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Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
segunda-feira, 15 de abril de 2019
Mourao, o Conciliador - Ishaan Tharoor (WP)
Cem dias do governo Bolsonaro: o panorama na politica externa e na diplomacia
domingo, 14 de abril de 2019
Fernao de Magalhaes: o primeiro globalizador - Stefan Zweig (introducao ao livro)
Stefan Zweig
A origem de um livro pode estar nos sentimentos mais diversos. Há quem escreva livros movido por entusiasmo ou estimulado por um sentimento de gratidão, mas a paixão intelectual também pode ser acesa da mesma forma pela irritação, a ira ou o desgosto. Às vezes, a curiosidade serve de motor, o prazer psicológico de entender, escrevendo, os homens ou os fatos; outras vezes – muito freqüentemente – são motivos mais censuráveis, como a vaidade, a cobiça, o prazer em se ver retratado, que levam alguém a produzir. Eis por que a cada livro o autor deveria fazer uma espécie de prestação de contas interior para tentar descobrir os sentimentos ou a necessidade pessoal que o levaram a escolher um determinado assunto. No caso deste livro, tenho total clareza sobre o seu motivo interior. Ele nasceu de um sentimento algo insólito mas muito intenso: a vergonha.
Foi assim. Ano passado, tive pela primeira vez a oportunidade longamente desejada de fazer uma viagem à América do Sul. Sabia que me esperavam, no Brasil, algumas das paisagens mais lindas do mundo, e, na Argentina, um reencontro inigualável com velhos amigos. Só este pressentimento já tornou a travessia maravilhosa, e a ele se somou tudo de bom que se pode imaginar: mar tranqüilo, o relaxamento total no navio veloz e amplo, liberação de todos os compromissos e aborrecimentos diários. Saboreei infinitamente os dias paradisíacos dessa travessia. Mas de repente, no sétimo ou no oitavo dia, flagrei em mim uma impaciência irritante. Sempre este céu azul, sempre este mar azul e tranqüilo! Nesses súbitos acessos, as horas de viagem me pareciam excessivamente lentas. Ansiava chegar logo ao porto de destino, alegrava-me que os ponteiros do relógio avançassem inexoravelmente, e deprimia-me aquele gozo indolente e frouxo do nada. Cansavam-me os mesmos rostos, e a monotonia da vida a bordo me enervava precisamente pela tranqüilidade de sua pulsação regular. Adiante, adiante, mais rápido, mais depressa! De repente, aquele belo e confortável vapor parecia mover-se com excessivamorosidade.
Foi talvez naquele segundo que me dei conta de meu estado de impaciência, e logo me envergonhei. Estás viajando – disse a mim mesmo – no barco mais seguro, na viagem mais linda possível, com todo o luxo à disposição. Se, à noite, sentes frio no camarote, basta girar um botão com dois dedos e o ar já se aquece. Sentes muito calor, à hora do sol a pino no Equador, basta dar um passo rumo ao salão com os ventiladores refrescantes ou mais dez passos até uma piscina à tua espera. À mesa, podes escolher qualquer prato e qualquer bebida neste que é o mais completo de todos os hotéis, e tudo chegará num passe de mágica, trazido por anjos, em abundância. Podes escolher entre ficar sozinho e ler livros ou participar de jogos a bordo com música e companhia, o quanto quiseres. Sabes para onde estás viajando, conheces exatamente a hora da chegada e sabes que estás sendo aguardado com simpatia. Da mesma forma, sabe-se a qualquer momento em Londres, Paris, Buenos Aires e Nova York em que ponto do universo o navio se encontra. Basta galgar os vinte degraus de uma pequena escada e uma centelha obediente saltará do aparelho da telegrafia sem fio, levando a tua pergunta, a tua saudação, para qualquer lugar da Terra, e em apenas uma hora receberás a resposta. Lembra-te, impaciente, lembrate, imodesto, do passado! Compara, por um instante, esta viagem com as de outrora, sobretudo com as daqueles intrépidos homens que descobriram para nós estes mares imensos e o mundo, e tem vergonha! Tenta imaginar como partiam em seus diminutos veleiros rumo ao desconhecido, sem noção do caminho, perdidos no infinito, incessantemente expostos ao perigo, à mercê de todas as inclemências do tempo, de todo o martírio da privação. Sem luz que os iluminasse à noite, nada para beber senão a água salobra e morna das talhas ou da chuva recolhida, nada para comer senão torradas velhas e toucinho salgado e rançoso, e ainda privados, às vezes, deste alimento escasso durante dias e dias. Sem cama nem espaço para descansar, sob calor infernal, sob um frio inclemente e, além de tudo, a consciência de estar só, absolutamente só, neste inclemente deserto de água. Durante meses, anos, ninguém sabia em seus lares onde estavam, nem eles próprios sabiam para onde iam. Acompanhava-os a necessidade, a morte rondava em mil formas no mar e na terra, o perigo os aguardava na forma de pessoas e elementos, e durante meses, anos, a solidão os acompanhava em suas embarcações miseráveis. Ninguém, eles sabiam, poderia ajudá-los, durante meses e meses não cruzariam com nenhum veleiro nestas águas intransitadas, ninguém poderia salvá-los do perigo e da miséria, ninguém relataria sua morte e seu naufrágio. E bastava que eu começasse a imaginar essas primeiras viagens dos conquistadores dos mares para sentirme profundamente envergonhado de minha impaciência.
Uma vez despertado, este sentimento de vergonha não me abandonaria mais durante toda a viagem, e a idéia destes heróis sem nome não me largou mais nem um instante. Experimentei o desejo de saber mais a respeito daqueles que foram os primeiros a ousar a luta contra os elementos, sobre as primeiras viagens nos oceanos desconhecidos, cuja descrição já em menino excitara a minha imaginação. Fui à biblioteca do navio e escolhi ao acaso alguns volumes. E de todas as figuras e viagens, vim a admirar principalmente a façanha daquele homem que, a meu ver, realizou a proeza mais grandiosa da história dos descobrimentos: Fernão de Magalhães, que partiu de Sevilha em cinco minúsculos barcos pesqueiros para dar a volta ao mundo, no que talvez tenha sido a odisséia mais maravilhosa da história da humanidade, aquela partida de duzentos e sessenta e cinco homens decididos, dos quais só regressaram dezoito num galeão em frangalhos, mas tendo içada ao mastro a bandeira da maior vitória. Naqueles livros não havia muitos relatos sobre ele, pelo menos o que li não me bastou. Por isso, ao regressar, li e pesquisei mais, espantado com o quão pouco se disse sobre esse feito heróico até agora. E, como já aconteceu algumas vezes antes, vi que a melhor e mais fértil possibilidade de entender algo inexplicável é tentar recriálo também para outras pessoas. Assim nasceu este livro, e, posso dizer sinceramente, para a minha própria surpresa. Pois ao tentar descrever, com a maior fidelidade possível, esta odisséia de acordo com os documentos disponíveis, tive o tempo todo a sensação de estar contando uma ficção, um sonho, um daqueles contos de fada sagrados da humanidade. Mas não há nada melhor do que uma verdade que parece inverossímil! Por se elevarem tão acima da média terrestre, todos os feitos heróicos da humanidade têm algo de inconcebível; mas sempre é aquilo que há de incrível em suas realizações que faz os homens voltarem a ter fé em si mesmos.
in Fernão de Magalhães – o homem e a sua façanha. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999. Tradução de Kristina Michahelles. (publicado com expressa autorização da editora)
Fonte: Site da Casa Stefan Zweig: http://www.casastefanzweig.org/sec_texto_view.php?id=21
Brexit: uma derrota para todos, favoraveis, opositores, para o país - Russell Foster
‘Como na guerra, não há vencedores no Brexit’, diz especialista
Não tenha tanta esperança. Ganhamos mais seis meses de prorrogação, mas já se foram quase três anos marcados por brigas e polarização política. E isso vai continuar pelos próximos seis meses. Quando chegar o dia do Brexit, no final de outubro, o Reino Unido estará ainda bem mais dividido do que neste exato momento. As mesmas questões sobre a Irlanda do Norte, acordo comercial, fragmentação do país vão continuar aí. E temos que considerar que, depois de maio, o parlamento europeu será ainda mais eurocético e menos capaz de lidar com o Brexit, e bem menos interessado nesse assunto também.
As pessoas estão cansadas do Brexit. Pesquisas de opinião mostram que a maioria dos britânicos está deprimida com essa crise política. Mas, se o Brexit acontecer de fato, isso é apenas o começo. Como lidar com as expectativas?
O que se diz é que os britânicos votaram por sair da União Europeia com raiva, como uma forma de protesto. Mas o Brexit não deve resolver as demandas que consideram esquecidas, ou vai? O foco do governo nesses anos foi o Brexit. A agenda dos problemas reais do país se perdeu. Quais serão os maiores desafios do próximo governo?
A população optou pelo Brexit por várias razões. Foi um voto contra a União Europeia, contra a austeridade, contra Londres, contra David Cameron, contra a globalização, contra uma cultura e sociedade obcecadas por Londres, que menosprezam o britânico (especialmente o inglês) que está fora da capital. O voto pela saída se deu entre multibilionários e gente muito pobre, entre homens e mulheres, entre brancos e minorias étnicas. A diversidade por trás do voto pelo Brexit mostra como a decisão foi motivada por causas tão diferentes, que vão desde a pobreza à nostalgia do império. Nada disso pode ser resolvido pelo governo. Quem quer que venha a liderar o próximo governo se verá diante dos mesmos problemas com os quais a Theresa May vem tentando lidar por três anos: um Reino Unido fraturado e dividido no qual a identidade das pessoas é definida não por geografia ou classe ou etnia, mas por “sair” ou “ficar” na UE. E esses dois grupos se odeiam! Nenhum governo poderá resolver isso, não no curtíssimo prazo.
Como encerrar as turbulências dentro da classe política? Os próprios partidos enfrentam disputas internas. O Brexit começou a partir da crise interna do Partido Conservador (no comando do país).
Não há solução simples. Se a primeira-ministra, Theresa May, for substituída por outro líder conservador, ou se os trabalhistas vencerem a próxima eleição, não fará diferença. Os problemas do Brexit não poderão ser resolvidos por um ou outro no curto prazo, porque suas causas são muitas e de longo prazo. Uma característica que define o Brexit é a emoção, e governos não conseguem controlar isso. Governos podem legislar sobre fronteiras, tributos, acordos comerciais, mas não sobre emoções. Não existe política capaz de lidar com ressentimento. Nenhum projeto de lei pode tratar de nostalgia. Nenhuma eleição pode apaziguar ansiedade e medo em massa. É deprimente admitir isso, mas nenhum governo pode resolver essa confusão do Brexit.
O Partido Conservador está muito dividido. O que esperar para o futuro de uma das principais legendas deste país?
Eles vão cambalear. O Partido Conservador tem 160 anos, e sobreviveu a crises piores do que essa. Vão continuar. Pode ser que tenham de convocar uma nova eleição para permitir que os trabalhistas vençam, que os trabalhistas lidem com a confusão do Brexit, para, assim, lavar as mãos sobre isso tudo. Quando Theresa May deixar o cargo, vamos ver o partido sendo conduzido provavelmente por Michael Gove. Todos detestam ele, mas ele é um pouco menos detestado do que Boris Johnson ou Jacob Rees-Mogg.
Quem são os maiores perdedores e os maiores vencedores deste processo?
Como em qualquer guerra, não há vencedores. Apenas perdedores. Aqueles que querem continuar na UE perdem. Aqueles que querem sair também, porque não estão conseguindo ter o que pediram pelo voto. Os pobres estão perdendo, assim como as quatro nações do Reino Unido (Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales) e os partidos (inclusive o Ukip, de extrema direita). A UE está perdendo. Se alguém for ganhar alguma coisa com o Brexit, será a extrema direita, que consegue atrair os desalentados e desiludidos que já perderam as esperanças na democracia liberal. Não importa o que acontecer com o Brexit, o futuro dos britânicos pertence cada vez mais à extrema direita. E isso representa uma perda para todos.