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quinta-feira, 4 de abril de 2019

Banco Central do Brasil sai do CCR - Maria Celina Arraes; comentarios PRAlmeida


A decisão é correta e o Banco Centra já tinha essa intenção desde os anos 1990, quando o Brasil realizou abertura econômica e liberalização comercial, e o sistema bancário já era perfeitamente capaz de financiar os fluxos de comércio exterior, garantindo linhas de crédito a importadores a exportadores, com a cobrança de comissões e juros quando pertinente. Não é função de Bancos Centrais financiar comércio exterior e oferecer garantias de risco em coberturas cambiais de negócios totalmente privados. 

Esse mecanismo do CCR vinha dos anos 1960, quando ainda havia certa penúria de dólares na AL, e o economista Raul Prebisch brigou com o FMI pois este defendia a multilateralização dos pagamentos – que é um mandato original vindo de Bretton Woods – e Prebisch ainda vivia naquele mundinho meio keynesiano de restrições a movimentos de capitais, e pretendia reproduzir na AL o mesmo mecanismo de clearing que existiu na Europa durante os anos 1950 (mas apenas como resultado do esforço de reconstrução da Europa sob o Plano Marshall, quando os EUA financiaram o BIS para que este servisse como caixa de compensações do comércio intra-europeu num período em que as moedas não eram conversíveis), mas que terminou no final da década. 

Correto, muitas moedas da AL não são conversíveis, mas de toda forma NÃO é função de BCs financiarem comércio exterior ou cobrir riscos cambiais. O mesmo se aplica, diga-se de passagem, a esses mecanismos de comércio em moedas locais.

Totalmente correta a postura de Maria Celina Arraes sobre essa questão.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de março de 2019


Banco Central do Brasil sai do CCR



Maria Celina Arraes

Consultant at Independent


O Banco Central publicou sua decisão de não mais participar do Convênio de Créditos Recíprocos (CCR) entre países da Associação Latino-americana de Integração ALADI a partir do mes de abril. O CCR é um sistema internacional de pagamentos por meio do qual são liquidadas operações de comércio internacional pelos bancos centrais dos países membros (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela). 
Publiquei na Revista da Procuradoria Geral do Banco Central do Brasil em dezembro 2015 (vol. 9 número 2, páginas 18 a 42) artigo em que registro a experiência de cooperação financeira internacional do Banco Central, da qual participei durante minha vida profissional, inclusive durante o período em que fui Diretora de Assuntos Internacionais. 
Minha análise à época é totalmente compatível com a decisão de sair do CCR. Permito-me transcrever abaixo trecho de artigo ressaltando que os dados não estão atualizados mas são representativos:
"Existe controvérsia sobre se é papel dos bancos centrais a operação de sistema de pagamentos que envolve concessão de crédito relacionada a comércio exterior, expondo a autoridade monetária aos riscos descritos (mencionados no artigo risco político e risco de crédito em relação a instituição bancária).
Por um lado, ao longo do tempo, o CCR perdeu relevância na liquidação das transações comerciais, em decorrência da maior sofisticação das instituições financeiras internacionais e dos instrumentos financeiros, do avanço tecnológico, da maior liquidez internacional, do processo de liberalização dos fluxos de capitais e do próprio crescimento do comércio. Tais circunstâncias propiciaram novos horizontes aos agentes de comércio exterior, possibilitando-lhes abrir mão dos procedimentos burocráticos e das restrições do mecanismo, tais como limites operacionais impostos aos bancos intervenientes nas operações e utilização de instrumentos específicos de crédito. Essas restrições eram destinadas a reduzir os riscos para os bancos centrais. 
Restrições cambiais, por outro lado, aumentam a utilização do Convênio. Não é por outra razão que, nos últimos anos, a Venezuela apresenta-se como o mais importante usuário do CCR.
Ressalte-se que o avanço tecnológico tornou possíveis soluções para pagamentos e liquidações internacionais, com liquidação pagamento por pagamento, ligadas aos sistemas de liquidação em tempo real das moedas em questão, tais como o sistema TARGET 2 no âmbito da União Europeia ou Continuous Linked Settlement (CLS), que possibilitam a liquidação de transações de câmbio multimoedas e, ao mesmo tempo, mitigam o risco envolvido.
Os que argumentam a favor de sua manutenção nos bancos centrais mencionam que esses bancos, mormente aqueles com função de supervisão dos bancos comerciais, encontram-se em posição privilegiada para conhecer o risco de seu sistema bancário e, dessa maneira, autorizar linhas de crédito, de acordo com o patrimônio de cada instituição financeira/banco comercial. As garantias basilares do Convênio reduziriam o risco político – os bancos centrais consideram essa dívida preferencial e de curto prazo – e, portanto, não passível de inclusão no Clube de Paris (independentemente do prazo da operação original, o crédito implícito no CCR é de quatro meses, prazo entre compensações). Menciona-se também que as dívidas sempre foram honradas, apesar da eventual existência de mora.
O argumento contrário ressalta que existe um subsídio implícito nas operações e que tal custo deve ser explicitado. Além disso, que essa natureza de risco – político – não deve ser assumida por bancos centrais. O fato de os pagamentos terem sempre sido honrados não implica não existência de risco, e este deveria estar precificado e claramente explicitado.
Alguns fatos ilustram a afirmação. O caso mais recente foi a ameaça do Equador de não honrar os pagamentos relativos à construção da hidroelétrica de San Francisco, em 2008. A ameaça não se concretizou, e o pagamento foi efetuado. De maneira muito resumida, uma empresa brasileira realizou investimento no setor elétrico equatoriano juntamente com uma estatal equatoriana. A hidroelétrica parou de funcionar por motivos estruturais. Em novembro de 2008, a empresa equatoriana ingressou com pedido de arbitragem, na Câmara de Comércio Internacional (CCI), questionando a legalidade da dívida contraída com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com a pretensão de não pagar o empréstimo realizado. O caso teve repercussão diplomática, com a convocação do embaixador brasileiro, naquele país, para voltar ao Brasil. Notícia publicada no Valor Online”, em 2017, dá conta de que o BNDES saiu vitorioso no entendimento da Câmara de Comércio Internacional (CCI), corte arbitral cuja decisão foi emitida, em caráter definitivo, sem direito a recurso. 
Mencione-se como comprovação da utilização do CCR como cooperação financeira de liquidez que, em 1º de junho de 2009, como medida para enfrentar a crise financeira internacional, o limite bilateral de crédito, entre Brasil e Argentina no CCR foi ampliado de US$120 milhões para US$1,5 bilhão. Entretanto, somente em 2011 (US$133 milhões) e em 2012 (US$400 milhões), os créditos do Brasil com aquele país não seriam cobertos pelo valor anterior.
Quais são os fatos?
1. A operação de sistemas de pagamentos pode não ser feita por bancos centrais, mas seu funcionamento, sem interrupções ou problemas, é preocupação diária dos bancos centrais, por seu potencial de originar crises sistêmicas e corrida a bancos.
2. As operações do CCR diminuíram de relevância devido aos desenvolvimentos apresentados acima, por limites e outras medidas para reduzir o risco pelos bancos centrais, pela abundância relativa de moeda forte na região. O fato é que hoje somente significam menos de 2,8% das importações intrarregionais
3. Além de a questão filosófica desse tipo de operação ser ou não função de bancos centrais, a oposição dos bancos centrais à assunção de riscos está também relacionada a sua responsabilização por eventuais inadimplências, pelos órgãos de controle de cada país, independentemente de sua participação na contratação. "

Minha mensagem aos militares - Paulo Roberto de Almeida

Caro general Heleno, caro vice-pres. general Mourão, caro general Villas Boas, caros todos os militares do governo (e fora dele):

Gostei muito da nota do dia 27/03 sobre o 31 de março de 1964, que também podia ser chamado de manifesto para o 31 de março de 2019 (com algumas ressalvas que depois apresentarei a vocês em particular).

Por favor: façam um novo manifesto dizendo que 31/03/1964 foi, SIM, um golpe de Estado (ainda que o Goulart fosse um inepto, um incapaz, e um demagogo, mas podia esperar até 1965, se a inflação fosse contida), e digam que, SIM, houve Ditadura durante 21 anos (ainda que a esquerda tenha tido uma GRANDE cota de responsabilidade pelo endurecimento do regime militar).

Por favor, digam isso, para terminar de vez com esse besteirol de alguns integrantes do governo, que fazem o Brasil e os brasileiros passar vergonha no plano internacional.
Conto com vocês: restabeleçam a verdade histórica.

Assinado:
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor.
Brasília, 4 de abril de 2019

quarta-feira, 3 de abril de 2019

De uma diplomacia a outra: palestra na UERJ (3/04/2019) - Paulo Roberto de Almeida


De uma diplomacia a outra no Itamaraty: conceitos e práticas


Paulo Roberto de Almeida
3445. Em voo, Brasília-BH-Rio de Janeiro, 3 março 2019
 [Objetivo: Notas para palestra no programa de pós-graduação em RI da UERJ; finalidade: atender a convite do prof. Hugo Rogelio Suppo]


No contexto da verdadeira revolução cultural que parece atingir – este é o termo que cabe explicitar– tanto a diplomacia quanto a política externa no Brasil do governo Bolsonaro, tudo indica existir uma perfeita identidade entre conceitos e práticas. Nem sempre foi assim, tendo em vista as fronteiras nem sempre muito claras entre o discurso oficial e a prática concreta, tanto nos temas da política doméstica, quanto nos assuntos de política externa. Em geral os discursos das autoridades pretendem uma perfeita consonância com os interesses mais amplos da população, da nação como um todo, quando na verdade os dirigentes estão agindo sob influência de interesses partidários – ou seja, de apenas uma parte da sociedade –, quando não numa colusão com o poder econômico, isto é, os tradicionais lobbies setoriais, que financiam os mesmos políticos em atuação no governo. Em outros termos, fala-se uma coisa, pratica-se outra.
No quadro atual, no governo da Bolsofamiglia, podemos até afirmar a existência de uma identidade não perfeita, mas bastante coerente, entre ideias (se existem), crenças (certamente existem), preconceitos (são os mais abundantes) e muito amadorismo e alguma ignorância (também presentes), ou seja, conceitos, e as práticas, praticamente inéditas, certamente inusitadas, no âmbito do que passa por política externa nacional, mas que é apenas uma manifestação prática da metafísica olavista (ou bolsonarista) em ação. De fato, como antecipado no parágrafo precedente, a despeito da dissociação esperada entre discursos otimistas e realidades mais prosaicas, como é normal em todos os governos normais, no governo diferente da Bolsofamiglia existe essa associação entre conceitos e práticas, como amplamente revelado nos primeiros cem dias do atual governo. Vejamos que tipo de avaliação seria possível fazer desses 3 primeiros meses.
Uma avaliação ponderada dos cem primeiros dias da administração Bolsonaro na área da política externa pode ser feita em dois planos: o formal, que é o da diplomacia enquanto instrumento governamental de atuação do Brasil em suas relações exteriores, e o substantivo, que é o conteúdo mesmo da política externa, tal como determinada pelo Presidente da República e implementada pelos seus auxiliares da área.
No caso do governo Bolsonaro, o que se constata, em primeiro lugar, é o caráter inédito tanto da diplomacia quanto da política externa, com respeito a padrões históricos da diplomacia e da política externa, ou se quisermos, posturas mais tradicionais, num e noutro terreno. No primeiro aspecto, assistimos a uma espécie de “revolução cultural” na diplomacia, com uma quebra generalizada de hierarquia – que os militares diriam tratar-se de “coronéis mandando em generais” –, expressa na substituição dos antigos subsecretários-gerais (nove embaixadores anteriormente, ou seja, ministros de primeira classe, com experiência de postos no exterior) por sete novos secretários, todos ministros de segunda classe, que passaram a chefiar embaixadores como chefes de departamento, que em geral pertencem a um estrato geracional superior ao do próprio chanceler, que é o que poderíamos chamar de um “junior ambassador”, ou seja, alguém que nunca exerceu chefia de posto no exterior.
Essa revolução cultural também se traduziu numa completa reorganização do Itamaraty, em sua estrutura funcional, o que poderia ser benéfico em termos de ajustes nos processos de trabalho, mas que no caso foi conduzida de forma autoritária, sem qualquer consulta a própria Casa, o que também é inédito na história do Itamaraty. Divisões foram extintas, novas criadas, todas elas renomeadas – o que implicou na substituição de centenas de plaquetas de identificação de setores e áreas –, mas também com um alto grau de arbítrio, próprio ao chanceler designado. Os Estados Unidos, por exemplo, que antes estavam integrados ao Departamento da América do Norte, agora desfrutam de um Departamento exclusivo, ao passo que toda a Europa – considerada um “vazio cultural”, em artigo altamente bizarro do então candidato a chanceler– foi relegada a um único departamento na Secretaria de Negociações Bilaterais com o Oriente Médio, a Europa e a África, o que certamente deve ter deixado os europeus bastante descontentes. Imagino que seja por isso que muitos dos embaixadores europeus em Brasília tenham procurado bem mais o vice-presidente, general Hamilton Mourão, do que o próprio chanceler ou o secretário geral do Itamaraty. Essa é a revolução cultural organizacional, feita por cima, “von Oben”, como diria o próprio chanceler.
No plano substantivo, o que se observou foi uma outra formidável revolução copernicana nos fundamentos e princípios da política externa, que deixou a tradicional postura equilibrada seguida durante décadas em favor de uma aliança estreita, não com os Estados Unidos propriamente, mas com o governo Trump. Talvez neste caso o chanceler formalmente designado tenha sido menos importante na inversão de tendência do que a própria família Bolsonaro, em primeiro lugar aquele que já foi designado como o “chanceler paralelo”, e que talvez seja o efetivo, ou principal: o atual presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. O inacreditável é que esse representante do povo brasileiro usurpou o seu mandado ao ter proclamado, nos EUA, a impossível e improvável adesão de “todo o povo brasileiro” ao projeto do presidente americano de construir um muro na fronteira com o México, ao mesmo tempo em que classificava como “vergonha” a existência de tantos imigrantes brasileiros ilegais nos EUA. Esse senhor, preconceituoso e mal informado, talvez não saiba que esses trabalhadores brasileiros criam riqueza nos EUA e a remetem ao Brasil – vários bilhões de dólares por ano –, o que é um aporte significativo em nossa balança de transações correntes, sob a forma de transferências unilaterais, ou seja, sem contrapartidas.
Essa outra revolução na política externa vem sendo contida, controlada e propriamente tutelada pelos militares membros do governo, que têm atuado como verdadeiros diplomatas, ao contrário do atual chanceler, cuja adesão ao aventureirismo eleitoral trumpista, no caso da Venezuela, beira a intervenção nos assuntos internos de outro Estado, o que colide não só com a nossa Constituição (artigo 4º), como também com princípios consagrados do direito internacional. Esse comitê de tutela militar sobre o chanceler também se exerceu precocemente quando da inacreditável aceitação de um projeto de base militar americana no Brasil, prontamente e cabalmente rejeitada pelo ministro da Defesa e pelos demais militares.
Existem ainda vários aspectos bizarros na atual política externa, como essa luta insana contra o monstro metafísico do “globalismo”, uma fantasmagoria sem qualquer fundamento na realidade, mas que foi inculcada no atual chanceler – que a ela aderiu provavelmente de maneira oportunista – por aquele a quem eu chamo de “sofista da Virgínia” e de “Rasputin de subúrbio”. As iniciativas mais danosas em relação a Israel ou à China também foram contidas, revertidas ou minimizadas, por mentes mais sensatas da atual administração ou de fora dela, como a comunidade de negócios, os próprios chineses ou os mesmos militares.
Como se pode constatar, tanto as práticas efetivadas, quanto aquelas frustradas – por ação do agronegócio, por exemplo, ou do comitê militar de tutela, que pode ser bem mais efetivo – encontram-se em perfeita consonância com os conceitos, e preconceitos, que embasam o atual governo na sua ação externa, ou o que passa por sua diplomacia. Se formos verificar a metafísica olavista e alguns dos slogans bolsonaristas – que não chegam a conformar, um e outro, uma verdadeira doutrina acabada ou completa –, poderemos facilmente comprovar que a identidade entre ideias e crenças bizarras, de um lado, e práticas inéditas na diplomacia, de outro, se mantém quase que integralmente. Isso é, como já afirmado, inédito nos anais da diplomacia brasileira e do próprio governo, sem que se possa dizer que tal identidade se manterá ao longo da atual administração, dadas as muitas contradições, e reações, que tais crenças e práticas revelam aos olhos dos observadores atentos ou dos espíritos mais críticos, como este que aqui escreve, com certo conhecimento de causa e comprometimento com a causa de uma diplomacia normal (ou pelo menos não tão contestável).
Em resumo, nos cem primeiros dias da administração Bolsonaro coexistiram iniciativas certamente inéditas no terreno da diplomacia e da política externa, sem que preocupações cruciais com respeito ao papel do Brasil no tocante à agenda externa – em comércio, Mercosul, meio ambiente, direitos humanos e democracia, e no respeito aos valores e princípios caros à nossa tradição diplomática – tenham sido sequer tocados em termos de planejamento ou de ações diplomáticas visando maior inserção internacional do Brasil. O Itamaraty permanece em grande medida paralisado pelas coisas estranhas que vem ocorrendo na Casa de Rio Branco desde o início de 2019, e não parece perto de enveredar pelo dinamismo conhecido em tempos mais amenos de exercício normal de sua diplomacia profissional.
Se durante o lulopetismo, tivemos o que pode ser chamado de “diplomacia partidária”, a do partido hegemônico, e que levou o Brasil a alinhar-se com algumas das mais execráveis ditaduras do continente ou alhures, nos tempos atuais temos, ao que parece, uma espécie de “diplomacia familiar”, feita de preconceitos mal informados, de iniciativas francamente bizarras e vários outros erros na seleção de prioridades para a agenda diplomática nacional, inciativas voluntaristas e carentes de qualquer exame técnico mais acurado, que podem custar caro ao Brasil, se efetivamente implementadas, nos meses e anos à nossa frente. Um consenso parece estar se formando na chamada comunidade epistêmica de relações internacionais do Brasil, no sentido em que os aspectos mais “heterodoxos” da atual diplomacia e na política externa precisam ser contidos, e talvez revertidos, em benefício do próprio Brasil e no de seu atual governo.
Em política externa, como na interna, tudo depende dos resultados efetivos, mas, num julgamento talvez precipitado, os resultados registrados até aqui – a aliança com Trump, a escolha de um lado nos difíceis problemas do Oriente Médio e outras opções altamente divergentes com respeito à memória histórica da diplomacia profissional do Brasil – são bastante preocupantes para os que vivem nessa comunidade setorial. Cem dias talvez sejam um prazo muito curto para julgar quanto a esses resultados, mas estaremos atentos aos desenvolvimentos futuros.

Paulo Roberto de Almeida
Autor do livro: Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019).
Em voo: Brasília-BH-Rio de Janeiro, 3 de abril de 2019

O Estadao continua o velho Estadao (ainda bem...) - Editorial de 3/04/2019

Devastação da confiança

A confiança derrete e caem e as expectativas de crescimento, enquanto o governo tropeça e o presidente se distancia das negociações com o Congresso

Editorial O Estado de S. Paulo, 3/04/2019

A confiança derrete e caem as expectativas de crescimento, enquanto o governo tropeça e o presidente se distancia das negociações com o Congresso. O Índice de Confiança Empresarial da Fundação Getúlio Vargas (FGV) caiu em março de 96,7 para 94 pontos, o nível mais baixo desde outubro, mês das eleições. 
No mercado já se fala em expansão econômica abaixo de 2% neste ano, e a tendência das projeções é convergir para 1,5%, segundo o consultor e ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore. Na batalha pela reforma da Previdência, o objetivo mais urgente, o governo é representado principalmente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, fechou questão a favor do projeto de mudança previdenciária, mas o grande aliado de Guedes no Parlamento, por enquanto, é o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, filiado ao DEM. 
Enquanto o chefe de governo dava prioridade a uma visita a Israel, sua terceira viagem ao exterior em três meses de mandato, empresários e analistas baixavam suas apostas em relação ao desempenho dos negócios. 
O Índice de Confiança Empresarial da FGV sintetiza avaliações do quadro presente e expectativas em relação aos três meses seguintes. O indicador de situação atual caiu para 89,9 pontos, com redução de 1,5, e retornou ao nível de novembro. Já o índice de expectativas, com recuo de 2,9 pontos, escorregou para 98,1, o menor patamar desde outubro. 
Em março, os índices de confiança de todos os setores foram menores que no mês anterior. No trimestre, o da indústria avançou 0,5 ponto, enquanto os de serviços, comércio e construção recuaram. Todos continuaram abaixo de 100, linha divisória entre expectativas positivas e negativas. O “otimismo” abaixo de 100 corresponde a uma avaliação menos negativa de uma situação presente ou esperada. 
A piora das expectativas em relação ao desempenho da economia vem sendo mostrada há semanas pelo boletim Focus, atualizado semanalmente pelo BC e baseado em consultas a cerca de cem instituições financeiras e consultorias. Em um mês caiu de 2,30% para 1,98% a mediana das projeções de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019, segundo os números divulgados nesta segunda-feira. Na segunda-feira anterior, o número apresentado foi 2,01%.
Na semana passada o BC e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também divulgaram suas novas projeções para este ano. Nos dois casos o crescimento estimado para a expansão do PIB caiu para 2%. 
Os números frustrantes do trimestre final de 2018 já indicaram um avanço próximo de 2% em 2019, observou o economista Affonso Celso Pastore num evento promovido pelo Estado. Depois de um primeiro trimestre muito ruim, “com cheiro de crescimento nulo”, as projeções do mercado tendem a convergir para 1,5%, acrescentou. Qualquer otimismo gerado pela aprovação da reforma da Previdência, segundo sua avaliação, só produzirá efeitos em 2020. “Para 2019, com ou sem reforma, o quadro é de crescimento muito baixo”, concluiu. 
Os economistas consultados na pesquisa Focus também voltaram a diminuir suas projeções para o crescimento industrial. A mediana das estimativas caiu de 2,57% na semana anterior para 2,50%. Um mês antes estava em 2,90%. Baixo crescimento industrial significa expansão econômica de baixa qualidade, com menor criação de empregos formais e menor difusão de tecnologia. 
Ganhos de produtividade podem ocorrer na agropecuária, mas neste ano as perspectivas do setor também são de crescimento modesto. Concessões na área de infraestrutura poderão animar segmentos da indústria, mas a transmissão do estímulo tomará algum tempo. Se a confiança continuar escassa, nem a retomada no próximo ano estará garantida.