O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

A destruição do Itamaraty enquanto instituição: Oliver Stuenkel, Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro, Miséria da diplomacia, tem por subtítulo "a destruição da inteligência no Itamaraty". 
Pois bem, o que diz abaixo o professor Oliver Stuenkel é ainda mais terrível do que a destruição da inteligência, que é na verdade o afastamento dos dissidentes, como eu mesmo, e a submissão dos que restam. 
Aparentemente, se visa um objetivo ainda mais grandioso: destruir o Itamaraty como instituição do Estado, e submetê-lo aos desígnios demenciais da família Bolsonaro e das propostas alucinadas do Rasputin de subúrbio.
Sequência de tweets de Oliver Stuenkel sobre a deterioração, em qualquer circunstância, da política externa e da diplomacia brasileira, traz uma realidade preocupante para a diplomacia profissional do Itamaraty: o que acontecer, de qualquer jeito, será a destruição do Itamaraty tal como o conhecemos até 2018: o olavo-bolsonarismo, com a ajuda do atual chanceler, está empenhado na obra de demolição, tanto dos fundamentos conceituais da política externa, quanto dos mecanismos operacionais da política externa.
Seremos arrastados para a mediocridade mais abjeta.
O próprio presidente já prometeu: ""Sim, o Senado pode barrar, sim. Mas imagine que no dia seguinte eu demita o (ministro de Relações Exteriores) Ernesto Araújo e coloque meu filho. Ele não vai ser embaixador, ele vai comandar 200 embaixadores."

Paulo Roberto de Almeida
5/08/2019


Oliver Stuenkel
Bolsonaro is making only thinly veiled threats to senators that unless they approve his son's nomination as Brazil's Ambassador to Washington, he'll make him Foreign Minister- which does not require the Senate's approval. So approving the ambassadorship is basically damage control.

Oliver Stuenkel
Implicitly, this is a remarkable admission of his son's unpreparedness. Having daddy threaten others with giving you an important job in order to convince them to give you an somewhat less relevant position is pretty humiliating.

Oliver Stuenkel
When it comes to Brazilian foreign policy, the move is unlikely to make much of a difference. Araújo is the weakest Foreign Minister in decades and basically already does whatever Eduardo tells him. Their ultimate goal is to destroy the Foreign Ministry's bureaucracy.

domingo, 4 de agosto de 2019

Diplomata critica Itamaraty por veto a prefácio de Ricupero: ‘stalinismo diplomático’

Diplomata critica Itamaraty por veto a prefácio de Ricupero: ‘stalinismo diplomático’

O movimento suprapartidário Livres também se manifestou contra a atitude, defendendo o ex-ministro dos governos de Itamar Franco e FHC
Rubens Ricupero (Foto: Reprodução / El País)
O movimento suprapartidário Livres e o diplomata Paulo Roberto de Almeida se manifestaram em suas redes sociais nesta quinta-feira (1) contra o veto do Itamaraty à publicação de um livro que contém prefácio de Rubens Ricupero. Ricupero, célebre diplomata que ocupou ministérios nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, é membro do Conselho Acadêmico do Livres. [1]
As manifestações aconteceram porque o embaixador Synesio Sampaio Goes Filho submeteu uma biografia de Alexandre de Gusmão, diplomata do século XVII, à apreciação do Itamaraty, mas o órgão só aceitou fazer a publicação se o prefácio assinado por Ricupero, desafeto do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, fosse retirado. Ricupero tem feito críticas à conduta do ministério.

O Livres considerou que a atitude foi “uma postura de aparelhamento e confusão entre público e privado, além de um grande desrespeito ao embaixador”. Enfatizou ainda que Ricupero é “um grande brasileiro, com imensos serviços prestados ao Brasil”. Já Paulo Roberto de Almeida, que também é desafeto de Ernesto Araújo e crítico contundente do governo Bolsonaro, comparou o gesto às etapas da prática de censura sob o regime stalinista.
Para o diplomata, o Itamaraty está adotando um “stalinismo diplomático”: “se o prefácio fosse escrito por um bolsonarista, mas que defendesse posturas divergentes da atual diplomacia, seria provavelmente publicado junto com a biografia”, avaliou Paulo Roberto.

Política externa na era bolsonarista: video de palestra na UERJ (3/4/2019)

Recebi hoje, de meu amigo Hugo Rogelio Suppo, coordenado do NEIBA, Núcleo de Estudos Internacionais Brasil-Argentina da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o jornal relativo ao primeiro semestre, contendo o link do vídeo gravado em Facebook de minha palestra feita no começo de abril último.
Eu havia preparado algumas notas, que transcrevo novamente abaixo, mas estou agora vendo pela primeira vez minha sofrível apresentação nesta gravação de qualidade também sofrível. Não li essas notas, pois elas já estavam disponíveis no meu blog, e fiquei respondendo diversas perguntas formuladas na ocasião. Devo ter guardado essas perguntas escritas, e vou verificar se consegui responder satisfatoriamente a todas elas, do contrário retomarei os temas.
Mas está registrada a palestra, conforme registro abaixo: 

3445. “De uma diplomacia a outra no Itamaraty: conceitos e práticas”, Em voo, Brasília-BH-Rio de Janeiro, 3 março 2019, 4 p. Notas para palestra no programa de pós-graduação em RI da UERJ, a convite do prof. Hugo Rogelio Suppo. Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/04/de-uma-diplomacia-outra-palestra-na.html); disseminado no Facebook (link: https://web.facebook.com/paulobooks/posts/2390788537651249). Divulgado no InfoNEIBA, jornal informativo do Núcleo de Estudos Internacionais Brasil-Argentina, ano VII, n. 1, 2º. Semestre de 2019, p. 9 (disponível no Facebook do Neiba, link: www.facebook.com/421490077895591/videos/833245283679185/). 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de agosto de 2019

De uma diplomacia a outra: palestra na UERJ (3/04/2019) - Paulo Roberto de Almeida

De uma diplomacia a outra no Itamaraty: conceitos e práticas
Paulo Roberto de Almeida
(3445. Em voo, Brasília-BH-Rio de Janeiro, 3 março 2019)
 [Objetivo: Notas para palestra no programa de pós-graduação em RI da UERJ; finalidade: atender a convite do prof. Hugo Rogelio Suppo]

No contexto da verdadeira revolução cultural que parece atingir – este é o termo que cabe explicitar– tanto a diplomacia quanto a política externa no Brasil do governo Bolsonaro, tudo indica existir uma perfeita identidade entre conceitos e práticas. Nem sempre foi assim, tendo em vista as fronteiras nem sempre muito claras entre o discurso oficial e a prática concreta, tanto nos temas da política doméstica, quanto nos assuntos de política externa. Em geral os discursos das autoridades pretendem uma perfeita consonância com os interesses mais amplos da população, da nação como um todo, quando na verdade os dirigentes estão agindo sob influência de interesses partidários – ou seja, de apenas uma parte da sociedade –, quando não numa colusão com o poder econômico, isto é, os tradicionais lobbies setoriais, que financiam os mesmos políticos em atuação no governo. Em outros termos, fala-se uma coisa, pratica-se outra.
No quadro atual, no governo da Bolsofamiglia, podemos até afirmar a existência de uma identidade não perfeita, mas bastante coerente, entre ideias (se existem), crenças (certamente existem), preconceitos (são os mais abundantes) e muito amadorismo e alguma ignorância (também presentes), ou seja, conceitos, e as práticas, praticamente inéditas, certamente inusitadas, no âmbito do que passa por política externa nacional, mas que é apenas uma manifestação prática da metafísica olavista (ou bolsonarista) em ação. De fato, como antecipado no parágrafo precedente, a despeito da dissociação esperada entre discursos otimistas e realidades mais prosaicas, como é normal em todos os governos normais, no governo diferente da Bolsofamiglia existe essa associação entre conceitos e práticas, como amplamente revelado nos primeiros cem dias do atual governo. Vejamos que tipo de avaliação seria possível fazer desses 3 primeiros meses.
Uma avaliação ponderada dos cem primeiros dias da administração Bolsonaro na área da política externa pode ser feita em dois planos: o formal, que é o da diplomacia enquanto instrumento governamental de atuação do Brasil em suas relações exteriores, e o substantivo, que é o conteúdo mesmo da política externa, tal como determinada pelo Presidente da República e implementada pelos seus auxiliares da área.
No caso do governo Bolsonaro, o que se constata, em primeiro lugar, é o caráter inédito tanto da diplomacia quanto da política externa, com respeito a padrões históricos da diplomacia e da política externa, ou se quisermos, posturas mais tradicionais, num e noutro terreno. No primeiro aspecto, assistimos a uma espécie de “revolução cultural” na diplomacia, com uma quebra generalizada de hierarquia – que os militares diriam tratar-se de “coronéis mandando em generais” –, expressa na substituição dos antigos subsecretários-gerais (nove embaixadores anteriormente, ou seja, ministros de primeira classe, com experiência de postos no exterior) por sete novos secretários, todos ministros de segunda classe, que passaram a chefiar embaixadores como chefes de departamento, que em geral pertencem a um estrato geracional superior ao do próprio chanceler, que é o que poderíamos chamar de um “junior ambassador”, ou seja, alguém que nunca exerceu chefia de posto no exterior.
Essa revolução cultural também se traduziu numa completa reorganização do Itamaraty, em sua estrutura funcional, o que poderia ser benéfico em termos de ajustes nos processos de trabalho, mas que no caso foi conduzida de forma autoritária, sem qualquer consulta a própria Casa, o que também é inédito na história do Itamaraty. Divisões foram extintas, novas criadas, todas elas renomeadas – o que implicou na substituição de centenas de plaquetas de identificação de setores e áreas –, mas também com um alto grau de arbítrio, próprio ao chanceler designado. Os Estados Unidos, por exemplo, que antes estavam integrados ao Departamento da América do Norte, agora desfrutam de um Departamento exclusivo, ao passo que toda a Europa – considerada um “vazio cultural”, em artigo altamente bizarro do então candidato a chanceler– foi relegada a um único departamento na Secretaria de Negociações Bilaterais com o Oriente Médio, a Europa e a África, o que certamente deve ter deixado os europeus bastante descontentes. Imagino que seja por isso que muitos dos embaixadores europeus em Brasília tenham procurado bem mais o vice-presidente, general Hamilton Mourão, do que o próprio chanceler ou o secretário geral do Itamaraty. Essa é a revolução cultural organizacional, feita por cima, “von Oben”, como diria o próprio chanceler.
No plano substantivo, o que se observou foi uma outra formidável revolução copernicana nos fundamentos e princípios da política externa, que deixou a tradicional postura equilibrada seguida durante décadas em favor de uma aliança estreita, não com os Estados Unidos propriamente, mas com o governo Trump. Talvez neste caso o chanceler formalmente designado tenha sido menos importante na inversão de tendência do que a própria família Bolsonaro, em primeiro lugar aquele que já foi designado como o “chanceler paralelo”, e que talvez seja o efetivo, ou principal: o atual presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. O inacreditável é que esse representante do povo brasileiro usurpou o seu mandado ao ter proclamado, nos EUA, a impossível e improvável adesão de “todo o povo brasileiro” ao projeto do presidente americano de construir um muro na fronteira com o México, ao mesmo tempo em que classificava como “vergonha” a existência de tantos imigrantes brasileiros ilegais nos EUA. Esse senhor, preconceituoso e mal informado, talvez não saiba que esses trabalhadores brasileiros criam riqueza nos EUA e a remetem ao Brasil – vários bilhões de dólares por ano –, o que é um aporte significativo em nossa balança de transações correntes, sob a forma de transferências unilaterais, ou seja, sem contrapartidas. 
Essa outra revolução na política externa vem sendo contida, controlada e propriamente tutelada pelos militares membros do governo, que têm atuado como verdadeiros diplomatas, ao contrário do atual chanceler, cuja adesão ao aventureirismo eleitoral trumpista, no caso da Venezuela, beira a intervenção nos assuntos internos de outro Estado, o que colide não só com a nossa Constituição (artigo 4º), como também com princípios consagrados do direito internacional. Esse comitê de tutela militar sobre o chanceler também se exerceu precocemente quando da inacreditável aceitação de um projeto de base militar americana no Brasil, prontamente e cabalmente rejeitada pelo ministro da Defesa e pelos demais militares. 
Existem ainda vários aspectos bizarros na atual política externa, como essa luta insana contra o monstro metafísico do “globalismo”, uma fantasmagoria sem qualquer fundamento na realidade, mas que foi inculcada no atual chanceler – que a ela aderiu provavelmente de maneira oportunista – por aquele a quem eu chamo de “sofista da Virgínia” e de “Rasputin de subúrbio”. As iniciativas mais danosas em relação a Israel ou à China também foram contidas, revertidas ou minimizadas, por mentes mais sensatas da atual administração ou de fora dela, como a comunidade de negócios, os próprios chineses ou os mesmos militares. 
Como se pode constatar, tanto as práticas efetivadas, quanto aquelas frustradas – por ação do agronegócio, por exemplo, ou do comitê militar de tutela, que pode ser bem mais efetivo – encontram-se em perfeita consonância com os conceitos, e preconceitos, que embasam o atual governo na sua ação externa, ou o que passa por sua diplomacia. Se formos verificar a metafísica olavista e alguns dos slogans bolsonaristas – que não chegam a conformar, um e outro, uma verdadeira doutrina acabada ou completa –, poderemos facilmente comprovar que a identidade entre ideias e crenças bizarras, de um lado, e práticas inéditas na diplomacia, de outro, se mantém quase que integralmente. Isso é, como já afirmado, inédito nos anais da diplomacia brasileira e do próprio governo, sem que se possa dizer que tal identidade se manterá ao longo da atual administração, dadas as muitas contradições, e reações, que tais crenças e práticas revelam aos olhos dos observadores atentos ou dos espíritos mais críticos, como este que aqui escreve, com certo conhecimento de causa e comprometimento com a causa de uma diplomacia normal (ou pelo menos não tão contestável).
Em resumo, nos cem primeiros dias da administração Bolsonaro coexistiram iniciativas certamente inéditas no terreno da diplomacia e da política externa, sem que preocupações cruciais com respeito ao papel do Brasil no tocante à agenda externa – em comércio, Mercosul, meio ambiente, direitos humanos e democracia, e no respeito aos valores e princípios caros à nossa tradição diplomática – tenham sido sequer tocados em termos de planejamento ou de ações diplomáticas visando maior inserção internacional do Brasil. O Itamaraty permanece em grande medida paralisado pelas coisas estranhas que vem ocorrendo na Casa de Rio Branco desde o início de 2019, e não parece perto de enveredar pelo dinamismo conhecido em tempos mais amenos de exercício normal de sua diplomacia profissional. 
Se durante o lulopetismo, tivemos o que pode ser chamado de “diplomacia partidária”, a do partido hegemônico, e que levou o Brasil a alinhar-se com algumas das mais execráveis ditaduras do continente ou alhures, nos tempos atuais temos, ao que parece, uma espécie de “diplomacia familiar”, feita de preconceitos mal informados, de iniciativas francamente bizarras e vários outros erros na seleção de prioridades para a agenda diplomática nacional, inciativas voluntaristas e carentes de qualquer exame técnico mais acurado, que podem custar caro ao Brasil, se efetivamente implementadas, nos meses e anos à nossa frente. Um consenso parece estar se formando na chamada comunidade epistêmica de relações internacionais do Brasil, no sentido em que os aspectos mais “heterodoxos” da atual diplomacia e na política externa precisam ser contidos, e talvez revertidos, em benefício do próprio Brasil e no de seu atual governo. 
Em política externa, como na interna, tudo depende dos resultados efetivos, mas, num julgamento talvez precipitado, os resultados registrados até aqui – a aliança com Trump, a escolha de um lado nos difíceis problemas do Oriente Médio e outras opções altamente divergentes com respeito à memória histórica da diplomacia profissional do Brasil – são bastante preocupantes para os que vivem nessa comunidade setorial. Cem dias talvez sejam um prazo muito curto para julgar quanto a esses resultados, mas estaremos atentos aos desenvolvimentos futuros. 

Paulo Roberto de Almeida
Autor do livro: Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019).
Em voo: Brasília-BH-Rio de Janeiro, 3 de abril de 2019

Acordo Mercosul-União Europeia - Yuri da Cunha (OESP)

O acordo entre Mercosul e União Europeia

O Estado de S. Paulo, 4/08/2019 (Blog de Fausto Macedo)
Yuri da Cunha. FOTO: DIVULGAÇÃO
No fim do mês de junho, praticamente no último dia do semestre de 2019, a comunidade empresarial recebe a notícia: a conclusão do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Um mercado gigantesco que abrange quase 800 milhões de pessoas . Quando retiramos a população brasileira dessa soma, estamos avaliando que as indústrias brasileiras têm à vista 600 milhões de consumidores finais. Devemos lembrar que é altamente provável também uma reforma no Mercosul, para facilitar as trocas comerciais intrabloco, o que aumenta ainda mais a expectativa de uma maior abertura comercial.
Antes que sejam criadas expectativas sobre o propósito do artigo, não tecerei críticas ou elogios ao acordo, mas o fato é que ele, mais cedo ou mais tarde, avançará nos parlamentos envolvidos. Existe à frente pelo menos três anos para que o acordo ratificado pela União Europeia e pelo Brasil seja internalizado e comece a abertura comercial, que levará entre dez a quinze anos para ser concluída. Então, pensando em “controlar o próprio destino”, ao invés de pensar que está fadado ao fracasso, como as empresas brasileiras poderiam preparar-se para enfrentar a tão conhecida competitiva indústria europeia?
O primeiro ponto a ser citado é que as empresas necessitam conhecer as próprias ineficiências. Todas as possuem, sem exceção. Mas quais são? Quanto custa cada uma dessas ineficiências? Raramente os gestores sabem responder a essas questões. A remodelagem de processos, independentemente de qual ferramenta aplicada, é extremamente bem-vinda, pois impulsionará os líderes a tomarem ciência sobre os problemas e buscar soluções para esses. Ao conhecer o processo como um todo, será mais fácil a identificação dos problemas-raízes e a tomada de decisão terá maior qualidade.
Provavelmente, será possível inspirar-se em estudos de casos ou basear-se na experiência de bons profissionais para resolver os problemas-raízes. Mas, observando a 4ª Revolução Industrial, as soluções também poderiam envolver as novas tecnologias. Como exemplos: o desenvolvimento de plataformas blockchain para o compartilhamento de informações entre os intervenientes e o aumento da rastreabilidade da mercadoria, desde o fabricante até o comprador; a automatização de processos de exportação e de importação, principalmente para a elaboração de documentos padrões.
Para empresas que não possuem sistemas robustos e flexíveis, esse momento apresenta-se como uma grande oportunidade (e motivo) para implementá-los. Duas perguntas simples a serem respondidas internamente: quanto tempo é desperdiçado em etapas que seriam facilmente automatizadas? Quantas multas foram aplicadas por algum órgão que poderiam ter sido evitadas se um sistema tivesse alertado sobre determinada ação?
Aliás, um alto volume de penalidades está relacionado a não conformidades da utilização de regimes especiais. Essas multas prejudicam totalmente os benefícios previstos e calculados no momento da implementação desses nas operações de comércio exterior, com destaque a RECOF, Drawback e REPETRO. Devemos destacar que esses regimes serão vitais para que as empresas aumentem (ou mantenham) a competitividade internacional.
A implementação de um regime especial ou do supracitado programa pode ser encarado como uma inovação interna. Entretanto, a empresa deve arriscar-se. Para ser competitivo internacionalmente, as empresas devem tornar-se mais inovadoras. Tomemos um extremo cuidado com o autoengano de “sou inovador” ou simplesmente indicar nos valores da empresa e não implementar uma cultura de inovação. Isso não está limitado a um departamento de Pesquisa e Desenvolvimento. Essa cultura deve ser disseminada em toda a estrutura da empresa. O ambiente interno deve respirar inovação, independentemente da indústria. Observem que a inovação pode estar atrelada, absolutamente, a todos os tópicos anteriores. Para isso realmente tornar-se uma realidade, um projeto de mudança de cultura deve ser implementado.
Por fim e de extrema importância, o novo ambiente de comércio exterior passará obrigatoriamente pela valorização do profissional de comércio exterior. Geralmente, o comércio exterior é entendido como um anexo da logística. Portanto, não necessariamente é encarado como um ponto crucial para a organização. Na próxima década, equipes cada vez mais competentes, eficientes e criativas, que entendam a tecnologia como suporte e não como um rival às próprias atividades desempenhadas internamente, serão vitais para tornar a empresa cada vez mais competitiva.
Sabemos perfeitamente que o Governo também necessita fazer o seu papel, com a implementação rápida de políticas industriais, a diminuição de taxas de juros, a simplificação de processos (com destaque para o Portal Único e demais compromissos assumidos perante o Acordo de Facilitação do Comércio), entre outras etapas. Mas, as empresas não devem esperar para iniciar projetos internos para tornarem-se mais competitivas. Motivos para isso não faltam.

* Yuri da Cunha é especialista de comércio exterior na eCOMEX – NSI

Japão-Coreia do Sul: as feridas não cicatrizadas da ocupação, agora em guerra fria econômica

Japão impõe barreiras à Coreia do Sul
O Estado de S. Paulo, 3/08/2019

O governo do Japão decidiu ontem aumentar o controle sobre produtos tecnológicos de ponta exportados para a Coreia do Sul. A medida, que segundo analistas deve aumentar a tensão diplomática entre os países vizinhos, afetou diversas bolsas de valores pelo mundo. O episódio é o mais recente na escalada de desconfiança provocada pela decisão da Suprema Corte sul-coreana de autorizar vítimas de trabalho forçado da ocupação japonesa do país durante a 2.ª Guerra de buscar indenizações junto a empresas do Japão. A decisão da Justiça sul-coreana provocou protestos no Japão, para quem as disputas da ocupação foram resolvidas em um acordo de 1965, no qual os japoneses pagaram uma indenização de US$ 500 milhões aos sul-coreanos.
Com a medida, a partir do dia 28 a Coreia do Sul estará fora da lista de países que recebem tratamento preferencial para importar produtos tecnológicos de ponta, essenciais para a indústria sul-coreana. O presidente sul-coreano, Moon Jae-in, condenou a decisão, que qualificou de sabotagem. “Se o Japão prejudicar intencionalmente nossa economia, também sofrerá os danos”, disse. “Nunca perderemos para o Japão outra vez.” Ao anunciar o veto às importações sul-coreanas, o governo japonês disse ter preocupações relacionadas à segurança nacional com o uso militar do material por empresas sul-coreanas, sem detalhar qual seria esse uso.
Entre as possíveis reações de Seul à decisão japonesa está a interrupção do compartilhamento de inteligência militar com o Japão, segundo o assessor de segurança nacional Kim Hyunchong. “Não faz sentido compartilhar segredos de inteligência com um país que não confia na gente”, disse. As bolsas de valores caíram num reflexo da medida, com o temor dos investidores de que o veto japonês prejudique o fluxo de produtos sul-coreanos para outros países. Autoridades japonesas, no entanto, relativizaram o impacto da decisão, em uma tentativa de acalmar os mercados. “Não haverá efeito nas redes de fornecimento globais ou nos negócios japoneses”, disse o ministro da Economia do Japão, Hiroshige Seko. Os Estados Unidos, por sua vez, temem que a disputa amplie a influência da China no Leste Asiático e prejudique as negociações com a Coreia do Norte. Em Washington, há o temor de que a disputa prejudique a cooperação militar entre Coreia do Sul e Japão, segundo a especialista em Leste Asiático Celeste Arrington, da Universidade George Washington.