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domingo, 14 de abril de 2019

Brexit: uma derrota para todos, favoraveis, opositores, para o país - Russell Foster



O GLOBO ONLINE

‘Como na guerra, não há vencedores no Brexit’, diz especialista

Para Russell Foster, especialista do King’s College, a prorrogação do processo de saída da União Europeia não muda o cenário de polarização da sociedade britânica, exausta da crise 

Cartazes da primeira-ministra britânica Theresa May e do líder trabalhista Jeremy Corbyn em frente ao Parlamento em Londres Foto: TOLGA AKMEN / AFP 03-04-19
Cartazes da primeira-ministra britânica Theresa May e do líder trabalhista Jeremy Corbyn em frente ao Parlamento em Londres 
Foto: TOLGA AKMEN / AFP 03-04-19

LONDRES - O Reino Unido conseguiu postergar novamente o prazo para oficializar o seu divórcio da União Europeia (UE): o país terá mais seis meses para decidir como — e se — pretende deixar o bloco. Mas para o professor Russell Foster, especialista em Brexit do Departamento de Estudos Europeus e Internacionais do King’s College London, a prorrogação não muda o cenário de polarização da sociedade britânica, que está exausta da crise política na qual o país mergulhou desde o referendo de junho de 2016, nem será capaz de reverter os danos causados pelo processo doloroso que se arrasta há quase três anos. Como em uma guerra, disse ele ao GLOBO, todos sairão perdendo, ainda que o Brexit sequer aconteça, ou que o atual governo mude de mãos.  “Uma característica que define o Brexit é a emoção, e governos não conseguem controlar isso. Governos podem legislar sobre fronteiras, tributos, acordos comerciais, mas não sobre emoções. Não existe política capaz de lidar com ressentimento. Nenhum projeto de lei pode tratar de nostalgia. Nenhuma eleição pode apaziguar ansiedade e medo em massa. É deprimente admitir isso, mas nenhum governo pode resolver essa confusão do Brexit”, desabafou.

O Reino Unido tem mais seis meses para resolver se sai da Europa ou não, e se o divórcio será amigável ou litigioso. E agora?
Não tenha tanta esperança. Ganhamos mais seis meses de prorrogação, mas já se foram quase três anos marcados por brigas e polarização política. E isso vai continuar pelos próximos seis meses. Quando chegar o dia do Brexit, no final de outubro, o Reino Unido estará ainda bem mais dividido do que neste exato momento. As mesmas questões sobre a Irlanda do Norte, acordo comercial, fragmentação do país vão continuar aí. E temos que considerar que, depois de maio, o parlamento europeu será ainda mais eurocético e menos capaz de lidar com o Brexit, e bem menos interessado nesse assunto também.

As pessoas estão cansadas do Brexit. Pesquisas de opinião mostram que a maioria dos britânicos está deprimida com essa crise política. Mas, se o Brexit acontecer de fato, isso é apenas o começo. Como lidar com as expectativas?

A população britânica está absolutamente exausta. Esse assunto tem dominado o noticiário de todas as maneiras, todos os dias. Tem sido assim pelo últimos três anos. Nada mais acontece na política britânica, e a nação se dividiu em facções que se acusam sem parar. Todo mundo quer que isso acabe, mas não existe um final à vista. De alguma maneira, as pessoas se resignaram com o fato de que o Brexit vai continuar se arrastando. Ainda que o processo como um todo seja cancelado, ou que saiamos (da União Europeia) sem um acordo em outubro, a polarização que o Brexit causou ainda vai persistir no futuro distante. Todo mundo sabe isso, e todo mundo sabe que não há uma solução para anos e anos de discussão.

O que se diz é que os britânicos votaram por sair da União Europeia com raiva, como uma forma de protesto. Mas o Brexit não deve resolver as demandas que consideram esquecidas, ou vai? O foco do governo nesses anos foi o Brexit. A agenda dos problemas reais do país se perdeu. Quais serão os maiores desafios do próximo governo? 
A população optou pelo Brexit por várias razões. Foi um voto contra a União Europeia, contra a austeridade, contra Londres, contra David Cameron, contra a globalização, contra uma cultura e sociedade obcecadas por Londres, que menosprezam o britânico (especialmente o inglês) que está fora da capital. O voto pela saída se deu entre multibilionários e gente muito pobre, entre homens e mulheres, entre brancos e minorias étnicas. A diversidade por trás do voto pelo Brexit mostra como a decisão foi motivada por causas tão diferentes, que vão desde a pobreza à nostalgia do império. Nada disso pode ser resolvido pelo governo. Quem quer que venha a liderar o próximo governo se verá diante dos mesmos problemas com os quais a Theresa May vem tentando lidar por três anos: um Reino Unido fraturado e dividido no qual a identidade das pessoas é definida não por geografia ou classe ou etnia, mas por “sair” ou “ficar” na UE. E esses dois grupos se odeiam! Nenhum governo poderá resolver isso, não no curtíssimo prazo.

Como encerrar as turbulências dentro da classe política? Os próprios partidos enfrentam disputas internas. O Brexit começou a partir da crise interna do Partido Conservador (no comando do país).
Não há solução simples. Se a primeira-ministra, Theresa May, for substituída por outro líder conservador, ou se os trabalhistas vencerem a próxima eleição, não fará diferença. Os problemas do Brexit não poderão ser resolvidos por um ou outro no curto prazo, porque suas causas são muitas e de longo prazo. Uma característica que define o Brexit é a emoção, e governos não conseguem controlar isso. Governos podem legislar sobre fronteiras, tributos, acordos comerciais, mas não sobre emoções. Não existe política capaz de lidar com ressentimento. Nenhum projeto de lei pode tratar de nostalgia. Nenhuma eleição pode apaziguar ansiedade e medo em massa. É deprimente admitir isso, mas nenhum governo pode resolver essa confusão do Brexit.

O Partido Conservador está muito dividido. O que esperar para o futuro de uma das principais legendas deste país?
Eles vão cambalear. O Partido Conservador tem 160 anos, e sobreviveu a crises piores do que essa. Vão continuar. Pode ser que tenham de convocar uma nova eleição para permitir que os trabalhistas vençam, que os trabalhistas lidem com a confusão do Brexit, para, assim, lavar as mãos sobre isso tudo. Quando Theresa May deixar o cargo, vamos ver o partido sendo conduzido provavelmente por Michael Gove. Todos detestam ele, mas ele é um pouco menos detestado do que Boris Johnson ou Jacob Rees-Mogg.

Quem são os maiores perdedores e os maiores vencedores deste processo?
Como em qualquer guerra, não há vencedores. Apenas perdedores. Aqueles que querem continuar na UE perdem. Aqueles que querem sair também, porque não estão conseguindo ter o que pediram pelo voto. Os pobres estão perdendo, assim como as quatro nações do Reino Unido (Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales) e os partidos (inclusive o Ukip, de extrema direita). A UE está perdendo. Se alguém for ganhar alguma coisa com o Brexit, será a extrema direita, que consegue atrair os desalentados e desiludidos que já perderam as esperanças na democracia liberal. Não importa o que acontecer com o Brexit, o futuro dos britânicos pertence cada vez mais à extrema direita. E isso representa uma perda para todos.

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