terça-feira, 20 de novembro de 2018

RBPI: artigos econômicos, de 1958 a 1988 - Paulo Roberto de Almeida

Revista Brasileira de Política Internacional

versão impressa ISSN 0034-7329versão On-line ISSN 1983-3121

Rev. bras. polít. int. v.41 n.spe Brasília  1998

http://dx.doi.org/10.1590/S0034-73291998000300006 

ARTIGOS DE RESENHA

Economia internacional e desenvolvimento econômico: a RBPI na vanguarda do pensamento brasileiro

Paulo Roberto de Almeida
Editor Adjunto da RBPI


A despeito do foco primordial inscrito em seu título, que poderia supostamente restringi-la aos temas vinculados à politologia acadêmica e à diplomacia profissional, a Revista Brasileira de Política Internacional tratou intensamente, durante toda a sua existência, de questões econômicas, com forte ênfase, como seria óbvio, nos problemas de economia internacional em geral, dando ainda grande atenção — como também seria natural, em razão de um certo "determinismo" geográfico — aos diversos aspectos vinculados aos processos de desenvolvimento econômico e tecnológico do Brasil, em especial em sua interação com discussões e negociações internacionais em curso nos foros econômicos multilaterais e regionais.
Essa preocupação transparece, aliás, desde seu número inaugural, em março de 1958, no qual o jurista e político Hermes Lima fazia uma apresentação da Conferência Econômica Interamericana, realizada em agosto e setembro de 1957 em Buenos Aires, enquanto a seção de documentos trazia os textos das resoluções aprovadas. Ela continuou de forma reiterada e persistente durante toda a sua existência, no Rio de Janeiro e em Brasília, como se pode comprovar em seu número 1997/2, publicado quando da preparação deste volume comemorativo, pois que seu Editor, Amado Luiz Cervo, comparece com um artigo sobre a experiência histórica da política de comércio exterior e o desenvolvimento brasileiro, ao passo que este autor, Editor-Adjunto da RBPI, apresenta um ensaio, também de caráter histórico, sobre a evolução de longo prazo do multilateralismo econômico e o envolvimento internacional do Brasil, entre 1815 e 1997.
Tal constância é reveladora não só da importância que os temas econômicos sempre assumiram na definição da política editorial da revista, voltada precipuamente para a inserção internacional do Brasil, vale dizer de sua incorporação à economia mundial e de seu papel protagônico nos processos de integração regional, como também confirma uma característica básica da política exterior do Brasil desde o início da era Vargas, ou pelo menos nos últimos 40 ou 50 anos, que é também o horizonte histórico de existência da revista: a de que esse política se apresenta, fundamentalmente, como uma diplomacia do desenvolvimento e é, indiscutivelmente, na busca incessante do desenvolvimento econômico e social que pode e deve ser encontrada a chave mestra da atuação da política externa governamental durante todo esse largo período.
RBPI pode, assim, orgulhar-se de ter não apenas refletido esse itinerário "existencial" da moderna diplomacia brasileira — através de seus inúmeros artigos informativos e analíticos sobre questões diversas relativas à economia internacional e ao desenvolvimento e da publicação dos mais relevantes documentos divulgados nessas áreas — como também, e isto deve ser ressaltado, contribuído de maneira substantiva para os esforços de reflexão e de análise em torno dos caminhos abertos ao desenvolvimento brasileiro, tal como visto em ensaios, comentários e notas críticas elaborados por diplomatas e economistas profissionais que foram seus colaboradores ao longo desses 40 anos. Assim, não há um só grande tema relativo à inserção externa e ao desenvolvimento econômico do Brasil — comércio, finanças, investimentos, modernização tecnológica, política nuclear, mar territorial, recursos naturais, produtos de base, industrialização, informática, patentes, integração regional, cooperação técnica, recursos humanos e, last but not least, globalização — que não tenha merecido não só um, mas vários artigos, resenhas, notas, documentos, todos voltados para a informação de qualidade e a análise crítica de sua importância para o Brasil e sua política exterior.
Uma consulta, mesmo perfunctória, aos sumários compilados no final deste volume confirma a afirmação peremptória que acabo de fazer. Os comentários alinhados a seguir visam tão somente destacar contribuições de relevo em algumas rubricas de relativo impacto para a inserção econômica internacional do Brasil.

Cooperação econômica interamericana
O número inaugural contém, como se disse, pequena nota de Hermes Lima com comentários à conferência econômica de Buenos Aires, em 1957. Os países latino-americanos vinham insistindo em sua realização desde o final dos anos 40, iludidos com a idéia de que os Estados Unidos poderiam reproduzir em seu favor um segundo "Plano Marshall". Mas, já em Bogotá, em 1948, o próprio Marshall recusava tal iniciativa, insistindo por medidas que abrissem as possibilidades de investimentos diretos da parte de capitais privados, ao passo que os latino-americanos manifestavam sua preferência por capitais públicos. As divergências continuaram nos dez anos seguintes e, em Buenos Aires, não se logrou aprovar uma "Carta Econômica Americana", mas tão simplesmente uma "Declaração", com vagas declarações de intenção e algumas resoluções tendentes a incrementar as atividades de cooperação técnica no âmbito da OEA.
Os resultados foram, como se sabe, mitigados, mas uma explosão de descontentamento e de manifestações populares na região contra o "imperialismo yankee", representado na figura do vice de Eisenhower, Richard Nixon, deu a Juscelino Kubitscheck a oportunidade de propor um vasto programa de cooperação econômica interamericana, como forma de promover o desenvolvimento latino-americano e aproximar ainda mais as duas partes desiguais do hemisfério. Tratou-se, como se sabe, da Operação Pan-Americana, a primeira proposta brasileira, no campo da política externa, verdadeiramente multilateralista. Recebida com frieza pelos Estados Unidos, que esperavam ser consultados antes de o Governo brasileiro enviar notas e propostas de reuniões aos demais governos, ela não chegou de fato a prosperar, mas deu origem a outras iniciativas de caráter político ou econômico, como mais adiante a "Aliança para o Progresso" e, em caráter mais imediato, o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
O processo, bastante difícil, de criação do BID está enfocado em artigo de Cleantho Leite no nº 6 (junho de 1959) da RBPI, no qual aquele que seria um dos futuros diretores da instituição financeira interamericana traça o quadro de negociações desde seus primórdios — de fato desde a Primeira Conferência Internacional Americana, de 1889-1890 — até os momentos decisivos que acompanharam o desenrolar da própria OPA, caracterizada pelo Governo brasileiro não como "uma ação delimitada no tempo, com objetivos a serem atingidos no curto prazo, mas uma reorientação da política continental", não "um simples programa, mas toda uma política". A RBPI sempre realizou extensa cobertura das atividades do BID, criado na mesma época em que se afirmava a revista e onde trabalhou Cleantho de Paiva Leite, que seria, durante longos anos à frente, o diretor do IBRI e o responsável editorial — e financiador generoso — desta revista, enquanto ela foi publicada no Rio de Janeiro.
Curiosamente, no início, a postura do Governo brasileiro a esse projeto basicamente impulsionado pelo Chile era, como informa Cleantho, então diretor do BNDE, "de excessiva cautela e de frio realismo". Embora vários círculos governamentais fossem simpáticos à idéia — com exceção do ortodoxo Ministro da Fazenda Eugenio Gudin, em 1955 —, o Brasil via poucos motivos de otimismo para a concretização da idéia, uma vez que o país que seria seu principal acionista se colocava frontalmente contra a iniciativa, continuando os Estados Unidos a alegar que os fluxos de capitais privados e os recursos oficiais do BIRD e do Eximbank poderiam prover a região do financiamento necessário ao seu desenvolvimento. A incorporação do projeto no âmbito da OPA, en julho de 1958, obrigou no entanto a uma tomada de posição oficial por parte de todos os governos da região, o que conduziu, no devido momento, a uma redefinição radical da postura norte-americana. Depois de inúmeras reuniões, certamente muito calor e alguma luz, o BID emerge ao cabo de uma conferência de três meses em Washington, no primeiro semestre de 1959.
Cleantho, que foi o chefe da delegação brasileira à conferência constitutiva, concluía seu artigo dizendo que "Depois de tantos anos de esperanças frustradas, os países da América Latina iniciarão uma grande experiência no campo da finança internacional". A ação da nova instituição não permitiu, de fato, mudar o cenário socio-econômico da região, tanto quanto o desejavam os homens de governo e seus técnicos, mas não se pode tampouco dizer que a história operacional do banco tenha sido uma coleção de insucessos, muito pelo contrário. Mas, no momento de sua criação o clima era efetivamente de muitas esperanças, sobretudo numa outra vertente da cooperação que também recebeu toda a atenção da RBPI, o da integração regional.
Quanto à "Aliança para o Progresso", ela foi discutida na conferência econômica interamericana realizada no Uruguai, em agosto de 1961, da qual resultou uma "Carta de Punta del Este", assinada por todos os países membros da OEA, à exceção de Cuba, ali presente na pessoa de Ernesto Che Guevara, então presidente do Banco Nacional de Cuba. Como informa a resenha publicada no nº 15 da RBPI (setembro de 1961), o Governo brasileiro atuou no sentido de "conseguir uma reaproximação entre os Estados Unidos (...) e a República do Cuba". A reunião promoveu igualmente a idéia da integração econômica na região, da qual a zona de livre comércio recém proclamada seria o primeiro passo.

Integração econômica, multilateral e sub-regional
São inúmeras as contribuições publicadas na revista sobre o tema da integração. Já no segundo número (junho de 1958) aparecia um artigo pioneiro de Garrido Torres sobre as etapas iniciais do processo de integração na América Latina, significativamente intitulado "Por que um mercado regional latino-americano?". Não se tratava apenas de informação: era, por assim dizer, a própria História in the making, o que sempre distinguiu sobremaneira esta revista. O tema da integração foi, aliás, um dos mais recorrentes em toda a sua existência, cumprindo ela o papel de registrar e analisar os processos em curso de intensificação da cooperação econômica regional. Depois da criação da ALALC — devidamente documentada pela RBPI (vide texto do Tratado de Montevidéu no nº 10, junho de 1960) —, diplomatas com envolvimento direto nas negociações, como Henrique Valle e Mozart Gurgel Valente, publicam análises críticas sobre os primeiros passos da ALALC, sobre as características, condições e limites do processo de integração regional, bem como sobre as próprias relações internacionais da América Latina.
O primeiro, em artigo intitulado "O Brasil e a ALALC" (nº 21, março de 1963), consoante o conhecido pragmatismo do Brasil, já alertava realisticamente para uma redução apenas gradual das tarifas alfandegárias intra-zona, mas enfatizava a urgente necessidade de coordenação política de molde a reforçar o poder de barganha da América Latina no cenário internacional. O mesmo diplomata, então Diretor Executivo do IBRI — e nessa qualidade editor da RBPI — retomava o assunto em 1963, no artigo "ALALC: realizações e perspectivas" (nº 23), registrando as dificuldades do processo e apoiando a idéia de criação de um mecanismo de consulta entre os chanceleres, com vistas a dar respaldo política à entidade. Um dos principais complicadores à unificação do espaço econômico no continente era obviamente o fato de se ter adotado uma perspectiva uniformemente multilateralista, englobando países de níveis diferentes de desenvolvimento num mesmo processo de liberalização. Daí a razão de o pragmático Brasil e os demais países do Cone Sul terem manifestado interesse, no início, por uma arquitetura mais restrita geograficamente, baseada num esquema de simples preferências tarifárias, o que, no entanto (antes da aceitação em 1979 da cláusula de habilitação), não era permitido pelo GATT). Essa dificuldade era no entanto menos importante do que as características estruturais das economias latino-americanas — sua histórica excentricidade, por exemplo — ou do que dificuldades mais prosaicas, como a ausência quase completa de ligações físicas entre os países ou a falta de financiamento às exportações locais, que tinham de ser saldadas em dólar e a curto prazo.
O próprio ministro da Fazenda, em 1964, Francisco de San Tiago Dantas empenhou-se por obter, junto ao BID, uma linha de crédito para financiar as exportações intra-zona, como ele relatou em palestra de janeiro de 1964 a empresários paulistas, devidamente registrada na RBPI: "A ALALC e o neo-subdesenvolvimento" (nº 27, setembro 1964). O problema só seria parcialmente resolvido, como se sabe, mediante o estabelecimento de um sistema de clearing regional, ao qual tinha se oposto o FMI, por motivos de defesa da conversibilidade plena e de multilateralização dos pagamentos, mas cujos argumentos foram derrotados por Raul Prebisch, que inspirou-se na experiência da União Européia de Pagamentos. De fato, com o funcionamento do CCR, a partir de 1965 — que, instituindo um mecanismo de créditos recíprocos, permitiu aos países uma poupança substancial de seus parcos recursos em divisas —, o comércio intrarregional começa a apresentar cifras crescentes de valor e volume, até que as crises do petróleo nos anos 70 e, sobretudo, a da dívida externa, na década seguinte, provocam verdadeira hecatombe nas cifras de intercâmbio recíproco.
A ALALC, sem ter logrado alcançar o objetivo do livre comércio no prazo inicialmente fixado (1972), foi substituída, depois de nova prorrogação, pela ALADI, em 1980. A RBPI continuou a cobrir os percalços desse processo, que foi, de certa forma, subregionalizado pelas iniciativas de grupos ou parcerias estratégicas desenhadas no continente ao longo do período. O primeiro exemplo foi o Grupo Andino — hoje Comunidade Andina —, constituído em 1969 como subgrupo dentro da ALALC; o segundo, já em meados da década de 80, foi obviamente o processo Brasil-Argentina, que se desdobrou, no início dos anos 90, no projeto Mercosul, incorporando ainda o Paraguai e o Uruguai.
Uma reflexão sobre as dificuldades — distância entre o discurso e a prática — do processo multilateral regional de integração foi oferecida em artigo do primeiro titular da Secretaria Executiva da ALALC, Romulo de Almeida (XXX, 117-118, 1987/1), no qual ele reconhece que a viabilização da integração dependeria de um consenso em torno de regras de liberalização comercial de aplicação automática. A automaticidade do desarme tarifário foi assegurada no processo Brasil-Argentina, cujas primeiras etapas foram enfocadas em artigo (no mesmo número) de Hélio Jaguaribe, pioneiro dos estudos de integração e ativo promotor do processo bilateral.
A perspectiva analítica, nesse e em vários outros trabalhos sobre a integração regional, é mais político-diplomática — como se espera de um veículo com esse nome — do que propriamente econômica, mas esta particularidade sempre foi uma das "vantagens comparativas" da RBPI: pensar politicamente os grandes temas do desenvolvimento econômico brasileiro. Mais adiante, em 1991 e 1992, o Emb. Rubens Barbosa, então representante do Brasil na ALADI e logo em seguida encarregado dos temas econômicos e de integração no Itamaraty, publicou artigos sobre a experiência da ALADI e os primeiros momentos do Mercosul. Em seu período de Brasília, igualmente, a revista continuou a divulgar inúmeros estudos e análises sobre os processos de integração na região, inclusive a partir de uma perspectiva sindical, como evidenciado nos sumários dos números recentes.
Finalmente, a revista também refletiu as diversas iniciativas tomadas no âmbito regional para impulsar os esforços de coordenação e de cooperação política e econômica entre os países da América Latina. Sem pretender a um levantamento completo desse material — uma vez que ele compreenderia os diferentes esquemas integracionistas e as organizações hemisféricas, regionais e subregionais, vale mencionar a matéria de João Paulo de Almeida Magalhães, uma vez que ela trata de um dos foros de coordenação que se considerou, em seu início, que ele poderia desempenhar, para a América Latina, o mesmo papel que, para os países desenvolvidos, desempenha a OCDE: "O SELA e a cooperação entre os países latino-americanos" (XXVIII, 111-112, 1985/2).

Capitais e investimentos estrangeiros: tradicionais obsessões brasileiras
Uma das grandes questões do relacionamento econômico externo do Brasil, ainda antes do início da publicação da RBPI, era o tratamento a ser concedido aos fluxos de capital estrangeiro em geral e o regime aplicado aos investimentos diretos em particular. Essas questões sempre foram motivo de fortes controvérsias na opinião pública em geral e no Parlamento em especial, sobretudo depois que, em seu segundo governo, Vargas acusou demagogicamente o capital estrangeiro de "provocar uma sangria" nas contas da Nação, sem sequer considerar a parte de responsabilidade da taxa cambial irrealista ou aspectos defasados da legislação pertinente.
A presença do capital estrangeiro nos anos 50 e começo dos 60 não era, provavelmente, mais importante do que atualmente, mas ela era mais visível, talvez, depois de décadas de fechamento externo por causa da crise do entre-guerras e da própria guerra mundial. Até a criação das grandes empresas estatais em áreas consideradas estratégicas, muitos serviços públicos, em especial na oferta de energia e nas comunicações, por exemplo, eram oferecidos por empresas estrangeiras, situação que vinha praticamente desde o Império. Algumas delas, como o "polvo" da Light ou as telefônicas, detinham um verdadeiro monopólio sobre a oferta, auferindo desse fato altos lucros decorrentes dessa exploração em condições privilegiadas, como alegavam os nacionalistas.
A situação de desconforto e mesmo de tensão agravou-se em 1959, quando da nacionalização — ou "estadualização" — da concessionária de energia elétrica Bond and Share, pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Esse movimento foi seguido pela expropriação e estatização de outras empresas estrangeiras em vários estados — como a Companhia Telefônica "Brasileira", por exemplo — e a emergência subsequente de um contencioso com os Estados Unidos a propósito dos valores de indenização. A RBPI não esteve ausente do debate sobre as condições da nacionalização e o pagamento de compensações aos proprietários estrangeiros, como se pode comprovar pelo artigo de Barbosa Lima Sobrinho, "O Brasil e a encampação de concessionárias estrangeiras" (V, nº 18, 1962), que tomava resolutamente partido por um escrutínio detalhado de todas as operações e contabilidade dessas concessionárias, antes de fixar-se seu preço de aquisição pelo Estado. Esse debate foi intenso, atravessando mesmo a mudança de regime em março de 1964: em 1965, a revista dedica dois números inteiros (30 e 31/32) à compra das concessionárias estrangeiras — entre elas a American and Foreign Power — pelo Governo brasileiro, publicando os relatórios das comissões parlamentares de inquérito, as notas trocadas entre os governos dos Estados Unidos e do Brasil, inúmeros discursos de ministros (antes e depois do golpe militar) e pronunciamentos de parlamentares.
Logo adiante, a questão do capital estrangeiro volta novamente ao primeiro plano da atualidade política, quando se discute, precisamente, um acordo bilateral de garantia de investimentos — ou seja, de proteção contra expropriações abusivas — entre o Brasil e os Estados Unidos: a RBPI publica novamente, em 1966, dois números completos (33/34 e 35/36) sobre as negociações, o teor do acordo e sua difícil aprovação, depois de "ululantes" debates parlamentares. O tema continuaria sensível, pois já em 1977, em seu vigésimo aniversário, a RBPIdedicaria novo número especial (77/80) à CPI das multinacionais e do capital estrangeiro, que agitou o Congresso em plena "distensão política" do Governo Geisel, sendo talvez um dos motivos indiretos de seu fechamento e da cassação de parlamentares da oposição, em abril daquele ano.
No período recente, a palavra chave vinculada aos fluxos de capitais estrangeiros — e que continua a despertar reações diversas na comunidade acadêmica brasileira — é a da "globalização", sobretudo em sua vertente financeira. A RBPI também vem dando a essa questão a devida atenção, como atestam diversos artigos já publicados na sua série de Brasília, assim como ela sempre cobriu com razoável intensidade, no passado, os principais eventos e processos nessa área, como comprovado na próxima seção deste artigo de resenha.

Finanças, dívida externa e foros de coordenação econômica
Com efeito, outro aspecto intimamente ligado ao dos capitais de risco, é o do fluxo dos capitais de empréstimo — e sua contrapartida sob a forma de amortizações e juros —, que sempre integrou o planejamento das contas públicas no Brasil, tanto por necessidades orçamentárias, como para fins de investimento produtivo. Foi tradicional, durante todo o Império, a dependência da — isto é, o endividamento junto à — casa bancária Rothschild, agente oficial do Tesouro brasileiro na Europa, então o world's banker. Os capitais privados passaram a ser complementados, no século XX, por créditos concedidos por agências públicas — como o Eximbank americano — e, depois da Segunda Guerra, por instituições financeiras multilaterais.
Esses fluxos financeiros de "cooperação ao desenvolvimento", alguns deles verdadeiramente concessionais, também atendiam interesses dos países doadores, sendo objeto de programas bilaterais ou multilaterais de "assistência técnica", como revelado em interessante artigo de Georges Landau: "Política internacional e assistência técnica" (II, 6, junho de 1959). A descolonização, em 1960, coincidiu, não por acaso, com a instituição de um braço altamente concessional do Banco Mundial, a Associação Internacional de Desenvolvimento (ver artigo de Cleantho Leite, III, 10, junho de 1960).
O Brasil, como a maioria dos países em desenvolvimento, complementava sua escassa poupança interna com recursos externos, a ponto de tornar-se inadimplente em algumas raras ocasiões. Pode-se mesmo argumentar que, tendo solicitado a renegociação de créditos bilaterais na segunda metade dos anos 50, o País está na origem da constituição do Clube de Paris, foro informal dos governos credores para a renegociação de créditos oficiais, que começou a funcionar de maneira efetiva em princípios dos anos 60. Também em Paris, nessa mesma ocasião, passou a funcionar, em estreita vinculação com a AID, o Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento, foro de coordenação dos países doadores, logo colocado no âmbito da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE), que acabava de ser reorganizada a partir da antiga OECE (exclusivamente européia). Dois dos instrumentos essenciais exigidos como requisitos de acesso a novos países candidatos — normalmente economias capitalistas desenvolvidas, mas algumas nem tanto, como Portugal e Turquia — eram, ademais da plena adesão ao próprio Convênio constitutivo — cujo texto em português foi publicado no nº 15, de setembro de 1961 —, os Códigos de liberalização das operações invisíveis (transações correntes) e de movimentos de capitais, várias vezes aperfeiçoados desde então, sendo que este último constitui a base do Acordo Multilateral sobre Investimentos (MAI/OCDE), atualmente em processo de negociação no foro parisiense com a participação do Brasil.
A OCDE era, então, a mais jovem das organizações multilaterais criadas no pós-guerra para administrar, de forma consensual, a nova ordem econômica caracterizada pela interdependência mundial e pela afirmação do multilateralismo, processo iniciado em Bretton Woods em 1944. O tripé organizacional concebido na pequena cidade do New Hampshire deveria contar, ademais das entidades dedicadas aos problemas monetário e financeiro — FMI e BIRD, respectivamente —, uma organização voltada especificamente para o comércio, efetivamente criada na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego (1948), mas que jamais viu a luz do dia por insuficiência de ratificações (e também por inúmeras contradições internas da Carta de Havana). Em seu lugar, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), de 1947, teve de se desempenhar sozinho, continuando "provisoriamente" em vigor até sua substituição pelo GATT-94 e sua incorporação na nova Organização Mundial do Comércio que começou a funcionar em janeiro de 1995.
Todas essas organizações estão voltadas para a liberalização das trocas e dos pagamentos internacionais. Mas, o fato é que o mundo do século XIX era bem mais liberal do que o do século XX, como encarregou-se de lembrar o Professor José Maria Gouveia Vieira em artigo sobre "A Economia Internacional no século XX" (VI, 22, junho de 1963). "Acaso somos menos inclinados", perguntava ele ao constatar como tinham sido suprimidas as liberdades das transações comerciais, dos capitais e dos investimentos, "a expandir as relações comerciais internacionais que nossos antepassados? Cumpre que voltemos às práticas do passado? Ou os controles devem ser mantidos e até mesmo aprimorados?" De fato esses controles permaneceram em vigor em algumas economias capitalistas avançadas, na maior parte dos países em desenvolvimento e em todas as economias socialistas até que as grandes transformações econômicas dos anos 80 e princípios dos 90 liquidaram praticamente com estas últimas e começaram a incorporar vários dos segundos à economia de mercado "interdependente" dominada pelas economias avançadas. Trata-se de uma volta ao laissez-faire do século XIX, de um retorno ao velho mundo de desigualdades estruturais "naturais"?
Uma consulta aos sumários da RBPI demonstra como ela soube acompanhar essa evolução internacional, mesmo em aspectos ignorados pela maior parte dos pesquisadores atuais. Ainda no terreno financeiro, por exemplo, poucos se lembrarão, hoje, que o Rio de Janeiro abrigou, em 1967, uma reunião conjunta das instituições de Bretton Woods (RBPI X, 39/40, setembro/dezembro de 1967), quando teve início o processo de criação de um novo instrumento de liquidez internacional, os Direitos Especiais de Saque do FMI, que ainda hoje permanece como um padrão de referência na gestão dos desequilíbrios temporários de balanças de pagamentos (cuja composição deverá no entanto ser revista em função da criação do euro). O mundo vivia então — a despeito da criação dos "General Arrangements to Borrow" em 1961, com a participação de dez países — uma fase de inquietações quanto ao baixo nível das reservas internacionais.
Ao abrir as reuniões diria o Presidente Costa e Silva: "Conquanto houvesse o sistema monetário internacional funcionado com grande eficiência no pós-guerra, existe hoje a convicção de haver chegado o instante em que o nível de reservas internacionais não mais pode ser o resultado imprevisto das contingências da produção do ouro, tampouco de deliberações fortuitas ou de medidas aleatórias, mas deve ser objeto de decisão consciente, tal como ocorrerá no curso desta Reunião, transcorridos 23 anos dos trabalhos iniciados em Bretton Woods". O Diretor-Gerente do FMI, Pierre-Paul Schweitzer, confirmou a introdução do que seria a primeira emenda ao Convênio constitutivo do Fundo, autorizando a criação dos DES, proporcionais às cotas dos países membros, enquanto que o Ministro brasileiro da Fazenda, Delfim Netto, saudou a introdução dos novos ativos de reserva, mas reclamou uma melhoria dos processos de ajustamento dos balanços de pagamentos: ele achava que a responsabilidade pela aplicação de políticas corretivas deveria recair "tanto sobre os países deficitários quanto sobre os superavitários". Ele também sugeria que o Fundo aproveitasse a oportunidade da reforma para considerar "sua provável contribuição para apoiar os movimentos de integração econômica regional", refletindo talvez a preocupação da ALALC com o financiamento dos fluxos intrarregionais de comércio e com a sustentação dos meios de pagamentos (o que na Europa tinha sido feito, recorde-se, com o apoio financeiro norte-americano na criação da União Européia de Pagamentos, numa fase de inconversibilidade das moedas nacionais e de "penúria de dólares", aliás problemas constantes na América Latina).
Na mesma ocasião, o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos confirmava que o "compromisso norte-americano de conversão do dólar em ouro, a US$35, continua firme. Isto tem sido e continuará a ser um fator central no sistema monetário". Mas ele também advertia que "o crescimento da reserva no futuro não pode repousar, como no passado, nos déficits de pagamentos dos Estados Unidos". Quatro anos depois, como se sabe, os EUA, confrontados a déficits crescentes e sem dispor da quantidade de ouro necessária para honrar o compromisso de 1944, rompiam unilateralmente o contrato de Bretton Woods e precipitavam o mundo no "não-sistema financeiro internacional", mediante o regime de paridades flutuantes que exigiu uma segunda emenda no Convênio do FMI.
Esse mesmo número duplo de setembro de 1967 trouxe — como homenagem por seu falecimento prematuro — importante artigo de caráter didático do Embaixador Otávio Dias Carneiro sobre "Estruturas econômicas nacionais e relações internacionais". Esse texto, produzido em 1958 para conferências e aulas no Instituto Rio Branco e na Escola Superior de Guerra, mantinha a maior parte de seus conceitos e análises — sobre o GATT, o FMI, o multilateralismo, a integração e o planejamento econômico — e suas conclusões — sobre a racionalidade econômica do "internacionalismo" e a justificativa "sociológica" do nacionalismo econômico e do planejamento — plenamente válidos quase dez anos depois. Dias Carneiro foi uma presença constante nos primeiros anos da RBPI, como poderá ser comprovado na próxima seção deste artigo-resenha.

Relações econômicas internacionais, produtos de base
Durante a gestão do historiador José Honório Rodrigues à frente do IBRI e da RBPI, em meados dos anos 60, foram publicados sucessivos números temáticos — experiência editorial que certamente valeria a pena repetir nesta fase de Brasília — sobre as relações econômicas internacionais em geral, em especial sobre a UNCTAD, sobre os produtos de base ou sobre a política nuclear brasileira, este tema objeto de vários artigos subsequentes em diversos números. José Honório continuou a prática de seus antecessores de convidar diplomatas economistas como Otávio Dias Carneiro — um dos primeiros "gattianos" da história do Itamaraty — a escrever extensa e intensamente sobre comércio internacional e desenvolvimento e sobre os problemas específicos dos países exportadores de produtos de base, como então se classificava o Brasil. Citem-se os seguintes artigos: "Organização econômica nacional e economia internacional" (II, 8, 1959), "O comércio internacional de produtos de base" (V, 19, 1962 e VI, 23, 1963) e "Problemas de comércio internacional de produtos de base" (VII, 25, 1964).
Ele também convidou os "unctadianos" do Itamaraty — Georges Álvares Maciel, por exemplo — a exporem nas páginas da revista seus argumentos sobre o desenvolvimentismo e estes os fizeram defendendo posições que alinhavam o Brasil com as teses desafiadoras de Raul Prebisch, que foi o primeiro Secretário-Geral daquele foro onusiano. Ademais do número especialmente dedicado à primeira "Conferência das Nações Unidas sobre comércio e desenvolvimento" (vide Nota liminar" de José Honório Rodrigues em VII, 27, 1964) e da intervenção do próprio Raul Prebisch nessa ocasião ("Significado da UNCTAD", VII, 29, 1965), vale a pena mencionar (e pesquisar) as seguintes matérias:
XI, 43-44, 1968: "A posição do Brasil na II UNCTAD" (MRE);
XIII, 49-50, 1970: "Política brasileira de comércio exterior", Mário Gibson Barbosa;
XIII, 51-52, 1970: "Mercado internacional de produtos de base", Ronaldo Costa;
XV, 57-58, 1972: "III UNCTAD: uma avaliação", Gilberto C. Paranhos Velloso; Discurso do Chefe interino da delegação brasileira, Emb. Georges Alvares Maciel;
XVI, 61-62, 1973: "Participação dos países em desenvolvimento no comércio internacional", Ronaldo Costa;
XVI, 63-64, 1973: "Transferência de tecnologia", Álvaro Gurgel de Alencar.
José Honório tinha atuado intensamente como "publicista" em política externa durante a fase "nacionalista" e "desenvolvimentista" do Brasil. Pouco depois do início de sua gestão na revista e no IBRI, afirmava-se em toda a sua pujança no País a "ideologia industrial", já no contexto do regime militar que, embora modificando de maneira fundamental os dados da equação institucional, retomou, sem maiores restrições "ideológicas", o ciclo desenvolvimentista inaugurado pelo nacionalismo de Vargas e continuado, com uma certa abertura externa, por Kubitschek. A RBPI, nascida em plena era de afirmação da "política externa independente", adaptou-se, tant bien que mal, às novas circunstâncias políticas, passando a publicar matérias de interesse declaradamente "nacionalista", como foi o caso, por exemplo, de inúmeros artigos em defesa da Amazônia, num momento em que — já então, como a provar que a História se repete — ela parecia ameaçada de "internacionalização" em virtude de grandes projetos de desenvolvimento territorial e de infra-estrutura física, como os propostos "grandes lagos amazônicos" de Herman Kahn e Robert Panero, do Hudson Institute. Exemplo dessa postura é o artigo de Arthur Cezar Ferreira Reis, "Porque a Amazônia deve ser brasileira" (XI, 41-42, 1968), que, com vários outros nesse número especial, faz a defesa das teses "soberanistas" brasileiras que sempre encantaram políticos, militares e diplomatas, para não dizer os militantes de esquerda de modo geral.
Uma visão prospectiva e de certa forma futurística sobre as tendências econômicas fundamentais — ou pelo menos consideradas como tais — do desenvolvimento brasileiro tampouco esteve ausente das páginas da RBPI, muito embora o jogo fosse aqui bem mais arriscado. Assim, tentando justificar, em 1974, a absoluta necessidade de implementar-se uma abrangente política nuclear brasileira — cobrindo portanto todas as etapas do ciclo atômico — Eduardo Pinto afirmava, em seu artigo "Brasil: os difíceis caminhos da energia nuclear" (XVII, nºs 65-68), que não apenas ela era a "energia do futuro", mas também que não havia alternativas a essa modalidade de geração energética, pois que "no ano 2000 todas as fontes de combustíveis fósseis [estariam] esgotadas". Mais do que simples futurologia, se tratava obviamente de uma legitimação econômica para a política nuclear conduzida pelo regime militar, cujas previsões exageradas sobre a demanda energética no Brasil sustentaram um dos mais ambiciosos programas de desenvolvimento industrial e tecnológico do ciclo nuclear de que se tem notícia no mundo.
Nos anos 70 avultam os temas do mar territorial, da política nuclear, do meio ambiente — Conferência de Estocolmo, onde se distinguiu um "diplomata-economista" dos mais respeitados, Miguel Osório —, do petróleo — vários artigos seminais de Amaury Porto de Oliveira, como por exemplo "Natureza política do preço do petróleo" (XXII, 85-88, 1979) ou, mais tarde, "A mercantilização (temporária) do mercado internacional de petróleo" (XXVIII, 111-112, 1985/2) —, ao lado de outros mais tradicionais como os produtos de base e o comércio internacional. Já nos anos 80, paralelamente aos esforços brasileiros para lograr plena autonomia na área de informática e impulsar um programa espacial, ganham preeminência os temas relativos à transferência de tecnologia, como se pode constatar nos artigos de Oscar Lorenzo Fernandes: "O desenvolvimento tecnológico do Brasil e a cooperação internacional" (XXXI, 123-124, 1988/2) e no do então chefe da área econômica do Itamaraty, Celso Amorim, "Perspectivas da cooperação internacional" (idem).
Mas, os anos 80 são também marcados, de fato dominados, pela crise da dívida externa e pelo esforço agônico em torno de uma "nova ordem econômica internacional". Encontramos na RBPI contribuições de economistas e diplomatas que deixaram sua marca e ainda hoje influenciam a política econômica externa do Brasil, como Mário Henrique Simonsen, Pedro Malan ("Sistema econômico internacional: lições da história" XXV, 97-100, 1982), Paulo Nogueira Batista ("A dívida externa dos Estados", XXIX, 113-114, 1986/1) e vários outros como Paulo Tarso Flecha de Lima e Rubens Ricupero. Este último, atual Secretário-Geral da UNCTAD, teve publicadas na revista algumas de suas reflexões elaboradas na época em que exercia o cargo de representante brasileiro junto ao GATT e demais organizações em Genebra, como por exemplo: "O Brasil e o mundo no século XXI" (XXIX, 115-116, 1986/2) e "O Brasil e o futuro do comércio internacional" (XXXI, 121-122, 1988/1).
O ciclo do Rio de Janeiro se conclui com contribuições de diplomatas ainda na ativa, como Celso Amorim abordando a difícil questão da autonomia tecnológica ("Quem tem medo de Stefan Zweig?, ou os caminhos da autonomia tecnológica", XXXV, 137-138, 1992/1) ou Rubens Antonio Barbosa em torno da integração regional e o Mercosul, ao lado de outros já aposentados, como Geraldo Holanda Cavalcanti ou Luiz Augusto Souto Maior — este ainda ativo na fase atual —, nos quais a análise político-econômica se combina com uma visão própria da diplomacia brasileira. Outros, infelizmente já desaparecidos, deixaram entretanto uma marca indelével na diplomacia econômica do Brasil, como foi o caso do Emb. Paulo Nogueira Batista, do qual pode ser selecionada, no campo econômico, uma contribuição da fase na qual ele exercia o cargo de representante brasileiro na ONU: "Mudanças estruturais e desequilíbrio na economia mundial: suas implicações na cooperação econômica internacional" (XXXII, 127-128, 1989/2).

A "economia política" do desenvolvimento brasileiro
A etapa de Brasília, finalmente, está ainda muito próxima de nós para ser julgada com isenção, inclusive porque vários dos que poderiam ser aqui apontados são seus colaboradores habituais. Seria de toda forma impossível resumir aqui toda a riqueza fatual, a densidade analítica e a importância documental, para fins de pesquisa histórica, da RBPI enquanto instrumento "veiculador" e "debatedor" das principais questões — se não todas — que interessam ao desenvolvimento do Brasil e sua inserção econômica internacional, cabendo tão somente remeter ao índice remissivo — in fine — de seus primeiros quarenta anos. Nele pode ser verificado, ainda que de forma não linear, um verdadeiro racconto storico sobre a "economia política" do desenvolvimento desde o final dos anos 50.
A seleção aqui operada, talvez pouco representativa do conjunto de temas aqui evocados ou da reflexão original conduzida nestas páginas entre 1958 e 1992, não pretende, nem sequer poderia, prestar justiça a essa diversidade e multiplicidade de contribuições de valor feitas ao longo de quatro décadas de reflexão crítica sobre os caminhos do desenvolvimento brasileiro. Que ela possa, ao menos, oferecer uma pequena amostra da importância da RBPIpara a identificação e o mapeamento de suas principais tendências e problemas numa perspectiva propriamente histórica e internacional.
A economia, como diria Marx, é a chave da vida social. Ela também é um dos principais sustentáculos, em mais de um sentido, da vida exemplar da Revista Brasileira de Política Internacional. Que os leitores contemporâneos possam usufruir, como seus predecessores das últimas quatro décadas, das "vantagens comparativas" oferecidas no campo econômico pela RBPI e obtenham, agora e no futuro, significativos "ganhos de bem estar intelectual" com a consulta aos números pregressos e a leitura atenta das incontáveis páginas que encerram muito da história do desenvolvimento brasileiro.
Muitos outros veículos editoriais, novos ou velhos, permitem acompanhar, hoje em dia, o "estado da arte" em matéria de relações econômicas internacionais do Brasil, a começar por uma companheira velha de meio século como é a Conjuntura Econômica. Da mesma forma, com a capacitação institucional e projeção internacional de outras agências públicas que tratam da economia brasileira (inclusive como sua responsabilidade primária), com a extraordinária expansão da Internet e de outros meios eletrônicos de recuperação e de disseminação da informação, pode-se afirmar que as relações econômicas externas do Brasil estão atualmente muito bem mapeadas, documentadas e analisadas em um número elevado de suportes físicos, das mais diversas tendências políticas e econômicas. Pode-se afirmar, contudo, sem margem de erro, que seria impossível escrever-se a história da diplomacia econômica brasileira do último meio século sem uma consulta cuidadosa às páginas da Revista Brasileira de Política Internacional. A esperança formulada por este Editor Adjunto, é a de que, ao completar-se o primeiro centenário da revista, no ainda longínquo ano de 2058, tal tipo de afirmação continue tão verdadeira quanto hoje.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

A ideologia anti-globalista: David Magalhães (OESP)

Quem tem medo do globalismo?

O que é "marxismo cultural"? E "globalismo"? David Magalhães, professor de Relações Internacionais da FAAP e da PUC-SP, escreve sobre os conceitos que entram em pauta na nova diplomacia brasileira

 
19/11/2018 14:12
(Pixabay)
Créditos da foto: (Pixabay)
 
A escolha do Embaixador Ernesto Araújo para ser o chanceler do governo Bolsonaro produziu som e fúria em todo establishment midiático e acadêmico. Logo após o anúncio, curiosos para saber o que levou o presidente eleito a escolher um diplomata júnior para chefiar o Itamaraty, jornalistas e pesquisadores correram para decifrar os seus textos. Suas ideais foram publicadas em artigos, a maioria dos quais escritos para seu blog particular. No site, o futuro ministro se descreve como alguém que quer “ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista”, que “é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural.”

Católico e conservador, o futuro chanceler é mais um discipulo de Olavo de Carvalho. Como muitos dos admiradores de Olavo,Ernesto Araújo fez a peregrinação até a Virgínia, onde mora o autor de O imbecil coletivo, para se encontrar pessoalmente com seu mestre. Em maio deste ano, Olavo publicou em suas redes sociais um comentário elogioso sobre o artigo que Araújo escreveu para o periódico do Itamaraty em que defendia a política externa ocidentalista” de Donald Trump. O texto causou boa impressão na equipe de Bolsonaro. Conforme declarou o filho do presidente eleito, o nome de Ernesto Araújo foi sugerido por Olavo e endossado por Filipe Martins, assessor de relações internacionais do PSL e também aluno de Carvalho.

Foi Millôr Fernandes quem disse certa vez que as ideias, quando envelhecem nos EUA e naEuropa, vêm se aposentar no Brasil. Complemento: quando elas chegam aqui, de andador e fralda geriátrica, são recebidas como se tivessem saído da maternidade. Com o tão alardeado “marxismo cultural” não foi diferente. Tema que fervilhava na direita norte-americana dos anos 80 e 90 do século passado, o “marxismo cultural” – e a indissociável “revolução gramsciana”— passou a aparecer em artigos de imprensa de Olavo de Carvalhoao longo da década de 2000 no Brasil (para não falar sobre seu livro dedicado a Gramsci e a “revolução cultural”, que data dos anos 80). Depois de quase três décadas tratando do assunto, pode-se dizer que o não pequeno número de cidadãos engajados em denunciar o “gramscismo dasesquerdas” no Brasil é produto de sua pregação.

Nas palavras do futuro chanceler, o braço cultural do globalismo é o “marxismo cultural”. A tese, de caráter conspiratório, foi amplamente difundida em setores da direita americana por nomes como William Lind e Pat Buchanan, e encontrou eco no oscilante público de leitores de Carvalho das duas últimas décadas, aproximadamente.

“Marxismo cultural”, o “esquema globalista” e o chanceler

A partir do final da década de 1990, o escritor “paleoconservador”, William S. Lind, publicou diversos textos em que descrevia a evolução de um movimento transnacional que chamou de “marxismo cultural”. Sua “teoria” – que vinha sendo cada vez mais debatida em alguns circuitos da direita americana – foi sintetizada na conferência que proferiu em 2000, denominada “Origens do Politicamente Correto”, na American University, em Washington D.C.

O que conta William Lind é que após a Primeira Guerra Mundial, dois intelectuais marxistas – o italiano Antonio Gramsci e húngaro Georg Lukács– procuraram compreender por que razão a revolução socialistanão se internacionalizou conforme previa Lenin. Para Gramsci e Lukács, a cultura ocidental e a religião cristãcegavam a classe trabalhadora e a para que a revolução proletária triunfasse seria necessário, antes, destruir “super-estrutura” ideológica do Ocidente.

A nova estratégia do movimento revolucionário comunista, elaborada por Gramsci, preconizava que, ao invés de lutar pela revolução socialista, como ocorreu na Rússia, os marxistas no Ocidentedeveriam “empreender uma longa marcha através das instituições” – escolas, imprensa, igrejas, universidades – todas as instituições que influenciavam a cultura.

Quando, em 1919, Bela Kuninstalou em Budapeste uma república de sovietes, Lukács foi designado vice-comissário do Povo para a Cultura e a Educação Popular. Defende Lind que o pensador húngaro teria instituído um programa de “terrorismo cultural” que tinha como um dos principais componentes introduzir a educação sexual nas escolas. A república socialista de Bela Kun durou apenas 4 meses. Em 1923, na Alemanha, Lukàcsparticipou da “Semana de Estudos Marxistas” organizada pelo jovem marxista e milionário alemão Felix Weil, que ficou fascinado com a abordagem cultural apresentada pelo pensador húngaro. 

Felix Weil funda, na Universidade de Frankfurt, oInstituto para Pesquisa Social, posteriormente conhecida por Escola de Frankfurt. Misturando pitadas da psicanalise freudiana commarxismo, Theodor Adorno, Max HorkheimerHerbert Marcuse e Walter Benjamin defendiam que existia um entrelaçamento entre repressão social, psíquica e sexual. Assim, acreditavam os frankfurtianosque uma consciência revolucionária poderia ser engendrada através da libertação psíquica e de atitudes culturais “mais esclarecidas”.

Dois frankfurtianos são com mais frequência acusados por Lind de conspirar contra a cultura ocidentalAdorno eMarcuse. A abordagem de “cultura de massa” desenvolvida por Adorno teria provocado uma “perversão cultural” ao expor os fundamentos burgueses do que é geralmente percebido como beleza e qualidade. Marcuse, por sua vez, em seu “Eros e Civilização” atacou frontalmente a ordem sexual enraizada no ocidente, acusando-a de patriarcal e heteronormativa. Suas ideias, defende Lind, tornaram-se precursoras da promiscuidade sexual e do hedonismo. Hoje não são poucos os antiglobalistas que acusam a obra de Marcuse de destruir as velhas estruturas de autoridade da família tradicional.

A “new left” e todo movimento de contracultura dos anos 1960 e 1970 seriam herdeiros da Escola de Frankfurt. Mais ainda, os marxistas culturais teriam, seguindo a cartilha de Gramsci, ocupado todas a instituições culturais nos EUA, das universidades aos estúdios de Hollywood. Ocupando os “meios de pensamento” ao invés dos meios de produção, a nova esquerda estaria implementando seu projeto de destruição da cultura ocidental, ao fomentar o feminismo, o “gayzismo” (termo pejorativo para se referir às bandeiras LGBT ), o ambientalismo, o multiculturalismo, etc.

Com a queda do muro de Berlim, segundo Lind, essa tese ganhou força em alguns setores do partido republicano, principalmente entre os paleoconservativos, que, na ausência do comunismo soviético, elegeram os novos inimigos a serem combatidos: acadêmicos, a grande mídia, ativistas de direitos humanos, ambientalistas, feministas, etc.

No Brasil, essa abordagem do problema foi apresentada por Olavo de Carvalho em artigo intitulado “Do Marxismo Cultural”, publicado no jornal O Globo, em 2002.

E o globalismo? No discurso que fez à Assembleia Geral da ONUem setembro de 2018, Donald Trump declarou “o fim da ideologia globalista” e deu boas vindas à “doutrina do patriotismo”. Na defesa que faz do trumpismo, o futuro chanceler entende que o globalismo não é apenas uma ideologia, mas um esquema de dominação global que visa substituir as culturas tradicionais por uma moral secular, cosmopolita e esquerdista. A elite que controla o esquema globalista é composta por organismos internacionais como a ONU e a União Europeia, por ONGs internacionais e financiado por bilionários “esquerdistas” como o George SorosErnesto Araújo ainda acusa a China maoísta” de ser um dos pilotos da ideologia globalista.

Para conter a sanha da expansão globalista, o novo chanceler defende que o Brasil deveria recuperar o desejo de grandeza, como nação cristã, ecoando o lema bolsonarista de “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. A presença do Brasil no mundo não deveria ser orientada pela adesão aos regimes internacionais ou pelo servilismo a uma ordem global baseada em regras. O Brasil, defende Araújo, não poder ser apenas “bom aluno do globalismo”. Na linha do populismodisseminado por Steve Bannon, há uma crença de que a política externa deve ser um bastião dos valores conservadores do povo contra o cosmopolitismo liberal das elites globalistas.

Claro está que o perfil de Araújoorna muito bem com figurino ideológico do governo eleito. Mas não há política externa que se alimente apenas de convicções. Há uma série de fatores, externos e internos, que moldam a projeção internacional do Brasil. Como observou Edmund Burke, o pedestre dia-a-dia da política costuma frustrar os ímpetos ideológicos.

Anti-globalismo e Política Externa Brasileira

Tendo sido promovido a ministro de primeira classe no começo de 2018, Ernesto Araújo não ocupou cargos no MRE que colocassem à prova sua capacidade de negociação. Nunca chefiou, por exemplo, uma embaixada no exterior. Por essa razão, como revelou Matias Spektor, professor da FGV, grupos dentro da equipe de Bolsonaro preferiam diplomatas liberais mais experientes, como Graça LimaRubens Barbosa ou o atual Secretário-Geral do Itamaraty, Marcos Galvão.

Ao chanceler, é sabido, exige-se não apenas um amplo conhecimento das relações internacionais, mas também a capacidade de fazer política. Pela sua trajetória, o novo chanceler aparenta ser um intelectual de gabinete, um escolástico que cita Ésquilo e Heráclito em grego e tem apreço pelos cânones da cultura ocidental. Não se sabe, contudo, como se sairá com os ardilosos jogos de barganhas que frequentam mundo da política.

Além disso, ao longo de sua história diplomática, o Brasil tem defendido o multilateralismo como princípio ordenador do funcionamento do sistema internacional. Trata-se de uma tradição da política externa brasileira que remonta nossa participação na Liga das Nações, no começo do século XX. A aposta no multilateralismo tem sido fundamentada, entre outras coisas, no reconhecimento das limitações do seu poder individual diante de um sistema fortemente hierarquizado. Mesmo durante governos militares, quando se praticou um soberanismo mais estreito com Costa e Silva,Médici eGeisel, o Brasilparticipou ativamente dos foros multilaterais, como a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), ou do G-77, a grande coalizão de países em desenvolvimento que teve origem na Assembleia Geral da ONU. Por essa razão, as críticas do novo chanceler às “normas” e aos “regimes internacionais” deve encontrar dura resistência dentro da Casa de Rio Branco. Vale lembrar, também, que Ernesto Araújo irá chefiar um Ministério profundamente comprometido com valores “globalistas”, como o multiculturalismo, os direitos humanos e o meio-ambiente. Não será fácil a tarefa de convencer o Itamaraty a aderir ao trumpismo do chanceler, visto por alguns membros da equipe de Bolsonaro como um covil da “esquerda globalista”.

Além disso, as organizações internacionais não são dotadas de vida própria. Não há nada que elas possam fazer, sozinhas, contra a vontade do Estado. Quando começaram a surgir no Brasil as teses que colocavam a ONU no centro de uma conspiração globalista, o falecido Embaixador Meira Penna, um liberal smithiano muito respeitado pela direita brasileira, alertou que as Nações Unidas, como qualquer outra organização inter-governamental, não andava com pernas próprias, pois dependia dos Estados soberanos para funcionar.

O que o futuro chefe da diplomacia brasileira chama de globalismo, correntes mais liberais dentro do Itamaraty chamam de interdependência. Juracy Magalhães, chanceler do governo Castelo Branco, defendia uma ordem internacional baseada na interdependência entre os povos em substituição ao conceito de soberania nacional. Luiz Felipe Lampreia, chanceler do governo Fernando Henrique, propunha que o Brasil abandonasse a ideia de autonomia pela distância e se integrasse a uma era globalizada na qual a democracia política e a liberdade econômica eram referências fundamentais.

Resta também questionar como o Embaixador Ernesto Araújo irá compatibilizar seu antiglobalismocom os interesses concretos do Brasil. Consideremos dois tópicos importantes que têm sido defendidos por Bolsonaro: as críticas à China e a aproximação com Israel.

Como conciliar as preocupações em relação à “China maoísta” diante da importância que o gigante asiático desempenha na nossa vida econômica? Quase metade de tudo o que o Brasilexportou de commodities neste ano teve como destino o mercado chinês. E parte relevante do apoio a Bolsonarovem da bancada ruralista, extremamente dependente das vendas para a China. O mesmo vale para o projeto liberal de Paulo Guedes. Herdeiro de Milton Friedman, o racionalismo econômico e cosmopolita de Guedes pode se chocar com o antiglobalismo do novo chanceler. Ademais, como levar a cabo o projeto de abertura econômica e privatizaçõesprescindindo do abundante volume de capital chinês disponível no mercado internacional?

Outro tema caro ao ocidentalismo de Ernesto Araújo é a aproximação com Israel. Apoiador da integração do Brasil ao bloco judaico-cristão, a ideia de mudar a embaixada de Tel Aviv paraJerusalém deve ganhar força com o novo chanceler. É pouco provável, contudo, que suas convicções se sobreponham aos interesses dos frigoríficos nacionais, como a BRF, que poderiam ser prejudicados com uma eventual retaliação dos países árabes.

A mimetização da política externa trumpista ocorrerá apenas se o governo eleito desconsiderar os eloquentes dados da realidade, em particular a colossal assimetria de poder existente entre EUA eBrasil. As consequências de virar as costas para a ONU, enfrentar a China e mudar a embaixada para Jerusalém produziriam efeitos distintos para os dois países. Parodiando Ortega y Gasset, o chanceler é o chanceler e suas circunstâncias.

*Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo

Futuro chanceler busca falcatruas da "ativa e altiva" (OESP)

Futuro chanceler diz que buscará 'possíveis falcatruas' de Celso Amorim no Itamaraty

Ernesto Araujo também diz que Brasil não terá 'a cabeça enfiada na terra para não ver o grande embate mundial entre o globalismo e a liberdade'

Lu Aiko Otta, O Estado de S.Paulo 
19 Novembro 2018 | 11h13

Após a polêmica que se seguiu ao anúncio de seu nome para comandar o Ministério das Relações Exteriores no governo de Jair Bolsonaro, o embaixador Ernesto Fraga Araújo, usou sua conta no Twitter para se manifestar. Ele adotou um tom tranquilizador sobre seus planos e rebateu críticas do ex-ministro Celso Amorim
“Não se preocupem. O Brasil terá os pés no chão”, escreveu em letras amarelas, numa imagem de fundo verde. “Na nova política externa, vamos negociar bons acordos comerciais, atrair investimentos e tecnologia. Terá os pés no chão, mas a cabeça erguida!”, acrescentou, dizendo que a política externa “não ficará de quatro diante das ditaduras”, nem “a cabeça enfiada na terra para não ver o grande embate mundial entre o globalismo e a liberdade.” 
Ele ainda escreveu que fará um “exame minucioso” da política externa do ex-ministro Celso Amorim “em busca de possíveis falcatruas.” 
No último fim de semana, Amorim afirmou que a implementação das ideias de Araújo representaria uma volta à Idade Média. “Não entendi se é crítica ou elogio, mas informo que não retornaremos à Idade Média, pois temos muito a fazer por aqui, a começar por um exame minucioso da “política externa ativa e altiva” em busca de possíveis falcatruas”, rebateu o futuro chanceler por meio de sua conta no Twitter. 
Celso Amorim foi o chanceler durante todo o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), período no qual implementou o que chamava de “política externa ativa e altiva”, na qual foram valorizadas as relações com países da região, a África e os emergentes, na política batizada de “Sul-sul”. Pelo que foi informado até o momento, as linhas de política externa de Jair Bolsonaro têm uma orientação diametralmente oposta. 
No entorno do presidente eleito, há muitas críticas à politização do Mercosul e à criação de outros foros de contraposição aos Estados Unidos - que, no futuro governo, despontam como principal prioridade. Há críticas também às operações de financiamento realizadas pelo BNDES a países amigos à época. Elas são alvos da devassa prometida por Bolsonaro nas contas da instituição.

Terminar imediatamente com Fundo Partidario e com Fundo Eleitoral - Editorial Estadão

Questão de moralidade

Editorial O Estado de S.Paulo, 18/11/2018

Como entidades privadas, os partidos políticos deveriam ser custeados por recursos de seus quadros e por doações de simpatizantes

Como entidades privadas que são, os partidos políticos deveriam ser totalmente custeados por recursos de seus quadros e por doações de cidadãos simpatizantes de suas agendas programáticas. O País ainda não atingiu este patamar de maturidade democrática e, por esta razão, as agremiações contam com dinheiro público farto e fácil para bancar suas estruturas administrativas, campanhas eleitorais e sabe-se mais o quê. “A democracia tem um custo”, dizem, não sem uma boa dose de cinismo, os que defendem o modelo de financiamento público. 
Em setembro de 2015, vale lembrar, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu doações de pessoas jurídicas para as campanhas eleitorais. Como se sabe, esta era uma das principais fontes de receita dos partidos políticos. Em boa hora, o STF decidiu acabar com esta excrescência. Afinal, empresas não têm direitos políticos. 
A “solução” encontrada pelos políticos após o bom juízo do Supremo foi a mais fácil possível: criar um tal Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), que neste ano contou com R$ 1,7 bilhão em recursos do Tesouro. Um descalabro muito confortável para os que não querem ter o trabalho de conquistar doadores privados na base do convencimento. 
Posto que partidos recebem recursos públicos, o mínimo que o contribuinte pode esperar, por questão de moralidade, é que tanto a destinação como o uso da polpuda quantia dada aos partidos políticos estejam dentro da lei. E, quando não estiverem, que o Ministério Público e o Poder Judiciário empreendam todos os esforços para reaver o dinheiro. Há um bom sinal de que isso possa acontecer. 
Segundo levantamento feito pela ONG Movimento Transparência Partidária, a partir de dados publicados na internet pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cerca de mil candidatos impedidos pela Justiça Eleitoral de disputar as eleições de 2018 – a maioria por não atender aos critérios de elegibilidade previstos na Lei da Ficha Limpa – podem ter de devolver quase R$ 39 milhões aos cofres públicos. A quantia fora sacada do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, do Fundo Partidário e de doações às candidaturas por fim impugnadas. 
Sozinho, Luiz Inácio Lula da Silva, o “candidato” que nunca foi e jamais poderia ter sido, responde por mais da metade dos recursos que o Ministério Público pretende recuperar: R$ 20 milhões. Este é o valor oficialmente declarado pelo PT para bancar o circo que foi montado em torno do engodo da “candidatura Lula”. Além deste valor, oriundo do FEFC, o partido declarou outros R$ 599 mil recebidos a título de doações para a campanha do presidiário de Curitiba por meio de “vaquinhas”. Estes, de acordo com nota do PT, estão sendo devolvidos a quem os doou. 
Não bastasse ter feito o País desperdiçar preciosos meses em debates infrutíferos sobre a viabilidade de uma candidatura natimorta, pois flagrantemente ilegal, Lula da Silva ainda gastou R$ 20 milhões em recursos públicos para assistir, de dentro de uma cela, ao espetáculo de prepotência, egoísmo e vaidade que ele mesmo engendrou. 
A devolução de recursos públicos destinados a candidaturas impugnadas pela Justiça Eleitoral não está prevista explicitamente na legislação. Ela está baseada em uma resolução normativa assinada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que defende que o Ministério Público Eleitoral deve pedir ressarcimento aos cofres públicos do dinheiro dado a candidatos que tenham sofrido condenações prévias que já os tornem inelegíveis antes mesmo do ato de registro das candidaturas. A PGR entende que os pedidos de devolução devem ocorrer após o término do prazo legal para prestação de contas ao TSE, a quem cabe analisar o ressarcimento caso a caso. 

O Estado deve dar uma resposta na exata medida da afronta. O caso da enganosa candidatura de Lula da Silva é o mais notório e mais caro, mas não é o único. A Justiça Eleitoral deve ser diligente na análise de cada um deles a fim de proteger não só os recursos públicos, mas também a saúde do próprio sistema eleitoral.

domingo, 18 de novembro de 2018

Cartas de Prestes e de Olga Benario - Jose Casado (O Globo)

Ver as fotos, de 1 a 6 (suprimidas nesta postagem), no site do jornal: 



Um romance no cárcere: cartas mostram amor entre Olga Benario e Luiz Carlos Prestes


Correspondência do casal de revolucionários comunistas se destaca entre as 330 cartas do líder do PCB achadas no lixo

por José Casado
O Globo, 18/11/2018 4:30 / Atualizado 18/11/2018 7:28

Em cartas achadas no lixo de Copacabana, a paixão e o drama do casal Olga Benario e Luís Carlos Prestes depois da derrota na rebelião de 1935, promovida pelo Partido Comunista contra o governo Getulio Vargas para instaurar uma ditadura do proletariado no Brasil. Documentos históricos vão a leilão nesta quarta-feira.  
1
Com amor, Olga
Olga Benário e Luís Carlos Prestes- Reproduções
A letra saiu firme na finíssima folha de papel: “Rio, 4.IV.36. Ao Snr. Luís Carlos Prestes”.
Naquele sábado, 4 de abril de 1936, contava um mês desde a prisão no Méier, Zona Norte do Rio, e a separação do marido na sede da polícia. Amputou o tom formal num espaço branco e debulhou a solidão em francês fluido, como quem sussurra a ouvido íntimo:
“Meu querido,
espero que essas linhas cheguem nas suas mãos.
Eu queria muito te dizer uma coisa que diz respeito somente a nós dois. Mas diante das circunstâncias, não me resta [nada mais] que essa possibilidade.
Querido, nós teremos um filho. (Eu sinto todos os sinais que existem nesse caso. Vômitos etc.) Esse acontecimento me faz muito feliz, ainda que eu me dê conta das dificuldades que terei de atravessar. Enfim, nós teremos uma expressão viva de todo o bom e doce que existe entre nós. Eu imagino que você esteja inquieto sobre minha situação.”
‘Querido, como eu queria saber de você, se você está vivo, com saúde, eu não sei de nada. Estou muito, muito, inquieta e te peço para me dar uma resposta a esta carta’
- Olga BenarioCarta para Luís Carlos Prestes escrita na prisão da Rua Frei Caneca
Acrescentou: “Eu me encontro sozinha numa cela sem livros e eu não saio nunca de minha cela. Para me impedir de ver o céu, colocaram um grande pedaço de tecido na frente. Então eu passo os dias olhando as paredes e esse pedaço de tecido.
Tudo isso não é agradável, mas eu te asseguro que terei força suficiente para resistir.
Querido, como eu queria saber de você, se você está vivo, com saúde, eu não sei de nada. Estou muito, muito, inquieta e te peço para me dar uma resposta a esta carta.”
Despediu-se: “Você sabe que todo o meu coração e meus pensamentos estão sempre perto de você.
Muitos beijos,
Sua.”
Papel esgotado, espremeu a letra no canto esquerdo para um P.S.: “esta carta é um pouco (ininteligível), mas você compreende...!
Responda-me!
Maria Prestes,
Casa de Detenção”
2
Para fugir de Hitler, Olga foi Eva, Frieda e Maria

Carta enviada por Olga da prisão a Prestes- Agência O Globo

Era Maria, já havia sido Eva, Frieda e outras tantas em Berlim, Moscou e no Rio, mas ainda evitava assumir a identidade real, Olga, e a origem do sobrenome Benario, judaico-alemão. Provavelmente por temer a deportação para a Alemanha de Adolf Hitler.
Estava no pavilhão prisional da Rua Frei Caneca, Centro. Dois quilômetros de distância a separavam do marido, enjaulado, isolado e incomunicável no Quartel da Polícia Especial, no Morro de Santo Antônio.
Conheceram-se sob o inverno moscovita às vésperas do Natal de 1934. Disfarçados de casal milionário, embarcaram para o Rio com a missão de deflagrar a revolução no Brasil, abrindo caminho para uma ditadura do proletariado na América do Sul.
Agente premiada, aos 27 anos foi escolhida para proteger o cultuado Prestes, dez anos mais velho, chefe do Partido Comunista do Brasil (PCB) e integrante da mesa central da Terceira Internacional (Comintern), fundada na década anterior por Vladimir Lenin.
Apaixonaram-se e casaram-se durante a viagem de 12 semanas por 18 países para dissimular o destino.
Separados e atrás das grades um ano depois, eram apenas sobreviventes de um monumental fiasco político, o levante comunista de novembro de 1935 em Natal, no Recife e no Rio — usado pelo governo Getulio Vargas para impor o estado de sítio e ampliar a repressão aos adversários.
Restavam-lhes lembranças do romance em liberdade e incertezas de encarcerados num mundo à beira da guerra. Verteram angústias em monólogos escritos, alguns jamais recebidos como foi o caso da folha manuscrita naquele sábado de abril com a notícia da gravidez (o pai soube da gestação no trimestre seguinte e só viu a filha, Anita Leocadia, com 9 anos.)
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Catador levou achado à Praça XV

O passaporte de Prestes e de sua esposa Olga, com nomes fictícios- Reprodução
Essa carta se destaca entre outras 330 enviadas a Prestes por Olga, família e amigos. Foram achadas, aparentemente, numa caixa jogada à beira de rua em Copacabana. Vão a leilão na quarta-feira.
Aos sábados na praça, antigo ponto de reunião de burocratas, é possível encontrar desde uma nota de mil réis até a primeira edição do GLOBO, de 29 de julho 1925, com manchete sobre o delírio do empresário americano Henry Ford com seringueiras na Amazônia: “Voltam-se as vistas para a nossa borracha!”. Naquele inverno, o capitão Prestes comandava uma coluna rebelde contra a Velha República. Vararam 25 mil quilômetros de chão, a pé e a cavalo, por 11 estados. Fracassaram.
Na praça, um comércio multicolorido de velharias se espraia ao redor do Paço Imperial, onde despachavam D. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves, e os Pedro, imperadores brasileiros.
Nesse microcosmo capitalista há numa divisão informal de mercado. Catadores ou burros sem rabo, por causa das carroças de tração humana, são os garimpeiros urbanos. Abastecem 366 barraqueiros e incontáveis “sem-terra”, os sem licença municipal que deitam produtos sobre o calçamento.
Alex Seixas, um “sem-terra”, narra a compra das cartas enviadas a Prestes de um burro sem rabo, cinco anos atrás, em Copacabana. Sob um chapéu de pano evocando o modelo de Sherlock Holmes, um deerstalker, Seixas diz ter pago os R$ 500 pedidos, mas não lembra o nome. Leu uma carta, sua mulher olhou outras, mas nada entenderam: “Não sabia o nome de quem escreveu. Vendi quando precisei de dinheiro.”
Num amanhecer de sábado encontrou Carlos Otávio Gouvêa Faria, conhecido como Cacá, montando barraca na Praça Quinze. Espalhou as cartas no chão, indicando selos antigos nos envelopes carimbados pela censura de guerra de Brasil, México, EUA, França e Alemanha.
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'Garimpeiro urbano' levou achado a leilão

Ccarta de Olga Benário para Prestes, cuja transcrição está no livro de Anita Prestes- Márcia Foletto / Agência O Globo

Mais experiente e letrado, Cacá percebeu que era correspondência de Prestes. Comprou a papelada — não revela quanto pagou — e, à noite, em casa, pesquisou para compreender o acervo.
Ele vive disso há mais de 30 anos, com êxito. Já comprou de um burro sem rabo um lote de ações ao portador da Petrobras e da Gerdau. Levou o “lixo” ao gerente do seu banco e saiu com mais de R$ 200 mil no bolso, gastos na residência com piscina em Nova Iguaçu.
Em outra bamburrada de garimpo urbano adquiriu o porte de arma de Carlos Lacerda, ex-governador da Guanabara. Em agosto de 1954 ele foi vítima de um atentado em Copacabana, referência do início da derrocada do seu adversário Getulio Vargas. Lacerda reagiu a tiros. A autorização para uma Smith & Wesson .38 foi vendida a um colecionador.
Cacá submeteu as cartas enviadas a Prestes ao crivo de Soraia Cals, leiloeira de arte. Decidiram vender em lote único. “Seria uma ‘violência’ repartir o acervo” — ela argumenta. “Melhor perder dinheiro e manter o conjunto, com apenas um dono.”
Talvez um dia essa correspondência sobre amor em tempo de guerra seja exposta ao público.
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Presa com Barão de Itararé e Graciliano Ramos

Fachada do antigo presídio da Rua Frei Caneca, onde Olga ficou presa. Complexo foi demolido em 2010- Arquivo O Globo / Agência O Globo
O leilão de um acervo de cartas, quarta-feira no Rio, abre novo capítulo na história de um romance que permeou decisões sobre o confronto armado do Partido Comunista do Brasil (PCB) com o governo Getulio Vargas, em 1935, para instaurar no país uma ditadura do proletariado.
A correspondência narra, pela lente intimista, as sequelas nas vidas de Luís Carlos Prestes e de sua mulher, a alemã Olga Benario. Em apenas 16 meses se apaixonaram, casaram-se, foram derrotados, presos e separados.
Eram ativistas do comunismo no Brasil de 83 anos atrás, dominado pelo avanço das ideias antiliberais, impulsionadas pelos regimes de Adolf Hitler, na Alemanha, e de Benito Mussolini, na Itália.
A sedução fascista arrebatava corações e mentes nas ruas cariocas, com a alegoria dos desfiles de militantes uniformizados da maior organização de massa até então vista na República, o Partido Integralista.
O integralismo ofertava um elixir político composto por um “Estado forte”, avesso aos “erros” do capitalismo e do comunismo, nacionalista e conciliado na doutrina social do cristianismo. Tudo sob o estandarte “Deus, na Pátria e na Família” — lema que o humorista Barão de Itararé converteu para “Adeus, Pátria e Família!”. Na pele do gaúcho Aparicio Torelly, o Barão foi vizinho de Olga Benario na prisão da Rua Frei Caneca.
Branca e serena, na descrição do escritor Graciliano Ramos, também preso, ela chamava a atenção aos 28 anos pela altura, grandes olhos azuis e porte atlético.
O sotaque pesado transparecia nos interrogatórios, conta o biógrafo Fernando Morais. Carregava nos erres: “Eu sou a mulher de Prestes, que é brasileiro. Portanto, sou brasileira.”
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Morta no campo de concentração

Documento assinado pelo diretor Gestapo, polícia política de Hitler, sobre Olga Benário- Agência O Globo

Grávida de sete meses, foi deportada por Vargas para a Alemanha de Hitler em setembro de 1936, com apoio da Corte Suprema (atual STF). Alemã, judia e comunista, Olga ficou numa prisão-hospital em Berlim até o nascimento da filha, Anita Leocadia — resgatada da vida entre grades aos 14 meses após uma campanha da família Prestes na Europa e nos Estados Unidos.
Passou ao campo de concentração de Ravensbrück, enquanto no Rio o marido era condenado a 16 anos de prisão (até a anistia cumpriu nove anos, sete dos quais na “solitária”). Escreveu-lhe sobre a solidão no inverno de 1940: “Eu imagino que a sua não seja assim pra você, que vive no mundo dos seus pensamentos (...) Fico imaginando como você iria se divertir com eu te contando os meus sonhos.”
Quando veio a primavera, desabafou: “Vocês não imaginam a gratidão que se tem pelo sol.” Naquele abril, Hitler invadia a Dinamarca e a Noruega, e os soviéticos massacravam 22 mil poloneses. Mês seguinte alegrou-se com uma carta do marido: “Como eu poderia descrever pelo menos uma fração dos sentimentos e pensamentos que suas lindas palavras despertaram em mim.”
Em Ravensbrück se tornou “blockova”, a vigilante do bloco judeu nomeada pelos nazistas, relata a escritora Sara Helm. “Devo admitir que parei de esperar milagres” — contou em carta a Prestes. “Nunca devemos culpar o destino, pois afinal, apesar das dificuldades, nos provou que somos feitos um pro outro e temos a Anita.”
Resignava-se no final de 1941: “Temos que continuar tendo paciência”. Àquela altura, o Nordeste, estopim do levante comunista com que ela e Prestes sonharam, tornou-se base dos EUA para ataque aos nazistas na África.
Pouco antes do Natal, a “blockova” Olga deixou uma cigana de 3 anos, doente, dormir além do permitido. O SS Johann Kantschuster viu, entrou na ala 11 de Ravensbrück, agarrou a criança pelos cabelos, “levou-a para o lago e a afogou” — contou Alice Bernstein, sobrevivente, à escritora Helm.
Depois de quase dois mil dias prisioneira, foi executada em abril de 1942. Prestes só soube sete anos mais tarde, ao sair da prisão anistiado. Perdoou Getulio Vargas, publicamente.

Politica externa: campo aberto ao radicalismo - Editorial O Globo

Política externa é campo aberto ao radicalismo

É curioso que Bolsonaro repita Lula e coloque a diplomacia a serviço da ideologia do presidente

A diplomacia brasileira tem tradição de profissionalismo. Com o passar do tempo, consolidou-se como uma atividade típica de Estado, cuja característica é a estabilidade, independentemente do governo de turno. Grande símbolo deste aspecto positivo é que aquele considerado patrono da diplomacia na República, José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco, era filho de importante personagem do II Reinado, Visconde do Rio Branco, também diplomata. Maior demonstração de continuidade, impossível.

A era Bolsonaro causa preocupação com a política externa que seguirá a partir da indicação para ministro das Relações Exteriores do embaixador Ernesto Araújo, da chefia do Departamento dos EUA, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty.
Araújo é conhecido, por meio de textos e do que escreve em blog, por defender posições ultraconservadoras, ser contra o “globalismo” e alinhar-se ao nacionalismo isolacionista de Donald Trump.
Além de ser preocupante, a escolha de Araújo gera o fato curioso de repetir com sinal trocado o que o PT, em seus 13 anos de poder, fez com a diplomacia brasileira, ao subordiná-la à ideologia dos ocupantes do Planalto. Com Bolsonaro e Ernesto Araújo, tudo se repete, neste aspecto.

Bolsonaro sempre criticou o lulopetismo, e com razão, por atrelar a política externa brasileira ao nacional-populismo latino-americano, e ao privilegiar ditaduras africanas, deixando em segundo plano o chamado Primeiro Mundo (Estados Unidos e Europa).
Pois agora, também claramente por ideologia, Bolsonaro conecta a diplomacia a um nacional-populismo, mas ao de Donald Trump e de simpatizantes do presidente americano na Europa. O ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, por exemplo.
Também como Lula, Bolsonaro, que tem feito e bancado escolhas corretas na administração da economia (Paulo Guedes e equipe) e na Justiça (Moro) — destinando, aos dois, importantes estruturas de poder para que possam enfrentar ameaças sérias ao estado democrático de direito (crise econômica, corrupção e crime organizado) —, usa a política externa para atender a seus pendores ideológicos e de seguidores.
Em 2003, ao assumir o primeiro mandato, Lula também acertou na montagem da equipe econômica (Palocci, Meirelles, Levy etc.), e, em compensação, doou o Itamaraty a companheiros (Celso Amorim, Marco Aurélio Garcia, Samuel Pinheiro Guimarães).
Uma preocupação com o futuro chanceler é que, seguidor de Trump, ele poderá investir contra a China — o que Bolsonaro já fez. Sucede que os chineses são os maiores parceiros comerciais do Brasil. E ainda poderá dificultar a integração do país ao mundo, por ser contra a globalização.
Araújo não parece exercitar o tradicional pragmatismo do Itamaraty. Não seria aprovado pelos Rio Branco, o visconde e o barão.

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