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quinta-feira, 9 de junho de 2016

Ja ouviram falar do tal modelo liberal-periferico? Claro: coisa de academicos na estratosfera... - Reinaldo Goncalves, Paulo Roberto de Almeida

Acabo de receber um trabalho do incansável Reinaldo Gonçalves. Um bom economista para revelar as bobagens que são feitas pelos governos, mas um péssimo recomendador de políticas públicas, já que continua acreditando em mágicas econômicas e na mão sapiente do Estado para corrigir os mercados.
Como todos sabem, não faço nenhuma concessão a acadêmicos puros, ou seja, os que vivem num mundo em que ninguém afere custos de manutenção, e todos querem viver às custas do Estado, que é pago sempre pelos mais pobres.
    Já de início, percebo que vou discordar da filosofia, ainda que suas análises possam ter consistência em algumas áreas. Por isso faço desde já minhas críticas preventivas com base neste resumo de sua entrevista mais recente.

O aprofundamento do Modelo Liberal Periférico; Governo Temer aproveita “caldo de cultura” criado por FHC, Lula e Dilma
Reinaldo Gonçalves
“A questão central é quem paga os impostos. Penso que a turma da FIESP tem que pagar mais impostos. Ao mesmo tempo, o governo tem que se mostrar capaz de moralizar e racionalizar os gastos públicos”.


   PRA: Quanta bobagem. Essa coisa de modelo, de qualquer tipo, é típico de acadêmicos que vivem na estratosfera. Governo NENHUM se pauta por modelos, ainda que seus responsáveis políticos e econômicos possam ter algumas ideias (e preconceitos) na cabeça. Governos, quando assumem as rédeas de um país, quando o ministro da economia senta naquela cadeira, tem primeiro de olhar os números, para saber o que dá para fazer. Se os políticos puderem aumentar os impostos sobre todos, não duvidem que eles vão fazer, pois são pagos para gastar o nosso dinheiro. Olhando os números, e olhando a base de apoio, no parlamento ou na sociedade, os governos, ou seja, os dirigentes eleitos, vão fazer aquilo que é possível fazer, dentro do que cabe fazer, com as forças de que dispõem. Essa coisa de modelo, desenvolvimentista, liberal, periférico ou não, isso é bobagem de acadêmico.
    Quanto à receita, o economista delira mais uma vez. O que ele chama de turma da FIESP é apenas a parte superior da economia de mercado, os grandes capitalistas, que não são os que fornecem mais empregos e renda à sociedade, e sim os milhões de pequenos capitalistas e informais que concentram o grosso da força de trabalho, os que são ao mesmo tempo os provedores de emprego e de renda. Os grandes capitalista são inovadores e deveriam, se pudessem, criar mais riqueza, investindo mais e empregando mais. Por que eles não o fazem? Porque deixam um terço, ou mais, do que faturam para o governo, e não empregam mais porque o custo da mão-de-obra é muito elevado, com todos os penduricalhos da CLT, salário mínimo de base, etc. Ou seja, fazê-los pagar mais impostos significa simplesmente expatriar os grandes capitalistas (que são os que podem se mover) para outros lugares, onde o ambiente de negócios é mais favorável, o custo da mão-de-obra mais baixo, etc. Quanto aos demais, eles vão continuar operando como podem, muitos com trabalho informal, elidindo o fisco, etc. Quem não percebe isso só pode ser acadêmico…
    Governo não tem de moralizar nenhum imposto. Tem é de cobrar o mínimo de impostos necessários para as tarefas básicas comuns — aquelas coisas clássicas do Estado, e ponto — e deixar o máximo possível com a sociedade, que saberá o que fazer com a riqueza que ela própria criou (e certamente gostaria de ter mais dinheiro, se o governo deixasse). Racionalizar gastos públicos também é a palavra errada: governo tem é de cobrar menos impostos para gastar menos.
    Quanto menos dinheiro o governo arrecada, menos ele pode gastar e isso é o ideal, inclusive para não ter tanta corrupção.
    Sempre vou me surpreender com a inconsciência dos acadêmicos.
  Uma última recomendação: a economia brasileira é muito regulada e dirigida pelo Estado, que se encarrega de dizer quem pode e quem não pode oferecer bens e serviços para consumo privado. Em consequência, a economia é ultra-cartelizada e monopolizada. Concorrência sempre é bom, inclusive nos serviços públicos.

 Uma última recomendação: as universidades públicas no Brasil são muito ruins em relação ao dinheiro que recebem do governo justamente porque são públicas, e não prestam conta do dinheiro recebido. Proponho dar-lhes total autonomia, e limitar o seu financiamento a um "mensalão básico". Elas deveriam ter um conselho de gestão independente dos professores, e conseguir dinheiro com projetos, pagando o que desejam aos seus "trabalhadores", segundo o mérito, sem isonomia, sem estabilidade de início, sem penduricalhos negociados por máfias sindicais. Trabalhadores de academia devem ser livres para vender sua força de trabalho: quem merece mais vai ganhar mais. Que tal?
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Paulo Roberto de Almeida

O aprofundamento do Modelo Liberal Periférico; Governo Temer aproveita “caldo de cultura” criado por FHC, Lula e Dilma
Entrevista especial com Reinaldo Gonçalves
Por Patricia Fachin
Instituto Humanitas Unisinos, Segunda, 06 de junho de 2016
http://ihu.unisinos.br/entrevistas/555950-o-aprofundamento-do-modelo-liberal-periferico-governo-temer-aproveita-caldo-de-cultura-criado-por-fhc-lula-e-dilma

"Calculo que o custo econômico acumulado no período 2011-18 é de 4 trilhões de dólares caso não haja o impedimento de Dilma Rousseff. O custo econômico é medido como a diferença entre a renda potencial e a renda efetiva. Nunca antes na história do país houve custo econômico tão elevado em termos absolutos e relativos.

O pacote econômico anunciado pelo governo interino de Michel Temer indica que “na essência” se trata de uma continuidade do Modelo Liberal Periférico - MLP, que vinha sendo adotado nos governos anteriores. A diferença é que “nosgovernos Lula e Dilma o MLP aparecia disfarçado de um social-liberalismo frágil, enquanto no governo Temer o MLP arreganha sua cara conservadora e liberal”, afirma Reinaldo Gonçalves em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Na avaliação do economista, a tentativa de reversão da crise econômica deveria de ter três focos centrais, a começar com “a contenção do aumento dodesemprego”. A prioridade número 2, afirma, “deve ser a geração de emprego. A prioridade número 3 é combater a paranoia fiscal”. Este último ponto, esclarece, “é fundamental, visto que o crescimento das exportações, a redução das importações e a substituição de importações não são capazes de recolocar a economia brasileira de volta aos trilhos do crescimento”.
Crítico das sucessivas políticas econômicas desde o governo Lula, Gonçalves pontua que “é fundamental que haja ‘emagrecimento’ do BNDES, assim como da Petrobras”, porque “a política dos campeões nacionais foi um fracasso caro e patético”. E pergunta: “Quem é campeão nacional? O grupo de mineração da megalomania empresarial? O grupo do agronegócio envolvido em dumping social e dumping ambiental? O produtor de picanha? Ou a empreiteira que só consegue operar no Brasil, Angola, Venezuela, Cuba e afins?”. Para ele, “os formuladores da estratégia dos campeões nacionais esqueceram-se de uma lição básica: para que essa estratégia dê certo é fundamental que o Estado não seja capturado pelos grupos e setores dominantes (candidatos a campeões). O problema é que houve aprofundamento e ampliação do secular sistema patrimonialista, clientelista e corrupto brasileiro nos governos do PT”.
Gonçalves também comenta as críticas feitas ao ajuste fiscal que desvincula recursos da saúde e da educação do orçamento da União, mas apesar disso, menciona, tal crítica “implica ‘murro em ponta de faca’”. E explica: “Esses analistas bem intencionados se esquecem de umas das características mais óbvias do MLP, que é a dominação financeira. Quem são as novas autoridades econômicas? Nada além de representantes, despachantes, dos grandes bancos brasileiros e internacionais. Administradores de banco e macroeconomistas criados pelos banqueiros têm, geralmente, déficit de conhecimento a respeito de questões estruturais e estratégias de desenvolvimento de longo prazo. Vale notar que a dominação financeira aumentou nos governos Lula e Dilma”.
Para, de fato, haver uma mudança, defende, “a reforma tributária é a prioridade número 1 quando se trata de instrumentos. Os focos são: moralização, racionalização e distribuição. A carga tributária brasileira é compatível com as necessidades de intervenção estatal. Não há por que diminuí-la. É preciso fazer com que os setores dominantes e os ricos paguem a conta do ajuste fiscal”.
Reinaldo Gonçalves é formado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre em Economia pela Fundação Getulio Vargas – FGV-RJ e doutor em Letters and Social Sciences pela University of Reading, na Inglaterra. Atualmente leciona Economia Internacional na UFRJ. É autor de, entre outras obras, Economia internacional. Teoria e experiência brasileira (Rio de Janeiro: Elsevier, 2004), Economia política internacional. Fundamentos teóricos e as relações internacionais do Brasil (Rio de Janeiro: Elsevier, 2005) e Economia Política Internacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016, edição revista e atualizada).
Confira a entrevista.
Foto: Fundação Lauro Campos
IHU On-Line - Há muitos anos o senhor vem fazendo críticas às políticas econômicas dos governos Lula e Dilma. A partir dessas críticas, que leitura faz da atual situação econômica do país? Como caracteriza a atual crise?
Reinaldo Gonçalves - Pois é, já desde o governo Lula tenho alertado que o Brasil estava em uma trajetória de instabilidade que desembocaria em crise sistêmica. Lula deixou uma herança negativa para Dilma que, por seu turno, deixou uma herança calamitosa para o Brasil. Por exemplo, nos meus livros A Economia Política do Governo Lula (coautoria com Luiz Filgueiras, de 2007) e Desenvolvimento às Avessas (2013), são destacadas as questões econômicas, sociais, política, éticas e institucionais dessas heranças. O primeiro argumentava que a reversão do ciclo internacional(que, de fato, ocorreu em 2008) pegaria o Brasil com “blindagem de papel crepom” e o livro de 2013 termina prevendo crise institucional. O argumento era e continua sendo de crise sistêmica.
Esse tipo de crise envolve as dimensões acima, bem como falhas de modelo, de governo e de mercado. O Modelo Liberal Periférico introduzido no governo FHC foi aprofundado e ampliado nos governos do PT, inclusive, com as práticas clientelistas, patrimonialistas e corruptas. Falhas de governo envolvem não somente inépcia como corrupção. Falhas de mercado abarcam a dinâmica de acumulação, concentração de capital e abuso de poder econômico pelos setores dominantes (bancos, empreiteiras, mineração e agronegócio).
IHU On-Line - O Brasil dá sinais de que irá romper com o Modelo Liberal Periférico – MLP ou irá aprofundá-lo? Por quê?
Reinaldo Gonçalves - Negativo. Como parte das heranças desastrosas de Lula e Dilma há a criação do “caldo de cultura” para o maior aprofundamento do Modelo Liberal Periférico no governo Temer, cujas diretrizes são claramenteliberais e conservadoras: privatização, concessão e desregulamentação, bem como recuo da intervenção estatal nas esferas reguladora, alocativa, distributiva e estabilizadora. O governo Temer está aproveitando o calamitoso passivo fiscal criado pelos governos do PT para justificar o aprofundamento do MLP.

"Calculo que o custo econômico acumulado no período 2011-18 é de 4 trilhões de dólares caso não haja o impedimento de Dilma Rousseff. O custo econômico é medido como a diferença entre a renda potencial e a renda efetiva. Nunca antes na história do país houvecusto econômico tão elevado em termos absolutos e relativos. "

IHU On-Line - Na atual situação de crise econômica, que medidas urgentes deveriam ser consideradas para conter a crise?
Reinaldo Gonçalves - O foco número 1 deve ser a contenção do aumento do desemprego. A prioridade número 2 deve ser a geração de emprego. A prioridade número 3 é combater a paranoia fiscal. Isso implica, naturalmente, reverter o processo de depressão que atinge a economia brasileira. Os outros desequilíbrios macroeconômicos são secundários, inclusive, no âmbito das finanças públicas, contas externas e inflação. Combater a paranoia fiscal é fundamental visto que o crescimento das exportações, a redução das importações e a substituição de importações não são capazes de recolocar a economia brasileira de volta aos trilhos do crescimento.
IHU On-Line - Como avalia o pacote de medidas econômicas anunciadas pelo governo interino? Elas indicam alguma alternativa ou apenas agravarão a crise?
Reinaldo Gonçalves - No curto prazo o pacote é inócuo. Há somente uma medida de curto prazo (extinção do fundo soberano e venda das ações do Banco do Brasil que lastreavam o fundo) que é totalmente desprezível em termos de impacto sobre as finanças públicas. A proposta de emenda constitucional que limita os gastos públicos, inclusive saúde e educação, só deve ter impacto no longo prazo. O mesmo acontece com a maior regulamentação dos fundos de pensão e das estatais e o “emagrecimento” da Petrobras (exploração do pré-sal). Talvez seja mesmo difícil recuperar recursos emprestados pelo Tesouro ao BNDES no curto prazo. Impacto mais significativo no curto e médio prazos é a redução dos subsídios e incentivos fiscais. Na medida em que o governo Temer “samba em gelo fino” e procura governabilidade, é provável que essa redução não seja significativa no curto prazo.
IHU On-Line - Esse governo parece uma continuidade do anterior ou é radicalmente diferente?
Reinaldo Gonçalves - Na essência é a mesma coisa já que continua adotando o Modelo Liberal Periférico. Entretanto, há diferenças. Nos governos Lula e Dilma o MLP aparecia disfarçado de um social-liberalismo frágil. No governoTemer o MLP arreganha sua cara conservadora e liberal. A intensidade da farsa deve diminuir no governo Temer. Há, também, a expectativa de redução da inépcia e da corrupção em relação aos governos do PT. Assim, espera-se uma redução do déficit de governança e uma interrupção dos processos de perda de governabilidade e legitimidade do Estado que foram as marcas ou cicatrizes do governo Dilma.
A expectativa é que também haja significativa redução do custo do “mau governo Dilma”. Em trabalho recente (Custo econômico do Mau Governo Dilma Rousseff), calculo que o custo econômico acumulado no período 2011-18 é de 4 trilhões de dólares caso não haja o impedimento de Dilma Rousseff. O custo econômico é medido como a diferença entre a renda potencial e a renda efetiva. Nunca antes na história do país houve custo econômico tão elevado em termos absolutos e relativos. Dilma Rousseff tem um desempenho inferior, inclusive, em relação aos casos críticos da história política brasileira. Talvez Temer faça um mau governo, porém dificilmente superará o recorde histórico de Dilma Rousseff.

"A reforma tributária é a prioridade número 1 quando se trata de instrumentos"

  
IHU On-Line - Numa situação de crise econômica como a que vivemos hoje, como deveria ser elaborado o orçamento do Estado? Muitos economistas estão criticando possíveis cortes em programas sociais ou benefícios à saúde e à educação, porque o ajuste não parece levar em conta a queda da taxa de juros para diminuir o valor do déficit público. Como o senhor vê esse debate e que aspectos deveriam ser considerados no orçamento?
Reinaldo Gonçalves - Essa crítica é correta, porém implica “murro em ponta de faca”. Esses analistas bem intencionados se esquecem de umas das características mais óbvias do MLP, que é a dominação financeira. Quem são as novas autoridades econômicas? Nada além de representantes, despachantes, dos grandes bancos brasileiros e internacionais. Administradores de banco e macroeconomistas criados pelos banqueiros têm, geralmente, déficit de conhecimento a respeito de questões estruturais e estratégias de desenvolvimento de longo prazo. Vale notar que adominação financeira aumentou nos governos Lula e Dilma. A evidência empírica é conclusiva quando são analisadas variáveis como o diferencial de taxas de lucros dos bancos e das empresas em outros setores e o diferencial de crescimento dos ativos e do patrimônio dos grandes bancos privados em relação às grandes empresas do país.
IHU On-Line - Ainda no sentido da questão anterior, que medidas o governo interino poderia ter adotado e não adotou neste momento? Seria possível adotar outra medida, dado o déficit de 170 bilhões?
Reinaldo Gonçalves - A reforma tributária é a prioridade número 1 quando se trata de instrumentos. Os focos são: moralização, racionalização e distribuição. A carga tributária brasileira é compatível com as necessidades de intervenção estatal. Não há por que diminuí-la. É preciso fazer com que os setores dominantes e os ricos paguem a conta do ajuste fiscal. A má alocação dos recursos públicos beneficiou, principalmente, os setores dominantes e seus associados que foram gestores públicos. Para ilustrar, o superfaturamento da refinaria pernambucana da Petrobrascobre vários anos de Bolsa Família. O mesmo acontece com os subsídios dados aos grandes grupos econômicos, principalmente no setor primário-exportador.
IHU On-Line - Os aportes do Tesouro ao BNDES nos últimos anos foram criticados por aqueles que viam nisso uma tentativa de financiar grandes campeões, a exemplo da Friboi e da JBS. Vislumbra alguma mudança na atuação do BNDES nesta nova gestão? Em que sentido?
Reinaldo Gonçalves - É fundamental que haja o “emagrecimento” do BNDES, assim como da Petrobras. A política doscampeões nacionais foi um fracasso caro e patético. Quem é campeão nacional? O grupo de mineração da megalomania empresarial? O grupo do agronegócio envolvido em dumping social e dumping ambiental? O produtor de picanha? Ou a empreiteira que só consegue operar no Brasil, Angola, Venezuela, Cuba e afins? Os formuladores da estratégia dos campeões nacionais esqueceram-se de uma lição básica: para que essa estratégia dê certo é fundamental que o Estado não seja capturado pelos grupos e setores dominantes (candidatos a campeões).
O problema é que houve aprofundamento e ampliação do secular sistema patrimonialista, clientelista e corrupto brasileiro nos governos do PT. Isso, inevitavelmente, leva ao fracasso da estratégia dos campeões nacionais com a seleção adversa já que os “escolhidos” são, geralmente, grandes operadores desse sistema. O novo presidente da Petrobras, no discurso de posse, resume com perfeição a realidade brasileira: “crimes foram praticados por pessoas que se valeram de seus cargos para sustentar seus projetos pessoais de riqueza e de poder”, mascarados por triunfalismo e hipocrisia.
IHU On-Line - Vê possibilidade de a taxa de juros começar a cair nos próximos meses?
Reinaldo Gonçalves - Dificilmente. Há o cenário de aumento da taxa de juro norte-americana. Há, também, a resiliência da queda da inflação. Ademais, não se esqueçam de que os despachantes dos bancos ocupam cargos-chaves na área econômica. A queda do lucro das atividades reais deve ser compensada pelos lucros financeiros para que os ricos fiquem tranquilos em uma conjuntura de recessão profunda.
IHU On-Line - Como interpreta a notícia divulgada de que a Câmara aprovou 58 bilhões de reajustes para funcionários públicos? Como analisa essa decisão em meio à crise econômica?
Reinaldo Gonçalves - Essa é uma notícia positiva, pois significa que a paranoia fiscal não contaminou totalmente ogoverno Temer. Ajuste fiscal não pode significar cortes drásticos de despesas. A FIESP e seus associados estão equivocados quando se posicionam contrariamente ao aumento dos impostos. A questão central é quem paga os impostos. Penso que a turma da FIESP tem que pagar mais impostos. Ao mesmo tempo, o governo tem que se mostrar capaz de moralizar e racionalizar os gastos públicos.
Aumentar o salário nominal de funcionários públicos contribui para a maior eficácia do Estado e, ao mesmo tempo, é fonte de expansão da demanda agregada e, portanto, de aumento do investimento e do emprego. Aqui não se trata de subsídios fiscais para empresários incompetentes, corruptos, corruptores e financiadores de campanha de políticos igualmente incompetentes, corruptos e corruptores. Trata-se, sim, do reajuste salarial de funcionários de órgãos públicos com filtros meritocráticos.

"Quem são as novas autoridades econômicas? Nada além de representantes, despachantes, dos grandes bancos brasileiros e internacionais"

IHU On-Line - Que mudanças percebe na política econômica externa? O novo governo dá indicativos de mudanças em termos de relações econômicas? O que se pode esperar de parcerias com o Mercosul, com os BRICs e outros mercados?
Reinaldo Gonçalves - Essa é uma orientação estratégica relevante, mas que só tende a ter efeitos de longo prazo. Apolítica externa do governo Lula e Dilma foi um fracasso quando se considera a sua prioridade número 1: aCooperação Sul-Sul, a integração com a América do Sul e o aprofundamento do Mercosul.
Houve retrocesso da integração comercial de bens com os principais parceiros comerciais do Brasil no mundo em desenvolvimento. As exceções (Bolívia, Nigéria e Índia) são parceiros secundários. Escrevi um texto recente sobre isso (Cooperação Sul-Sul e as relações comerciais bilaterais. Fracasso da política externa dos governos do PT). É preciso reverter a política de dispersão e desperdício de escassos recursos diplomáticos, econômicos etc. com a “diplomacia presidencial de palanque” criada por Lula.
Os discursos grandiloquentes de Lula mascaravam, de fato, uma nanodiplomacia, já que o país tem perdido poder efetivo na arena internacional desde os anos 1990 (ver meu livro mais recente: Economia Política Internacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016, edição revista e atualizada). Há anos analistas independentes recomendam foco da política externa em arranjos bilaterais com agendas específicas.
IHU On-Line - Que perspectivas podemos esperar em relação ao futuro da economia brasileira?
Reinaldo Gonçalves - Em estudo recente (Interrupção de presidências, reequilíbrio e bônus macroeconômico. Lições da América Latina para o impedimento de Dilma Rousseff) apresento evidência de que em 60% dos casos de interrupção de presidências na América Latina no passado recente houve recuperação e estabilização econômica. De modo geral, constatam-se melhoras de indicadores de crescimento econômico, emprego, finanças públicas e contas externas. O investimento e a inflação foram mais resilientes. Se o governo Temer abandonar a paranoia fiscal e focar na geração de emprego, o Brasil tem 60% de probabilidade de realizar ajuste econômico razoável a partir de 2017-18. Isso pressupõe também o defenestramento definitivo de Dilma Rousseff o mais rápido possível.
A punição efetiva de Lula também deve contribuir positivamente para melhorar expectativas, governabilidade e governança e, portanto, para a interrupção do acelerado processo de perda de legitimidade do Estado brasileiro que começou lá atrás, no início do governo Lula. Em resumo, mesmo que haja redução das falhas de governo, o defenestramento de Dilma e a punição de Lula, a manutenção das falhas de modelo (Modelo Liberal Periférico) e das falhas de mercado, a economia brasileira tem uma recuperação (um tanto anêmica) somente até a próxima crise internacional.
Por Patricia Fachin

PARA LER MAIS:



  • 20/05/2016 - Governo Temer. A prioridade econômica é o ajuste fiscal. Será com ou sem sobrevalorização da taxa de câmbio? Eis a questão. Entrevista especial com José Luis Oreiro
  • 26/05/2016 - O novo desenvolvimentismo. Uma proposta para a crise econômica brasileira. Entrevista especial com Luiz Carlos Bresser-Pereira
  • 29/05/2016 - A transformação da crise política em crise institucional. 'O que está em jogo é a legitimidade das instituições da República brasileira'. Entrevista especial com Rudá Ricci
  • 31/05/2016 - "O plano econômico do PMDB não serve para nada. É só marketing". Entrevista especial com Guilherme Delgado
  • 02/06/2016 - Debate sobre o orçamento público não inclui a discussão sobre juros e tributações. Entrevista especial com Evilasio Salvador
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  • 23/07/2010 - As novas potências do agronegócio
  • 11/12/2011 - 'Empresa que elege mais políticos recebe mais recursos do BNDES'
  • 04/04/2016 - Brasil é paraíso tributário para super-ricos, diz estudo de centro da ONU
  • 13/02/2016 - Manifesto: reforma tributária tem que ser com justiça fiscal
  • 15/10/2015 - País precisa de reforma tributária para reduzir impostos indiretos e combater desigualdades
  • 22/09/2015 - Financeirização, o ácido que corrói a democracia. Entrevista especial com Michael Peters

  • VEJA TAMBÉM:



  • A financeirização da vida. Revista IHU On-Line, Nº. 468

  • Relacoes Internacionais em Pauta - Entrevistas com profissionais de RI (IPRI-Funag, MRE)

    Um anúncio bem-vindo, extremamente auspicioso, do Diretor interino do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-MRE, Ministro Alessandro Candeas, e não porque sou interessado direto no sucesso da iniciativa, mas porque ela tem importância implícita para esse campo de estudos.
    Paulo Roberto de Almeida

    Caros colegas,

    O IPRI está lançando esta semana um novo programa no Youtube: "Relações Internacionais em Pauta". Trata-se de uma série de entrevistas com embaixadores, chefes e ex-chefes do Itamaraty e acadêmicos.
    Nosso público-alvo são estudantes, professores e pesquisadores de RI, para quem desejamos apresentar a estrutura interna do Itamaraty, sua agenda atual e sua memória diplomática, além de discutir temas contemporâneos com acadêmicos estrangeiros e brasileiros.
    São mais de 20 entrevistas, que serão gradualmente postadas para os usuários que se inscreverem no canal.
    O link do IPRI é:
    http://funag.gov.br/ipri/index.php/component/content/article?layout=edit&id=654
    Ficamos às ordens para comentários e sugestões de novas entrevistas.
    Abraços!
    Alessandro Candeas

    IPRI-  Relações Internacionais em Pauta - Entrevista com o Embaixador Graça Lima


    IPRI - Relações Internacionais em Pauta - Entrevista com o Embaixador Carlos Cozendey


    quarta-feira, 8 de junho de 2016

    Partidos politicos e politica externa brasileira na era da globalizacao - Paulo Roberto de Almeida (2016)

    Um paper recém terminado, que pode interessar aos curiosos, ou estudiosos...


    2993. “Partidos políticos e política externa brasileira na era da globalização”, Brasília, 8 junho 2016, 16 p. Texto-guia para palestra no curso de pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ, a ser proferida em 16/06/2016. Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/7b1096f364) e em Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/303851189_Partidos_politicos_e_politica_externa_brasileira_na_era_da_globalizacao?ev=prf_pub).

    Politica externa e politica economica no Brasil pos-PT - Paulo Roberto de Almeida

    Política externa e política econômica no Brasil pós-PT, por Paulo Roberto de Almeida

    A nova política externa do governo Temer
    No momento em que escrevo (final de maio de 2016), não foram definidas ainda, com maior grau de detalhe, as principais características da política externa do governo Temer. Na verdade, não se sabe se serão efetivamente: (a) escolhas específicas do próprio presidente, que parece apreciar a política externa e o próprio Itamaraty, mas não se tem pronunciado muito a esse respeito; (b) escolhas do seu governo, que não parece conformar um conjunto harmonioso, ao contrário; ou, (c) se corresponderão a ideias próprias do novo chanceler, o senador por São Paulo José Serra, duas vezes candidato derrotado à presidência da República (em 2002 contra Lula, em 2010 contra Dilma, que agora foi objeto de impeachment, por crimes fiscais). Essas definições emergirão gradualmente nas próximas semanas e meses, embora algumas já tenham sido oferecidas pelo novo titular, em seu pronunciamento inaugural no dia 18 de maio, ao receber o cargo do chanceler anterior.
    O Senador José Serra afirmou então que o seu “Delineamento da Nova Política Externa Brasileira”, organizado em torno de dez diretivas, tinha sido lido, revisto e aprovado pelo presidente Temer, o que já configura uma postura oficial do governo. Quais são essas diretivas? Resumidamente, elas se referem aos seguintes pontos:
    1. A política externa será regida pelos valores do Estado e da nação, não do governo e jamais de um partido.
    2. O Brasil se empenhará na defesa da democracia, das liberdades e dos direitos humanos em qualquer país, em qualquer regime político.
    3. O Brasil assumirá plenas responsabilidades em matéria ambiental e no que se refere a uma matriz energética renovável.
    4. Ação multilateral construtiva em favor de soluções pacíficas e negociadas para os conflitos internacionais e busca de uma adequação das estruturas das organizações internacionais às novas realidades e desafios internacionais.
    5. No comércio internacional, complementação das negociações multilaterais, hoje estancadas, por um ativo bilateralismo.
    6. Abertura de negociações imediatas para abrir mercados para as exportações e criar empregos no país, utilizando pragmaticamente a vantagem do acesso ao grande mercado interno como instrumento de obtenção de concessões negociadas na base da reciprocidade equilibrada.
    7. Reafirmação da parceria com a Argentina, para renovar o Mercosul, resolvendo seus problemas de livre comércio, e engajamento reforçado com parceiros da região, como os membros da Aliança do Pacífico.
    8. Ampliação do intercâmbio comercial com parceiros tradicionais, troca de concessões entre o Mercosul e a União Europeia, e exame de facilitação do comércio com os Estados Unidos.
    9. Prioridade para parceiros asiáticos, como China e Índia; com a África, a cooperação será pragmática, assim como com países árabes.
    10. Ênfase na redução do custo Brasil, para aumentar competitividade e produtividade da produção brasileira e para atrair investimentos estrangeiros.
    Uma outra diretriz foi apresentada, no sentido de se realizar a coordenação com órgãos de proteção das fronteiras (Justiça, Defesa, Fazenda-Receita Federal) para combater o crime organizado, em cooperação com os países vizinhos. O ministro se comprometeu igualmente a resolver os difíceis problemas orçamentários do Itamaraty, tanto no apoio ao pessoal do serviço exterior servindo em postos da rede mundial, quanto para regularizar o pagamento devido a organismos internacionais. Tratou-se, como evidenciado, de uma plataforma concisa, mas focado em objetivos concretos no terreno econômico e comercial.
    O argumento inicial quanto aos valores e princípios da diplomacia brasileira, como sendo os da nação, nunca de um partido, é uma crítica direta à diplomacia partidária do anterior governo do Partido dos Trabalhadores, e pode ser visto como um alerta aos antigos aliados do PT no plano regional e internacional, no sentido em que o Brasil não mais favorecerá e privilegiará relações políticas especiais com os chamados países bolivarianos (ou seja, os membros da Alba, a Aliança Bolivariana dos Povos da América, criada pelo falecido líder da Venezuela Hugo Chávez, em aliança com os dirigentes comunistas de Cuba, e progressivamente incorporando outros países, como Bolívia, Equador, Nicarágua, El Salvador). Trata-se de uma importante mudança, tanto no plano estritamente regional, ou seja, das relações bilaterais do Brasil com esses países, mas também bastante significativa do ponto de vista das posturas políticas assumidas pela diplomacia brasileira no contexto mais vasto da política internacional.
    Foram justamente estes países que emitiram fortes críticas ao processo de impeachment no Brasil, que redundou no afastamento da presidente eleita em 2014 (sendo que dois, Venezuela e El Salvador, chegaram a chamar seus embaixadores), o que motivou o primeiro gesto público da nova diplomacia brasileira, que divulgou notas bastante contundentes de crítica às “mentiras” assacadas por esses governos contra um processo estritamente constitucional e respeitador dos princípios democráticos do país. No entanto, críticas continuaram a ser veiculadas na imprensa internacional e por iniciativa de alguns partidos políticos de esquerda ou progressistas, geralmente a partir de impulsos emitidos pela própria equipe derrocada no processo de impeachment, usando canais partidários e outras vias passando por movimentos identificados com o espectro político da esquerda. O Itamaraty se viu obrigado a expedir circulares a todos os postos no exterior expressando a necessidade de se responder a cada vez que o novo governo fosse acusado de ilegítimo ou de que o processo teria sido um “golpe”, como se esforçam de defender essa tese os personagens afastados do poder.
    A primeira articulação diplomática do novo chanceler foi, como seria de se esperar, com a Argentina, o mais importante vizinho do Brasil no Cone Sul, e membro do Mercosul, justamente uma das questões mais relevantes na agenda de política econômica externa do Brasil. O Senador Serra, quando candidato à presidência, em 2002 e em 2010, ficou conhecido por veicular críticas ao bloco comercial em sua modalidade de união aduaneira, expressando a ideia de que caberia, talvez, fazer o acordo de integração retornar a um formato de zona de livre comércio. Não se sabe exatamente o que foi tratado nessa visita do chanceler a Buenos Aires, realizada em 23 de maio, mas a imprensa argentina refletiu algumas das dificuldades surgidas nessa primeira discussão sobre o futuro do Mercosul. Segundo a agência Telam, a titular da diplomacia argentina, Susana Malcorra, teria pedido prudência ao colega brasileiro, porque levar o Mercosul a um simples acordo de livre comércio poderia ser prejudicial nas negociações em curso com a União Europeia para a liberalização do intercâmbio entre os dois blocos (ver: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/mercosul-de-uniao-aduaneira-zona-de.html).
    Confirmando a retomada de relações mais relevantes com países desenvolvidos, o chanceler Serra pretende dirigir-se aos membros da OCDE, em visita próxima a Paris, o que não o impediu de fazer uma escala em Cabo Verde, para também reafirmar o compromisso do Brasil com a cooperação técnica dirigida a países africanos lusófonos. No governo anterior, o ministro da Fazenda Joaquim Levy havia assinado um acordo-quadro de cooperação entre o Brasil e a organização do Palais de la Muette com o objetivo de intensificar as interfaces do país com o chamado “clube dos ricos”, mas esse processo parece ter ficado relativamente interrompido com a saída do ministro do governo, em dezembro de 2015, e o agravamento da crise política desde então. Vários outros temas continuam na pauta do governo atual, entre eles diversos deixados pelo governo anterior, como por exemplo os foros de coordenação com os chamados “parceiros estratégicos”, no IBAS (com Índia e África do Sul) e no BRICS (juntando estes à China e à Rússia), no âmbito do qual já foi constituído um banco de fomento a projetos em países em desenvolvimento e um acordo de reservas contingentes para eventual suporte financeiro, em caso de crises de balanço de pagamentos.

    As grandes questões da política econômica e seus principais desafios
    A agenda econômica é a mais dramática a ser enfrentada pelo novo governo, depois de um mergulho do Brasil no abismo da recessão econômica, das contas públicas em profundo déficit, com inflação em alta e da perda da confiança dos empresários na capacidade de tomada de decisões quando do governo anterior, como relatei em pequeno texto sobre a Grande Destruição do lulopetismo: “The Great Destruction in Brazil: How to Downgrade an Entire Country in Less Than Four Years” (Mundorama, n. 102, 1/02/2016, link: http://www.mundorama.net/2016/02/01/the-great-destruction-in-brazil-how-to-downgrade-an-entire-country-in-less-than-four-years-by-paulo-roberto-de-almeida/).
    A primeira tarefa foi a identificação precisa do tamanho dos desafios a serem enfrentados este ano e nos próximos, a começar pelo déficit orçamentário, estimado pelo novo ministro da Fazenda, ex-presidente do Banco Central nos governos Lula Henrique Meirelles, em R$ 170 bilhões, praticamente 2,6 % do PIB: esta foi a meta fiscal fixada para o déficit orçamentário em 2016. A primeira medida anunciada foi o envio de uma emenda constitucional, ainda não informada, sobre a limitação dos gastos públicos em função do comportamento da inflação, o que pode, eventualmente, não revelar-se a melhor fórmula (uma vez que governos futuros podem ser tentados em tolerar uma inflação mais elevada para permitir gastos mais altos). Na frente externa, em compensação, não existe um perigo iminente, uma vez que, além das reservas em divisas relativamente elevadas (estimadas em quase US$ 380 bilhões), a balança comercial tem permitido a provisão de saldos positivos, por força tanto da desvalorização do real, quanto da diminuição dramática das importações. Essa pequena melhora pode não impedir uma nova desvalorização do real, para R$ 3,60 por dólar, aproximadamente, se os juros americanos voltarem a subir nos próximos meses por decisão do Federal Reserve.
    As duas maiores rubricas de despesas do governo são os juros da dívida pública e as transferências a título dos mecanismos previdenciários (pensões e aposentadorias). Os juros podem diminuir um pouco, mas dificilmente caminharão para um patamar mais confortável, em vista das necessidades constantes de financiamento do setor estatal (cronicamente deficitário). As regras de aposentadoria precisam ser alteradas, mas o processo será lento e seus efeitos mais lentos ainda. Daí a possibilidade de o governo voltar a propor aumento dos impostos existentes, ou até a recriação da famigerada CPMF, um imposto sobre transações financeiras, que grava cumulativamente todo o processo produtivo. Ambas medidas requerem emendas constitucionais, o que representa o apoio de 3/5 do Congresso, o que é ainda mais exigente do que a própria confirmação do impeachment no Senado, que requer 2/3 dos votos dos senadores.
    Outras mudanças – como a desvinculação da previdência oficial do salario mínimo – podem ser igualmente difíceis, razão pela qual não se espera uma retomada do crescimento econômico antes de vários anos (a renda per capita, em 2021, tal como estimada pelo FMI, será a mesma de uma década atrás). Para tentar paliar a vários desses desafios, as autoridades econômicas estão buscando recursos onde eles podem existir: o BNDES terá de devolver R$ 100 bilhões ao Tesouro, uma pequena parte das transferências efetuadas pelo governo derrocado ao arrepio das boas normas contábeis da administração público. Em outra iniciativa, o novo governo resolver liquidar o Fundo Soberano do Brasil, uma figura que nunca deveria ter existindo, uma vez que o Brasil não reunia, justamente, nenhum dos requerimentos para possuir um, quais seja, um excedente fiscal e saldos estruturais nas transações correntes; em todo caso, dos R$ 14 bilhões repassados pelo governo ao Fundo, e aplicados em ações da Petrobras e do Banco do Brasil, apenas R$ 2,2 bilhões puderam ser apurados.

    A batalha dos próximos meses: diplomacia e economia
    Poucos protagonistas do jogo político atual no Brasil acreditam que seja possível uma reversão do processo de impeachment, inclusive porque as investigações e os julgamentos derivados da Operação Lava Jato continuarão a produzir perdas nas hostes das antigas forças que controlavam o executivo ou influenciavam suas políticas. Para todos os efeitos, o PT e os partidos a ele associados, tendem a se concentrar numa oposição tão negativa quanto inócua. Os grandes desafios para o governo até 2018 são portanto representados pela recomposição das bases do crescimento sustentado e a reinserção do Brasil na economia mundial, da qual ele tinha sido afastado por práticas econômicas introvertidas e protecionistas.
    A atuação do Itamaraty nesse quadro se afigura essencial, não apenas em termos de negociações de novos acordos comerciais – o que se afigura difícil, embora alguns avanços possam ser feitos na própria região, notadamente em direção da Aliança do Pacífico – mas também porque o novo chanceler, economista de formação, sabe que essa inserção passa pela reforma de muitas políticas internas vinculadas a ganhos de produtividade e de reconquista da competitividade externa. A vinculação da Agência de Promoção de Exportações-Apex e da Câmara de Comércio Exterior-Camex ao Itamaraty (ainda que esta última formalmente subordinada à Presidência da República) são bons indicativos nesse sentido, mas muitas das novas tarefas também passam pelo ministério da Fazenda, na diminuição do chamado “custo Brasil”, que tem na horrorosa estrutura tributária o centro dos maiores problemas.
    Se as áreas econômica e diplomática lograrem trabalhar em perfeita coordenação de intenções e de mecanismos nos próximos dois anos, o Brasil poderá estar alterando significativamente sua postura internacional, tal como observada nos últimos treze anos, quando a diplomacia partidária do PT subordinou a política externa a preferências ideológicas claramente perceptíveis, e praticou uma enviesada diplomacia Sul-Sul que não produziu quase nada como resultados efetivos. O Brasil abandonará o universo restrito desses alinhamentos políticos a regimes de esquerda na América Latina para retomar sua antiga vocação universalista e pragmática, com foco principal em metas e objetivos econômicos e comerciais. Grande parte desse esforço será conduzido no próprio Cone Sul, agora reconfigurado também pela mudança de orientação política na Argentina, com a qual o Brasil precisará se coordenar para impulsionar um novo cenário geopolítico em escala continental e até mundial.
    A situação da América Latina até aqui estava mais ou menos fragmentada entre forças globalizadores – como as dos países da Aliança do Pacífico – e um grupo de países identificados com o chamado bolivarianos, sendo que no meio desses polos opostos se situavam alguns reticentes, como poderiam ser o próprio Brasil e a Argentina (situação descrita em meu artigo: “A América Latina na geopolítica mundial: perspectivas históricas e situação contemporânea do Cone Sul”, Revista Eletrônica de Direito Internacional, CEDIN; link: http://www.cedin.com.br/publicacoes/revista-eletronica/#Volume_17). Ainda é cedo para prefigurar os cenários emergentes, mas eles são alvissareiros e prometem ser duradouros.
    Paulo Roberto de Almeida, Diplomata de Carreira e professor do UNICEUB (www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com)
    Como citar este artigo: Editoria Mundorama. "Política externa e política econômica no Brasil pós-PT, por Paulo Roberto de Almeida". Mundorama - Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais, [acessado em 07/06/2016]. Disponível em: <http://www.mundorama.net/2016/06/07/politica-externa-e-politica-economica-no-brasil-pos-pt-por-paulo-roberto-de-almeida/>.

    terça-feira, 7 de junho de 2016

    Academia.edu: meus trabalhos mais acessados: Paulo Roberto de Almeida

    O serviço premium de Academia.edu me informa quais foram os trabalhos mais acessados nos últimos 30 dias.
    Talvez não indique exatamente os objetivos de pesquisa de todos os que acessaram as minhas páginas, mas esclarecem pelo menos quanto aos interesses de busca dos que frequentaram minha página no Academia.edu.
    O livro Prata da Casa, por exemplo, deve ter sido acessado pelos milhares de candidatos à carreira diplomática.
    Pensando neles, vou preparar uma versão atulizada, mais completa.
    Espero estar ajudando...
    Paulo Roberto de Almeida

    Academia.edu: página de Paulo Roberto de Almeida
    Most-Read Papers30-Day Pages
    22) Prata da Casa: os livros dos diplomatas (Edição de Autor, 2014)6502
    16) O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado (2010)802
    24) Codex Diplomaticus Brasiliensis: livros de diplomatas brasileiros (2014)755
    Varnhagen (1816-1878) Diplomacia e pensamento estratégico664
    01) O Mercosul no contexto regional e internacional (1993)633
    054) As duas últimas décadas do século XX: fim do socialismo e retomada da globalização (2006)585
    Parlamento e Politica Externa (1996)431
    Oliveira Lima, Nos Estados Unidos, Impressões políticas e sociais427
    106) The Politics of Economic Regime Change in Brazilian History (2014)382

    segunda-feira, 6 de junho de 2016

    O fim do partido neobolchevique? A morte do grande patife? - Editorial Estadao, Paulo Roberto de Almeida

    Duas matérias sobre assuntos paralelos, falando de moribundos, e de pelo menos um cadáver insepulto.
    Desculpem ser tão macabro.
    Paulo Roberto de Almeida 

    O desespero petista 

    Editorial O Estado de S. Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 2016

    Uma pesquisa interna do PT, obtida pelo Estado, mostra uma perspectiva desastrosa para o partido nas eleições municipais de outubro. A avaliação indica que os petistas conseguirão se reeleger em apenas 7% das prefeituras que a legenda conquistou no Sul e no Sudeste no pleito de 2012. Já no Nordeste, que se tornou o principal reduto eleitoral do PT graças a seu populismo rasteiro, há chances de vitória em somente 8%. É esse horizonte sombrio que norteia a estratégia petista de jogar todas as suas fichas na histeria do “golpe”, transformando-a em mote de sua campanha eleitoral, pois foi somente isso o que restou ao partido, rejeitado em todo o País pelo imenso dissabor que causou em sua desastrosa passagem pela Presidência. Não há o que defender num legado de roubalheira, irresponsabilidade e mentiras.

    Se tivesse um mínimo de apreço pela democracia e pelas instituições, o PT já teria reconhecido seus inúmeros erros e oferecido alguma forma de compromisso com as demais forças políticas para que o País pudesse sair o mais breve possível da barafunda em que a presidente afastada Dilma Rousseff o meteu. Mas o espírito autoritário do partido, que se julga portador da verdade histórica, torna legítimo, aos olhos dos petistas, o falseamento da realidade e o insulto à inteligência na expectativa de criar confusão moral e, assim, tentar salvar a todo custo seu projeto de poder.

    Foi esse espírito que presidiu a mais recente resolução da Comissão Executiva Nacional do PT. Com base nas conversas gravadas do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, o partido diz ter ficado claro que “a deposição da presidente Dilma tem entre seus objetivos o estancamento das investigações no âmbito da Operação Lava Jato relacionadas aos partidos que engendraram o golpe”.

    Não custa refrescar a memória da tigrada. Em primeiro lugar, o PT parece ter-se esquecido de suas ferozes críticas ao vazamento de gravações quando estas comprometiam correligionários. “Eu não respeito delator”, Dilma chegou a dizer. Mas agora parece que os vazamentos se tornaram úteis para denunciar o tal “golpe”. Em relação à tentativa de “estancar” a Lava Jato, também é bom lembrar que, por pressão do comando petista, Dilma foi obrigada a demitir da Justiça seu fiel escudeiro, José Eduardo Cardozo, acusado de não “controlar” a Polícia Federal, que não parava de investigar petistas. Além disso, pululam depoimentos que indicam que a própria Dilma pode ter agido para tentar livrar empreiteiros enrolados na Lava Jato e para obstruir a Justiça, sem falar na tentativa de blindar Lula, seu encalacrado padrinho, nomeando-o para a Casa Civil.

    A resolução petista procura também desqualificar o atual Ministério pelo fato de ser “composto por inúmeros investigados por corrupção, com perfil conservador e de baixa qualidade técnica”. A tentativa soa como piada, quando se têm em mente os ministros que Dilma nomeou ao longo de seu governo, muitos deles demitidos em sucessivas “faxinas”, e principalmente às vésperas de seu afastamento, na agonia da compra de votos contra o impeachment.

    Seria ingenuidade esperar coerência de um partido que cresceu com o discurso da pureza, mas que, uma vez no poder, adotou a corrupção e a desfaçatez como métodos de governo. O PT imagina estar numa luta pela sobrevivência, razão pela qual nenhuma estratégia, por mais suja que pareça, será descartada. Nesse vale-tudo, até o desemprego de 11,2% registrado no trimestre terminado em abril – quando Dilma estava na Presidência – foi atribuído pelos petistas ao governo de Temer. “Mas não era só tirar a Dilma que acabava a crise?”, perguntou, com a maior caradura, o senador petista Lindbergh Farias em seu Facebook.

    Assim, os petistas, a título de salvar o partido, parecem na verdade empenhados em assegurar-lhe um fim melancólico. Em discurso recente, a propósito das dificuldades eleitorais do PT, o presidente da legenda, Rui Falcão, disse: “Acabou a era da militância paga. Nós teremos que fazer uma campanha com muitos voluntários e voluntárias e, para isso, é fundamental que a gente tenha ideias a oferecer”. Pelo jeito, a única “ideia” que o PT tem hoje para oferecer é a de que, para o partido, só a derrota é imoral.


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    Obituário de um farsante

    Paulo Roberto de Almeida

    Não existe muita glória, apenas temeridade, em publicar um necrológio antes da morte física do personagem em vista, embora esse pecado já tenha sido cometido mais de uma vez na história da imprensa mundial. Desde Mark Twain se sabe que rumores sobre certas mortes são grandemente exagerados. Em todo caso, quero falar da morte política de um dos mais nefastos personagens da política brasileira, esse mesmo que muitos esperam ver preso numa das próximas fases da Operação Lava Jato, a qual proponho desde já que se intitule “Rapa Tudo”.
    Pois bem: morreu, em algum momento entre 2015 e 2016, de causas ainda não identificadas, o maior farsante da história política brasileira. Antes se acreditava que esse título pertencesse a uma outra grande fraude política, àquele que tinha prometido acabar com a inflação no Brasil de um golpe de caratê, mas que começou tungando a população brasileira de seus ativos, e que acabou abatido pelos movimentos de rua e pelo Congresso, no primeiro processo de impeachment bem sucedido de nossa história. Tinha havido uma tentativa em 1954, contra o ex-ditador Vargas, mas ela não conseguiu ultrapassar a barreira da aprovação na Câmara, embora o acusado tenha deixado o poder para entrar na história, como alguém escreveu numa carta pré-fabricada, feita para confundir seus adversários políticos, que ficaram abatidos pela reação popular. Em nossos dias, porém, um valor mais alto apareceu nos porões da pátria.
    Haverá reação popular quando o farsante tiver de abandonar definitivamente as réstias de poder de que ainda goza para entrar, enfim, na lata de lixo da história? Difícil dizer, uma vez que “popular”, no Brasil, há muito deixou de significar manifestações espontâneas da cidadania, para transformar-se em “agit-prop” de grupos manipulados pelo partido neobolchevique. É sabido, desde muito tempo, que os tais “movimentos sociais” – e vários sindicatos que também possuem alguma presença nas ruas (aliás ilegalmente) – constituem meras “correias de transmissão” do mesmo partido totalitário que empolgou, no pior sentido da palavra, largas frações de eleitorado urbano no seu caminho para a conquista do poder, partindo ele então para a consolidação de um formidável curral eleitoral, em larga medida rural, e muito parecido com os redutos amestrados dos antigos coronéis do interior.
    Para contrapor-se à mais formidável fraude política assim criada, mas financiada por todos nós – por meio dos cofres públicos –, emergiram, a partir de 2013 e sobretudo em 2014 e 2015, movimentos legítimos da cidadania consciente e ativa, que lograram sucesso ao mobilizar largas frações da classe média – nós, os “coxinhas” – nas maiores manifestações políticas jamais vistas na história do Brasil. Eles são os verdadeiros movimentos de rua, em contraposição aos mercenários do partido totalitário, os tais “mortadelas” de patéticas mobilizações “de massa”, apoiados pelo maior exército de blogueiros “sujos” de que se tem notícia nas comunicações mundiais, todos ilegalmente pagos com o meu, com o seu, com o nosso dinheiro. Tal distinção, entre velhos e novos “movimentos de rua”, deve ser feita, porque são os novos que estão na origem do atual processo de impeachment, e são eles que explicam o vigor com que a Operação Lava Jato tem trabalhado para desmantelar os tentáculos da cleptocracia de estado criada e expandida enormemente sob os neobolcheviques caboclos.
    Que a corrupção não tenha sido criada por eles, isso é óbvio. Mas, para usar uma linguagem marxista, ela sempre existiu naquele estágio do modo de produção artesanal, sob o qual políticos roubavam individualmente, em pequena escala, de acordo com as condições e oportunidades: uma emenda orçamentária aqui, uma ONG familiar acolá, um projeto de quadra esportiva em Cabrobró da Serra, uma compra governamental em Tiririca do Monte, e superfaturamentos ocasionais nas estatais penetradas. A partir dos companheiros, a corrupção passou a uma etapa superior, como diria Lênin, ao modo de produção industrial da roubalheira, à sua fase sistêmica, disseminada, indiscriminada. Os órgãos estatais foram devidamente aparelhados, ajustados para o assalto organizado, e até desorganizado, como testemunham os depoimentos de alguns varões do empresariado nacional (os tais que foram chamados por um apparatchik a pagar o percentual de 1% mesmo retroativamente, ou seja, desde que se iniciou a era do Nunca Antes). Desfaçatez igual nunca se viu nos bandidos políticos tradicionais.
    Na origem de tudo isso, uma mudança importante, do antigo patrimonialismo político para sua modalidade peculiar sob o reino dos neobolcheviques, como estudado em inúmeros artigos e até num livro inteiro – A Grande Mentira – por Ricardo Vélez-Rodríguez: essa modalidade, da mesma forma como certas vertentes do peronismo, pode ser chamada da patrimonialismo gangsterista, que é quando uma quadrilha de meliantes se apossa de várias vertentes da máquina pública – como ocorreu em certas regiões da Itália em determinados momentos de sua história política – para dela fazer o mesmo uso que fazem chefes de máfias em atividades ligadas ao submundo do crime.
    Foi assim que o Brasil chegou à era da Grande Destruição, ao afundamento de sua economia e ao desmantelamento de certo número de instituições públicas. Algumas, felizmente, não foram aparelhadas, e o espírito da cidadania crítica conseguiu emergir, na chamada República de Curitiba, para começar a golpear, dentro das regras do jogo, as trapaças mais sórdidas da quadrilha mafiosa que parecia ter se apossado totalmente do Brasil. É esse renascimento da consciência cívica em largos extratos da população que me habilita a, preventivamente, declarar a morte de um farsante. Como escrevi num artigo anterior, já não era sem tempo...
    [Paulo Roberto de Almeida
    Brasília, 30 de maio de 2016]