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terça-feira, 16 de abril de 2019

O congresso, o deputado e os acordos de comércio - Paulo Roberto de Almeida

Comércio exterior brasileiro: o papel do Congresso

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: comentários a argumentos; finalidade: retificar afirmações de parlamentar] 

Acompanhei um intercâmbio nas redes sociais (Twitter) entre um professor, Ricardo Rasa, e o deputado Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores a propósito de seu envolvimento com o embaixador da Georgia, alegando o deputado ser de sua competência tratar de questões comerciais, como uma espécie de complemento e simbiose da CREDN-CD com o Ministério das Relações Exteriores no tocante a eventuais acordos para promover comércio bilateral. Reproduzo em primeiro o intercâmbio, para depois tentar comentar a respeito.


Reunião de almoço c/Emb. Geórgia, Sr. David Solomonia @GeoEmbaixada .


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O Sr. está no lugar do Ministro das Relações Exteriores? Onde está @ernestofaraujo ? O que será importado da Geórgia? 


Bela tentativa de semear a discórdia. Mas alerto que para

determinados acordos entrarem em vigor é necessário que sejam aprovados pelo
Congresso passando pela CREDN. Assim, o trabalho do MRE não concorre com o meu,
eles são simbióticos, colaboram reciprocamente.


from Brasília, Brazil

Reproduzo os textos e depois comento:
Eduardo Bolsonaro escreveu no twitter:
Reunião de almoço c/Emb. Geórgia, Sr. David Solomonia @GeoEmbaixada. Em pauta acordos bilaterais para aumentar a exportação brasileira de carne, frango, soja e café.
Há potencial para mais do que duplicar nossas atuais exportações e garantir uma presença mais efetiva do Brasil lá.

Ricardo Rasa:
O Sr. está no lugar do Ministro das Relações Exteriores? Onde está @ernestofaraujo? O que será importado da Geórgia?

A resposta de Eduardo Bolsonaro:
Bela tentativa de semear a discórdia. Mas alerto que para determinados acordos entrarem em vigor é necessário que sejam aprovados pelo Congresso passando pela CREDN. Assim, o trabalho do MRE não concorre com o meu, eles são simbióticos, colaboram reciprocamente.

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Meus comentários seguem abaixo, responde a questionamento efetuado por Ricardo Abreu a mim:

Acordos bilaterais podem ser realizados por deputado? Não seria o Ministro das Relações exteriores ou alguém com perfil técnico que devia tratar desse assunto?
Existe mesmo essa simbiose entre o MRE e o Congresso? 

Meus comentários:
Nenhum acordo bilateral, de qualquer modalidade, pode ser realizado por deputado, nem mesmo pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores da Casa. No ordenamento constitucional brasileiro, à diferença de outros países – os EUA, por exemplo –, o Congresso não tem nem mesmo o direito, ou a faculdade de determinar, de se imiscuir, ou de influenciar a realização de acordos de comércio, sua implementação e menos ainda os fluxos decorrentes de tais acordos, quando realizados. Se o deputado não sabe – mas isso está claramente expresso na Constituição –, o Congresso (as duas casas) tem o dever de aprovar, ou não, acordos, atos internacionais, compromissos gravosos ao país, tal como concluídos pelo Executivo e remetidos ao Congresso para exame, eventual aprovação, para posterior ratificação e promulgação pelo poder executivo. Este pode, inclusive, denunciar qualquer acordo internacional sem qualquer consulta ao Congresso, o que pessoalmente considero uma diminuição do papel do Congresso na processualística dos atos internacionais, mas isto não vem ao caso agora.
O deputado Eduardo Bolsonaro menciona expressamente que pretenderia atuar para promover “acordos bilaterais para aumentar a exportação brasileira de carne, frango, soja e café.” Nada disso requer, ou exige, participação do parlamentar ou do Congresso, e sequer se necessita de acordos bilaterais. Se o deputado não sabe, vivemos sob o sistema multilateral de comércio, regido pelo Gatt e administrado pela OMC, e as transações se fazem ao abrigo das cláusulas gerais do Gatt e de outros acordos paralelos, complementares ou adicionais ao Gatt (sobre aspectos particulares dessas relações, como por exemplo propriedade intelectual, investimentos, barreiras técnicas, normas e medidas fitossanitárias). Ou seja, todo o comércio pode ser perfeitamente conduzido por exportadores e importadores privados, prescindindo inteiramente da intervenção de qualquer autoridade política, mesmo diplomática.
A CREDN-CD não tem NENHUM papel nessas relações de comércio, nem precisa ter, pois as relações comerciais no mundo atual são fluídas e conduzidas inteiramente em bases privadas. Governos só intervêm naqueles aspectos eventualmente não cobertos pelos acordos multilaterais ou regionais de comércio, caso no qual os países podem negociar acesso a mercados ou outras questões pertinentes (como por exemplo, no caso de medidas fitossanitárias não cobertas por algum acordo da OMC). O deputado não tem, em princípio, e não deveria ter, qualquer interferência nessas relações, e não seria bom que tivesse, pois a interferência de alguma autoridade política poderia gerar suspeitas de alguma transação não especificamente regulada por normas de mercado (cartas de crédito, pagamento de faturas e outras transações que são feitas atualmente de forma totalmente fluída por bancos e agências de comércio exterior, atuando oficialmente em paralelo às autoridades aduaneiras e de controle financeiro).
Apenas novos acordos ou relações bilaterais – não de comércio, que, como dito, são inseridos num sistema multilateral – mas de cooperação poderiam requerer o envolvimento do Congresso, mas UNICAMENTE como examinador, e aprovador, se for o caso, de acordos negociados e firmados EXCLUSIVAMENTE pelo executivo, sem qualquer intervenção parlamentar. Em comércio, portanto, não é o caso, e não deve ser, do contrário os fluxos de comércio poderiam ser gravemente perturbados por considerações de ordem política que cabe justamente evitar, pois elas tendem a retardar os processos, ou a introduzir custos de transação – se não é outra coisa – que os agentes de comércio exterior (exportadores e importadores em cada ponta) devem justamente evitar. Os argumentos do deputado não apresentam qualquer validade formal ou mesmo substantiva. Não há e nem pode haver nenhuma simbiose nesse aspecto, como em qualquer outro aspecto das relações internacionais.
Na estrutura constitucional brasileira existe uma perfeita separação entre as competências de cada um dos poderes, e o Legislativo apenas aprova, ou desaprova os acordos internacionais que lhe são submetidos. Dificilmente, porém, haveria qualquer envolvimento do poder legislativo no aumento de relações comerciais bilaterais entre o Brasil e a Geórgia, no máximo um esforço de promoção comercial por parte de entidades privadas ou governamentais brasileiras, mas neste caso também sob a responsabilidade do MRE ou de seu órgão de promoção comercial, a Apex, aliás caracterizada atualmente por uma lamentável interferência externa, o que compromete sua eficácia.
Se alguma simbiose existe parece ser a da família Bolsonaro, com descendentes do presidente interferindo continuamente e indevidamente no trabalho do chefe do executivo, inclusive, justamente, na área da política exterior, onde aparentemente existe um chanceler paralelo, que ocupa espaços que deveriam ser ocupados exclusivamente pelo chanceler nominal. Esse aspecto também deve ser considerado, uma vez que o processo decisório em política externa pode estar sendo afetado por esse tipo de duplicação de agentes na alta cúpula desse processo.
Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 16 de abril de 2019

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