O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 12 de julho de 2020

O governo sobreviverá até 2022? - Paulo Roberto de Almeida

O governo sobreviverá até 2022?

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: debate público; finalidade: opinião pessoal; especulação]


A data formal é essa, dezembro de 2022, se nada ocorrer até lá. Qualquer pessoa sensata, independentemente de ser de direita, de centro, de esquerda, ou de qualquer outra visão de mundo, sabe que este é, de longe, o pior governo que o Brasil já teve, desde sempre, e isto pela extrema má qualidade do presidente e pela inépcia demencial de seus assessores mais chegados, ou seja, a própria família e um círculo muito restrito de auxiliares.
O rol de crimes, diretos e indiretos, já perpetrados— antes, durante a campanha eleitoral e continuados desde a posse — pelo chefe do executivo e assessores mais chegados já assegurariam um processo (ou vários) por crimes de responsabilidade ou simplesmente um impeachment.
Qualquer pessoa sensata, e bem informada, sabe disso e seria capaz de concordar com isso. Qualquer pessoa honesta, e que se guia pela CF-1988, consente com esse entendimento, e até essa necessidade: REMOVER O INEPTO DO PODER, pois ele está desgraçando o Brasil, interna e externamente, social e politicamente, econômica e institucionalmente, no plano da autoestima e da psicologia nacional, com um país dividido como nunca esteve antes em sua história.
A continuidade do PIOR governo de todos os tempos só representaria o agravamento e o aprofundamento de todas as mazelas observadas até aqui, e a continuidade, na impunidade, de todos os crimes já cometidos até aqui. Uma situação, portanto, INACEITÁVEL para qualquer pessoa digna que deseja o bem do país internamente e o um crédito positivo no plano externo.
Esse governo só pode acabar antes do seu termo constitucional  por uma destas três hipóteses: impeachment, renúncia ou ser o seu titular “renunciado”, cabendo na primeira hipótese uma improvável cassação da eleição no TSE por crimes eleitorais. Esta última e a renúncia por vontade própria, ainda que no quadro de uma grave crise política, considero sem possibilidades.
Sobram o impeachment e a pressão para renunciar, esta por parte da única força política capaz de fazê-lo: as FFAA, com eventual apoio do STF, sob ameaça de um processo por crimes diversos ou um impeachment quase certo, o que seria uma forma de poupar a paralisia do país por seis meses ou mais.
Acredito que nenhuma destas hipóteses tem chances de se concretizar, no atual cenário político e isso essencialmente por falta de vontade ou de coragem dos principais protagonistas.
Quem ou quais seriam esses protagonistas? Pela ordem: parlamentares,   ministros do STF e militares (mais exatamente as FFAA, aqui entendidas como sendo o ministro da Defesa, os três comandantes singulares e os principais comandantes das unidades mais relevantes do sistema).
São esses, e apenas esses, os personagens capazes de atuar, conjuntamente ou de forma relativamente convergente para por fim a uma chefia de governo inepta, desgraçada e criminosa.
Mas eles não o farão, por falta de vontade e de coragem, como já dito. Eles não estão levando em consideração o estado miserável em se encontra o governo e o país, não parecem estar preocupados com os retrocessos já verificados no plano interno e na total condição de pária internacional a que o Brasil foi levado no plano externo, e não se importam com a divisão do país e com a vergonha que o chefe do Executivo representa para a dignidade do cargo que ocupa. Tampouco se sensibilizam com a condição objetiva de genocida que o mesmo indivíduo exibe, seja ao se opor, sistematicamente, à adoção das medidas cabíveis no caso da pandemia, seja pelo mau exemplo, o que levou provavelmente à morte centenas, talvez milhares, de brasileiros, sacrificados estupidamente pela prática registrada e reiterada de não uso de máscara e não afastamento e isolamento social ou pela indução ao uso não controlado de supostos remédios-milagre para tratamento.
Nenhuma das três categorias se comove com o drama nacional e com a tragédia humana que representa a continuidade da execrável figura na chefia do Executivo.
Na ausência de novos fatores objetivos que obrigariam a uma outra tomada de posição — mas creio que mesmo nessa eventualidade — essas três categorias-chave não se moveriam, e também por outras razões que me abstenho de mencionar.
O mais provável, portanto, é a continuidade do horror administrativo, da descoordenação completa no nível da governança, da deterioração das instituições, da não punição dos crimes já cometidos — no exercício da função — e da vergonha total no contexto internacional até o final de 2022.
Será uma longa agonia, a mais longa agonia de decadência e de descalabro de um governo, uma possível anomia agravada do tecido social nacional, uma desesperança psicológica a afetar crescentemente quadros da classe média produtiva, um cenário de terra arrasada, justo quando o país, a nação, a sociedade e o Estado se preparam (ou pelo menos deveriam se preparar, o que ainda não começou) para os primeiros dois séculos de existência dessas entidades em suas respectivas formas autônomas.
Confesso meu pessimismo com a situação atual e em relação ao tempo que resta para o término desse horror político, dessa vergonha nacional, desse descrédito internacional. Nem por isso mudarei de atitude e de comportamento: de oposição clara e manifesta ao governo como um todo e de resistência intelectual à indignidade representada pelos seus personagens mais execráveis.
Falo como cidadão apenas, mas nunca tive qualquer restrição, enquanto servidor de Estado, a manifestar minha opinião contrária ao governo de ocasião. Não sou de esconder meus sentimentos, minha postura, minha consciência em face da ignomínia, venha de onde vier.
Por isso assino embaixo do que escrevo e ratifico o que penso.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de julho de 2020

Wilhelm von Humboldt: um liberal criador da moderna universidade alemã

Reflexões sobre um grande liberal esquecido
Em artigo publicado pelo Instituto Independiente, o professor Alberto Benegas Lynch celebra Wilhelm von Humboldt, fundador da Universidade de Berlim, amigo de Goethe e Schiller, um raro liberal alemão hoje esquecido:


El transcurso del tiempo hace lo suyo con algunos más que con otros y en el caso que nos ocupa tal vez ha contribuido a opacarlo a Wilhelm von Humboldt -pues de él se trata- su hermano menor, el célebre naturalista Alexander. Pero cualquiera sea la circunstancia, no solo es injusto ignorar personajes que han llevado a cabo notables contribuciones sino que perjudica y hiere a las generaciones que le siguen ya que en todos los casos los conocimientos se edifican “sobre los hombros de gigantes” que nos precedieron, y el crecimiento se amputa si se desconocen trabajos anteriores, lo cual evidentemente perjudica y consume tiempo innecesario para repasar temas ya explorados por otros.

John Stuart Mill abre su conocida obra sobre la libertad con un acápite de Wilhelm von Humbolt, cita tomada de su libro más difundido titulado Los límites de la acción estatal (traducida al inglés por Cambridge Universtity Press, en 1969, con el título The Limits of State Action, en un principio titulada Sphere and Duties of Government, aun no traducida al castellano) que escribió cuando tenía veinticuatro años, en 1791, referencia que alude a la importancia de la diversidad humana, un trabajo publicado posteriormente debido a la censura del gobierno prusiano. Este personaje era amigo de Friedrich Schiller -además de Goethe y Madam de Staël-, el autor de lo que originalmente denominó “Oda a la libertad” (An Die Freiheit) también censurada por aquél gobierno lo cual lo obligó a transformar en “Oda a la alegría” (An Die Freude) que usó Beethoven en el cuarto movimiento de la Novena Sinfonía que luego de derrumbado el Muro de la Vergüenza reivindicó con la letra original en la parte coral Leonard Bernstein, con su orquesta a ambos lados de la Puerta de Brandeburgo.

Por supuesto que cuando decimos que este personaje está básicamente olvidado no me refiero al mundo académico que lo tiene bien presente, aludo a un público más amplio que recuerda los nombres de Spencer, Tocqueville y el antes mencionado Mill pero en general deja de lado la figura de von Humboldt.

Es de gran interés reproducir algunos de los pensamientos de este autor tomados del libro mencionado para luego formular algunas consideraciones sobre la trascendencia de preservar la individualidad en el contexto de los aparatos estatales de nuestra época.

En verdad pocas citas resultan suficientes para develar el eje central de la obra. Declara de entrada en las primeras líneas que “descubrir cuál es el motivo de las instituciones estatales y qué límites deben establecerse a su actividad es el objetivo de las páginas que siguen”. Al abrir el segundo capítulo manifiesta: “El verdadero fin del hombre, lo cual prescriben los eternos e inmutables dictados de la razón y no sugeridos por deseos vagos y transitorios, es el más alto y armonioso desarrollo de sus facultades como un ser completo y consistente. La libertad es la condición primera e indispensable que presupone ese desarrollo”. Y ese capítulo finaliza con la siguiente conclusión: “La razón no puede apuntar a ninguna otra condición que la que cada individuo no solo goce de la libertad más absoluta de su desarrollo y energías sino que no debe ser interferido por ninguna agencia humana”.

Finalmente, en el tercer capítulo precisa que: “Toda intromisión estatal en los asuntos privados debe condenarse allí donde no hay inmediata violencia a los derechos individuales […] me refiero a todas las manifestaciones estatales que declaran la elevación del bienestar de la población, de cualquier solicitud en esta dirección referentes a la subsistencia de los habitantes ya sea directamente a través de las leyes de pobreza o indirectamente en el subsidio a la agricultura, industria o comercio y todas las regulaciones relativas a las finanzas o el dinero, importaciones y exportaciones […] mantengo que todas esas instituciones se traducen en efectos dañinos y son irreconciliables con un verdadero sistema político”.

Cabe señalar que von Humbolt incursionó varias veces en la política a la que consideraba geistlos, es decir, como algo más bien chato y falto de imaginación, tal como consigna el editor en su introducción a la mencionada edición de la Universidad de Cambridge, al igual que Ortega, quien escribió: “La política se apoderó de mi y he tenido que dedicar más de dos años de mi vida al analfabetismo (la política es analfabetismo)”. En realidad, en esta etapa del proceso de evolución cultural, el monopolio de la fuerza que denominamos Gobierno se hace necesario para proteger derechos, pero en el proceso electoral los políticos son cazadores de votos que deben responder a lo que la opinión pública demanda lo cual, a su turno depende del plano en el que se desarrolla la batalla cultural, es decir el debate de ideas de fondo que en definitiva marca las agendas y configura el discurso de los políticos.

Por todo esto es que resultan de tanta trascendencia pensadores de la talla de von Humboldt y por ello es que reviste tanta importancia el debate de ideas y la actualización de las potencialidades del individuo. Antes he escrito sobre el tema que sigue, pero se torna imperioso insistir en la materia al efecto de apuntar el valor de la individualidad tan bastardeado en nuestro tiempo a favor de la colectivización y, por tanto, a la ruina de todos pero muy especialmente de los más necesitados que se perjudican grandemente por el desgaste y el consumo de capital humano y material que redunda en la destrucción de las bases morales de la cooperación social y en la reducción de salarios e ingresos en términos reales.

Lo extraordinario del ser humano es que cada uno es único e irrepetible en el cosmos aún teniendo en cuenta los pastosos experimentos con la clonación, ya que el aspecto central del hombre no son sus kilos de protoplasma sino su psique, que no es susceptible de clonarse puesto que excede lo puramente físico.

Entonces, aquellas condiciones únicas, aquellos talentos, vocaciones y potencialidades que son característica exclusiva de cada uno, deben desarrollarse para ser esa persona especial que cada uno es en la historia de la humanidad. En la medida en que el hombre renuncia al cultivo de sus condiciones particulares en dirección a la excelencia para asimilarse a lo que piensan, dicen y hacen otros, está, de hecho abdicando de su condición natural para convertirse en una impostura humana. El hombre masificado es, en definitiva, un aglomerado sin perfil propio, es un conjunto amorfo e indistinguible del grupo.

No puede escribirse sobre este tema sin recordar al antes mencionado Ortega, a Gustave LeBon y, con anterioridad a ellos, a los horrores de la masificación señalados por Jerome K. Jerome (The New Utopia de 1891), Yevzeny Zamyatin (We de 1921). También cabe recordar las obras de Orwell (1984), Alduous Huxley (Nueva visita a un mundo feliz), David Reisman (The Lonely Crowd), C.S. Lewis (La abolición del hombre) y, mas contemporáneamente, el trabajo de Taylor Caldwell (The Devil´s Advocate, el mismo título que posteriormente usó Morris West para su obra). Todos ellos desde ángulos distintos y explorando diversas avenidas, ponen de manifiesto preocupaciones múltiples de lo que ocurre cuando el hombre se deja deglutir por lo colectivo.

Esta renuncia a ser propiamente humano, esta falsificación de nuestra naturaleza, esta grosera adulteración de la única especie conocida que posee el atributo de ser libre, conduce por lo menos a tres efectos que colocan al hombre en el subsuelo mas sórdido y lastimoso que pueda concebirse. En primer lugar, se pierde a sí mismo y, por ende, no saca partida de sus potencialidades en busca del bien y, de este modo, amputa sus posibilidades de crecimiento y realización personal. En segundo término, priva a sus semejantes de disfrutar de aportes y contribuciones que reducen el espacio para la cooperación social recíproca. Y, por último, al fundirse en el conjunto, estos sujetos se embarcan en andariveles que conducen a la búsqueda del común denominador: a lo más bajo y embrutecedor, a las frases hechas, al acecho de enemigos, a la envidia y el resentimiento para con lo mejor, a la ausencia de razonamientos, a los cánticos agresivos, en suma, a la barbarie que siempre capitalizan los megalómanos sedientos de poder, todo lo cual, de más está decir, constituye un peligro manifiesto para la privacidad de quienes conservan un sentido de autorespeto y dignidad.

En La psicología de las multitudes, LeBon escribe que “en las muchedumbres lo que se acumula no es el talento sino la estupidez” y que el contagio masivo en la multitud hace que “el sentimiento de la responsabilidad que siempre retiene al hombre, desaparece enteramente”. Cuando lo mencionamos esta segunda vez a Ortega, naturalmente teníamos en mente La rebelión de las masas, pero, a nuestro juicio, los mejores escritos de este filósofo en esta materia se encuentran recopilados en El hombre y la gente. Allí dice: “Cuando los hombres no tienen nada claro que decir sobre una cosa, en vez de callarse suelen hacer lo contrario: dicen en superlativo, esto es gritan [...] ¿quién es la gente? ¡Ah! la gente es...todos. Pero ¿quién es todos? ¡Ah! nadie determinado. La gente es nadie [...] Hoy se diviniza lo colectivo. Desde hace ciento cincuenta años se han cometido no pocas ligerezas en trono a esta cuestión; se juega frívolamente, confusamente, con las ideas de lo colectivo, lo social, el espíritu nacional, la clase, la raza. Pero en el juego las cañas se han ido volviendo lanzas. Tal vez, la mayor porción de las angustias que hoy pasa la humanidad provienen de él [...] la sociedad tiende cada vez más a aplastar al individuo, y el día que pase esto habrá matado la gallina de los huevos de oro”.

Desde la más tierna infancia, muchas son las personas que reciben un insistente adoctrinamiento estatal para huir de la idea de ser distinto y se inculca hasta el tuétano la necesidad de parecerse al otro. Se crea así un complejo que aleja las posibilidades de sobresalir y se crea un acostumbramiento a mantenerse a toda costa en la media. Jacques Rueff apuntaba que resulta paradójico que en el mundo subatómico se necesita del microscopio para detectar diferencias mientras que en los hombres éstas se perciben a simple vista y, sin embargo, se los suele tratar como seres indiferenciados.

En gran medida nos encontramos con que hay una obsesión por aparecer “ajustado” a las conductas y pensamientos de los demás, por tanto, como queda dicho, a convertirse en un hombre impostado que, a fuerza de imposturas, se transforma en los demás. Esa es la raíz de las crisis existenciales: la pérdida de identidad. Es el nuevo latiguillo que se usa en muchos colegios cuando se les dice a los padres que “su hijo está desajustado”. John Dos Passos -uno de los novelistas estadounidenses mas destacados del siglo XX- sugiere que se “consulte hoy a cualquier sociólogo sobre el significado de la felicidad en el contexto social y seguramente responderá que significa ser ajustado”. La felicidad ya no sería la plena realización y actualización de las propias potencialidades en busca del bien, sino la uniformidad con los otros y en dejarse arrastrar y devorar por el grupo en caída libre a un bulto inidentificable, antihumano y degradado. El hombre así se convierte en una caricatura grotesca, como decimos, en una lamentable impostura.

Es en este contexto que resulta sumamente aleccionador repasar autores como Wilhelm von Humboldt, puesto que no podemos darnos el lujo de despreciar tamañas observaciones y advertencias como las formuladas por ese autor. Celebro que en la provincia de Mendoza -el terruño de mis ancestros- ahora un grupo de jóvenes, algunos de los cuales han sido mis alumnos, han establecido la Fundación Wilhelm von Humboldt. Es de desear que mantengan la vara a la altura de la que marcó este personaje tan noble y enriquecedor, especialmente en momentos en que los aparatos estatales en lugar de cumplir con sus misiones específicas de protección de derechos los conculcan.

sábado, 11 de julho de 2020

Merquior e o Legado Liberal - Marcos Vasconcelos Filho (OESP)

Obra reeditada de José Guilherme Merquior evidencia seu legado como intelectual brasileiro


»O Argumento Liberal« não é só uma prova da erudição do ensaísta, morto em 1991, mas uma defesa da liberdade

Marcos Vasconcelos Filho*, 
Especial para o Estado, 12/07/2020

Concorde-se ou não com seu ideário, José Guilherme Merquior (1941-1991) encarnou uma espécie rara para os trópicos: o neoiluminista. É o nosso Steven Pinker em sociopolítica. Tragado da existência aos 49 anos por um câncer, foi dono de uma formação das mais completas: em direito, filosofia, letras e sociologia. Diplomata de carreira, cultivou o ensaísmo como sua grande paixão e teve tempo também de editar 22 livros, inclusive »Poesia do Brasil« (1963), uma antologia publicada com o poeta Manuel Bandeira (1886-1968), da qual Merquior se orgulhava e a releu emocionadamente até o último suspiro de vida.

A editora É Realizações, detentora de seu acervo pessoal, acaba de reeditar, enriquecido de posfácios e documentos inéditos, o nono título de uma coleção: »O Argumento Liberal«. É um livro que podemos qualificar de transitório, sem ocasionar uma ruptura com a análise estética tão do gosto do crítico literário. Constitui uma tetralogia, junto de »As Idéias e as Formas« (1981), »A Natureza do Processo« (1982) e »O Elixir do Apocalipse« (1983). A fim de lançar os princípios do programa liberal-social, cujas linhas de contorno se amarrariam com »Liberalism: Old and New« (1991) – testamento intelectual merquioriano –, o volume destoa um pouco dos anteriores. Cumpre a recusa de jargões e chavões e traz novo tom a sua dicção: uma vontade engajada de dialogar com um público mais amplo.

»O Argumento Liberal«, sob a promessa de se preservar de dogmatismos partidários e esquematismos doutrinários, compõe-se de quatro seções. Essas vão de perspectivas gerais, de teor filosófico-político, a quadros nacionais e latino-americanos. Os seus 28 textos (mais da metade deles, aliás, estampados no »Estadão«) mantêm o prazer pelo recurso muitas vezes efêmero da crônica como ferramenta analítica. Ocasião, rememoração ou recensão, as matérias, curtas em sua maioria, se revelam heterogêneas, contudo não desencontradas, em que pese, logo à primeira parte do livro, a cansativa tarefa de encarar a sofisticação do longo capítulo em torno da dialética, num alerta para o seu uso ideológico em sacrifício de seu potencial heurístico.

Vico (1668-1744), Kant (1724-1804), Hegel (1770-1831), Don Pepe (1856-1929), Polanyi (1886-1964), Sraffa (1898-1983), Miguel Reale (1910-2006), Macpherson (1911-1987), Louis Dumont (1911-1998), North (1920-2015), Rawls (1921-2002), Castoriadis (1922-1997), Semprún (1922-2011), Colletti (1924-2001), Lefort (1924-2010), Ernest Gellner (1925-1995) – supervisor de Merquior na London School of Economics –, Kołakowski (1927-2009), Habermas (1929-), Robert Thomas (1938-), R. Debray (1940-), os nossos Rondon (1865-1958), Gilberto Freyre (1900-1987), Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), Bornheim (1929-2002), Schwartzman (1939-) e Roberto Romano (1946-) — eis alguns dos muitos nomes, uns desconhecidos, com que, quase zonzo, o leitor topará.

Na aguda visão de Merquior, uma das bandeiras do social-liberalismo deveria ser a defesa do progresso civilizatório enquanto processo histórico em construção, aberto a possibilidades; portanto, oposto a leis, determinismos, utopias, predições futurológicas, evoluções cíclicas, pessimismos e escapismos nostálgicos.

Outra divisa é a insistente crença na objetividade (não na neutralidade) do conhecimento para se explicar os fenômenos sociais a partir de testificação rigorosa; todavia, sem exclusão dos seus efeitos factuais imprevistos e contingentes (aí está a Covid-19).

De igual maneira, o constitucionalismo nortearia a luta por justiça, com a permanente vigilância das licenciosas leituras de certas e abusivas hermenêuticas em jurisprudência – um dos sintomas do poroso pós-modernismo contracultural, época em que, dos indivíduos às instituições, desmonta-se o raciocínio lógico-formal em favor do voluntarismo irracionalista, com traumática violentação da realidade.

Além de outras reflexões em redor dos conceitos de poder, revolução, sociedade civil, social-democracia, propriedade, e da famosa insinuação de plágio cometido pela professora Marilena Chaui (1940-), quem consultar »O Argumento Liberal« não poderá desperceber o seu miolo, em que o autor teoriza as concepções de legitimidade. Essa categoria consiste na noção-base de aferência e de contemporaneidade de suas premissas. Só assim serão evitados desvirtuamentos de compreensão, pois se há uma constante na obra de Merquior é a inegociável batalha democrática em prol da liberdade; não somente fechada à sacralização neoliberal da economia de mercado e à demonização do Estado, mas voltada a todas as dimensões (psicológica, ética, histórica, política e cultural) para a autorrealização humana, neste país tão iníquo e subjugado pelo patrimonialismo, impossível de se dar ao luxo de abrir mão de qualquer dos nossos direitos sociais.

*Marcos Vasconcelos Filho é ensaísta, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), doutor em sociologia pela UFS e autor de »José Guilherme Merquior: da Estética à Política« (2020), entre outros livros

Minha ficha no SNI - Atividades subversivas em Brasilia, 1978 - Arquivo Nacional

Ao entrar no Itamaraty, no final de 1977, continuei fazendo aquilo que fiz nos 15 anos anteriores, ou seja, lutar contra a ditadura militar, numa série de atividades de resistência democrática.
A despeito de fazer tudo muito discretamente, os olhos e ouvidos dos serviços de informação estavam atentos para os "subversivos", como nós éramos chamados pelos "gorilas" (como nós os chamávamos).
Eis um ficha do SNI, muito mal feita e desinformada, hoje depositada no Arquivo Nacional: 

Transcrição do arquivo:


Tenho de agradecer aos eficientes esbirros da ditadura terem preservado o documento original, com o qual colaborei, do contrário eu não mais teria acesso ao seu conteúdo.
Minha colaboração se resume a apenas 6 páginas, da parte III, uma análise das diferentes estratégias da política externa brasileira desde 1960, até 1978, na qual eu, recém ingressado na diplomacia, revelava sobretudo minhas leituras acadêmicas e menos o conhecimento adquirido nos meses e anos seguintes sobre a natureza real da diplomacia brasileira, que mesmo na ditadura, conseguia preservar a essência dos interesses nacionais, muito distante dos chavões e clichês que eu colocava nessa análise rudimentar que eu fazia a partir de uma postura realmente esquerdista.
Transcrevo em primeiro lugar a ficha do informante, e depois apenas a primeira e a última página do conjunto de seis.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de julho de 2020

Transcrição de folhas selecionadas:











sexta-feira, 10 de julho de 2020

Capitalism, alone: a new book by Branko Milanovic

Capitalism, Alone: The Future of the System That Rules the World 


Hardcover – 24 September 2019


A provocative account of capitalism's rise to global dominance and, as different models of capitalism vie for world leadership, a look into what the future may hold. We are all capitalists now. For the first time in human history, the globe is dominated by one economic system. In Capitalism, Alone, leading economist Branko Milanovic explains the reasons for this decisive historical shift since the days of feudalism and, later, communism. Surveying the varieties of capitalism, he asks: What are the prospects for a fairer world now that capitalism is the only game in town? His conclusions are sobering, but not fatalistic. Capitalism gets much wrong, but also much right-and it is not going anywhere. Our task is to improve it. Milanovic argues that capitalism has triumphed because it works. It delivers prosperity and gratifies human desires for autonomy. But it comes with a moral price, pushing us to treat material success as the ultimate goal. And it offers no guarantee of stability. In the West, liberal capitalism creaks under the strains of inequality and capitalist excess. That model now fights for hearts and minds with political capitalism, exemplified by China, which many claim is more efficient, but which is more vulnerable to corruption and, when growth is slow, social unrest. As for the economic problems of the Global South, Milanovic offers a creative, if controversial, plan for large-scale migration. Looking to the future, he dismisses prophets who proclaim some single outcome to be inevitable, whether worldwide prosperity or robot-driven mass unemployment. Capitalism is a risky system. But it is a human system. Our choices, and how clearly we see them, will determine how it serves us.

Product details

  • Hardcover: 304 pages
  • Publisher: Harvard University Press (24 September 2019)
  • Language: English
  • ISBN-10: 0674987594
  • ISBN-13: 978-0674987593
  • Product Dimensions:: 15.5 x 2.5 x 23.6 cm
  • Shipping Weight: 567 g

Review: 
An ambitious and provocative examination of the present and the future of capitalism. It is a valuable, data-rich, and thoughtful addition to several recent books examining the challenges facing this economic system...Milanovic says that while capitalism cannot be replaced--at least in the foreseeable future--it can be improved.-- (03/01/2020) The conceptions of political and liberal meritocratic capitalism prove to be both novel and compelling...Milanovic's proposition is valuable as framework for understanding the future of political capitalism, within China and beyond.--Panthea Pourmalek"Journal of East Asian Studies" (03/01/2020) Milanovic's method is eclectic and empirical, informed by Marxist concepts but not limited to them.--Max B. Sawlicky"Jacobin" (01/16/2020) A gift to those of us grappling with economic and political inequality, as we seek ways to promote a fairer and more productive, sustainable society.--Tim Page"Trades Union Congress (TUC) blog" (10/25/2019) A scholar of inequality warns that while capitalism may have seen off rival economic systems, the survival of liberal democracies is anything but assured. The amoral pursuit of profit in more liberal capitalist societies has eroded the ethical norms that help sustain openness and democracy, he argues; now that tendency threatens to push such places in the direction of more authoritarian capitalist societies, such as China.-- (12/07/2019) An excellent new book on the past, present, and future of economic systems.--Umair Javed"Dawn" (12/02/2019) An extraordinarily valuable book for anyone who wants to gain an understanding of current topics in economic research and their bearing on policy debates.--Matt Mazewski"Commonweal" (12/05/2019) [The] first three chapters are brilliant, original and make for gripping reading...Relish the erudition and panache.--Duncan Green"From Poverty to Power" (11/15/2019) A data-rich, provocative account of where capitalism is today and where it may be headed.--Samuel Hammond"Quillette" (10/24/2019) Branko Milanovic, the master narrator of global equality, brings an entirely new perspective to the topic in this remarkably astute book. By tracing the deep and evolving ideological foundations of capitalism and communism and analyzing the rise of Asia and particularly China, he contributes thought-provoking insights on the critical role of institutions and ideology for the long-term prospects of global economies.--Debin Ma, London School of Economics and Political Science Leaves little doubt that the social contract no longer holds. Whether you live in Beijing or New York, the time for renegotiation is approaching.-- (10/09/2019) May turn out to be a seminal work on the fin de siecle de capitalisme...His conclusions and concepts, make extraordinary contributions to considerations of the state of capitalism.--Business Day (10/01/2019) Milanovic gives an impressive amount of space and effort in his book to provide a thorough analysis of the role of corruption in globalization...What I have always most valued about Branko Milanovic is his willingness to follow his intuition to open up new aspects of the political discussion. I may not agree with him on some issues, but I always come away greatly enriched by the experience.-- (09/23/2019) Milanovic outlines a taxonomy of capitalisms and traces their evolution from classical capitalism before 1914, through the social-democratic capitalism of the mid-20th century, to 'liberal meritocratic capitalism' in much of the rich world, in particular America. He contrasts this with the 'political capitalism' found in many emerging countries, with China as the exemplar. These two capitalistic forms now dominate the global landscape. Their co-evolution will shape world history for decades to come.-- (10/31/2019) Milanovic has written what may be his most ambitious book yet. Featuring his trademark clarity and erudition, Capitalism, Alone contains wide-ranging and thoughtful insights into the nature of capitalism as it is currently structured and considers how it will evolve in the coming century.--Arjun Jayadev, Azim Premji University Branko Milanovic, a master economic statistician, here divides modern capitalism broadly into two versions: the 'liberal' one found in the West, and the 'political' one that has emerged in China. In this searching and richly argued work he weighs the choices we face and discusses whether the future may lie with one version, alone.--James K. Galbraith, author of The End of Normal A remarkable book, possibly the author's most comprehensive opus so far...I highly recommend Capitalism, Alone to all readers and scholars interested in challenging their understanding of the (supposed) sole socio-economic system we live in.--Roberto Iacono"LSE Review of Books" (11/11/2019) A brilliant sequel to the pathbreaking Global Inequality. Drawing on original research and a typically wide sweep of history, Branko Milanovic poses all the important questions about our future.--Gordon Brown, former Prime Minister of the United Kingdom Capitalism, Alone is an excellent work that covers a broad swath of the history of modern capitalism.--Edward Wolff, author of A Century of Wealth in America When politicians, pundits, and academics speak of a growing competition, or even a New Cold War, between the United States and China, one thing that is not asked enough is what is being competed for. Likewise, when we speak of an 'American' or 'Western' model, in contrast to a 'Chinese' one, it is worth asking what or who exactly is being modeled, and to what end. One of the virtues of Branko Milanovic's new book, Capitalism, Alone, is that it addresses these questions head-on and with useful insights and results.-- (11/18/2019) Milanovic writes as a good teacher, telling us what is coming, sharing the content, and then reminding us what we just learned. He takes the reader on diverting side journeys into the history of communism, the implausibility of a universal basic income, and even a brief summary from first principles of the past development and possible trajectories of Western liberal capitalism. The effect can be both exhilarating and overwhelming...Capitalism, Alone is a book to scribble questions all over, and then read again.-- (01/07/2020) Few economists can compete with [Milanovic's] stunning erudition, or with his skill in weaving together seemingly disparate figures with complex philosophical ideas to produce a coherent thesis that feels highly relevant to our troubled times. Capitalism, Alone is one of the most ambitious economics books published this year, in terms of its breadth and scope, and definitely one of the most fascinating.-- (12/20/2019) Countries with larger tax cuts experienced bigger increases in inequality... [The consequences] are richly detailed in Capitalism, Alone... Builds on Milanovic's previous book, Global Inequality... Ideally the two should be read together... [Milanovic] belongs to a new generation of data-driven economists who have helped track what has happened to income distribution in recent years.--Liaquat Ahamed"New Yorker" (09/02/2019) Attempts to make sense of the new world order and what could come of it. For that, it deserves to be read...An interesting and important read about the state of capitalism today and the directions it may take in the future. Milanovic's history of focusing on economic data--rather than simplistic theory--and his healthy skepticism of meritocratic capitalism ensure that Capitalism, Alone will inform and provoke readers.-- (11/15/2019) Milanovic's greatest contributions in Capitalism, Alone come from his fresh approach to the history of different capitalist countries. His taxonomy of Western countries evolving from classical, social-democratic, and now liberal-meritocratic capitalism helps us put the current state of affairs into better context and think about the ways policy can and cannot improve the system...His analysis of the forces and magnitudes of different kinds of inequality give a more nuanced story than is often found in public discussions.-- (12/30/2019)


Plano Real: 26 anos; minha resenha de um dos bons livros, de Guilherme Fiuza - Paulo Roberto de Almeida

Em 2006, assim que saiu este excelente livro do jornalista Guilherme Fiuza, fiz uma resenha e organizei um lançamento em Brasília com a presença do autor. Uma de minhas primeira frases, na resenha abaixo, era esta: 

"Da maneira como está construído e redigido, o livro daria um bom filme, se planos de estabilização fornecessem roteiros interessantes para a sétima arte."

Por incrível que pareça, o Plano Real deu filme, muitos anos depois, e tive a chance de assistir, o que recomendo, se ainda estiver disponível nas bases de dados cinematográficas, pois é bem feito. Mas, claro, algumas concessões à dramatização são inevitáveis, e todo o filme traz muito ineditismo de um dos principais personagens do Real, Gustavo Franco. Mas vale a pena assistir.

1698. “O Bunker Voador: a aventura eletrizante do Plano Real”, Brasília, 10 dezembro 2006, 4 p. Resenha de Guilherme Fiuza: 3.000 dias no bunker: um plano na cabeça e um país na mão (Rio de Janeiro: Record, 2006, 331 p.; ISBN: 85-01-07342-3). Publicado no blog Book Reviews em 11.12.2006 (http://praresenhas.blogspot.com/2006/12/88-resenha-3000-dias-no-bunker-de.html). Republicado, com uma inserção publicitária sobre o debate de lançamento em Brasília (em 13/12/06, na Livraria Leitura, do Pátio Brasil Shopping), no blog NoMínimo (12/12/2006). Republicado no blog Diplomatizzando (25/05/2017; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/real-o-livro-de-guilherme-fiuza-antes.html).


Paulo Roberto de Almeida 


Guilherme Fiuza:
3.000 dias no bunker: um plano na cabeça e um país na mão
Rio de Janeiro: Record, 2006, 331 p.; ISBN: 85-01-07342-3

Como o antigo refrigerante Grapette ou o atual achocolatado Nescau, este livro tem sabor de aventura. Uma aventura que se prolonga no tempo e que ainda não acabou. Marcos Sá Corrêa, na orelha, resume a trajetória do Plano Real: “Começa num governo desmiolado e sem rumo, o do presidente Itamar Franco. E não acabou ainda em outro governo desmiolado e sem rumo, o do presidente Lula”. O mesmo jornalista também registra que se trata de um livro de repórter, com nenhuma fórmula e muita intriga: “Tem pouco mercado e muito ringue de luta livre. Nenhuma tabela e rasteira de ponta a ponta”. Da maneira como está construído e redigido, o livro daria um bom filme, se planos de estabilização fornecessem roteiros interessantes para a sétima arte.
De fato, a reportagem de Guilherme Fiuza se aproxima mais de um roman à clefs do que de uma história linear do Plano Real, ao estilo, por exemplo, da Real História do Real, de Maria Clara do Prado. O jovem jornalista carioca do NoMínimo retraça, em estilo cinematográfico, as diferentes etapas da concepção, implementação e defesa da nova moeda, sem fazer, em nenhum momento, história monetária. São incursões propriamente teatrais aos episódios mais relevantes de um processo que transcendeu, na verdade, a simples introdução de um novo meio circulante no Brasil, para expor, de maneira viva, toda a trajetória macroeconômica do Brasil nas últimas décadas. Trata-se de uma inside story, que se insere numa great history, cujo cenário principal é dado pelo próprio substantivo que fornece o título ao livro: um bunker.
O conceito militar de bunker é, obviamente, o de uma posição ou posto defensivo, não necessariamente fortificado, mas isolado ou protegido dos ataques inimigos pela sua estrutura de aço e concreto, geralmente escondido ou subterrâneo. Meu adjetivo “voador” se deve a que a capa do livro é a de uma planície desolada com o perfil de Brasília ao fundo e um avião solitário num imenso céu em tonalidade ocre. O bunker a que se refere Fiuza foi de fato voador, ou móvel, e é aplicado à pequena equipe de valorosos combatentes da estabilidade macroeconômica que tomou forma a partir da assunção de FHC como ministro da Fazenda, em maio de 1993. “Como era uma metáfora”, explica o autor, “o bunker podia ser em qualquer lugar. E durante um bom tempo a equipe de Fernando Henrique trabalhou de forma totalmente subterrânea...” (p. 44).
O grupo se decompôs ao longo do tempo, mas seu legado, inegavelmente positivo, está conosco ainda hoje, sob a forma de uma economia menos esquizofrênica do que aquela que conhecemos ao longo das últimas décadas do século passado. Os economistas Pedro Malan, Gustavo Franco, Winston Fritsch, Edmar Bacha, André Lara Resende e Persio Arida, mais o administrador Clovis Carvalho foram os integrantes mais intimamente ligados ao poder político do novo ministro da Fazenda. Eles conceberam, implementaram e defenderam o novo plano de estabilização contra os ataques de vários exércitos inimigos, geralmente políticos fisiológicos, economistas românticos, sindicalistas corporativistas (mas isso é uma redundância) e industriais protecionistas. 
Existem vários outros personagens, evidentemente, que interagiram a diversos títulos e em diferentes momentos com o bunker, dentre os quais poderiam ser citados: Sérgio Besserman Vianna, o “comunista” do BNDES convertido às virtudes de uma economia competitiva; Marcelo de Paiva Abreu, que entrou e saiu do governo Collor logo no primeiro dia, ao descobrir que o seu chefe de gabinete, já designado, era um homem de PC Farias; David Zylbersztajn, outro antigo comunista que aprendeu que o socialismo não funcionava e montou o esquema paulista das privatizações e o modelo federal das agências reguladoras; Murilo “Mãos de Tesoura” Portugal, o homem que fechou o caixa do Tesouro ao apetite voraz de gastadores contumazes; José Serra, que chegou, viu, mas não se convenceu, sobretudo pelo lado cambial; além de vários outros, economistas de passagem ou funcionários da burocracia permanente do Estado.
Ator central nessa trama, além de Pedro Malan – o mais longo ministro econômico da história do Brasil, com exceção de Souza Costa, que serviu à ditadura Vargas –, foi o jovem economista da PUC Gustavo Franco, sucessivamente Secretário Adjunto de Política Econômica, diretor de Assuntos Internacionais e presidente do BC. Estrategista econômico, articulador das principais medidas que estiveram na base do lançamento da URV, operador prático – e defensor corajoso – da nova moeda, Gustavo Franco representou, por assim dizer, a verdadeira alma do Plano Real, o que está refletido em seus muitos livros de ensaios e crônicas, desde O Plano Real e Outros Ensaios (1995), até o mais recente Crônicas da Convergência (2006), passando por O Desafio Brasileiro: ensaios sobre desenvolvimento, globalização e moeda (1999), além de várias outras contribuições a livros coletivos ou artigos em periódicos de grande tiragem. 
Ademais de um gosto incomum pela história, para um economista, Gustavo Franco tem um dom também incomum para a polêmica e o debate de idéias, este, infelizmente, muito pouco cultivado no Brasil, reduzindo-se, na maior parte das vezes, a uma troca ácida de acusações entre os contendores. Conhece-se, aliás, no Brasil, a ofensiva invulgar deslanchada pelos economistas ditos desenvolvimentistas contra os fundamentos do plano de estabilização, que foi por eles equiparado a nada menos do que uma operação de rendição ideológica e de submissão prática aos ditames de Washington, aos cânones de neoliberalismo e a não se sabe qual, exatamente, das regras do chamado Consenso de Washington, tão desprezado quanto desconhecido nessas hostes. Fiuza reproduz parte da crítica de uma conhecida professora da USP, marxista, a um artigo de Gustavo Franco sobre as virtudes da abertura comercial para o crescimento econômico: ela parte do “capital mundializado” para condenar o “absoluto domínio do credo liberal”, entre outras bobagens. Franco, em resposta, perguntou apenas por que a professora estava tão zangada: ela “fala da ‘atual etapa do sistema capitalista’ com um verdadeiro nojo, como se estivesse segurando um rato nas mãos” (p. 214). Em outros artigos, ele não deixava de fustigar os “parnasianos” da Unicamp, com sua prosa rebuscada, plena de fetichismos e de financeirização.
Mas, esse é o lado prosaico, digamos assim, do combate diário pela sobrevivência da nova moeda, atacada à direita e à esquerda com igual desenvoltura e inacreditável insensibilidade em relação aos cofres públicos. Havia outros aspectos, preocupantes, da sabotagem, consubstanciada, justamente, na gastança generalizada das estatais e das agências públicas de modo geral. Fiuza relata o caso ocorrido com David Zylbersztajn, levado à direção da Eletropaulo: encontrou um fabuloso contrato com uma empresa de vigilância no qual cada hora de trabalho de um vigilante representava o inacreditável valor de 28 dólares. “O responsável explicou-lhe que, infelizmente, não existiam no mercado seguranças confiáveis por um valor inferior àquele. Zylbersztajn não prolongou a conversa: ‘— Não tem mais barato? Ok, então rescinde todos os contratos. Acabou a segurança. Por esse preço, prefiro o ladrão’” (p. 170). 
O essencial da reportagem de Fiuza está voltado aos ataques especulativos ao real, no bojo das crises financeiras internacionais. Esses ataques tinham pouco a ver, no entanto, com alienígenas de Wall Street, como gosta de acreditar a esquerda, e sim com os espertos capitalistas nacionais, sempre prontos a arbitrar as pequenas diferenças de cotação no valor da moeda, como resultado das suas próprias operações concertadas. Gustavo Franco, atento ao jogo pesado desses brokers, comandou pessoalmente, das mesas de câmbio do BC, operações defensivas e ofensivas, dobrando o mercado com lances ousados e algumas táticas inesperadas. O real sobreviveu a esses ataques especulativos “clássicos”, mas não foi capaz de resistir a uma operação mais singela, consistindo na suspensão do pagamento, em janeiro de 1999, da dívida estadual de Minas Gerais, determinada pelo então governador, e ex-presidente, Itamar Franco: no espaço de poucos dias as reservas se tinham volatilizado, resultando na saída de Gustavo Franco da direção do BC e na própria mudança do regime cambial. Vários lances dramáticos desses dias estão perfeitamente reconstituídos no livro de Fiuza, numa espécie de crônica dos eventos correntes em tempo real. 
Ainda segundo a orelha, 3.000 dias no bunker foi escrito em três meses, quase sempre de madrugada, às vezes virando a noite. Acredito: eu também passei uma madrugada inteira lendo este livro, sem o largar um minuto, com a boca seca e os olhos piscando, impossível largar. A história é muito importante: ela fala do nosso país, como ele foi reconstruído em sua dignidade monetária, que há muito tinha deixado de existir. E não se trata de história documental, insossa, em economês ou juridiquês: é uma história real do real, feita por homens em carne e osso, idéias e sentimentos, conquistas e frustrações. Uma história que estava esperando ser contada.
Poucos sabem, por exemplo, que a inspiração para a URV foi retirada por Gustavo Franco da experiência do rentenmark, a moeda indexada com a qual o “mago das finanças” Hjalmar Schacht salvou a Alemanha da hiperinflação nos anos 1920. Fiuza conseguiu traduzir muito bem os sentimentos do enfant terrible do BC na concepção, montagem e defesa da nova moeda brasileira. Sua obra, o real, ainda está de pé. Seus inimigos de outrora devem a ele o atual sucesso eleitoral. Uma simples palavra de agradecimento, por essa obra de estadista, não seria descabida. Este livro dá todas as razões para esse beau geste...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 dezembro 2006
1698. “O Bunker Voador: a aventura eletrizante do Plano Real”, Brasília, 10 dezembro 2006, 4 p. Resenha de Guilherme Fiuza: 3.000 dias no bunker: um plano na cabeça e um país na mão (Rio de Janeiro: Record, 2006, 331 p.; ISBN: 85-01-07342-3). Publicado no blog Book Reviews em 11.12.2006 (http://praresenhas.blogspot.com/2006/12/88-resenha-3000-dias-no-bunker-de.html). Republicado, com uma inserção publicitária sobre o debate de lançamento em Brasília (em 13.12.06, na Livraria Leitura, do Pátio Brasil Shopping), no blog NoMínimo (12.12.2006). Republicado no blog Diplomatizzando(25/05/2017; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/real-o-livro-de-guilherme-fiuza-antes.html). 

A Barbárie chegou ao Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Dos extremismos políticos e das formas de prejudicar a nação

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: discussão pública; finalidade: exposição sobre a situação do Brasil]


O espectro político pós-1789 abriga as mais diferentes concepções sobre as formas de se conceber e organizar o Estado, a economia, a cultura, etc., geralmente indo da extrema-direita (reacionários radicais, tradicionalistas fundamentalistas) até a extrema-esquerda (revolucionários anarquistas, comunistas integrais), passando por todas as demais cores do leque, liberais clássicos, socialistas democráticos e outras.
Todas essas posturas são, em princípio, eleitoralmente legítimas, desde que respeitadas algumas normas fundamentais do jogo civilizatório: alternância no governo pelo voto popular, respeito a todas as liberdades democráticas, defesa dos direitos humanos, etc.
Esquerda e direita muito afastadas do liberalismo econômico — que significa ampla defesa da iniciativa privada, da abertura econômica, da liberalização comercial e do acolhimento sem restrições ao investimento estrangeiro, imigração e fluxos livres de capitais — tendem a ser nacionalistas e estatizantes, duas posturas igualmente nefastas ao crescimento econômico, ao desenvolvimento e à prosperidade social dos países.
O nacionalismo de esquerda tende a ser mais rastaquera, ao favorecer protecionismo comercial, as restrições ao investimento estrangeiro, e com isso bloqueia um ritmo mais pronunciado de crescimento e de empregos de qualidade para a população.
O nacionalismo de direita costuma ser mais agressivo, culturalmente canhestro, geralmente reacionário e ignorante. Pode ser racista, mas é distintamente xenófobo.
Ambos nacionalismos são patéticos e nefastos no plano econômico e até civilizatório, quando se tornam excludentes e especialmente estúpidos em sua introversão ignorante e limitadora.
Por isso sou, como já disse um filósofo espanhol, contra todas as pátrias, e decididamente globalizador, globalista e multilateralista.
Considero a atual postura estupidamente nacionalista do presente desgoverno do Brasil, assim como sua política externa antiglobalista e sua diplomacia medíocre e dotada de uma indigência mental nunca vista em toda a nossa história, como duas manifestações terrivelmente nefastas e regressivas do ponto de vista civilizatório, diminuindo tremendamente o Brasil aos olhos do mundo.
Este talvez seja o ponto mais baixo a que chegamos em quase dois séculos de vida independente. Não haverá muito a comemorar, praticamente nada, se chegarmos a setembro de 2022 com o mesmo bando de bárbaros ignorantes que ocupam atualmente o centro do poder. Trata-se de uma extrema-direita que sequer possui qualquer qualificação política ou doutrinal, puro barbarismo com pitadas (ou maciças doses, a ver) de criminalidade e banditismo rastaquera.
Nem sei como os altos escalões do nosso Estamento Burocrático — civil e militar —, assim como os respeitáveis representantes das elites econômicas aceitam conviver e transacionar com os bárbaros no poder: provavelmente porque todos eles estão interessados em ganhos privados e corporativos.
Essa gente — as elites em geral, algumas delas em particular — não possui os requisitos mínimos que possam ser identificados com a dignidade da nação. Consentem com o já visível afundamento do país, com o rebaixamento das instituições de Estado, com a mediocrização da cultura, com a deterioração da imagem do Brasil no mundo. Acho que nunca vivemos, em nossa trajetória independente, momentos tão sombrios na vida da nação.
Não me lembro de ter contemplado, da segunda metade do século XX para cá, um quadro de anomia tão grave na história do Brasil.
Gostaria de poder deixar, em 2022, um testemunho da vitalidade da produção intelectual em 200 anos de trajetória nacional. Temo ter de contemplar apenas escombros, como uma espécie de Gibbon em face das ruínas de Roma, ou na posição dos mandarins da corte imperial chinesa ante os saques das tropas ocidentais no Palácio de Verão, ou ainda da corte de Bizâncio contemplando a fúria dos cruzados na marcha para Jerusalém.
Episódios insanos de destruição não são raros na história da Humanidade. O Brasil ainda não tinha sido apresentado a nenhum: talvez seja o caso agora, sob os pés de uma extrema-direita barbárica.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de julho de 2020