No Dia do Diplomata, um alerta sobre os rumos da política externa brasileira
Ricupero é um dos mais respeitados diplomatas brasileiros, cuja carreira no Itamaraty se estendeu de 1961 a 2004, e alia à sólida formação intelectual a experiência da representação exterior do País, tendo ocupado os mais altos postos da carreira diplomática.
por Arnaldo Cardoso
Jornal GGN, 22/04/2019
Assista à palestra:
A destruição da política externa brasileira
por Rubens Ricupero
Neste link do YouTube:
No último sábado (20), Dia do Diplomata, o Tapera, Taperá, espaço cultural inaugurado em 2016 na Galeria Metrópole, no centro de São Paulo, recebeu o embaixador Rubens Ricupero em evento que reuniu de jovens estudantes de relações internacionais a experientes observadores da política externa brasileira. Na data em que se celebra o nascimento do Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, os presentes que lotaram o espaço foram brindados com uma abrangente e consistente palestra sobre a função da política externa de um país, culminando com uma arguta análise do crítico momento vivido pelo Brasil no que tange à condução de suas relações exteriores.
Arnaldo Cardoso, Rubens Ricupero e Marcelo Fernandes no Tapera.
Ricupero que é um dos mais respeitados diplomatas brasileiros, cuja carreira no Itamaraty se estendeu de 1961 a 2004, alia a sólida formação intelectual a experiência da representação exterior do País, tendo ocupado os mais altos postos da carreira diplomática. Além disso, enfrentou também, por duas vezes, os desafios e dissabores da política, na condição de Ministro de Estado, nos governos Sarney e Itamar Franco. Em organismos internacionais, ocupou entre os anos de 1995 e 2004, o prestigioso cargo de Secretário Geral da Unctad, órgão da ONU sediado em Genebra, que tem por missão a promoção da integração de países em desenvolvimento na economia mundial.
Na palestra no Tapera, intitulada A destruição da política externa brasileira, Ricupero expôs mais uma vez sua contundente crítica ao discurso e às ações do atual governo brasileiro no campo das relações exteriores, consubstanciada em detalhado apontamento do descolamento da política externa do interesse nacional e dos reais problemas que afetam a sociedade brasileira, cujo necessário enfrentamento poderia ser potencializado por uma bem informada e responsável concepção e execução de política externa.
Logo no início de sua palestra, o embaixador citou o seguinte trecho de discurso do Presidente da República proferido em recente jantar em Washington “O Brasil é um terreno em que nós precisamos desconstruir muita coisa” como emblemático da mentalidade que orienta a ação do governo, não só em política externa, mas também em áreas como a do meio ambiente, educação, direitos humanos, entre outras. Ricupero manifestou sua perplexidade e grande preocupação com o fato de ser um discurso que fala em destruição e não em construção, contrastando com a história de todos os governos anteriores que se pautaram, mesmo situados em diferentes campos do espectro político, por projetos de construção do País e de fortalecimento de suas relações exteriores.
Lembrou que a política externa brasileira vinha se orientando desde muito pela busca da autonomia pela participação em diferentes fóruns onde se constroem as agendas internacionais.
No campo do meio ambiente, Ricupero que já foi Ministro do Meio Ambiente, apontou o equívoco das declarações do governo ameaçando sair do Acordo do Clima de Paris, quando já no governo anterior se tinha anunciado o cumprimento antecipado das metas de redução de desmatamento. O embaixador mencionou também a suposta perda de soberania do país refutando-a com o fato de que a delegação brasileira participou ativamente do processo de definição de diferentes obrigações e direitos para países desenvolvidos e em desenvolvimento. Citou ainda o risco de perda de linhas de financiamento internacional, em caso de abandono do Acordo, que são importantes para o País, e por fim a dilapidação do capital político do Brasil na área, acumulado ao longo das últimas décadas.
Quanto às escolhas dos primeiros países visitados, Ricupero manifestou preocupação com o fato de que o critério evidente foi o da ideologia. Ainda segundo o embaixador, a agenda das viagens revelou “prioridades erradas” estimulando antagonismos e criando constrangimentos com países que são importantes mercados para as exportações brasileiras.
Lembrando que em 1º de março do próximo ano o Brasil completará 150 anos de paz – data em que se celebra o fim da Guerra da Tríplice Aliança –, feito que ganha especial admiração por ter o Brasil fronteira com dez países. Ricupero expôs seu entendimento de que, num mundo marcado por instabilidade e conflitos, nosso País se fortalece ao reafirmar os valores da solução pacífica de conflitos e da não intervenção, valores que passaram a emoldurar a identidade internacional do País desde o fim do referido conflito.
Consonante com a mensagem contida nas mais de 700 páginas de seu mais recente livro “A diplomacia na construção do Brasil – 1750-2016” e também com o conteúdo da extensa entrevista concedida recentemente à Jamil Chade da Folha de S. Paulo, donde extraio o parágrafo abaixo, a palestra de Rubens Ricupero no Dia do Diplomata repôs para o público presente a importância de a política externa ser entendida como parte indissociável da própria política do Estado para o desenvolvimento nacional, e da importância da diplomacia para o desenvolvimento das nações e para a construção de uma paz com justiça entre as nações.
Como avalia Ricupero “Hoje em dia, o que caracteriza um governo admirado, merecedor de prestígio internacional, é seu comportamento nos domínios que integram o conjunto de aspirações da humanidade: direitos humanos, meio ambiente, promoção de igualdade entre mulheres e homens, tolerância e respeito pelas minorias, combate à desigualdade social e racial. Cada sociedade será julgada em última instância pela maneira como trata seus membros mais frágeis e vulneráveis.”
Arnaldo Cardoso é cientista político, pesquisador e professor universitário.
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