Estatísticas do Diplomatizzando no Dia do Diplomata
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: reflexões num dia do
diplomata; finalidade: verifica
papel do instrumento]
O dia 20 de abril, dia do
nascimento de José Maria da Silva Paranhos Jr., futuro Barão do Rio Branco,
serve como data comemorativa do serviço exterior, quando se aproveita a ocasião
para a cerimônia de formatura dos novos diplomatas, egressos do Curso de
Preparação à Carreira Diplomática, mas também para agraciar, com a Ordem do Rio
Branco, diplomatas e não diplomatas (alguns jamais mereceriam a comenda a não
ser por eventual função exercida no governo). Nem sempre foi assim: o Instituto
Rio Branco foi criado em 1945, no centenário de nascimento de Juca Paranhos, e
o dia do diplomata, com formatura de cada nova turma de alunos, jovens diplomatas,
deve ter sido consagrado em ocasião ulterior, e mesmo suspenso por algum tempo durante
o regime militar.
A despeito de ter sido
professor do Instituto Rio Branco, de ter feito inúmeras palestras – geralmente
no quadro do Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas, para segundos secretários
– e de ter produzido alguma bibliografia complementar aos estudos empreendidos
no âmbito do IRBr ou de pesquisas pertinentes, nunca fui distinguido com
convites para paraninfo ou qualquer outro tipo de homenagem no Dia do
Diplomata. Conservo a mesma comenda inicial da Ordem, no grau de Cavaleiro, com
que fui agraciado ainda como segundo secretário, nunca recebi nenhuma outra, e
até cogitei de devolver a minha, quando um desses mequetrefes da área política
foi por ela agraciado, sem qualquer mérito (e até com desonra para a Ordem).
Devo o fato de não ter sido cogitado para honrarias e outras homenagens
provavelmente à minha atitude contrarianista, senão dissidente, das grandes
definições conceituais de nossa diplomacia: o desenvolvimentismo, o
nacionalismo, o protecionismo, o estatismo, o cepalianismo, o unctadianismo, o
terceiro-mundismo, o antiamericanismo (ainda que moderado), o anti-imperialismo
(este mais afirmado) e outros ismos que sempre considerei nefastos para a
condução de uma diplomacia liberta de certos fantasmas de nossas ideologias
maiores, inclusive e principalmente o traço distintivo do Itamaraty, além e
acima de possíveis inclinações políticas momentâneas: o feudalismo.
Sim, o Itamaraty, antes de
ser de esquerda, de direita ou de centro, ou alinhar-se a quaisquer outras tendências
disponíveis no supermercado das velhas manias ou das novas modas ideológicas, é,
básica e fundamentalmente, feudal, com o seu soberano empoleirado na cadeira de
Rio Branco e os barões da Casa circulando em volta, segundo os sacrossantos
princípios da hierarquia e da disciplina, que eu, aliás, nunca respeitei
devidamente, consoante meu natural contrarianista. Não apenas por isto, porque
também eu sempre fui um crítico das principais posturas adotadas pelo Itamaraty
ao longo de sua história contemporânea, e nunca deixei de expressar ideias próprias
a respeito dos grandes temas da agenda, bem mais no tocante à política econômica
externa e às relações econômicas internacionais do Brasil, nos planos multilateral
ou regional. Tendo aderido cedo a outros postulados de economia política e de “alinhamentos”
internacionais – sobretudo distanciando-me precocemente dos arroubos
latino-americanistas ou terceiro-mundistas, e mesmo do tabu da recusa absoluta
do Tratado de Não Proliferação Nuclear, ou do Clube dos Ricos, a OCDE –, eu
passei a achar canhestros certos posicionamentos do Brasil nessas vertentes, e
tampouco deixei de expressar tais opiniões em meus artigos e livros, o que incluía um outro sagrado princípio da nossa diplomacia, o desenvolvimentismo.
Em meus estudos de
economia, por ocasião do mestrado em desenvolvimento econômico, mas também
depois, no próprio exercício da diplomacia aplicada, cercando-me de livros e
teses alinhadas com certo liberalismo econômico, mas sobretudo com o simples
racionalismo pragmático, terminei por descrer de certas “teses” defendidas pelo
Itamaraty, e não me eximi de expressar tais “dissidências”. O papel exercido
pelo pensamento e posturas de Roberto Campos, cujos artigos comecei a ler
precocemente, ademais de outros pensadores liberais – Raymond Aron, por exemplo
– foi com toda certeza decisivo nessa recusa dos principais “dogmas” do
Itamaraty e na produção de minhas posturas própria com respeito à agenda diplomática
do Brasil e sua aplicação pelo Itamaraty. Roberto Campos, por ter aderido também
precocemente a essas teses, num momento em que o Itamaraty também se inclinava
entusiasticamente pelas ideias e posturas do prebischianismo, cepalianismo,
unctadianismo, terceiro-mundismo, em resumo, desenvolvimentismo dentro do arcabouço
onusiano da divisão Norte-Sul, tinha algumas frases cruéis contra essas teses
que ele julgava profundamente equivocadas.
Uma dessas frases,
retiradas de seu contexto expressamente político, mas aplicada ao tradicional
partido da direita “liberal”, a UDN (União Democrática Nacional), segundo a
qual ela seria um “partido burro de homens inteligentes”, foi convertida por
Campos e aplicada ao Itamaraty, para quem a Casa seria uma “entidade burra povoada
de homens brilhantes”. Reconheça-se que a frase não é nada elogiosa, ao contrário,
mas para mim ela contém várias doses de verdade, não tanto pela eventual incapacidade
dos diplomatas de se alinharem a teses mais “inteligentes”, mas pelo cerco que
sobre ele exercem diferentes lobbies das chamadas “classes produtoras”, que
sempre insistiram no protecionismo, no dirigismo, no mercantilismo, no
nacionalismo rastaquera, no isolamento da concorrência internacional, de forma
a defender reservas de mercado, bem como subsídios diretos e indiretos que lhes
assegurem fluxos rentistas em detrimento do consumidor nacional. De forma que
eu me coloquei a contra corrente das teses e opiniões dominantes na diplomacia,
uma atitude perfeitamente capaz de me garantir certo nicho isolado no
mainstream das ideologias diplomáticas com maior trânsito entre os diplomatas,
sejam ele “barões”, sejam “servos de gleba” (que seriam os secretários, base técnica
essencial da primeira camada do processo decisório).
A partir de certo momento,
esse meu isolamento diplomático começou a ser rompido pelos instrumentos de
comunicação social, primeiro um site pessoal (hoje menos utilizado, o www.pralmeida.org), depois diversos blogs
pessoais, até culminar no Diplomatizzando,
e finalmente em outras ferramentas (como Facebook e Twitter, mas utilizadas de
forma algo aleatória). Tais instrumentos potencializaram tremendamente o acesso
a meus textos por jovens estudantes e ampliaram minha audiência em meios que
seque imagino existirem (uma vez que não costumo identificar origem dos
acessos, apenas o seu volume e direcionamento a meus trabalhos disponíveis
nessas ferramentas) e que constituem outras instâncias multiplicadoras sem
qualquer controle de minha parte. Imagino que seja por isso que sou bem mais
conhecido nesses meios do que posso aquilatar por quaisquer instrumentos de análise
vinculadas a essas ferramentas.
Justamente, acessando hoje
as estatísticas do meu blog Diplomatizzando,
em diversos formatos, acabei constatando alguns números brutos e algumas preferências
repetitivas dos leitores. A despeito do blog ter sido iniciado em meados de
2006, o resumo das estatísticas de acesso apresenta uma tabela gráfica válida
apenas a partir de maio de 2010. Não importa, o fato é que sou seguido,
formalmente, por 855 pessoas (e algumas entidades, provavelmente, inclusive a
CIA, o FSB, o Mossad, etc., além daqueles que o fazem por obrigação e
provavelmente com raiva do que escrevo), público que garante um volume mensal
de acessos na faixa de 70 mil vezes, ou mais de 2.300 vezes por dia. Com isso
eu cheguei a um número total de visualizações de quase 7 milhões (mais
exatamente 6.906.344 em 20 de abril). O número total de postagens alcança quase
20 mil, sendo mais exatamente 19.876 publicadas e mais 58 em rascunho. Confesso
que preciso revisar esses rascunhos para ver o que ainda subsiste de aproveitável
em postagens preparadas e não postadas, por razões diversas.
O mais importante, porém,
para aquilatar, não da quantidade, mas da qualidade de minhas postagens está na
verificação dos temas mais procurados e, portanto, das postagens mais acessadas
pelos frequentadores e visitantes ao meu blog, que não se resumem, obviamente,
aos 855 cadastrados e identificados no painel pertinente (que eu raramente, ou
quase nunca, acesso). O quadro abaixo
permite visualizar os itens mais acessados de meu blog, sendo que o primeiro,
campeão absoluto, constitui uma crítica acerba às nossas instituições universitárias,
mais pela improdutividade do que por quaisquer considerações ideológicas: quase
50 mil acessos, seguido de longe por uma curiosidade compreensível em nossos
tempos, como citar obras digitais.
Entrada
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Visualizações
de página
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15 de junho de
2017,
|
49891
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28 de março de
2012,
|
9251
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23 de março de
2016,
|
8457
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4 de julho de 2006
|
6556
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4 de março de
2019,
|
6556
|
18 de junho de
2009,
|
6312
|
25 de março de
2014,
|
6128
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16 de outubro de
2015,
|
6098
|
1 de dezembro de
2015,
|
5466
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14 de março de
2019,
|
5003
|
Cabe registrar que uma
postagem relativamente recente, a nota relativa à minha exoneração do cargo de
diretor do IPRI, ascendeu rapidamente às primeiras colocações, em paridade com
uma outra postagem bastante acessada, um conjunto de informações relativas à
carreira diplomática, um tema muito buscado em minhas ferramentas de comunicação
social, a despeito do fato que eu nunca estive no “mercado” de cursos preparatórios
e jamais tenha escrito manuais ou guias de estudo para os exames de ingresso na
carreira. Ao longo de minha já extensa (e intensa) carreira paralela de professor
universitário tenho convivido de forma bastante frequente com estudantes de áreas
afins à diplomacia, mas não me dediquei especialmente aos preparativos de
acesso à carreira, tendo sempre me concentrado em estudos pós-graduados, em
pesquisas de maior densidade conceitual e também à discussão dos problemas brasileiros
(em diversas áreas). Uma nota ainda mais recente – na verdade terceirizada, uma
vez que se trata de matéria relativa a um personagem do momento, o sofista da
Virgínia – ascendeu igualmente às primeiras posições, quem sabe por curiosidade
legítima ou malsã?
E qual o sentido de tudo
isso, e como isso se conecta com o Dia do Diplomata? Não ouso responder de
maneira peremptória a essa questão, a não ser para dizer que faço da minha dupla
carreira, a profissional diplomática e a acadêmica, como professor, uma plataforma
e uma alavanca para o que mais gosto de fazer: leituras, intensas, notas e reflexões
sobre todos os temas de minha insaciável curiosidade intelectual, como forma de
transmissão aos mais jovens. Tendo uma formação básica absolutamente ordinária na
origem – vindo de uma família de avós analfabetos, imigrantes, e pais com
escolaridade primária incompleta –, pude ascender ao que comumente se chama de
elite do funcionalismo federal, ou às elites tout court, unicamente devido ao estudo, em escolas públicas e em
bibliotecas idem, considero ser meu dever fundamental contribuir para que
outros jovens em posições eventualmente similares às minhas possam também
ascender a posições de maior relevo social graças ao estudo e à dedicação ao
trabalho intelectual de qualidade. O fato de estar na carreira diplomática, e
mais, numa posição totalmente independente da tradicional adesão aos “dogmas”
da Casa, em relação aos quais sou um contrarianista convencido e profissional,
me habilita a dizer o que quero, sem pagar nenhum “imposto” de fidelidade
funcional, ou de repetição hipócrita e não assimilada ao linguajar padrão de
meus colegas, que eu classifico, em total despudor, como sendo “bullshit diplomático”.
Estas são as motivações, e
este é o trabalho que conduzo, no isolamento solitário do que já chamei de “quilombo
de resistência intelectual”, que constitui o meu blog Diplomatizzando, e que me serviu de maneira excepcional quando, nas
desventuras de uma carreira marcada, como já disse, pelos sacrossantos princípios
da hierarquia e da disciplina, eu fui um dissidente aberto nos momentos não
convencionais da política externa, sob o lulopetismo e, atualmente, sob o
bolsonarismo. Meu blog, para eventual desgosto de meus “algozes”, sempre me serviu
para continuar fazendo exatamente o que eu gosto de fazer: ler, anotar, refletir
e repercutir minhas ideias em total independência em relação ao “Vaticano” do
Itamaraty, com todos os seus “cardeais” e dogmas. Sou livre tanto quanto pode
ser um “servo do Estado”, e orgulho de ser um contrarianista, que é o que me
distingue fundamentalmente.
Por todas essas razões, recebo
com satisfação mensagens de meus leitores, como esta que acabo de receber no
Dia do Diplomata, uma entre muitas outras do mesmo teor ou vazada em termos
similares. Transcrevo:
Obrigado, senhor Embaixador, por ter me aceitado em seu Face.
Adorava ler seu blog Diplomatizzando na adolescência.
PRA: Puxa! Na adolescência? Então estou ficando velho.
Haha! Pois é. O senhor me salvou do esquerdismo no Ensino Médio.
PRA: Pelo menos uma boa obra. Mas eu mesmo fui esquerdista,
pelo menos até os 30 anos...
Só queria agradecer ao senhor por tudo o que fez na minha
vida. Sei que não me conhece, mas o senhor foi muito importante na minha formação
intelectual. Que Deus o abençoe. Sempre. E à sua família.
PRA: Eu tenho em meu blog Diplomatizzando uma frase de um
humorista americano, Will Rogers, que diz o seguinte: a gente aprende nos
livros ou com pessoas mais espertas. Foi o que fiz: tive bons professores na
infância e juventude e aprendi sobretudo nos livros, hoje internet. É isso: vá
em frente. E hoje, confie mais em bons livros do que nos professores.
Ah, certamente. Se eu dependesse dos meus professores esquerdistas
no [xxx] eu estaria ferrado, he, he...
Termino por aqui esta
minha já longa digressão sobre o meu blog e sobre o dia dos diplomatas, que
devem certamente ser homenageados, à sua justa medida, por suas contribuições à
defesa do interesse nacional, junto com outras corporações do Estado, em
primeiro lugar nossos irmãos das FFAA, ou militares individualmente, como
forças identificadas com objetivos mais altos do que simples ambições
particulares (embora estas por vezes prevaleçam sobre o interesse geral da nação),
como acredito que fomos capazes de nos desempenhar nestes quase 200 anos de nação
independente. O Brasil que temos hoje não é certamente o país de nossos sonhos,
a nação desenvolvida e desprovida das gritantes mazelas sociais e políticas que
contemplamos todos os dias, ao abrir os jornais, ao visualizar os instrumentos
de mídia. De minha parte tenho procurado desempenhar o meu papel de cidadão
consciente e ativo, engajado na melhoria social progressiva da nação e na
elevação educacional e intelectual de nossos concidadãos. Se mais não fiz, foi
por falta de meios e de oportunidades, tendo sido aliás afastado durante longos
anos do serviço ativo na diplomacia justamente por divergir das orientações que
pautavam nossa atividade diplomática, o que ocorre neste mesmo momento novamente.
Não vou esmorecer na tentativa,
e volto a refugiar-me em meu quilombo de resistência intelectual, aguardando
dias melhores. Enquanto não surgem novas oportunidades de me exercer em minhas
competências funcionais, vou me exercendo em minhas atribuições tradicionais: ler,
anotar, refletir, ponderar, escrever, divulgar, eventualmente publicar aquilo
que considero relevante no debate público sobre os problemas mais relevantes do
Brasil, que não são, obviamente, os da diplomacia, e sequer os das relações
exteriores, e sim as questões sociais, em primeiro lugar, e nas cinco primeiras
prioridades, a educação pública de qualidade.
Termino por aqui: desejo
bom dia do diplomata a todos os meus colegas de profissão, a meus confrades de carreira,
desejando bons estudos a todos os aspirantes à carreira, que, a despeito de
burocrática e por vezes enfadonha, é gratificante, e, pelo menos para mim,
certamente gratificante, por todos os seus aspectos intelectuais e de abertura às
coisas do mundo que eu e minha mulher, a historiadora Carmen Lícia Palazzo,
valorizamos tremendamente. Sempre fomos muito felizes, nós e nossos filhos, em
todos os postos nos quais nos foi dado servir, nos mais agradáveis, e nos mais
duros (que também existiram), e sempre retiramos de cada um ensinamentos para a
vida e recompensas intelectuais, turísticas, gastronômicas, tudo o que fosse
aproveitável.
Feliz dia dos diplomatas a
todos e a cada um.
Vale!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de abril de 2019
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