O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Prata da Casa: minhas mini-resenhas - Paulo Roberto de Almeida

A revista da ADB ainda vai demorar um pouco para sair, mas já preparei minhas oito mini-resenhas. Poderia ser mais, mas não recebi indicação de quantas páginas eu teria à minha disposição.
E poderiam ser livros mais recentes, mas confesso que o mais recente que encontrei foi um que ajudei a publicar, os dois volumes de Celso Lafer.
Os demais não são recentes, mas eles ficaram muito tempo na minha lista, sem que eu os tivesse resenhado. Vai ver que três ou quatro eram de "regimes" anteriores à diplomacia bolsonarista, da política externa lulopetista e um do ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, todos eles de "esquerda", segundo os atuais mandantes do poder.
Em todo caso, são livros referenciais para a política externa e a diplomacia brasileira, e alguns estão livremente disponíveis na Biblioteca Digital da Funag.
Aqui seguem, para divertimento geral (menos de alguns, mas não se pode satisfazer a todos).
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4/11/2019


Prata da Casa, 2019

Paulo Roberto de Almeida
 [Miniresenhas; Revista da ADB, Associação dos Diplomatas Brasileiros (ano XXI, n. 100, 2019, p. xx-xx; ISSN: 0104-8503)]

 (1) Lampreia, Luiz Felipe:
       Diplomacia brasileira: palavras, contextos e razões
       (Rio de Janeiro: Lacerda, 1999, 420 p.; ISBN: 85-7384-043-0)

O livro está dividido em cinco partes: as cem primeiras páginas compreendem o seu discurso de posse, como primeiro ministro no primeiro mandato do governo FHC (ele ficaria quase até o final do segundo mandato, cedendo depois o lugar a Celso Lafer), discursos no próprio Itamaraty; a segunda, em mais de 150 páginas, é constituída por pronunciamentos em foros estrangeiros, no âmbito bilateral ou multilateral; a terceira é toda ela dedicada ao sistema multilateral de comércio, em modestas 60 páginas; finalmente a última, em 80 páginas, são discursos na ONU e em relação ao TNP, instrumento recusado durante 30 anos pela diplomacia brasileira, como discriminatório e desigual, ao qual aderiu sob críticas de militares e diplomatas o presidente FHC. O conjunto é um retrato muito fiel do que foi a diplomacia da era FHC, pelo seu principal executor.


(2) Amorim, Celso:
       Breves narrativas diplomáticas
       (São Paulo: Benvirá, 2013, 168 p.; ISBN: 978-85-8240-025-8)

Esta obra complementa a anterior, Conversas com jovens diplomatas (2011), que cobria suas preleções aos alunos do Instituto Rio Branco durante os oito anos à frente da diplomacia lulopetista. Desta vez são pequenas notas de alguns de seus maiores momentos no exercício de seus encargos diplomáticos, antes e durante aquele período, tratando da questão do Iraque, da Venezuela chavista, da implosão da Alca (que ele promoveu ativamente), das negociações da Rodada Doha, do Ibas, o grupo que foi criado no momento inaugural da diplomacia lulista, unindo o Brasil à Índia e à África do Sul, das origens frustradas da Comunidade Sul-americana de nações, que se transformou na Unasul (por manobras chavistas) e do reencontro com a África, visitada diversas vezes por Lula. Amorim ultrapassou os anos Rio Branco à frente do Itamaraty, mas ainda pretende voltar.


(3) Amorim, Celso:
       Discursos, palestras e artigos do chanceler Celso Amorim, 2003-2010
       (Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 2011, 2 vols.; 316 p. e 260 p.; ISBN: 978-85-60123-01-8)

Os dois volumes se complementam cronologicamente nessas três categorias, o primeiro cobrindo grosso modo o primeiro mandato, o segundo o mandato sucessivo. Como indica o título, trata-se de uma compilação da maior parte dos pronunciamentos oficiais do chanceler nos oito anos em que ocupou a cadeira ministerial, que se tornou especialmente ativa durante os dois mandatos do presidente Lula, com o qual Amorim se identificou pessoalmente e política, a ponto de ter aderido ao PT e promovido a figura do presidente em todos os foros abertos à projeção externa do Brasil, tanto os formais, estatais, quanto os de outros ambientes receptivos (sobretudo universidades e think tanks). Provavelmente, o grosso dos textos foi elaborada institucionalmente pelos profissionais da diplomacia, depois revistos pelo chanceler, à exceção dos discursos gravados e transcritos. Um retrato em grande estilo.


(4) Amorim, Celso:
       Teerã, Ramalá e Doha: memórias da política externa ativa e altiva
       (São Paulo: Benvirá, 2015, 520 p.; ISBN: 978-85-8240-171-2)

A despeito de suas 500 páginas de memórias, o livro do ex-chanceler comporta apenas três capítulos, que são os do título: a oportunidade supostamente perdida do acordo patrocinado pelo Brasil e pela Turquia para resolver o problemático programa nuclear do Irã – não resolvido em tratativas de vários anos pelos cinco membros permanentes do CSNU, mais a Alemanha –, o envolvimento do Brasil nos conflitos do Oriente Médio, sobretudo entre Israel e os palestinos, incluindo os vizinhos regionais, a frustrada, nunca concluída rodada de negociações comerciais multilaterais, que parecia prometer muito ao Brasil e seus aliados do G-20 comercial, mas que não conseguiu vencer as resistências dos protecionistas de todos os lados. As memórias são minuciosas, bem documentadas, embora o tom geral é obviamente de diplomacia pro domo sua, ou seja, provar a tese da excelência já antecipada.


(5) Danese, Sérgio:
       A escola da liderança: ensaios sobre a política externa e a inserção internacional do Brasil (Rio de Janeiro: Record, 2009, 278 p.; ISBN: 978-85-01-08595-5)

A obra é um manual de formação para diplomatas de alta qualidade, tanto no plano histórico – nela estão dois ensaios iniciais sobre a formação da diplomacia brasileira, seguida de um outro sobre a convergência histórica entre o Brasil e seus vizinhos da América do Sul –, quanto no terreno do conceito que dá sentido às suas reflexões sobre a liderança. Os capítulos centrais comportam, ademais de “algumas ideias sobre a liderança brasileira”, terreno sempre perigoso no contexto regional, nove ensaios sobre o aprendizado da liderança em política externa, com exemplos de estadistas famosos: Ted Roosevelt, Wilson, De Gaulle, Kennedy, entre outros. O livro termina com dois ensaios sobre a diplomacia presidencial – já objeto de uma tese diplomática que virou livro sob esse título – e com uma última reflexão sobre os paradigmas da diplomacia brasileira. Leitura indispensável aos jovens diplomatas.


(6) Lafer, Celso:
       Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação
       (Brasília: Funag, 2018, 2 vols., 1437 p.; 1º. vol., ISBN: 978-85-7631-787-6; 762 p.; 2o. vol., ISBN: 978-85-7631-788-3, 675 p.).

A obra em dois volumes reproduz meio século de ideias, reflexões, pesquisas, andanças e um exercício direto de responsabilidades à frente da diplomacia brasileira, em duas ocasiões, e, através dela, de algumas funções relevantes na diplomacia mundial, como a presidência do Conselho da OMC, assim como em outras instâncias da política global. Celso Lafer esteve à frente de decisões relevantes em alguns foros decisivos para as relações exteriores do Brasil, na integração regional, no comércio mundial, nos novos temas do multilateralismo contemporâneo. Ela representa um aporte fundamental para os estudiosos de diplomacia e de relações internacionais do Brasil, uma vez que reúne os relevantes escritos do mais importante intelectual desse campo, com a vantagem do autor ter tido a experiência prática de conduzir a diplomacia brasileira em momentos significativos da história recente.


(7) Almeida, Paulo Roberto de:
       Contra a corrente: Ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil (2014-2018) (Curitiba: Appris, 2019, 247 p.; ISBN: 978-85-473-2798-9)

Este livro reúne ensaios sobre diferentes temas da diplomacia brasileira escritos entre 2014 e 2018, divididos em duas partes: a primeira cobre o período final do regime lulopetista, sendo que 13º artigo desse primeiro bloco se dedica a  um “Epitáfio do lulopetismo diplomático”; a segunda parte se refere aos dois anos e meio do governo Temer, mas cobre também a campanha presidencial de 2018, e contém, por sinal, um capítulo sobre “Como retomar uma política externa profissional”, depois de algumas bizarrices do período lulopetista; um dos capítulos nessa parte trata do “poder do Itamaraty: o conhecimento como base”. Um apêndice traz um depoimento pessoal: “Auge e declínio do lulopetismo diplomático”, período no qual o autor não teve nenhum cargo na SERE. O título foi escolhido depois que o autor deixou a direção do IPRI, exercida de agosto de 2016 a março de 2019.


(8) Almeida, Paulo Roberto de:
       Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty
       (Boa Vista: Editora da UFRR, 2019, 165 p., ISBN: 978-85-8288-201-6: livro impresso; ISBN: 978-85-8288-202-3: livro eletrônico)

O livro não estava planejado, e sequer deveria existir, a não ser pelo fato de que ele foi composto inteiramente a partir das novas orientações da diplomacia brasileira, depois que seu autor foi exonerado do cargo de diretor do IPRI. Uma simples menção aos títulos dos capítulos permite desvendar o espírito com o qual o livro foi redigido, aliás rapidamente: Miséria da diplomacia, ou sistema de contradições filosóficas; O Ocidente e seus salvadores: um debate de ideias; O marxismo cultural: um útil espantalho?; A destruição da inteligência no Itamaraty: dialética da obscuridade; O globalismo e seus descontentes: notas de um contrarianista e A revolução cultural na diplomacia brasileira: um exercício demolidor. Ou seja, todo o livro pode ser considerado um longo comentário sobre a atual diplomacia, com a peculiaridade de que o arquivo em pdf está livremente disponível no site da Editora.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 junho 2019
Catalão, 4 novembro 2019

domingo, 3 de novembro de 2019

Contradições libertárias-bolsonaristas - Paulo Roberto de Almeida

Ontem eu tive uma aula sobre os paradoxos cognitivos de um país politicamente surrealista-dadaísta, situado a centro-leste da América do Sul. 
Alegados liberais, supostos libertários, conservadores autodidatas expressando seu contentamento com a personalidade mais autoritária, mais estatizante, mais ignorante e potencialmente uma das mais corruptas e criminosas de que se tem notícia na vida política dos últimos 500 anos nesse bizarro país.
Eis as notas que tomei depois do convescote, com direito a hurras e palmas de aprovação ao patético personagem e algumas vaias a quem buscava demonstrar a verdadeira face do nefando dirigente:



Participando de um encontro  em principio voltado para ideias de liberdade, congregando, portanto, liberais, libertários, anarco-capitalistas e até conservadores, descobri, supreso, que essa tribo variada compreende inclusive admiradores ferrenhos de Bolsonaro. Contradição total.

Sinceramente não compreendo, e estou chocado até agora, como pessoas que se acreditam liberais podem, ao mesmo tempo, aprovar e admirar um tipo tosco, vulgar, autoritário, ignorante e sobretudo estatista até os ossos como Bolsonaro. Ingênuos, confusos, contraditórios? Escolham...

Uma verdadeira contradição nos termos a pessoa se pretender liberal ou mesmo conservadora e ser ao mesmo tempo admiradora de um personagem tão medíocre, situado nas antípodas do que seja o liberalismo ou o conservadorismo, protetor de milícias criminosas. São os novos sem noção?

Descobri, também, que alguns que se pretendem liberais conseguem ser tão intolerantes — contra os socialdemocratas, por exemplo — quanto a extrema-direita o é contra marxistas, petistas, esquerdalha, etc. Chocante esse sectarismo fundamentalista, tudo isso em nome da liberdade?!?

Paulo Roberto de Almeida 
São Paulo, 3/11/2019

Roda Democrática: algumas reflexões

Para que foi criada a Roda Democrática?
Paulo Stuck Morais

Pelo que penso, para ser um contraponto na polarização estapafúrdia existente no país, criada desde o início do século, com o agressivo "nós contra eles". Pois é: essa polarização não foi criada pelo atual presidente. Ele apenas é consequência dela. E a Roda está entrando nela, nos últimos meses, face à gana de se contrapor a uma pretensa "extrema-direita" (estão valorizando demais as pretensões dos atuais ocupantes do poder no país e subvalorizando a capacidade de reação da população). A pecha de extrema-direita não cabe a NINGUÉM, no país hoje em dia: falta estofo intelectual para tal.

A Roda precisa se definir quanto ao posicionamento a seguir. Deveria se manifestar a favor de uma terceira via e não entrar nessa estúpida polarização, que está aprofundando o caos político nacional.

Vejo muitos rodistas ávidos pela polarização, uns acusando veementemente o atual governo (felizmente, nem sempre defendendo a volta dos que não querem ir), outros defendendo o atual estado de coisas.

Para haver contraponto, é necessário se distanciar desses dois extremos. Combater quando necessário, aplaudir quando devido. E não ser contrário, somente por o ser.

Deveríamos pesar as alternativas viáveis, selecionar a que mais se assemelhe aos pensamentos de uma terceira via, e investir nela, JÁ, para que não se chegue DIVIDIDOS em 2022, como se chegou em 2018, o que favoreceu à polarização esdrúxula a que chegamos naquela ocasião: NADA contra COISA NENHUMA.

E obtivemos o que obtivemos.

A Roda precisa de definição, JÁ.

Não se constrói a terceira via, com chances de vitória, nos últimos momentos.

Sem isso, corremos o risco, OUTRA VEZ, de termos NADA contra COISA NENHUMA, outra vez. E mais QUATRO anos patinando, com a DEMOCRACIA correndo sério risco, quer vença o NADA ou o COISA NENHUMA.

Noto agressividade latente entre vários integrantes, avessos que são a opiniões contrárias, como aconteceu durante as recentes eleições (e temos outra, DECISIVA, pela frente, no próximo ano).

Há muitas acusações aos atuais membros do governo, como que a mostrar a outros integrantes a “besteira” que fizeram, em claro apoio aos perdedores da eleição passada.

Não houve tentativa clara e efetiva de apoio a uma terceira força, o que levou à fragmentação que causou a acachapante derrota.

A Roda precisa dizer a que veio. Precisamos ver quem são os verdadeiros democratas. Se se mantiver em polarização, é melhor ser extinta, pois não estará contribuindo para a melhoria do país, apesar do sem-número de intelectuais que a compõe (nesse sem-número não me incluo, posto não estar capacitado para tanto).

Com a palavra os intelectuais da Roda Democrática.

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Meus comentários (PRA):

De acordo com os argumentos aqui expressos. Acredito que um dos possíveis elementos divisores dos anti-bolsonaristas, que todos somos - pelo faro desse indivíduo encarnar tudo o que rejeitamos em matéria de “inteligência” e de cultura - se deva a certa confusão entre princípios estratégicos e prioridades táticas na luta contra o iliberalismo obscurantista dosbolsonaristas. Alguns  acham bons os exercícios tentativos de liberalização econômica da equipe econômica, outros acham prioritário atacar a ignorância fanática e totalitária da tropa no poder. Temos de nos colocar de acordo sobre isso, do contrário ficaremos tão confusos e divididos quanto os integrantes do NOVO e vários do LIVRES.

Among the defiants: George Soros - The Guardian

Soros foi eleito o inimigo principal desse bando de supremos idiotas que se consideram antiglobalistas, numa demonstração perfeita de como a intolerância fanática pode se unir à ignorância mais tacanha e às teorias conspiratórias mais obscuras para promover causas anacrônicas e reacionárias, como ocorre justamente em países como os EUA de Trump, a Hungria de Viktor Orban e o Brasil de Bolsonaro.
Todos eles são narcisistas, autoritários e profundamente ignorantes, o que acredito ser perfeitamente o caso de Trump e de Bolsonaro, ambos beirando o limite da mais crassa estupidez, com o mais violento e desesperado narcisismo autoritário.
Não por acaso, personalidades problemáticas, angustiadas e talvez desequilibradas como o chanceler acidental do Brasil tenham eleito esses líderes autoritários e arrogantes como os seus modelos de personalidades políticas a serem cultivadas, numa infeliz aliança do reacionarismo mais tacanho com as causas mais anti-iluministas que possam existir.
Num certo sentido, todos eles nos arrastam de volta aos tempos sombrios dos anos 1930, quando intolerância fanática, antissemitismo e totalitarismo caminhavam juntos.
Cabe, então, acionar o modo resistência, que foi a atitude mais frequente em minha vida, primeiro sob a ditadura militar do Brasil, quando passei sete anos num autoexílio europeu, depois sob o regime sectário do lulopetismo, quando fiquei 13,5 anos sem cargos na Secretaria de Estado das Relações Exteriores, agora, de volta ao limbo da Biblioteca do Itamaraty sob o execrável mandato do olavo-bolsonarismo.
Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 3/11/2019

https://t.co/fIw5Dfqrcp?amp=1

Perguntas em palestra na Liberty Conference - Paulo Roberto de Almeida


Perguntas em palestra na Liberty Conference


Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: responder a questões; finalidade: atender demandas da audiência]


Tendo sido convidado, pelo grupo liberal Students for Liberty, para fazer uma palestra sobre um tema escolhido por eles, que acolhi sem contestação, compareci, no último sábado 2 de novembro, ao local da conferência, onde deveria abrir um dos painéis. O tema era este: “Um diplomata liberal em face dos extremismos políticos”. Comecei por dizer que antes de ser liberal, e antes de ser diplomata, eu era um marxista, a coisa mais normal do mundo no ambiente de Guerra Fria e de estudos universitários no Brasil de meados dos anos 1960; depois fui evoluindo, com estudos, viagens, experiências, leituras, reflexões.
Numa breve introdução, para deixar mais tempo aos debates e perguntas e respostas, discorri, em primeiro lugar, sobre a distinção que caberia fazer entre políticas públicas, no plano interno, e posições diplomáticas do país no contexto internacional. O que vale no ambiente doméstico não necessariamente vale no plano da política externa. As posturas assumidas nesse âmbito devem ser avaliadas em sua dimensão própria, em função do interesse nacional, não porque sejam de direita ou de esquerda. Exemplifiquei com o caso da China, um país perfeitamente autocrático no plano interno, ainda que não mais totalitário como no passado, mas que não pretende impor a nenhum outro país seu modelo político, não pretende exportar autocracia, e cuja administração apenas pretende elevar o nível de bem-estar de seu povo, mediante comércio, investimentos, interações as mais diversas, enfim, ações perfeitamente compatíveis com o sistema multilateral de comércio, ainda que a China faça um uso malicioso de suas regras.
Como expliquei em seguida, apenas porque o tema sugerido da palestra prendia-se à minha condição pessoal, que eu era um antigo observador das posturas em política externa de todos os partidos políticos, e que desde muito antes da ascensão ao poder do PT eu já havia identificado perfeitamente as características específicas desse partido na configuração doutrinal dos partidos brasileiros: um típico partido esquerdista latino-americano, com todas as deformações que poderíamos esperar dessa tomada de posição: um terceiro-mundismo anacrônico, um anti-imperialismo infantil, um antiamericanismo démodé, receitas ultrapassadas em matéria de política econômica, enfim, o que se poderia esperar de um partido de esquerda congelado no tempo. Minha oposição à política externa do PT, e às suas políticas públicas em geral, que me valeram um longo período de ostracismo no Itamaraty, não derivaram em nada do fato de ser o PT um partido de esquerda, e sim o fato de que ele era inepto no plano administrativo e tremendamente corrupto, em contradição com sua mentirosa mensagem de campanha, na qual prometia “ética na política”.
Justamente, no plano externo, as opções do governo do PT no sentido de adotar o terceiro-mundismo anacrônico, o anti-imperialismo infantil, suas alianças ideológicas com países supostamente anti-hegemônicos e antiocidentais me pareciam ridículas e totalmente inconsistentes com os interesses nacionais do Brasil. Assim, em lugar de assumir a direção do programa de mestrado do Instituto Rio Branco, fiquei sem qualquer designação na Secretaria de Estado durante todo o longo período dos governos do PT, passando a maior parte do tempo na Biblioteca do Itamaraty. Numa fase inicial, até trabalhei para o governo, no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, embora nunca tivesse abandonado meu espírito crítico à muitas das propostas de políticas formuladas pelo PT e seus funcionários. Nunca hesitei em expressar minha opinião, dentro e fora do governo, dentro e fora do Itamaraty.’
Meu percurso do marxismo juvenil a um liberalismo bem temperado, no campo doutrinal, acompanhou a evolução de meus estudos, leituras e reflexões; no terreno da prática, fui observando todos os experimentos de políticas públicas, em todos os países que visitei ou nos quais vivi, sem qualquer catalogação primária do tipo esquerda-direita, apenas com a preocupação principal na eficácia do combate à pobreza. Deixei o registro dessa evolução em alguns textos que ainda se encontram disponíveis em meu blog Diplomatizzando, em especial nos textos “Sete Pecados da Esquerda” e “Contra a Anti-Globalização”, que resumem um pouco dessa experiência adquirida em viagens e estudos, com muita reflexão sobre as políticas mais eficazes, independentemente de sua coloração ideológica ou caráter mais privatista ou mercadista, ou estatal-dirigista.
Com isso encerrei a exposição inicial e dediquei-me a responder às primeiras perguntas, que tocaram nos temas mais esperados: antiglobalismo – que não hesitei em classificar como uma idiotice completa –, os desafios do Mercosul na sequência da derrota de Macri – que eu disse não ter muita relação com o futuro do bloco, e sim a inadimplência constante dos dois membros principais em cumprir os termos do Tratado de Assunção –, a questão da China – sempre presente em 100% das palestras e seminários que ocorrem desde vários anos – algumas questões que demandei que chegassem por escrito já antecipando que não teríamos tempo para responder a todas elas no tempo alocado para a palestra. De fato, recebe uma dúzia ou mais de questões que vou transcrever neste textos, sem que eu possa assegurar, neste momento, que terei tempo de responder a todas elas no tempo exíguo que me resta depois de uma extenuante jornada de palestras, conferências, encontros e conversas com algumas dezenas de colegas, amigos, estudantes, novos e velhos conhecidos de eventos similares a este a que assisti ou de que participei nos anos recentes. Tínhamos de interromper o nosso evento, uma vez que a mesma sala sediaria um outro encontro, e eu mesmo tinha de participar de um painel sobre o “Brasil no mundo”, mediado pelo professor de Relações Internacionais da USP, Leandro Piquet, com a participação da economista Sandra Polónio Rios e o deputado (e diplomata) Marcelo Calero.
Eu tinha tomado algumas notas preliminares para esse evento em forma de painel, como sempre faço, ainda que nunca leio o que escrevi, num hábito que apenas serve para organizar as ideias e deixar registro, justamente, desse tipo de evento, para o benefício daqueles que não podem estar presentes. As notas que fiz, imediatamente postadas em meu blog Diplomatizzando na madrugada anterior, receberam este registro:
3529. “Debate sobre o Brasil no mundo: questões de política externa”, São Paulo, 2 de novembro de 2019, 5 p. Notas para debate em conferência Liberty, São Paulo. Postado no Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/11/debate-sobre-o-brasil-no-mundo-politica.html).
Procedo agora à transcrição das perguntas manuscritas enviadas à mesa, retendo para mim eventuais endereços de correio eletrônico para envio posterior de minhas respostas, o que também vou fazer de forma genérica, postando minhas respostas e comentários adicionais no meu blog, para que todos possam acessar de forma independente.

1) Por que o discurso de Bolsonaro é tão atrativo?
2) Como e quando surgiu a atuação/pensamento Sul-Sul no Brasil e qual seria a inclinação diplomática no atual período?
3) O Brasil, como membro “extra-Otan”, faria o país ter algumas obrigações com a organização, como fazer parte de coalizões em guerra?
4) O Sr. acha que com uma possível abertura do mercado externo brasileiro irá (?) desgastar as ideias e sandices ditas por pessoas como o Felipe G. Martins, Ernesto Araújo, etc.?
5) Gostaria de saber se o Sr. vê o mundo político-discursivo em cinco ou dez anos como moderado; se o Sr. enxerga uma superação dos discursos e das políticas extremistas (principalmente na extrema-direita) que vemos no mundo de hoje.
6) Estou ajudando Relações Internacionais em uma faculdade de ideias majoritariamente coletivistas. Qual a sua perspectiva para a entrada de estudantes de RI, que defendem a liberdade na diplomacia do futuro?
7) Em minha universidade, os docentes têm uma visão desenvolvimentista nacionalista, inclusive muitos denominam-se anti-imperialistas. Segundo ele, o Brasil ser um país agroexportador é um erro, portanto devemos incentivar a nossa indústria, como no passado. É realmente necessário forçar nossa industrialização? Temos alguma vantagem diplomática graças à agroexportação?
8) Numa recente entrevista, Celso Amorim falou que não há nada errado com o empréstimo do BNDES dos governos petistas; queria que você comentasse sobre isso e se pudesse sobre a questão dos calotes.
9) O Sr. acha realmente necessária a “tortura” (?) de acordos bilaterais com outros países para estabelecer comércio? Se eu fosse o presidente, eu simplesmente abriria as portas do Brasil. Teria algum efeito negativo?
10) Conforme seu [meu] livro, como a inteligência da diplomacia brasileira se tornou miserável? E como isso pode ser revertido?

Todas perguntas altamente interessantes, como se vê, para cujas respostas eu vou pedir a leniência dos seus autores para responder nos próximos dias, dado o adiantado da hora nesta madrugada do domingo 3 de novembro e uma longa viagem de volta a Brasília, contando ainda com aula, banca de mestrado e outras obrigações acadêmicas e profissionais a partir desta segunda-feira 4/11/2019. Voltarei às questões tão pronto possível.
Grato pelo prestígio, pelo interesse, e pelas questões interessantes, que me permitirão aprofundar um pouco mais esses temas de interesse geral.
Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 2-3 novembro 2019.
Brasília, ??/11/2019