezas para os cofres dos países credores, independentemente do caráter mais ou menos legítimo (ou ilegítimo, como se queira) dos mecanismos de espoliação.
Os argumentos acima expostos em nada invalidam o valor do livro de Santiago Fernandes no que se refere a uma correta avaliação do funcionamento atual do sistema monetário e financeiro internacional e a urgente necessidade de sua restruturação nas linhas propostas outrora por Lord Keynes, tendentes à constituição da uma International Clearing Union (mas por ele mesmo fraudadas com a criação do FMI em Bretton-Woods. Sem dúvida que a exigência de Fernandes, no sentido do cancelamento da dívida do Terceiro Mundo, será dificilmente cumprida integralmente, mas as regras de funcionamento dessa Câmara mundial de Compensações, relegando o ouro a seu papel de “relíquia bárbara” e introduzindo uma moeda bancária (o “bancor”) para a regulação dos desequilíbrios de balança de pagamentos, devem ser seriamente estudadas por qualquer autoridade monetária tant soit peu honnête e responsável.
Não sejamos muito otimistas porém: a multilateralização dos ajustes de pagamentos, se ocorrer, ficará durante muito tempo restrita às economias desenvolvidas, que precisarão coordenar previamente suas políticas monetárias e fiscais. Pode-se alternativamente pensar em soluções mais modestas, envolvendo projetos de integração regional mobilizando países relativamente homogêneos, como o demonstra a experiência da Comunidade Européia.
Aqui Santiago Fernandes antecipa-se às tendências futuras de desenvolvimento em escala continental, ao propor uma Câmara Regional de Compensação Multilateral para a América Latina e a instituição de uma moeda comum, o “Latinor”, para ajustes comerciais e financeiros que até agora são realizados bilateralmente ou utilizando-se de moedas fortes, no caso o dólar. Os recentes acordos de integração comercial e industrial do Brasil com a Argentina e o Uruguai, lançando as bases de um espaço econômico comum no Cone Sul, e as negociações para a criação de uma nova moeda de câmbio (o “gaúcho”), vêm dar inteiramente razão a Santiago Fernandes.
A ousadia e a originalidade da maior parte das teses do autor tornam sem dúvida alguma deveras atrativa a leitura deste livro, verdadeiro manancial de idéias refrescantes na atual pasmaceira da “ciência econômica”. A razão e o bom senso parecem caracterizar este economista “heterodoxo” – para usar um termo na moda – ainda que não concordemos com todas as suas propostas.
A discordância aliás não está na justeza das medidas propostas, sobretudo aquelas relativas à dívida externa do Terceiro Mundo, mas tão somente num julgamento diverso do funcionamento do sistema internacional e sua eventual adequação aos princípios da razão e da equidade. Santiago Fernandes deve provavelmente estar certo, mas parece avançado demais para sua época. O futuro lhe dará razão, mas, como diria Lord Keynes, no longo prazo estaremos todos mortos.

Ficha do Trabalho:
126. “Dívida Externa”, Brasília, 31 agosto 1986, 5 pp.
Resenha-crítica ao livro de Santiago FERNANDES, A Ilegitimidade da Dívida Externa do Brasil e do III Mundo (Rio de Janeiro, Nórdica, 1985)
Publicada na Revista Brasileira de Política Internacional (Rio de Janeiro: Ano XXIX, 1986/2, nº 115-116, pp. 127-130) e na Seção “Crítica” de Humanidades (Brasília, Ano III, nº 11, novembro 1986-janeiro 1987, pp. 14-115).
Relação de Trabalhos Publicados nº 030 e 033.
Anexo: Reação de Santiago Fernandes à minha resenha: “Controvérsia sobre a legitimidade da dívida”, publicada no Jornal do Commércio (Rio de Janeiro: 20 março 1987, p. 4).