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segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

A saída do Reino Unido da UE - Rubens Barbosa

O REINO UNIDO DEIXA A UNIÃO EUROPEIA
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 28/01/2020

A eleição parlamentar de 12 de dezembro resultou na maior derrota do Partido Trabalhista desde 1935 e na maior vitória dos Conservadores desde 1987. Apesar da divisão do pais, o PM Boris Johnson passou a ter ampla maioria e com maior liberdade para operar a saída do Reino Unido  da União Europeia.
Com a aprovação do Parlamento britânico, o Reino Unido deverá sair juridicamente da União Europeia, no final da semana, no dia 31, três anos depois do referendum de junho de 2016. Haverá um período de transição até 31 de dezembro de 2020, que o PM Boris Johnson pretende não prorrogar, mas que poderá se estender até dezembro de 2022, dependendo da evolução das negociações.
No corrente ano, a principal prioridade do governo britânico será abrir negociações comerciais com a UE e aprovar medidas legislativas internas em praticamente todas as áreas, colocando fim a um casamento que durou 45 anos. O Parlamento deverá examinar e aprovar legislação em todas as áreas para substituir `as normas e regulamentos da UE hoje em vigor. Johnson, na contramão de politicas do Partido Conservador, tem reafirmado que pretende ter mais flexibilidade no tocante a presença do Estado sobretudo nos programas sociais, ao contrário das politicas seguidas até aqui no âmbito da UE.
No período de transição, o Reino Unido deverá continuar a respeitar as regras da UE, apesar de não mais participar de sua elaboração. E acertar o pagamento de dividas resultantes da retiradas de diversos órgãos comunitários. A negociação do acordo comercial com a UE parece ser um projeto muito ambicioso, visto que normalmente levam cerca de dois anos. Se a saída efetiva do Reino Unido se der em janeiro de 2021, como quer Johnson, poderá haver a retirada sem negociação comercial, o pior cenário para Londres. A futura relação com a União Europeia torna-se, assim, incerta no tocante ao intercâmbio comercial, além de outras áreas como defesa e segurança, pesquisas, troca de estudantes, agricultura, pesca. Esses e outros acordos, como a presença de cidadãos europeus no Reino Unido e de imigrantes deverão ser aprovados pelos parlamentos de todos os países membros.
Com relação aos acordos comerciais, o Reino Unido deverá pedir admissão `a Organização Mundial de Comércio e negociá-los com a UE e outros parceiros, segundo as regras da OMC, em um momento em que a Organização está vivendo uma crise de identidades pelo esvaziamento a que é submetida pela ação dos EUA. Cabe notar, porém, que somente depois de o acordo com a UE ser ratficado por todos os países membros o Reino Unido poderá iniciar negociação com outros países, como os EUA e o Brasil.
                Uma das questões mais delicadas será conhecer o pensamento do novo governo,  fora da UE, no tocante a cooperação no âmbito da Defesa. Como será o papel do Reino Unido nos trabalhos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). É possível antecipar que o Reino Unido deverá respaldar as posições críticas dos EUA no tocante aos compromissos financeiros e outros da OTAN.
                Com relação ao impacto sobre as relações com o Brasil, a saída do Reino Unido representa uma perda nas negociações comerciais com a UE tendo em mente a politicas mais liberais de Londres sobretudo nas questões agrícolas. Por outro lado, o governo britânico, na época de Teresa May havia indicado publicamente o interesse em negociar um acordo de livre comercio com o Brasil quando fosse efetivado o divorcio com a UE. O Mercosul certamente deverá se posicionar quanto à negociação de um acordo de livre comércio com Reino Unido. Resta saber se Boris Johnson vai manter o interesse de avançar nessas negociações. Outra consequência será realocação de quotas atribuídas ao Reino Unido na UE em alguns produtos agrícolas. Será preciso compensar a perda de cotas de 11 produtos da agroindústria de acordo com as novas cotas anunciadas pela UE na OMC.
Os desafios do governo Johnson não são pequenos: terá de dissociar uma economia profundamente integrada ao bloco comercial a 45 anos, ao mesmo tempo em que procurará executar planos para o  post-Brexit e minimizar os danos imediatos que já estão acontecendo aos interesses das empresas britânicas, em especial no setor financeiro da City. A saída do Reino Unido da UE trará um forte impacto sobre o papel do Reino Unido no mundo e o futuro da união do  pais. O Partido Nacionalista Escoces, fortalecido nas eleições, já pediu um novo referendum sobre sua independência de Londres, recusado de imediato por Johnson.
A Europa também vai sentir as consequências do BREXIT. A saída do Reino Unido deve acelerar a perda de relevância da UE no mundo. Os lideres dos países europeus estão enfrentando problemas econômicos, a emergência do populismo e do nacionalismo conservador. A Alemanha e a França motores do crescimento e atores da importância europeia estão as voltas com crises econômicas e politicas internas. A UE perde uma voz enérgica e ativa no cenário internacional e o grupo de nações que dominaram o cenário global por muitos anos perderá espaço e se encolherá melancolicamente.


Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

A barata que se tornou primeiro-ministro - Ian McEwan (OESP)

A BARATA DEFENSORA DO BREXIT

Ian McEwan
Em ‘A Barata’, McEwan transforma um inseto no primeiro-ministro do Reino Unido.
O Estado de S. Paulo, 22/12/2020
Uma barata desperta dentro do corpo de um homem que, não por acaso, é o primeiro-ministro do Reino Unido. Seu gabinete, aliás, é formado na maioria por baratas com forma humana, insetos que semeiam a discórdia, sob pretexto de patriotismo. Esse é o ponto de partida de A Barata, romance satírico em que o escritor britânico Ian McEwan reflete sobre o Brexit, a controversa saída do Reino Unido da União Europeia. Com lançamento previsto para o final de janeiro pela Companhia das Letras, A Barata ironiza homens habituados a cortejar a insensatez. Leia, a seguir, um trecho inédito da tradução brasileira, assinada por Jorio Dauster.
“Nas suas condições incomuns, deitado numa cama nada familiar, parecia incrível que se recordasse de tais detalhes. Bom saber que seu cérebro, sua mente, não tinha se alterado em nada. Apesar de tudo, em essência ele continuava a ser o que era antes. Foi a surpreendente presença de um gato que o obrigou a correr não em direção aos rodapés, mas às escadas. Subiu três degraus e olhou para trás. O gato, com malhas brancas e marrons, não o tinha visto, porém Jim considerou perigoso descer. Por isso iniciou a longa subida. No primeiro andar havia muita gente andando de um lado para outro, entrando e saindo dos aposentos. Mais possibilidades de morrer pisoteado. Uma hora depois, quando chegou ao segundo andar, os tapetes estavam sendo vigorosamente atacados por um aspirador de pó. Conhecia muitas almas que haviam se perdido daquela forma, sugadas para um além-mundo poeirento. Nenhuma alternativa senão continuar a subir até… Mas então, repentinamente, ali no sótão, todos os seus pensamentos foram obliterados pelo tilintar ríspido de um dos telefones na mesinha de cabeceira. Muito embora ele tivesse descoberto que era capaz ao menos de mover um dos membros, o braço, decidiu não se mexer. Não confiava em sua voz. E, mesmo que confiasse, o que iria dizer? Não sou quem você pensa que eu sou? Depois de quatro toques, o telefone ficou em silêncio.
Ele se recostou e deixou que seu trepidante coração se acalmasse. Testou mexer as pernas. Pelo menos elas saíram do lugar. Mas poucos centímetros. Tentou outra vez um braço, e o ergueu até ficar bem acima da cabeça. Então, de volta à história. Ele se esforçou para vencer o derradeiro degrau e chegou sem fôlego ao último andar. Enfiou-se por baixo da porta mais próxima e entrou num pequeno apartamento. Em condições normais, iria direto para a cozinha, mas em vez disso escalou um pé da cama e, totalmente exausto, se arrastou para baixo de um travesseiro. Deve ter caído em um sono profundo por… Mas, naquele momento, que merda, ouviu sons de batidas leves e, antes que pudesse reagir, a porta do quarto estava sendo aberta. Uma mulher ainda jovem, vestida com um terninho bege, se postou na soleira e fez um aceno rápido com a cabeça antes de entrar.
“Tentei telefonar, mas achei melhor subir. Primeiro-ministro, são quase sete e meia.”
Ele não conseguia pensar no que dizer.
A mulher, sem dúvida uma espécie de assistente, entrou no quarto e pegou a garrafa vazia. O jeito dela era demasiado informal.
“Que noite, hem?”
Não seria possível permanecer em silêncio por mais tempo. Da cama, tentou emitir um som inarticulado, algo entre um gemido e um coaxar. Nada mau. Mais agudo do que desejaria, com um quê de chilreio, mas suficientemente plausível.
A assistente gesticulava em direção à mesa grande, para as pastas vermelhas. “Imagino que não tenha tido a oportunidade de…”
Ele se manteve na defensiva, emitindo o mesmo som outra vez, agora em tom mais baixo.
“Talvez, depois do café da manhã, o senhor poderia dar uma… Não custa lembrá-lo. Hoje é quarta-feira. Reunião ministerial às nove. Prioridades para o governo e PPM ao meio-dia.”
Perguntas ao primeiro-ministro. Quantas daquelas sessões ele já tinha ouvido, fascinado e agachado atrás dos lambris apodrecidos na companhia de uns poucos milhares de distintos companheiros? Conhecia perfeitamente as perguntas que o líder da oposição formulava aos gritos, as brilhantes respostas falaciosas, as vaias festivas e as imitações de balidos. Seria a realização de um sonho desempenhar o papel de primo uomo na opereta semanal. Mas estaria ele devidamente preparado? Sem dúvida não menos que qualquer outra pessoa. Sobretudo depois de dar uma olhadela nos papéis. Como muitos de sua espécie, ele saberia se mover rápido, muito embora só contasse agora com duas pernas.
No lugar onde antes exibia uma bela mandíbula, o insalubre pedaço de tecido denso se agitou e produziu a primeira palavra humana.
“Correto.”
“Vou providenciar o café lá embaixo.”
Muitas vezes ele havia bebericado café altas horas da noite no piso do salão de chá. Isso costumava fazê-lo ficar acordado durante o dia, mas ele apreciava o sabor e o preferia com leite e quatro cubinhos de açúcar. Supunha que seu pessoal soubesse disso.
Tão logo a assistente saiu do quarto, ele se livrou das cobertas e por fim conseguiu girar as pernas tubulares para pisar no tapete. Pela primeira vez se pôs de pé, oscilando um pouco ao atingir aquela altura vertiginosa, e voltou a gemer, com as mãos pálidas e macias apertadas contra a testa. Minutos depois, caminhando trôpego para o banheiro, as mesmas mãos começaram a remover o pijama com agilidade. Libertou-se dele e se postou sobre os ladrilhos agradavelmente aquecidos. Divertiu-se ao urinar de forma ensurdecedora num recipiente de cerâmica preparado especialmente para aquilo, e então se sentiu mais animado. Mas, ao se virar para confrontar o espelho acima da pia, seu estado de espírito voltou a se turvar. Repugnou-o o disco oval de um rosto com a barba por fazer, mal equilibrado em cima de um caule grosso e rosado que servia de pescoço. Os olhos pequeninos o chocaram. Enojou-o a dobra de carne mais gorda e mais escura que emoldurava uma série de dentes que nem brancos eram. Mas, como estou aqui por uma causa gloriosa, a tudo suportarei, ele se tranquilizou, enquanto observava as mãos abrirem a torneira e se dirigirem ao pincel e à espuma de barbear.

Ian McEwan nasceu em 1948 em Aldershot, na Inglaterra. Escritor prolífico, foi inúmeras vezes indicado ao Man Booker Prize (hoje Booker Prize) e ganhou o prêmio, considerado o mais prestigioso em língua inglesa, em 1998, com Amsterdã. Seu livro Reparação foi adaptado para o cinema em 2007 e indicado ao Oscar de melhor filme. Outras novelas de sua autoria também foram adaptadas para as telas

domingo, 14 de abril de 2019

Brexit: uma derrota para todos, favoraveis, opositores, para o país - Russell Foster



O GLOBO ONLINE

‘Como na guerra, não há vencedores no Brexit’, diz especialista

Para Russell Foster, especialista do King’s College, a prorrogação do processo de saída da União Europeia não muda o cenário de polarização da sociedade britânica, exausta da crise 

Cartazes da primeira-ministra britânica Theresa May e do líder trabalhista Jeremy Corbyn em frente ao Parlamento em Londres Foto: TOLGA AKMEN / AFP 03-04-19
Cartazes da primeira-ministra britânica Theresa May e do líder trabalhista Jeremy Corbyn em frente ao Parlamento em Londres 
Foto: TOLGA AKMEN / AFP 03-04-19

LONDRES - O Reino Unido conseguiu postergar novamente o prazo para oficializar o seu divórcio da União Europeia (UE): o país terá mais seis meses para decidir como — e se — pretende deixar o bloco. Mas para o professor Russell Foster, especialista em Brexit do Departamento de Estudos Europeus e Internacionais do King’s College London, a prorrogação não muda o cenário de polarização da sociedade britânica, que está exausta da crise política na qual o país mergulhou desde o referendo de junho de 2016, nem será capaz de reverter os danos causados pelo processo doloroso que se arrasta há quase três anos. Como em uma guerra, disse ele ao GLOBO, todos sairão perdendo, ainda que o Brexit sequer aconteça, ou que o atual governo mude de mãos.  “Uma característica que define o Brexit é a emoção, e governos não conseguem controlar isso. Governos podem legislar sobre fronteiras, tributos, acordos comerciais, mas não sobre emoções. Não existe política capaz de lidar com ressentimento. Nenhum projeto de lei pode tratar de nostalgia. Nenhuma eleição pode apaziguar ansiedade e medo em massa. É deprimente admitir isso, mas nenhum governo pode resolver essa confusão do Brexit”, desabafou.

O Reino Unido tem mais seis meses para resolver se sai da Europa ou não, e se o divórcio será amigável ou litigioso. E agora?
Não tenha tanta esperança. Ganhamos mais seis meses de prorrogação, mas já se foram quase três anos marcados por brigas e polarização política. E isso vai continuar pelos próximos seis meses. Quando chegar o dia do Brexit, no final de outubro, o Reino Unido estará ainda bem mais dividido do que neste exato momento. As mesmas questões sobre a Irlanda do Norte, acordo comercial, fragmentação do país vão continuar aí. E temos que considerar que, depois de maio, o parlamento europeu será ainda mais eurocético e menos capaz de lidar com o Brexit, e bem menos interessado nesse assunto também.

As pessoas estão cansadas do Brexit. Pesquisas de opinião mostram que a maioria dos britânicos está deprimida com essa crise política. Mas, se o Brexit acontecer de fato, isso é apenas o começo. Como lidar com as expectativas?

A população britânica está absolutamente exausta. Esse assunto tem dominado o noticiário de todas as maneiras, todos os dias. Tem sido assim pelo últimos três anos. Nada mais acontece na política britânica, e a nação se dividiu em facções que se acusam sem parar. Todo mundo quer que isso acabe, mas não existe um final à vista. De alguma maneira, as pessoas se resignaram com o fato de que o Brexit vai continuar se arrastando. Ainda que o processo como um todo seja cancelado, ou que saiamos (da União Europeia) sem um acordo em outubro, a polarização que o Brexit causou ainda vai persistir no futuro distante. Todo mundo sabe isso, e todo mundo sabe que não há uma solução para anos e anos de discussão.

O que se diz é que os britânicos votaram por sair da União Europeia com raiva, como uma forma de protesto. Mas o Brexit não deve resolver as demandas que consideram esquecidas, ou vai? O foco do governo nesses anos foi o Brexit. A agenda dos problemas reais do país se perdeu. Quais serão os maiores desafios do próximo governo? 
A população optou pelo Brexit por várias razões. Foi um voto contra a União Europeia, contra a austeridade, contra Londres, contra David Cameron, contra a globalização, contra uma cultura e sociedade obcecadas por Londres, que menosprezam o britânico (especialmente o inglês) que está fora da capital. O voto pela saída se deu entre multibilionários e gente muito pobre, entre homens e mulheres, entre brancos e minorias étnicas. A diversidade por trás do voto pelo Brexit mostra como a decisão foi motivada por causas tão diferentes, que vão desde a pobreza à nostalgia do império. Nada disso pode ser resolvido pelo governo. Quem quer que venha a liderar o próximo governo se verá diante dos mesmos problemas com os quais a Theresa May vem tentando lidar por três anos: um Reino Unido fraturado e dividido no qual a identidade das pessoas é definida não por geografia ou classe ou etnia, mas por “sair” ou “ficar” na UE. E esses dois grupos se odeiam! Nenhum governo poderá resolver isso, não no curtíssimo prazo.

Como encerrar as turbulências dentro da classe política? Os próprios partidos enfrentam disputas internas. O Brexit começou a partir da crise interna do Partido Conservador (no comando do país).
Não há solução simples. Se a primeira-ministra, Theresa May, for substituída por outro líder conservador, ou se os trabalhistas vencerem a próxima eleição, não fará diferença. Os problemas do Brexit não poderão ser resolvidos por um ou outro no curto prazo, porque suas causas são muitas e de longo prazo. Uma característica que define o Brexit é a emoção, e governos não conseguem controlar isso. Governos podem legislar sobre fronteiras, tributos, acordos comerciais, mas não sobre emoções. Não existe política capaz de lidar com ressentimento. Nenhum projeto de lei pode tratar de nostalgia. Nenhuma eleição pode apaziguar ansiedade e medo em massa. É deprimente admitir isso, mas nenhum governo pode resolver essa confusão do Brexit.

O Partido Conservador está muito dividido. O que esperar para o futuro de uma das principais legendas deste país?
Eles vão cambalear. O Partido Conservador tem 160 anos, e sobreviveu a crises piores do que essa. Vão continuar. Pode ser que tenham de convocar uma nova eleição para permitir que os trabalhistas vençam, que os trabalhistas lidem com a confusão do Brexit, para, assim, lavar as mãos sobre isso tudo. Quando Theresa May deixar o cargo, vamos ver o partido sendo conduzido provavelmente por Michael Gove. Todos detestam ele, mas ele é um pouco menos detestado do que Boris Johnson ou Jacob Rees-Mogg.

Quem são os maiores perdedores e os maiores vencedores deste processo?
Como em qualquer guerra, não há vencedores. Apenas perdedores. Aqueles que querem continuar na UE perdem. Aqueles que querem sair também, porque não estão conseguindo ter o que pediram pelo voto. Os pobres estão perdendo, assim como as quatro nações do Reino Unido (Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales) e os partidos (inclusive o Ukip, de extrema direita). A UE está perdendo. Se alguém for ganhar alguma coisa com o Brexit, será a extrema direita, que consegue atrair os desalentados e desiludidos que já perderam as esperanças na democracia liberal. Não importa o que acontecer com o Brexit, o futuro dos britânicos pertence cada vez mais à extrema direita. E isso representa uma perda para todos.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

A Gra-Bretanha ja nao é mais o que era - Simon Johnson


Os contornos do séculos XIX e começo do XX foram definidos em parte por uma série de decisões britânicas importantes de política externa e de economia. Ainda em 2007–2009 a política britânica tinha consequências mundiais: apesar de a desregulamentação da City de Londres ter contribuído para a gravidade da crise financeira mundial, a liderança britânica presente na cúpula do G–20 em Londres, em abril de 2009, mostrou ter, em última instância, uma influência estabilizadora. Atualmente, no entanto, apesar de todo o teatro político e da dramática retórica, a saída iminente do Reino Unido da União Europeia (UE) – conhecida como Brexit – na verdade não tem importância para o mundo.

A economia mundial pode ter alcançado um período de incerteza, mas isso se deve mais à volubilidade dos atos do presidente Donald Trump, o autoproclamado "Homem das Tarifas", que parece determinado a minar a credibilidade do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), ao desestabilizar cadeias de suprimentos e ao negociar por meio de pronunciamentos aleatórios. A zona do euro enfrenta dificuldades para se livrar de suas prolongadas agonias, mas o problema fundamental continua sendo as más práticas bancárias e as finanças públicas potencialmente insustentáveis ostentadas por alguns países–membros. Embora o Brexit possa talvez se mostrar uma ideia infeliz para muitos habitantes do Reino Unido, seu provável impacto é uma queda do crescimento britânico, não uma desestabilização significativa do comércio regional, menos ainda do mundial.

É difícil exagerar a influência britânica sobre os assuntos mundiais após o país ter se tornado o berço da Revolução Industrial. A partir de cerca de 1750, as invenções britânicas criaram uma onda de inovação tecnológica que transformou a maneira pela qual a energia era gerada e o metal trabalhado. As ferrovias e os navios a vapor revolucionaram os transportes. Mesmo quando o centro da inovação migrou para o outro lado do Atlântico, o capital e a emigração britânicos sustentaram a industrialização no mundo inteiro.

Nada em torno da perda de influência mundial pode ser atribuído à filiação à UE. A maior parte da elite política britânica parece distante da realidade mundial. O mundo foi em frente. Um Brexit caótico pode causar grande prejuízo às pessoas comuns

Nem todas as contribuições britânicas foram positivas, é claro. A ascensão do Reino Unido como potência mundial foi acompanhada pelos horrores do tráfico de escravos no Atlântico e pelos abusos do domínio colonial.

Mas não há dúvida de que os atos britânicos – bons e ruins – foram relevantes para muitas pessoas, algumas das quais viviam em terras muito distantes. As alianças e a disposição britânicas de intervir militarmente moldaram as guerras europeias, desde Napoleão até as invasões alemãs da França em 1870, 1914 e 1940. A política de conciliação de Neville Chamberlain – inclusive sua estratégia e suas decisões pessoais na Conferência de Munique, em 1938, com Adolf Hitler – tiveram um grande impacto sobre a escolha do momento, a natureza e talvez até o resultado final da Segunda Guerra Mundial.

A maior influência mundial do Reino Unido revelou–se, talvez, em 1940–1941, quando o país foi essencialmente o único a confrontar o poder aparentemente incontível da Alemanha nazista. Ironicamente, o ingresso dos Estados Unidos na guerra ao mesmo tempo configurou o equilíbrio de forças decisivamente contra Hitler e não tardou em levar a uma reformulação completa da economia mundial.

A Conferência de Bretton Woods, de 1944, deixou claro que a era do império europeu tinha acabado. Também deixara de existir o comércio privilegiado no âmbito de zonas econômicas fixadas por ondas anteriores de expansão imperialista. Os acordos de comércio exterior pós–Segunda Guerra Mundial foram determinados pelas preferências americanas. Com as empresas, a mão de obra e os políticos americanos unânimes em seu desejo por acesso a todos os mercados, seguiram–se sucessivas rodadas de liberalização comercial.

Em 1945, o Império Britânico abarcava mais de 600 milhões de pessoas, cerca de 25% do total da população viva da Terra, o que o tornou (por um curto intervalo) a entidade política mais populosa de todos os tempos sobre o planeta. Nas décadas seguintes, o impacto mundial do Reino Unido foi sentido principalmente por meio de uma combinação de fiascos da descolonização, entre os quais a humilhação espetacular sofrida durante a Crise de Suez de 1956 [também conhecida como Guerra do Sinai], e a flagrante má gestão macroeconômica. Em 1976, o Reino Unido se tornou o único país a emitir uma moeda internacional de reserva que foi obrigado a tomar empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI) durante a era (pós–1973) das taxas flutuantes.

Nada em torno dessa perda de influência mundial pode ser atribuído à filiação do Reino Unido à UE. No geral, o Reino Unido se saiu bem com o comércio do pós–guerra, metade do volume do qual é atualmente controlado pela Europa. O total do comércio exterior do Reino Unido (exportações mais importações) alcançou aproximadamente 40% do PIB durante a década de 1950; está mais próximo, atualmente, de 60%, com a maior parte desse aumento tendo ocorrido após o país ter ingressado na Comunidade Econômica Europeia, em 1973. De maneira mais ampla, a participação intensa na economia mundial observada durante as últimas quatro décadas contribuiu para superar a diferença (em termos de PIB per capita) com os EUA.

Talvez exista uma versão tresloucada do Brexit que poderia ter ramificações que extrapolassem as costas britânicas, mas isso parece absurdo. Ao contrário de Trump, nenhum político responsável do Reino Unido quer, de fato, reconduzir as tarifas protecionistas aos níveis da década de 1930. Também ao contrário dos EUA, nenhuma destacada autoridade do governo britânico está interessada em pôr mais uma vez em risco o futuro do país por meio do enfraquecimento da regulamentação financeira.

A maior parte da elite política britânica parece tão distante da realidade mundial quanto seus antecessores em 1938, 1944 e 1956. O mundo foi em frente, mais uma vez. Um Brexit caótico pode causar grande prejuízo às pessoas comuns – como aconteceu com a autoejeção britânica do Mecanismo de Taxas de Câmbio do Sistema Monetário Europeu, em 1992.

Só que essas pessoas comuns serão, na esmagadora maioria, britânicas. Os tempos em que o Reino Unido era capaz de mover o mundo ficaram, há muito, para trás. (Tradução de Rachel Warszawski)

Simon Johnson, professor do MIT Sloan, foi economista–chefe do FMI.

sábado, 17 de novembro de 2018

Brexit: uma solucao simples, rapida e eficiente: no agreement at all - Gary North

Em 1846, ao abolir as famosas Corn Laws, a Grã-Bretanha fez exatamente isso: aboliu TODAS as tarifas e decretou o livre comércio, o livre intercâmbio universal.
Uma solução, aliás, que deveria servir ao Brasil também: esqueça qualquer negociação de novos acordos comerciais, qualquer um. Decrete o livre comércio: todo mundo estará bem, sobretudo nós, os consumidores...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17/11/2018

An Easy Alternative to the Brexit Agreement

Mises Institute, 11/15/2018

Prime Minister May says that she has reached an agreement with the European Union.
The agreement is 585 pages long. Every time politicians vote to implement a 600-page document that was written by high-level bureaucrats, the liberties of the citizens of that nation decline. The devil is in the details, and there are a lot of details for the devil to get into.
She got it through her cabinet. Now she has to get it through Parliament, which is going to be a challenge. The pro-Brexit people hate conciliation, and the Remainers don't want to agree to anything remotely like Brexit.
She was never a big fan of Brexit. She is going along with the whole thing grudgingly. She has stalled an agreement for almost 2 years.
If Parliament won't vote for her agreement, then Britain will depart from the EU on March 29. It's automatic.
I have a solution. Parliament does not have to accept any agreement. No agreement is necessary.
Here is my Brexit solution. Parliament votes for this law.
Her Majesty's government adopts a policy of zero tariffs and zero import quotas, beginning tomorrow.
That's it? That's it!
There would be no negotiations with foreign countries. There would be nothing to negotiate.
If exporters located in EU countries want to sell something to the Brits, good for them. If there are Brits who like the products and accept them, good for them.
Tariffs are simply sales taxes on imported goods. Anytime a government cuts taxes, that is positive.
Revenues to the government would fall. This is also good.
Import quotas don't generate any revenues. There shouldn't be any import quotas.
Would trade go up between buyers in Great Britain and sellers in the European Union? You bet it would. Everybody likes to be able to sell at a discount, and, overnight, exporters to Great Britain would find that their goods now sell at a discount. No sales taxes are tacked onto the goods.
Would this be good for British buyers? Of course. Who wants to pay sales taxes?
Would financial companies leave Great Britain? No. Why should they? All of a sudden, the whole world would want to sell goods to residents of Great Britain. The doors would be open wide. If it's good for trade, it's good for finance.
If Great Britain did this, its economy would not sink. Other countries in the European Union would figure out that the benefits of staying inside the EU don't compensate for the liabilities associated with the surrender of national sovereignty. Anyway, a substantial minority of voters in those countries would figure this out. All it would take would be a policy of zero tariffs. In other words, all it would take would be a reduction of taxes. "We're outta here!"
No nation needs to sign a 500-page agreement in order to leave the EU profitably. It simply leaves the EU, abolishes tariffs and quotas, and starts trading.
Come one, come all! Let's make a deal!

This article originally appeared here at GaryNorth.com.

sexta-feira, 30 de março de 2018

Brexit: take it or leave it - Oliver Wiseman (CapX)

Brexit's anti-climaxOliver Wiseman
CapX, March 30, 2018

Is Brexit a good idea? It sounds odd to ask so straightforward a question about such a well-worn subject. We are leaving. In a year. The referendum was two years ago. We are quite some way past weighing up the pros and cons.

So why ask the question? Because there’s long been a collective notion that once we have left the EU, and the transition period is over, the facts about our circumstances will offer up a definitive answer, that one side will be proved right, and that the debate will be settled.

Remainers convinced that Brexit will be a disaster take solace in their conviction that when the economy crumbles, it will be blindingly obvious that they were right all along.

Leavers, buoyed by the failed predictions of Project Fear, wait with excitement to say 'I told you so' when the sky doesn’t fall in.

Even for the vast majority of us, who see Brexit as neither an unmitigated good or an unparalleled mistake, there is a temptation to switch off - to tell yourself that there’s no point arguing about who was right now because we’ll soon find out.

But I have some bad news: the Brexit question will never be settled. There will be no satisfying finale to the saga.

The first reason for this is that partisans on both sides have inoculated themselves against inconvenient facts. If the economy takes a big hit when we leave, and the upsides of taking back control appear limited, Leavers will say there is nothing wrong with Brexit per se, just this particular form of it. Even if their economic doom-mongering doesn’t come true, Remainers will tell us we would have been even better off had we never left. There will never be a mea culpa moment.

The second, deeper reason is that the differences between Leave and Remain are not just analytical. What you think of Brexit depends on more than your prediction of what sort of deal we will get from Brussels. Its about values and priorities.

Some see national sovereignty as symbolically and practically essential to good government. Others think it illusory. Some value the ability to live and work anywhere in the EU over the ability to keep foreigners from doing the same. Others don’t. In other words, we aren’t all marking Brexit according to the same scoring system.  

It’s easy to despair at the prospect of no conclusive ending to Brexit. The thought that we could be stuck in a never-ending cycle of rows about passports, out-of-touch speeches from Tony Blair and nonsensical pronunciations from Nigel Farage doesn’t exactly lift the spirits.

But there’s a more optimistic interpretation. It might help us appreciate that the true significance of our decision to leave is not something hidden behind a curtain, waiting to be revealed when we’re out. It’s that Brexit is what Britain makes of it.

The truth about Brexit is less remarkable than either side claims. It is neither the end of the world nor the solution to all our problems. And if there is nothing intrinsically disastrous or miraculous about Brexit, that means the sort of Brexit we choose is incredibly important.

Take immigration, a major factor in our decision to leave. As Philippe Legrain argued on CapX this week, the current system isn’t fit for purpose. What we replace it with when free movement comes to an end matters hugely. The political, social and economic consequences will be huge. It is a conversation the government keeps putting off, but our immigration system will, one way or another, be a defining feature of post-Brexit Britain.

It is on this and numerous other issues - the regulations we keep and repeal, the taxes we raise and lower, the laws we make and amend - that the battle for Brexit will really be fought. And those who are waiting to see how it pans out are missing their chance to shape it.

Below you'll find some of our favourite pieces from the past seven days. Have a great weekend.

Oliver Wiseman
Editor, CapX

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Brasil vs Brexit - artigo do ministro das Relacoes Exteriores Jose Serra

Brasil x Brexit. Bola prá Frente
José Serra, ministro de Estado das Relações Exteriores
Folha de S.Paulo, 27/06/2016, p. A-3

O mundo assistiu apreensivo à decisão do povo britânico, em plebiscito, pela saída da União Europeia. O Brasil respeita, mas não comemora a notícia. O projeto da União Europeia é o mais avançado processo de integração econômica e política existente. Construído sobre as cinzas da Segunda Guerra Mundial, a integração econômica que levou à formação da União Europeia trouxe paz e prosperidade à Europa Ocidental por 60 anos e tornou menos traumática a transição dos países da antiga Europa Oriental para o mundo que sucedeu à Guerra Fria.

A saída do Reino Unido abala o relativo consenso pró integração que predominou na Europa há décadas e alenta as forças desagregadoras no continente. Amplia a incerteza e terá efeito negativo sobre o crescimento no Reino Unido, na União Europeia e na economia mundial, em momento no qual os países europeus, ainda fragilizados pela crise iniciada em 2008, buscavam retomar o crescimento.

O Tesouro britânico estima que pode haver queda no PIB de longo prazo de cerca de 6% em seu país. Segundo o FMI, o PIB do Reino Unido poderia crescer a menos, até 2019, entre 1,4%, se mantiver o acesso pleno ao mercado europeu, e 5,6%, se tiver que pagar as tarifas de importação sem descontos. Afinal, o comércio exterior corresponde a 59% do PIB britânico, e 45% de suas exportações vão para a Europa. Parte do setor financeiro, tão crucial à economia de Londres e do Reino Unido, poderia migrar para outras praças europeias e, com menos investimentos entrando no país, as taxas de juros poderão elevar-se, pressionando a desvalorização da libra, pois o déficit em conta corrente é de 5% do PIB.

Sucessivos estudos mostraram que a imigração é benéfica para a economia do Reino Unido, mas o temor aos estrangeiros foi uma das principais motivações dos que votaram pela saída. Os britânicos pensam que o percentual de estrangeiros na população é muitas vezes superior aos dados reais. Ou seja, uma das principais razões que teriam motivado a saída da UE não tem fundamento na realidade.

O fato de que percepções equivocadas tenham influenciado o voto majoritário no plebiscito não diminui sua importância. É preciso perguntar de onde nascem e como combatê-las. Na década de 1940, Karl Mannheim, um dos pais do Estado de bem estar social instalado no Reino Unido no pós-guerra, argumentava que uma das razões que havia levado à derrocada da democracia liberal e aos totalitarismos pré-guerra foi o enfraquecimento dos vínculos de solidariedade social. Hoje, é preciso fazer acompanhar o avanço da integração econômica global de mecanismos de inclusão social e redução das desigualdades, assim como recusar inequivocamente as soluções isolacionistas. Confiamos que a União Europeia e o Reino Unido saberão trilhar esse caminho enquanto ajustam com serenidade seu relacionamento. Afinal, as dificuldades que a Europa enfrenta com migrantes e refugiados não se resolverão com a redução de sua presença no mundo. Requerem, na verdade, atuação cada vez mais solidária com as nações e os povos de origem dos fluxos humanos de nossa era.

O efeito econômico na União Europeia tende a ser comparativamente menor, mas o impacto político é preocupante. Visões excessivamente nacionalistas e xenófobas poderiam ganhar força, levando a um maior fechamento europeu ao resto do mundo. Não é provável que aconteça, mas o mundo sairá perdendo se a Europa apostar mais no isolamento do que na cooperação.

O Brasil não será muito afetado diretamente. É pequena a participação (1,52%) do mercado britânico nas nossas exportações. Mantém-se também a expectativa de que os investimentos britânicos continuem a buscar as oportunidades por aqui. A situação externa da economia brasileira, com reservas elevadas e superávit comercial, reduz os riscos para o Brasil. Sofremos um pouco mais com a instabilidade de curto prazo dos mercados financeiro e cambial e com o impacto negativo de médio prazo para o crescimento no Reino Unido e na União Europeia. De nossa parte, redobraremos os esforços para concluir o acordo de associação Mercosul-UE e nos empenharemos em buscar acordos de comércio e investimentos com o Reino Unido.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Populistas sao idiotas? Provavelmente Mario Sabino, mas jornalistas tambem podem se enganar...

Meus comentários iniciais a esta crônica interessante mas mal informada sobre o Brexit:
Escreve Mario Sabino:
"A economia do Reino Unido, (...) é baseada na exportação de manufaturados que perderão o acesso sem barreiras ao maior mercado do planeta. Mercado, aliás, que está para integrar-se ao americano. UE e Estados Unidos negociam a criação da maior zona de livre comércio do mundo -- e o Reino Unido ficará fora dela."
Não Mario Sabino, os produtos ingleses, ou britânicos, NÃO perderão o acesso ao maior mercado consumidor do planeta. Eles continuarão tendo acesso, pois assim estabelecerão pessoas inteligentes (algumas até eurocratas, vejam vocês) dos dois lados da Mancha, que vão negociar um simples acordo de associação, ou de livre comércio entre uma GB fora da UE (se sair, o que ainda pode não ser definitivo) e o "resto" da Europa, ou seja, esses turbulentos europeus "além Mancha". A lógica, a história, os interesses assim o determinam.
Mais ainda: é muito mais fácil para uma GB livre, sozinha, chegar antes a um acordo de livre comércio com os EUA do que aquele bando de mercantilistas franceses e outros protecionistas do continente. A GB sempre foi a favor do livre comércio, desde 1846, com apenas um intervalo de algumas décadas no século XX, por força de sua própria decadência. Mas desde aquela "dama de ferro" da qual alguns não gostam, ela continua sendo a favor da liberalização comercial.
Tampouco acredito nisto Mario Sabino:
"O Reino Unido não ficará pobre, mas enriquecerá menos no seu esplêndido isolamento. A queda do valor da libra é o sinal mais evidente do futuro britânico."
Isso é terrorismo econômico dos eurocratas e outros dirigistas doentios. A Suíça, a Noruega e alguns outros irredentistas não ficaram mais pobres, relativa ou absolutamente, por escolherem não pertencer à UE, e aos seus milhares de regulamentos intrusivos e excessivamente burocratizados. Eles podem levar uma vida mais simples, e ainda assim ter todos os intercâmbios possíveis com aquele monstro burocrático, sem precisar aderir à selva de regulamentações kafkianas (desculpe Franz).
 Vamos com calma, Mario Sabino, não faça do Brexit um drama econômico, ele é só uma comédia política. Os europeus continentais vão continuar sendo o que são, e a GB retomará sua liberdade para negociar acordos de livre comércio com quem ela quiser, dejar, for possível, inclusive com os EUA, a China, o Brasil, whoever.
Viver livre é sempre uma boa opção, em lugar de ter de manter uma confusa catedral gótica que custa um bocado para ficar sempre limpa e arrumada, sobretudo com aqueles corais gigantescos, cada um cantando na sua lingua, e mais 83 combinações de interpretações simultâneas necessárias, inclusive do finlandês para o grego, e do húngaro para o espanhol.
Falar inglês, não tem preço, ou melhor, custa muito mais barato...
Paulo Roberto de Almeida

Populistas são idiotas
Por Mario Sabino
O Antagonista, 24 de Junho de 2016

O populismo de esquerda e direita é capaz de infectar até mesmo países altamente civilizados, caso do Reino Unido. O Brexit representou uma vitória do populismo de direita, cujo rosto é Nigel Farage, chefe do Independence Party.
Os motores do Brexit foram principalmente a crise migratória e a xenofobia dos mais velhos -- os britânicos com menos de 24 anos votaram maciçamente pela permanência do Reino Unido na União Europeia. O excesso de regulação dos burocratas de Bruxelas contou para o “Leave”, mas serviu como força auxiliar para a decisão que causou um terremoto nas bolsas de todo o mundo e lançou uma sombra sobre o processo de globalização.
O populismo é o exato oposto da racionalidade, demonstra o Brexit. Como escreveu David Cassidy, da “New Yorker”, os seus partidários não ouviram a City, o ministro das Finanças, o Banco da Inglaterra, o FMI, o governo americano e uma infinidade de grandes economistas e empresários. Ao contrário do que diz toda essa gente respeitável, os adeptos do “Leave” acreditam que o Reino Unido poderá se tornar uma Noruega ou uma Suíça, países que rejeitaram a integração com o bloco, mas se beneficiam de um status especial com as nações da UE.
É um engano. A economia do Reino Unido, além de ser bem maior do que a norueguesa e suíça, é baseada na exportação de manufaturados que perderão o acesso sem barreiras ao maior mercado do planeta. Mercado, aliás, que está para integrar-se ao americano. UE e Estados Unidos negociam a criação da maior zona de livre comércio do mundo -- e o Reino Unido ficará fora dela. Muito inteligente.
A massa ignara que votou pela saída do bloco europeu deixou-se levar pelo discurso estúpido de Nigel Farage e asnos do Partido Conservador, sem se dar conta de que a integração à UE foi determinante para tirar o país da recessão na década de 80 e empurrar ladeira acima a economia britânica nos anos que se seguiram. O thatcherismo não teria dado resultados tão espetaculares sem a adesão ao bloco, apesar de todas as bravatas da Dama de Ferro.
A burocracia da UE é exasperante? Sim. A adoção do euro, sem união fiscal, foi desastrosa? Sim. A crise iniciada em 2008 continua a bater forte, em especial no Sul do continente? Sim. Os tropeços, contudo, não apagam o fato de que o bloco europeu é um sucesso político -- amalgamou nações historicamente inimigas -- e econômico. Não há um país que tenha empobrecido por causa da UE. Ela propiciou e acelerou o enriquecimento de todos, absolutamente todos, que a integram. O Reino Unido não ficará pobre, mas enriquecerá menos no seu esplêndido isolamento. A queda do valor da libra é o sinal mais evidente do futuro britânico.
A saída da UE também causará um problemão interno. Escócia e Irlanda do Norte votaram majoritariamente na permanência do Reino Unido no bloco. Em 2014, no plebiscito que definiu que os escoceses continuariam ligados à Inglaterra, um forte argumento utilizado nesse sentido foi dado pela UE. Os principais líderes europeus afirmaram que, se a Escócia saísse do Reino Unido, ela dificilmente seguiria no bloco. Agora, a Escócia está fora da UE, por causa do atrelamento à Inglaterra. Escoceses já recomeçam a falar em independência, dessa vez para voltarem ao bloco. Na Irlanda do Norte, por seu turno, o Sinn Fein, o partido nacionalista, quer um referendo para uni-la à Irlanda, que ficou rica graças à UE.
A ironia, nota David Cassidy, é que o Reino Unido corre o risco de se esfacelar do ponto de vista político antes de se desligar do bloco europeu, processo que deve demorar alguns anos para completar-se.
Populistas são, acima de tudo, idiotas.