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Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
quarta-feira, 16 de setembro de 2020
Centenário da visita do rei dos belgas Albert I ao Brasil: 1920 - Vídeos da série
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terça-feira, 15 de setembro de 2020
'Brasil foi atropelado pela decisão do Trump' na escolha do novo presidente do BID - Rubens Barbosa (CBN)
SEGUNDA, 14/09/2020, 08:16
Jornal da CBN - Entrevista'Brasil foi atropelado pela decisão do Trump' na escolha do novo presidente do BID
O Jornal da CBN entrevistou o ex-embaixador do Brasil em Washington e presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior, Rubens Barbosa, que analisou os movimentos pela diplomacia internacional. Ele falou sobre a quebra de tradição com a escolha do novo presidente do BID. Pela primeira vez, a posição não será ocupada por um latino-americano, mas por um americano, indicado por Trump. 'Isso representa um grave desprestígio para o BID'. Outro assunto foi a Assembleia-Geral da ONU, que começa amanhã, com o tema multilateralismo. O presidente Bolsonaro vai abrir o debate geral. Sobre o discurso de Bolsonaro, Rubens Barbosa, disse que o presidente deve falar, na versão dele, sobre Amazônia, pandemia de coronavírus e recuperação econômica.
O FRACASSO estrondoso da diplomacia bolsolavista subserviente a Trump - Hussein Kalout (OESP)
A diplomacia vassala do chanceler acidental e do presidente inepto tem fracassado em toda linha. Ela só tem sucesso na submissão automática a TUDO o que é demandado pelos EUA e por Trump em especial. Nunca passamos tanta vergonha ao ter uma diplomacia autônoma servir de capacho aos desígnios de uma potência estrangeira.
Paulo Roberto de Almeida
Uma diplomacia coadjuvante
Em nome da nova 'política externa da democracia e da liberdade', renunciar a investimentos e exportações e comprometer o crescimento é hoje efeito colateral desse projeto
Hussein Kalout*, O Estado de S.Paulo
14 de setembro de 2020 | 09h00
No campo da política externa, o Brasil tornou-se refém da opção que construiu para si: a dependência do governo Trump e de sua incerta reeleição. O país carece de estratégia que enxergue além da subserviência ao atual inquilino da Casa Branca. Concessão atrás de concessão, o país vai aniquilando sua capacidade negociadora e a própria importância na cena internacional.
A política ambiental brasileira é um desastre rotundo. De baluarte em temas como a proteção da biodiversidade e promoção do desenvolvimento sustentável, o país se autoimpôs ostracismo na arena internacional –– para muitos tornou-se “pária”. A relação com a Europa é gélida, ou melhor dizendo: inexistente!
Reconstruí-la passa por abrir tantos gargalos que, por ora, é melhor deixar do jeito que está para não piorar. Em matéria de direitos humanos, já não contrariamos os mais horrendos regimes autoritários. Nas votações do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, nos colocamos com frequência ao lado de países que nem remotamente prezam “pela liberdade e pela democracia” – mote repetido à exaustão pelo chanceler bolsolavista.
Com a China, caminhamos firmemente para colapsar relação que representa cerca de 30% de todo o nosso fluxo comercial – mais do que a soma de nosso comércio com os EUA e a Europa juntos. O Brasil decidiu entrar em espécie de “guerra cultural” com os “comunistas chineses”, que alimentam com cifras robustas o capitalismo brasileiro – nada mais paradoxal! No embate com a China, Brasília busca mais uma vez macaquear Washington. No entanto, os EUA são apenas a maior potência do mundo – e têm interesses nacionais em questão e recursos de poder para tanto.
Travar relação errática e contraditória com Pequim passou a ser objetivo nacional. Em nome da nova “política externa da democracia e da liberdade”, renunciar a investimentos e exportações e comprometer crescimento, arrecadação, postos de trabalho e contas externas são hoje meros efeitos colaterais de nosso projeto de grandeza e riqueza. Não há nada mais delirante e pitoresco do que querer convencer os brasileiros a acreditarem nesse opaco lema.
Já quanto à soberania, o nacionalismo vai de vento em popa! Na retórica, o processo decisório da “política externa” parece transcorrer de maneira independente de todas as nações do mundo. Porém, dia sim e outro sim, prestam-se contas ao sub do sub sobre o devido cumprimento do dever que nos é externamente atribuído. O bedel a quem se dá satisfação é agora o novo mandatário do BID, que responde, na Casa Branca, pela América Latina.
Por falar na região em que o Brasil se situa geograficamente – porém, inexiste politicamente –, a coisa não tem como piorar (um alento!). Sem articulação, sem liderança e sem projeto para a América Latina, o Brasil se transformou em “um quase nada” para os seus vizinhos. Na ausência de norte político, o governo não sabe como induzir desenvolvimento em seu próprio entorno geoestratégico. Dadas as circunstâncias, almejar liderar algo no contexto sul-americano já não encontra sequer amparo na realidade.
Com a determinação do governo brasileiro, a América Latina é cada vez mais América e menos Latina. O Brasil fulminou o artigo 4º da Constituição de 1988, em especial o “Parágrafo único”: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.” A conduta brasileira diante da eleição à presidência do BID cobrará seu preço.
Ator passivo, o Brasil se sobressai na claque que aplaude as iniciativas do governo Trump em qualquer tabuleiro geopolítico – em particular no Oriente Médio. E a promessa de 10 bilhões de dólares em investimentos que foram anunciados pelo Brasil por ocasião do giro presidencial pelas arábias? Até agora nenhuma monta substancial parece ter dado o ar da graça no terreno econômico nacional. São os tempos da (autoimposta) diplomacia da ilusão. O ativismo de rebuliço das redes sociais tudo infla, nada concretiza.
A incumbência de linha auxiliar do trumpismo liquidou a capacidade de formulação do governo brasileiro – ou até de divisar outros horizontes. A reeleição do presidente americano é a tábua de salvação do atual projeto diplomático. Sem política externa, sem bússola geoestratégica, sem América Latina, o Brasil ruma para profunda irrelevância na própria região. Enfim, seguirá, contudo, se vangloriando do disciplinado papel de ator coadjuvante!
HUSSEIN KALOUT, 44, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018). Escreve semanalmente, às segundas-feiras.
segunda-feira, 14 de setembro de 2020
A tentativa de pensar uma política externa pós Bolsonaro - Miriam Leitao (Globo, 14/09/2020)
Parabéns ao colega e amigo Antonio Cottas Freitas pela iniciativa.
Miriam Leitão é um blog que tem análises exclusivas sobre economia nacional e estrangeira feitas pela Míriam e equipe. Além disso, posta os produtos que são divulgados em vários veículos do Grupo Globo pela jornalista, os comentários na TV e Rádio, e a coluna no GLOBO
Quem escreve
MÍRIAM LEITÃO
Míriam Leitão, jornalista há mais de 40 anos, é colunista do jornal desde 1991. É autora, entre outros, do livro Saga Brasileira, ganhador do Jabuti de Livro do Ano (2012). Entre seus prêmios, recebeu o Maria Moors Cabot da Columbia University (NY)
· ALVARO GRIBEL
Membro da equipe desde janeiro de 2008, Alvaro Gribel acompanhou desde o início os desdobramentos da crise financeira internacional. Repórter e interino da coluna, escreve diretamente de São Paulo, centro financeiro e econômico do país
· MARCELO LOUREIRO
Do Rio, Marcelo Loureiro escreve para o blog da Míriam desde julho de 2014. Formado pela PUC-Rio, especializou-se em Finanças na Fipecafi-USP. Conquistou o Prêmio IBGC Imprensa e, por duas vezes, o prêmio BM&F Bovespa de Jornalismo
· MOVIMENTO RENASCENÇA
A tentativa de pensar uma política externa pós Bolsonaro
Por Míriam Leitão
O Globo, 09/09/2020 • 12:43
A proposta de uma nova política externa para depois de Jair Bolsonaro está sendo pensada por alguns diplomatas partindo da constatação de que o atual governo “tem causado graves danos à reputação e aos interesses do Brasil”. É um grupo de debates sobre o Brasil. A ideia foi uma iniciativa do diplomata licenciado Antonio Cottas, do Instituto Diplomacia para a Democracia. Participaram do lançamento o embaixador aposentado Rubens Ricupero e o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim. Há integrantes desse diálogo que estão na ativa, mas, para escapar de perseguições dentro do Itamaraty, eles estão anônimos. Segundo Cottas “não é uma rebelião”, mas sim um processo de debates. O documento com o título de projeto Renascença foi lançado na terça-feira.
Uma das perguntas que move o grupo é o que o país pretende ser como nação. O momento é propício. Em 2022, o Brasil completa o bicentenário da Independência.
No movimento, a diversidade de pensamento é bem-vinda. Essa gestão atual, além dos erros na política externa, tenta também doutrinar as novas gerações do Itamaraty. A Fundação Alexandre de Gusmão, um centro de estudos ligado ao Itamaraty que agregava pensamentos de todas as tendências, hoje recebe apenas pensadores bolsonaristas radicais, que representam ideias bem minoritárias no mundo.
O grupo vai discutir questões como o meio ambiente e a inclusão. O Brasil é signatário, por exemplo, do acordo de objetivos do desenvolvimento sustentável, e o atual governo está indo na direção contrária em alguns pontos. Ele nega a mudança climática. O ministro de Relações Exteriores acredita que a discussão é uma pauta dos globalistas, que ele tanto critica. O país também tem obrigações no Acordo de Paris e em outros compromissos internacionais para a sustentabilidade.
O problema também ocorre na área dos direitos humanos. O Brasil tem votado sistematicamente contra os direitos da mulher, alinhado a países fundamentalistas islâmicos. Em discussão recente, o Brasil votou junto com Catar, Líbia e Afeganistão. Jacqueline Pitanguy, cientista política e socióloga, conta na “Folha de S. Paulo” que em decisão recente o Brasil ficou contra o direito ao acesso universal à informação sobre métodos contraceptivos. É uma posição medieval, uma cruzada contra o direito das mulheres. Esse padrão tem se repetido recentemente.
O Brasil conta com 110 milhões de brasileiros não brancos. O Renascença explica que o país tem que estar alinhado às políticas de combate ao racismo.
O processo de debates merece atenção porque a diplomacia não representa governos, ela tem que representar o país.
Luis Gama, o maior abolicionista do Brasil - Ligia Fonseca Ferreira (Conjur)
Entrevistas
"Lições de Resistência"
Obra de Luiz Gama é tão fascinante quanto a vida do abolicionista, diz pesquisadora
Nascido em 1830, de pai branco e mãe livre, foi vendido como escravo aos 10 anos de idade. Depois de se alforriar, aos 17 anos, aprendeu a ler e passou a estudar Direito por conta própria, frequentando a biblioteca e assistindo aulas no Largo São Francisco como ouvinte. Advogou pela libertação de mais de 500 escravos, sem cobrar honorários. Se sustentava trabalhando como jornalista. Aos 29, já era considerado "o maior abolicionista do Brasil", mas só recebeu o título de advogado 130 anos após sua morte.
A biografia de Luiz Gama, resumida acima, é conhecida. Mas um aspecto essencial da contribuição do intelectual parece ter sido relegado, injustamente, ao esquecimento: seu legado, a obra escrita que produziu em vida. É essa inquietação que motiva Ligia Fonseca Ferreira, professora de letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
"Sabemos que Luiz Gama foi escravizado menino em Salvador, chegou em Santos, subiu a Serra do Mar até um mercado de escravos em Campinas e de lá foi para São Paulo. Ele mesmo contou, outros repetiram. Nos livros que organizei, procuro mostrar que a obra de Luiz Gama é tão importante quanto a sua vida. Ele foi um grande ativista, escritor e pensador, mas não teve seu devido registro na história da literatura, do abolicionismo, das ideias jurídicas e da imprensa."
Figura notável no século XIX e único intelectual negro brasileiro a ter sofrido a escravidão, o advogado, abolicionista e escritor, nascido em Salvador em 21/7/1830, valeu-se da imprensa como principal meio para difundir suas ideias. Publicou, com uma constância surpreendente, em jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro, tais como o Correio Paulistano, O Ipiranga, Radical Paulistano, A República, Gazeta da Tarde, Gazeta do Povo, entre outros.
Ainda assim, diz Ligia, os escritos de Gama acabaram caindo no esquecimento. Pensando nisso, ela organizou o recém lançado Lições de resistência — Artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro (Edições Sesc, 2020).
"O que eu proponho é que o Luiz Gama seja lembrado como um ator importante do jornalismo. Em sua morte, foi saudado por seus pares como um 'trabalhador incansável do jornalismo'. Mas isso ficou apagado. Ele tem uma ampla produção, a escrita é algo de extrema relevância e está no cerne de sua vida profissional e atuação política. Sua atividade jornalística não era esporádica. O livro Lições de resistência pretende resgatar essa dimensão, além de trazer o pensamento do advogado apaixonado pela ciência do Direito", afirmou Ligia em entrevista concedida à ConJur por telefone.
A obra é vendida pela Livraria ConJur (adquira clicando aqui). São mais de 40 textos inéditos, publicados entre 1864 e 1882, tendo como eixos temáticos a escravidão, a abolição, as ideias republicanas e os direitos humanos.
O livro dá continuidade a uma outra empreitada da professora. Em 2011 ela já havia organizado o Com a Palavra, Luiz Gama — Poemas, artigos, cartas, máximas (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, R$ 55), obra que reúne vários textos e ilustrações inéditas.
Confira os principais trechos da entrevista:
ConJur — Luiz Gama é geralmente lembrado pela pauta abolicionista. Como o tema aparece em sua obra e o que mais ele defendia?
Ligia Fonseca Ferreira — O abolicionismo era uma tema crucial e, no contexto daquela época, ser abolicionista para ele significava também ser republicano. Ou seja, para Luiz Gama, a pauta abolicionista acompanhava-se do combate ao regime imperial vigente na época. É preciso lembrar que ele foi uma figura proeminente das ideias republicanas. Naquele momento, o Brasil tinha uma posição singular como o único país das Américas que conservava uma monarquia e era escravocrata. A maioria dos países do continente, depois de independentes, proclamaram a república, sem necessariamente abolir a escravidão.
Luiz Gama definia-se, nos jornais, como "extremo democrata", palavra que, naquele momento, era quase um sinônimo de republicano. Ele dizia ter "um sonho sublime" de um país "sem reis e sem escravos", que se chamasse Estados Unidos do Brasil, olhando para o modelo federativo do país norte-americano. A nação deveria se organizar politicamente, com estados federados, o que nós, bem ou mal, somos hoje. E o primeiro nome do nosso país, durante o regime republicano, foi "Estados Unidos do Brasil". Muitos historiadores afirmam ter sido Luiz Gama um dos primeiros a empregar essa expressão.
ConJur — Essas ideias eram bem aceitas?
Ligia Fonseca Ferreira — Essas ideias não eram só dele, mas sim de todo um grupo de abolicionistas e republicanos maçons de São Paulo. Um evento vai desferir um golpe fatal na monarquia e disseminar a ideia abolicionista: a Guerra do Paraguai [1864 a 1870] e o seu desfecho, que evidenciaram os limites do trabalho escravo e da condição dos africanos. A partir desse ponto começa a crise do regime imperial e do sistema escravista, que perdurariam por cerca de vinte anos até a Abolição e Proclamação da República.
Enquanto isso, Luiz Gama desenterra uma lei de 7 de novembro de 1831, que declara livre todos os escravos vindos de fora do império e, teoricamente, impõe penas severas aos traficantes. Quando Gama relembra a vigência dessa lei, querendo fazer a previsão valer, ele balança as instituições do país e igualmente a moral pública. É preciso lembrar que, depois da lei de 1831, cerca de 700 mil africanos foram contrabandeados para Brasil. Basta fazer as contas de quantos, além destes e dos seus descendentes, sofreram, como diria Luiz Gama, "escravidão indébita".
ConJur — Há algo de curioso e de atual nos textos. Os artigos sobre liberdade de imprensa, por exemplo, poderiam facilmente ser publicados hoje. Luiz Gama também citava nominalmente os juízes que tentavam censurar jornais ou que proferiam decisões para ele ilegais. Isso gerava discussões nos jornais e no Judiciário e fazia com que Gama tivesse muitos inimigos?
Ligia Fonseca Ferreira — Gerava muito mais que discussões. Ele colocava o dedo em uma ferida imensa e chegou a ser processado e ameaçado. Não só tinha muitos inimigos como os nomeava, confrontava-se com eles por meio da imprensa. Teve, inclusive, uma briga pública com Rafael Tobias de Aguiar, filho da marquesa de Santos e de um dos homens mais ricos de São Paulo, o brigadeiro Tobias de Aguiar, que hoje dá nome à Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar).
Luiz Gama expunha sentenças de que discordava, apontando erros cometidos por juízes. Em alguns casos, convidava seus leitores a se dirigirem à redação do Correio Paulistano, um dos principais jornais paulistanos no qual era colaborador assíduo, para verificarem com seus próprios olhos os despachos que, segundo ele, demonstravam a "maneira extravagante como se administra a justiça no Brasil".
Ele também denunciou em artigos as ameaças que recebia. No texto "Ao Público" (Correio Paulistano, 24 de setembro de 1870), diz: "Mais de uma vez amigos íntimos e importantes, residentes no interior da província, hão me dado aviso para acautelar-me, com segurança, contra planos de atentados sérios, projetados contra minha humilde pessoa". Há uma grande ironia no que ele escreve, algo que ainda hoje nos faz rir. Por que ameaçar uma "humilde" pessoa, que não faz nada de mais, a não ser atacar poderosos fazendeiros e proprietários de escravos? Ele também era muito corajoso, chamando os escravagistas de "salteadores" [assaltantes]. O que eles assaltavam? A liberdade de milhares de pessoas, os africanos e seus descendentes, que eram escravizadas ao arrepio da lei.
ConJur — A senhora costuma dizer que enquanto jornalista, enquanto pensador que difundia suas ideias em jornais, Luiz Gama é mais reconhecido do que lembrado. O que isso significa?
Ligia Fonseca Ferreira — Que ele é muito citado, mas a sua obra é pouco conhecida. Sabemos que o abolicionista e ativista foi presença constante em importante órgãos de imprensa de sua época. Portanto, o que eu proponho é que o Luiz Gama seja igualmente lembrado como um ator importante do jornalismo. Ele se fez presente como colaborador do jornalismo e como notícia. Em sua morte, foi saudado por seus pares como um "trabalhador incansável do jornalismo". Mas isso ficou apagado. Ele tem uma ampla produção, a escrita é algo de extrema relevância e está no cerne de sua vida profissional e atuação política. Sua atividade jornalística não era esporádica. O livro Lições de resistência pretende resgatar essa dimensão, além de trazer o pensamento do advogado apaixonado pela ciência do Direito.
ConJur — Luiz Gama, enquanto personagem, teve uma vida muito particular. Isso acabou por esconder sua obra?
Ligia Fonseca Ferreira — Luiz Gama teve uma vida fabulosa. Ele foi escravizado, mas se tornou letrado, poeta, advogado e jornalista. Foi um abolicionista grandioso. Quase nunca perdia suas causas. Teve uma voz muito atuante e foi ouvido. Ele é filho da "africana livre" Luiza Mahin, hoje um ícone do feminismo negro no Brasil. Foi vendido pelo próprio pai, mas conseguiu libertar-se e, mais do que isso, ter as "provas" judiciais, seguramente, de ter nascido livre. Isso tudo é grandioso.
No entanto, não devemos nos fascinar pela biografia de Luiz Gama a ponto de esquecermos a sua obra, o que ele escreveu, como, com que intenção. O Luiz Gama era sobretudo um advogado, se anunciava na imprensa. Em paralelo, o ativismo abolicionista e republicano se dá nas páginas dos jornais, o que colaborou para que se tornasse uma figura popularíssima na capital paulista.
O que as pessoas sabem, por exemplo, sobre a vida do Machado de Assis? Ele teve filhos, teve esposa? Quem eram seus pais? Não se sabe muito sobre ele. O que a gente conhece do Machado de Assis é a sua obra.
No caso do Luiz Gama é o inverso. Todo mundo diz que a vida dele daria um filme, uma minissérie. E daria, até levando em conta todos esses fatos incríveis que mencionamos, da mãe africana que participou de insurreições de escravizados em Salvador, foi presa, possivelmente deportada; do pai, um homem branco que o vendeu, e também teria participado da Sabinada, revolta importante na Bahia em 1837. Sabemos que Luiz Gama foi escravizado menino em Salvador, chegou em Santos, subiu a Serra do Mar até um mercado de escravos em Campinas e de lá para São Paulo. Ele mesmo contou, outros repetiram. Nos livros que organizei, procuro mostrar que a obra do Luiz Gama é tão importante quanto a sua vida. Ele foi um grande ativista, escritor e pensador, mas não teve seu devido registro na história da literatura, do abolicionismo, das ideias jurídicas e da imprensa.
Luiz Gama tinha um projeto de vida, de cunho humanista, voltado para a defesa do direito dos escravizados e pelas liberdades democráticas. O título do livro foi retirado de um de seus artigos e bem resume sua dedicação à causa dos escravizados e a obsessão por uma justiça que atuasse de forma idônea: "Se algum dia [...] os respeitáveis juízes do Brasil esquecidos do respeito que devem à lei, e dos imprescindíveis deveres, que contraíram perante a moral e a nação, corrompidos pela venalidade ou pela ação deletéria do poder, abandonando a causa sacrossanta do direito, e, por uma inexplicável aberração, faltarem com a devida justiça aos infelizes que sofrem escravidão indébita, eu, por minha própria conta, sem impetrar o auxílio de pessoa alguma, e sob minha única responsabilidade, aconselharei e promoverei, não a insurreição, que é um crime, mas a 'resistência', que é uma virtude cívica."
Prêmios, homenagens nos aniversários de nascimento e de morte, medalhas com seu nome são importantes, mas apenas reforçam a necessidade de ser lido e estudado por profissionais e estudantes de direito, de letras, de história, de jornalismo.
ConJur — Antes de seus livros, quase todo o pensamento de Luiz Gama estava em jornais. Isso explica o desconhecimento a respeito da obra?
Ligia Fonseca Ferreira — Talvez a dificuldade para se ter acesso aos jornais explique um pouco esse desconhecimento. Mas também não houve muita preocupação em se resolver isso.
ConJur - A senhora organizou, em 2011, um outro livro, o Com a palavra Luiz Gama, uma antologia contendo, entre outros, cerca de 19 artigos jornalísticos inéditos. Agora, com Lições da resistência, são mais de 40 artigos inéditos publicados na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, além de outros tantos pouco conhecidos. Como foi o trabalho para encontrar esse material?
Ligia Fonseca Ferreira — Boa parte da consulta foi feita na hemeroteca [acervo de periódicos] digital da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Esse material só ficou disponível em 2012. Antes disso, para o livro de 2011, eu buscava documentos em arquivos físicos, o que gerava um problema: às vezes você encontra o jornal, outras não, as coleções nem sempre eram completas. Às vezes o jornal está lá, mas ele não pode ser manipulado. Isso aconteceu, por exemplo, com a Gazeta do Povo, jornal que publicou muitos textos de Luiz Gama. Uma coisa que eu não tinha visualizado inicialmente era que grande parte do que saía na Gazeta do Povo, a partir de 1880, era posteriormente publicado na Gazeta da Tarde, importante folha abolicionista do Rio de Janeiro. Foi, portanto, mais fácil agora localizar os textos publicados no Rio com a busca na hemeroteca da Biblioteca Nacional.
Mas, saindo um pouco da pergunta, descobri algo interessante. Havia anúncios frequentes do Luiz Gama advogado, oferecendo seus préstimos, dando o endereço de sua banca. Ele anunciava os seus serviços na Gazeta do Povo, em geral na primeira página e na primeira coluna, onde também anunciavam outros advogados. Então, é curioso observar que sua presença — como colaborador, como notícia, e também como anunciante — era constante nas páginas de diversos órgãos da imprensa.
domingo, 13 de setembro de 2020
Paulo Roberto de Almeida: Capítulos em obras coletivas, 1987-2020 (com links para os disponíveis)
Paulo Roberto de Almeida:
Capítulos em obras coletivas, 1987-2020
Seleção atualizada em 13/09/2020
Disponível em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/44077314/Paulo_Roberto_de_Almeida_Capitulos_em_Obras_Coletivas_1987_2020)
1. “O Paradigma Perdido: a Revolução Burguesa de Florestan Fernandes”, in Maria Angela d’Incao (org.), O Saber Militante: Ensaios sobre Florestan Fernandes (São Paulo-Rio de Janeiro: UNESP-Paz e Terra, 1987, p. 209-229; ISBN: 85-7139-000-5); links: https://www.academia.edu/5546799/001_O_Paradigma_Perdido_a_Revolu%C3%A7%C3%A3o_Burguesa_de_Florestan_Fernandes_1987_ehttps://www.academia.edu/attachments/32642223/download_file).
2. “The ‘New’ Intellectual Property Regime and its Economic Impact of Developing Countries: a preliminary overview” in Giorgio Sacerdoti (ed), Liberalization of Services and Intellectual Property in the Uruguay Round of GATT (Fribourg [CH]: University Press of Fribourg, 1990, p. 74-86; Progress and Undercurrents in Public International Law, vol. 6; link:https://www.academia.edu/5782659/002_The_New_Intellectual_Property_Regime_and_its_Economic_Impact_of_Developing_Countries_a_preliminary_overview_1990_).
3. “A Diplomacia do Liberalismo Econômico: As relações econômicas internacionais do Brasil durante a Presidência Dutra”, in José Augusto Guilhon de Albuquerque (org.), Sessenta Anos de Política Externa Brasileira (1930-1990), vol. I: Crescimento, modernização e política externa (São Paulo: Cultura Editores associados, 1996, p. 173-210); link: https://www.academia.edu/5782681/003_A_Diplomacia_do_Liberalismo_Econ%C3%B4mico_As_rela%C3%A7%C3%B5es_econ%C3%B4micas_internacionais_do_Brasil_durante_a_Presid%C3%AAncia_Dutra_1996_).
4. “Mercosur y Unión Europea: de la cooperación a la asociación” in Georges Couffignal y Germán A. de la Reza (eds), Los Procesos de Integración en América Latina: enfoques y perspectivas (Stockholm: 48th International Congress of Americanists; Institute of Latin American Studies, University of Stockholm, 1996, p. 113-130); link: https://www.academia.edu/5782752/004_Mercosur_y_Uni%C3%B3n_Europea_de_la_cooperaci%C3%B3n_a_la_asociaci%C3%B3n_1996_).
5. “Os Anos 80: da nova Guerra Fria ao fim da bipolaridade” in Flávio Sombra Saraiva (org.), Amado Luiz Cervo, Wolfgang Döpke e Paulo Roberto de Almeida, Relações internacionais Contemporâneas: da construção do mundo liberal à globalização, 1815 a nossos dias (Brasília: Paralelo 15, 1997, p. 303-353); link: https://www.academia.edu/5782777/005_Os_Anos_80_da_nova_Guerra_Fria_ao_fim_da_bipolaridade_1997_).
(..)
173. “As relações internacionais do Brasil na era militar (1964-1985)”, In: Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado (orgs.), O Brasil Republicano 4: o tempo do regime autoritário; ditadura militar e redemocratização; Quarta República (1964-1985). (Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2019, pp. 287-312; ISBN: 978-85-200-1360-1).
174. “Thomas Sowell: um intelectual completo”; Prefácio a Dennys Garcia Xavier (org.) Thomas Sowell e a aniquilação de falácias ideológicas: Breves Lições, compilação de estudos sobre o economista americano (São Paulo: LVM, 2019, 312 p.; ISBN: 978-6550520168; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/12/thomas-sowell-apresentado-por- dennys.html).
175. “O passado de uma ilusão que ainda não passou: o comunismo no Brasil”, Prefácio in: Bezerra, Gustavo Henrique Marques, O livro negro do comunismo no Brasil: mitos e falácias sobre a história da esquerda brasileira (Rio de Janeiro: Jaguatirica, 2019, 872 p.; ISBN: 978-85-5662-205-1; pp. 15-20).
176. “O quadro global das questões energéticas: o Brasil e o mundo”, in: José Alexandre Altahyde Hage (org.): Política energética no Brasil: sua participação no desenvolvimento e no relacionamento internacional (Curitiba: Editora Appris, 2020, 370 p.; ISBN: 978-85-473-4201-2; ISBN digital: 978-85-473-4202-9; pp. 13-40).
177. “Homenagem a José Corrêa de Sá: um combatente da liberdade”, in: Sá, Eliane Dutra Corrêa de. Um pai nada óbvio: fragmentos de minha infância (Rio de Janeiro: Arquimedes Edições, 2020; ISBN: 978-65-87992-00-6; p. 92-99; blog Diplomatizzando (24/08/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/08/jose-correia-de-sa-homenagem-um-ex.html); disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/40158786/Homenagem_a_Jose_Correia_de_Sa_um_combatente_da_liberdade_2019_).
178. “Formação do constitucionalismo luso-brasileiro no contexto das revoluções ibero-americanas do início do século XIX”, In: José Theodoro Mascarenhas Menck (org.), O constitucionalismo e o fim do absolutismo régio: obra comemorativa dos 200 anos da Revolução Constitucionalista do Porto de 1820 (Brasília: Edições da Câmara, 2020).
179. (???)