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sábado, 27 de abril de 2019

24 ENERI: palestra de Paulo Roberto de Almeida: notas para desenvolvimento oral


Desafios Globais de Desenvolvimento: Igualdade, Sustentabilidade e Crescimento no Século XXI

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: notas para palestra; finalidade: 24ª edição do ENERI, Uberlândia.]

1. Introdução: invertendo a ordem dos conceitos e o seu significado
Peço permissão para revisar completamente os termos sugeridos para minha participação nesta 24ª. edição do ENERI. Em primeiro lugar não existem desafios globais de desenvolvimento. A despeito da preeminência avassaladora da globalização neste século, aliás desde a pré-história, o desafio do desenvolvimento é, continua sendo, e será ainda por muito tempo, eminentemente nacional, quase que exclusivamente nacional. Existem poucos exemplos de países no mundo, se algum, que se tenha desenvolvido pelas mãos de outros países, a não ser que se considerem colônias dominadas por certas metrópoles exemplos de processos globais, ou transplantados, de desenvolvimento. E, de fato, algumas colônias conseguiram galgar alguns degraus no caminho do desenvolvimento pelas mãos das metrópoles que as dominaram, mas entendo que não é este o conceito exatamente pensado pelos organizadores deste encontro, ao sugerir o título que me foi encaminhado para tema desta minha palestra.
Da mesma forma, permito-me alterar a ordem do subtítulo: “igualdade, sustentabilidade e crescimento”, embora aceite o final, “no século XXI”, pois é nele que nos encontramos, objetivamente. Igualdade não é necessariamente um desafio global do desenvolvimento, que ocorre de modo diferenciado entre povos e nações, num formato profundamente assimétrico – como são todos os processos nacionais conhecidos de desenvolvimento – e sequer deveria fazer parte dos objetivos nacionais nesse sentido, mas vou explicar porque mais adiante.
Sustentabilidade, por sua vez, virou o que se poderia chamar de “catch word”, um clichê, a que se recorre desde pelo menos a segunda conferência da ONU sobre o desenvolvimento sustentável, e que se tornou um conceito incontornável, obrigatório e até indispensável em qualquer discurso oficial de burocratas internacionais e de políticos nacionais. Ele serve para tudo: merchandising politicamente correto, sinal de que se está alinhado com a modernidade, respeito pela preservação do meio ambiente e todas essas palavras bonitas que precisam entrar nos discursos de todos e cada um: diplomatas em primeiro lugar, ecologistas obviamente, empresários com certeza, artistas e intelectual alinhados ao politicamente correto, enfim, gente bacana. Virou uma mania, até o ponto de perder qualquer significado concreto: tudo precisa ser sustentável, sob risco de ser execrado, condenado, abjurado, recusado, conspurcado, relegado ao limbo das más intenções, enfim, expurgado dos belos discursos recheados de bullshit.
Quanto ao crescimento, finalmente, esta é uma realidade concreta, com a qual podem trabalhar os economistas, pois ele pode ser medido, mensurado, quantificado, estimado, projetado, colocado numa série histórica, transformado em números e valores, pois que denotando uma realidade que existe como agregação de valor monetário e que se traduz, concretamente, em renda, riqueza, bem-estar, prosperidade, e até felicidade. Sem crescimento não há desenvolvimento, pelo menos no sentido mais prosaico dessa noção mais política do que econômica, pois que denota um processo de acréscimo nas opções abertas à satisfação das pessoas, na sua longevidade, na liberdade de poder dispor de bens e serviços que antes, sem crescimento, estavam mais ou menos tolhidas.
Vou me estender sobre cada um desses conceitos para me deleitar um pouco no meu exercício preferido como acadêmico, ou como simples cidadão consciente: o fato de ser um contrarianista profissional, ou seja, aquele que está sempre encontrando um motivo para contrariar o senso comum prevalecente, para introduzir um pouco de ceticismo sadio, apenas pelo prazer de ser um contestador daquelas verdades estabelecidas, o que Gustave Flaubert chamava de “idées reçues”, ou seja, fatos tidos como de entendimento corrente, mas frente aos quais eu ouso levantar o meu dedinho interrogativo para dizer: “Não é bem assim”. Ou então: Think Again, ou seja, pense duas vezes e revise seus conceitos aceitos até aqui. Não se intimidem em romper o consenso, desde que tenham argumentos bem fundamentados em dados empíricos, em um amplo conhecimento histórico, assim como em sólidas bases teóricas e lógicas.

2. Crescimento: um processo basicamente nacional e endógeno
Gostaria, antes de qualquer outro comentário, de formular duas sugestões de leitura para aqueles interessados em aprofundar o conhecimento teórico e comparado sobre o processo de crescimento econômico, esse objetivo obsessivo de todo e qualquer estadista digno desse nome. A primeira é o manual para iniciantes de qualquer curso de economia nas faculdades americanas, de Robert Barro e Xavier Sala-i-Martin: Economic Gowth (várias edições pela MIT Pess), que discorrem sobre como taxas cumulativas de crescimento, mesmo em valores modestos, podem fazer diferença no longo prazo. O segundo é o livro de James Robinson e de Daron Acemoglu, Why Natins Fail, que examina os fatores responsáveis pelo desenvolvimento de algumas nações e não conseguem mudar a situação em outras.

3. Igualdade: uma aspiração que costuma representar uma aberração
Desde Rousseau, a igualdade é a palavra que mais causou confusão no mundo da política, e das lutas sociais, a partir de meados do século XVIII. Consagrada na Revolução francesa como um dos objetivos máximos do novo regime político e social – liberté, égalité, fraternité –, a igualdade foi igualmente incorporada aos supostos objetivos de qualquer programa econômico de governança no decorrer do século XX, inclusive no tocante aos programas das agências internacionais onusianas, ademais, é claro, de a palavra estar integrada a dez de cada dez discursos políticos em qualquer lugar do mundo. No entanto, esse não deveria ser o objetivo de estadistas responsáveis, uma vez que produzir igualdade pode ser, ou revelar-se, a iniciativa mais violenta que possa existir na face da terra, se esse objetivo é realizado por métodos compulsórios.
Poucos anos atrás, fez relativo sucesso o livro do economista socialista francês Thomas Piketty, O Capital do século XXI, uma evidente referência à obra magna do filósofo social Karl Marx, que tentou dar ares de cientificidade às suas duvidosas elucubrações sobre o capital no século XIX. O livro tenta provar, com o acúmulo de estatísticas rigorosamente selecionadas, que o capital financeiro tende a aumentar mais rapidamente do que os ganhos dos trabalhadores, e até a se multiplicar acima e além da própria taxa de crescimento geral da economia, segundo uma fórmula supostamente mágica, ao estilo da famosa equação einsteiniana (emc2), segundo a qual r > g. Trata-se de uma metodologia questionável, ao considerar unicamente como uma das fontes de riqueza o capital financeiro, que parece pairar acima das sociedades e através dos tempos como um ente metafísico, independente das formas variáveis de criação de riqueza e ao descartar os ativos intangíveis, que também são uma forma de riqueza. Mais grave ainda, as prescrições corretivas apontam todas no sentido da taxação vingativa da riqueza acumulada pelos mais ricos – os megabilionários, os culpados de sempre – e sua redistribuição aos menos ricos, como se essa fosse a forma correta de tornar todos os indivíduos igualmente ricos.
Não é: ao repartir a riqueza acumulada por todos os pobres do planeta, haveria um modesto quinhão adicional de algumas centenas de dólares para cada um, que seriam consumidos em compras imediatas de produtos de primeira necessidade e depois não sobraria mais nada, nem poupança, nem investimento, nem estímulo para que os megarricos, ou os simplesmente ricos, colocassem sua riqueza para operar em novos negócios. A função mais nobre do economista deveria ser enriquecer os mais pobres, não empobrecer os mais ricos...

4. Sustentabilidade: um ideal que mobiliza, e que pode obstruir o crescimento
Trata-se do conceito mais usado e abusado da história das relações internacionais desde várias décadas, praticamente desde os anos 1970, logo após a primeira conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento. É um catch-word, ou um saco de gatos, onde cabe tudo e qualquer coisa: tudo precisa ser sustentável hoje em dia, do contrário não vende ou não pode ser apresentado ao distinto público. Na verdade, a melhor sustentabilidade é aquela determinada pelo mecanismo de preços dos mercados livres, que consegue aferir, imediatamente e precisamente, a raridade relativa dos bens e ativos disponíveis para consumo humano ou incorporação ao processo produtivo. Nenhuma determinação de preços e valores por burocratas governamentais ou internacionais consegue se sobrepor à clareza, transparência e fiabilidade dos preços de mercado.

5. Crescimento: sustentado, competitivo, com alto capital humano e abertura
Volto ao conceito chave de crescimento, e apenas a ele. As sociedades avançam, progridem, se desenvolvem, se conseguem manter um processo de crescimento sustentado (não sustentável, pois essa condição vem automaticamente numa economia de livres mercados), com transformações produtivas e distribuição social dos benefícios desse crescimento pela via dos mercados, não por indução estatal.
Para que ele se realize, esse crescimento tem de estar mais ou menos baseado em cinco grandes pilares, ou alavancas operacionais: estabilidade macroeconômica, competição microeconômica, boa governança, alta qualidade dos recursos humanos e abertura econômica, liberdade ao capital estrangeiro, sobretudo sob a forma de investimentos diretos estrangeiros, e liberalização comercial, eventualmente até sob a forma de redução tarifária unilateral.
Quanto tivermos esses cinco pilares bem estabelecidos como políticas públicas teremos o desenvolvimento, em bases nacionais, num regime de plena inserção econômica internacional, ou seja, com globalização e globalismo, quaisquer que sejam as restrições que certos gurus e sofistas, totalmente ignorantes em economia, tenham quanto a este último termo. Globalismo não existe, mas se quisermos aceitá-lo como conceito absolutamente normal na atividade diplomática, ele nada mais é do que a vertente propriamente política do processo de globalização.

Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 27 de abril de 2019

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