Meus comentários iniciais a esta crônica interessante mas mal informada sobre o Brexit:
Escreve Mario Sabino:
"A economia do Reino Unido, (...) é baseada na exportação de manufaturados que perderão o acesso
sem barreiras ao maior mercado do planeta. Mercado, aliás, que está para
integrar-se ao americano. UE e Estados Unidos negociam a criação da
maior zona de livre comércio do mundo -- e o Reino Unido ficará fora
dela."
Não Mario Sabino, os produtos ingleses, ou britânicos, NÃO perderão o acesso ao maior mercado consumidor do planeta. Eles continuarão tendo acesso, pois assim estabelecerão pessoas inteligentes (algumas até eurocratas, vejam vocês) dos dois lados da Mancha, que vão negociar um simples acordo de associação, ou de livre comércio entre uma GB fora da UE (se sair, o que ainda pode não ser definitivo) e o "resto" da Europa, ou seja, esses turbulentos europeus "além Mancha". A lógica, a história, os interesses assim o determinam.
Mais ainda: é muito mais fácil para uma GB livre, sozinha, chegar antes a um acordo de livre comércio com os EUA do que aquele bando de mercantilistas franceses e outros protecionistas do continente. A GB sempre foi a favor do livre comércio, desde 1846, com apenas um intervalo de algumas décadas no século XX, por força de sua própria decadência. Mas desde aquela "dama de ferro" da qual alguns não gostam, ela continua sendo a favor da liberalização comercial.
Tampouco acredito nisto Mario Sabino:
"O Reino Unido não ficará pobre, mas enriquecerá menos no seu esplêndido
isolamento. A queda do valor da libra é o sinal mais evidente do futuro
britânico."
Isso é terrorismo econômico dos eurocratas e outros dirigistas doentios. A Suíça, a Noruega e alguns outros irredentistas não ficaram mais pobres, relativa ou absolutamente, por escolherem não pertencer à UE, e aos seus milhares de regulamentos intrusivos e excessivamente burocratizados. Eles podem levar uma vida mais simples, e ainda assim ter todos os intercâmbios possíveis com aquele monstro burocrático, sem precisar aderir à selva de regulamentações kafkianas (desculpe Franz).
Vamos com calma, Mario Sabino, não faça do Brexit um drama econômico, ele é só uma comédia política. Os europeus continentais vão continuar sendo o que são, e a GB retomará sua liberdade para negociar acordos de livre comércio com quem ela quiser, dejar, for possível, inclusive com os EUA, a China, o Brasil, whoever.
Viver livre é sempre uma boa opção, em lugar de ter de manter uma confusa catedral gótica que custa um bocado para ficar sempre limpa e arrumada, sobretudo com aqueles corais gigantescos, cada um cantando na sua lingua, e mais 83 combinações de interpretações simultâneas necessárias, inclusive do finlandês para o grego, e do húngaro para o espanhol.
Falar inglês, não tem preço, ou melhor, custa muito mais barato...
Paulo Roberto de Almeida
Populistas são idiotas
Por Mario Sabino
O Antagonista, 24 de Junho de 2016
O populismo de esquerda e direita é capaz de infectar até mesmo países altamente civilizados, caso do Reino Unido. O Brexit representou uma vitória do populismo de direita, cujo rosto é Nigel Farage, chefe do Independence Party.
Os motores do Brexit foram principalmente a crise migratória e a xenofobia dos mais velhos -- os britânicos com menos de 24 anos votaram maciçamente pela permanência do Reino Unido na União Europeia. O excesso de regulação dos burocratas de Bruxelas contou para o “Leave”, mas serviu como força auxiliar para a decisão que causou um terremoto nas bolsas de todo o mundo e lançou uma sombra sobre o processo de globalização.
O populismo é o exato oposto da racionalidade, demonstra o Brexit. Como escreveu David Cassidy, da “New Yorker”, os seus partidários não ouviram a City, o ministro das Finanças, o Banco da Inglaterra, o FMI, o governo americano e uma infinidade de grandes economistas e empresários. Ao contrário do que diz toda essa gente respeitável, os adeptos do “Leave” acreditam que o Reino Unido poderá se tornar uma Noruega ou uma Suíça, países que rejeitaram a integração com o bloco, mas se beneficiam de um status especial com as nações da UE.
É um engano. A economia do Reino Unido, além de ser bem maior do que a norueguesa e suíça, é baseada na exportação de manufaturados que perderão o acesso sem barreiras ao maior mercado do planeta. Mercado, aliás, que está para integrar-se ao americano. UE e Estados Unidos negociam a criação da maior zona de livre comércio do mundo -- e o Reino Unido ficará fora dela. Muito inteligente.
A massa ignara que votou pela saída do bloco europeu deixou-se levar pelo discurso estúpido de Nigel Farage e asnos do Partido Conservador, sem se dar conta de que a integração à UE foi determinante para tirar o país da recessão na década de 80 e empurrar ladeira acima a economia britânica nos anos que se seguiram. O thatcherismo não teria dado resultados tão espetaculares sem a adesão ao bloco, apesar de todas as bravatas da Dama de Ferro.
A burocracia da UE é exasperante? Sim. A adoção do euro, sem união fiscal, foi desastrosa? Sim. A crise iniciada em 2008 continua a bater forte, em especial no Sul do continente? Sim. Os tropeços, contudo, não apagam o fato de que o bloco europeu é um sucesso político -- amalgamou nações historicamente inimigas -- e econômico. Não há um país que tenha empobrecido por causa da UE. Ela propiciou e acelerou o enriquecimento de todos, absolutamente todos, que a integram. O Reino Unido não ficará pobre, mas enriquecerá menos no seu esplêndido isolamento. A queda do valor da libra é o sinal mais evidente do futuro britânico.
A saída da UE também causará um problemão interno. Escócia e Irlanda do Norte votaram majoritariamente na permanência do Reino Unido no bloco. Em 2014, no plebiscito que definiu que os escoceses continuariam ligados à Inglaterra, um forte argumento utilizado nesse sentido foi dado pela UE. Os principais líderes europeus afirmaram que, se a Escócia saísse do Reino Unido, ela dificilmente seguiria no bloco. Agora, a Escócia está fora da UE, por causa do atrelamento à Inglaterra. Escoceses já recomeçam a falar em independência, dessa vez para voltarem ao bloco. Na Irlanda do Norte, por seu turno, o Sinn Fein, o partido nacionalista, quer um referendo para uni-la à Irlanda, que ficou rica graças à UE.
A ironia, nota David Cassidy, é que o Reino Unido corre o risco de se esfacelar do ponto de vista político antes de se desligar do bloco europeu, processo que deve demorar alguns anos para completar-se.
Populistas são, acima de tudo, idiotas.