O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 21 de abril de 2021

A República dos conjurados mineiros seria unitária ou descentralizada? - Paulo Roberto de Almeida (O Estado da Arte)

Enigmas do 21 de abril: inconfidentes centralistas ou federalistas?

O Estado da Arte,   

Paulo R. de Almeida

Paulo R. de Almeida é Doutor em Ciências Sociais (Université Libre de Bruxelles, 1984), Mestre em Planejamento Econômico (Universidade de Antuérpia, 1977), Licenciado em Ciências Sociais pela Université Libre de Bruxelles, 1975). É diplomata de carreira, por concurso direto, desde 1977; serviu em diversos postos no exterior e exerceu funções na Secretaria de Estado, geralmente nas áreas de comércio, integração, finanças e investimentos. Foi professor de Sociologia Política no Instituto Rio Branco e na Universidade de Brasília (1986-87) e, desde 2004, é professor de Economia Política no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).

José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro, debate Livres, 22/04, 18:00hs - Apresentação sintética, Paulo Roberto de Almeida

 Já divulguei uma brochura, neste mesmo espaço, com a informação e transcrição sobre textos de e sobre Merquior, para apoiar, no dia 22, um debate sobre o grande intelectual brasileiro.



Preparei uma apresentação que vou transcrever aqui, slide por slide:

Apresentação José Guilherme Merquior”, Brasília 21 abril 2021, 14 slides. Síntese da trajetória intelectual de JGM, com destaque para a sua produção de livros próprios e breves referências a obras sobre seu pensamento. Elaborado em formato de Power Point para apresentação em debate organizado pelo diretor de comunicação do Livres, com a participação de Celso Lafer, Gelson Fonseca, Bolivar Lamounier e Persio Arida, via Streamyard (link para o grande público: https://youtu.be/mtJJu_0eBeg), dia 22/04/2021, 18:00hs, aos 80 anos de JGM. 














terça-feira, 20 de abril de 2021

O ministro sonâmbulo, entre o orçamento e o caixa da reeleição do degenerado - Paula Cristina (IstoÉ )

 Na corda bamba


Paula  Cristina

 

ISTOÉ DINHEIRO, 16/04/2021

 

Fura-teto, Liberal de Taubaté e Evergreen. Podem parecer apelidos de crianças em um acampamento de férias, mas são as mais recentes denominações que o ministro da Economia, Paulo Guedes, recebeu de parlamentares. Claramente incomodados com a demora do governo federal em liberar o Orçamento de 2021 – aquele desenhado pelos deputados e senadores e que libera para os parlamentares uma vergonhosa cifra de R$ 48,8 bilhões em emendas –, os congressistas pressionam o presidente Jair Bolsonaro. A mensagem é clara. Caso o texto seja vetado, a lua de mel acaba antes mesmo de o casal voltar da viagem de núpcias. Na missão de tentar apresentar uma alternativa ao presidente, Guedes caminha em uma corda bamba.

 

Ele sabe que, do jeito que está, o Orçamento fere a Lei de Responsabilidade Fiscal. Também tem conhecimento de que convencer o presidente a vetar o Orçamento seria, além de tarefa difícil, levar ao erro da ex-presidente Dilma Rousseff: o de romper de vez com os parlamentares e sua irrefreável indisciplina fiscal. O caminho escolhido pelo ministro foi tentar desenhar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que deixaria fora do teto de gastos valores que teriam como destino o combate ao coronavírus. O problema é que mesmo essa ideia foi se desviando assim que nasceu. A princípio o plano era que cerca de R$ 20 bilhões ficassem fora do limite de gastos. Logo a cifra subiu para R$ 30 bilhões e chegou a R$ 48 bilhões quando R$18 bilhões foram adicionados oriundos de emendas parlamentares que tinham como destinos obras. Vale uma explicação. Estes R$ 48 bilhões são além dos R$ 48,4 bilhões nas emendas contidas dentro do Orçamento. Esse é o preço indecente e irresponsável do apoio que Bolsonaro compra para ter o Congresso ainda mais em tempos de CPI. Quando todos perdem a razão, bodes expiatórios – culpados ou não – passam a ser escalados. E Guedes cabe com perfeição no papel. O ministro afirmou que a inclusão das emendas na PEC foi a “variante que escapou do laboratório.” Daí o apelido de Liberal de Taubaté – em alusão à mulher da cidade do interior paulista que, em 2021, fingiu estar grávida de trigêmeos.

 

Uma fonte próxima ao ministro admite que Guedes se mostra cético sobre o andamento do Orçamento deste ano. “Ele já está assimilando a derrota. Trabalhamos para evitar que mais danos sejam causados”, disse ele à reportagem, em condição de anonimato. A saída, explica o assessor, seria construir um acordo, com aval do presidente Jair Bolsonaro, para retirar as emendas da PEC a ser enviada. Uma navalhada nos R$ 18 bilhões que nunca deveriam estar ali. O argumento da equipe de Guedes seria que, quanto mais elementos entrar nessa PEC, mais daria a sensação de a Emenda ser uma saída fácil para driblar o controle fiscal.

 

PIOR DA HISTÓRIA Guedes agora sabe que subiu na corda bamba com o Orçamento parido. Everaldo Loures, doutor em economia aplicada e ex-secretário da Fazenda de Minas Gerais afirma que o Orçamento de 2021 é, de longe, o pior desde a redemocratização. “O único Orçamento descente do governo Bolsonaro foi o desenhado durante o governo Michel Temer”, disse. Na avaliação do economista, são muitos os erros. “O problema não é o gasto acima do teto, o problema é que ele parte de uma premissa errada. É preciso refazer do zero.” Nesse sentido, Everton Perusin, consultor político do MDB de Brasília, entende que faltou articulação do governo. “Ele falhou nesse diálogo direto. O governo abriu mão da condução do Orçamento em nome da PEC Emergencial.” E tanto um quanto outro se tornaram aberrações.

 

Em uma conversa no final de março, Guedes teria dito diretamente à Bolsonaro que havia pessoas próximas a ele o levando para o buraco. “Vão te empurrar para o impeachmment”, teria dito o ministro ao tentar convencer Jair Bolsonaro sobre o andamento do Orçamento de 2021. E se em um primeiro momento o intuito era avisar o presidente, não demorou muito para Guedes repensar seu próprio papel dentro do governo ao tentar criar soluções criativas, que envolvem PEC, Orçamento de Guerra, estado de Calamidade, Crédito Orçamentário e tudo que envolva saída para agradar o Congresso, o presidente e os anseios do mercado. “Quero crer que [vocês] não me enganaram para eu virar o novo Arno Agustin!”, teria dito Guedes à Bolsonaro, citando o ex-secretário do Tesouro do governo Dilma Rousseff, pai das pedaladas fiscais.

 

O que teria feito Merquior se não tivesse precocemente falecido em 1991? Minha imaginação - Paulo Roberto de Almeida

 O trecho final de meu prefácio a esta brochura: 

3894. José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro, Brasília, 19 abril 2021, 322 p. Coletânea de textos de e sobre o grande intelectual diplomata. Versão abreviada, com links remetendo a pdfs em Academia.edu: 187 p. Postado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/46954903/Jose_Guilherme_Merquior_um_Intelectual_Brasileiro_2021_); divulgado no blog Diplomatizzando (20/04/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/jose-guilherme-merquior-uma-homenagem.html).

(...)

De minha parte, adoto o seguinte ponto de partida no seguimento do imenso trabalho desenvolvido por Merquior – se isso é possível – e que deveria ter tido continuidade nos 30 anos seguintes ao ano de sua morte, em 1991: o que teria ele escrito depois de Liberalism, Old and New? Quais teriam sido os seus novos temas, ou como teria ele enfrentado as novidades da terceira onda de globalização, depois da implosão da União Soviética e da irresistível ascensão da China? Como ele estaria contemplando, hoje, a ascensão da nova direita, burra, até estúpida e autoritária, sendo que ele defendia um social-liberalismo esclarecido, economicamente responsável, culturalmente aberto e tolerante, totalmente receptivo às grandes tendências nos terrenos dos costumes e das preferências individuais? 

Ele talvez se sentisse decepcionado com os destinos do Brasil, uma vez que ele era basicamente impulsionado pela ideia da razão, e acreditava, sinceramente, que um diálogo aberto e bem informado entre partidários e militantes de diferentes tendências – econômicas, políticas, culturais – poderia conduzir o país na direção da adoção de políticas simplesmente racionais tendentes a diminuir o grau anormalmente elevado das iniquidades brasileiras, das misérias preservadas ao longo de cinco séculos de nação e de dois séculos de Estado nacional independente. Na diplomacia, na esfera política, no âmbito acadêmico ou na vida cultural, ele teria certamente continuado a oferecer novas e instigantes contribuições a um debate de alto nível sobre nossos problemas mais cruciais. Fomos privados desses aportes intelectuais pela Parcas, como já lamentava em 1991 seu grande amigo, mentor e companheiro de tertúlias Roberto Campos, quem lhe permitiu escapar do aborrecido trabalho burocrático (geralmente inútil) da embaixada em Londres, para conduzir sua tese com Ernest Gellner, um dos trabalhos que mais o distinguiram entre colegas acadêmicos de nível mundial. 

Aliás, basta olhar o sumário da obra de 2001 (O Itamaraty na Cultura Brasileira, organizada pelo embaixador Alberto da Costa e Silva), sobre os diplomatas intelectuais, para saber que eles não foram lembrados exatamente por enfadonhos despachos ou por telegramas de instruções rotineiras, mas por suas obras construídas paralelamente às ocupações triviais de chancelaria. A inteligência lhes foi um atributo que pode ter sido facilitado pela vida diplomática, mas não foi esta que moldou seus pensamentos, e sim a própria vida intelectual de cada um deles. Merquior foi um dos grandes, um gigante no terreno que ele próprio escolheu, não o da poesia, exatamente, ou o da literatura, enquanto ofício, mas o da crítica das ideias, em literatura, em poesia, em filosofia, em política, um terreno no qual ele dialogou, debateu, diretamente ou à distância, com os grandes pensadores do seu tempo, sem deixar de retomar as ideias de grandes predecessores, todos os iluministas, desde os séculos XVII e XVIII, até seus modernos sucessores nos salões da academia ou nos cenáculos da política. 

De minha parte, já inclui Merquior entre as quatro dezenas de pensadores brasileiros que, desde o início do século XIX, participaram da construção da nação, pelo menos em ideia e intenção, pois que muitas das propostas por eles formuladas, nos campos da governança, da economia, da política, da vida universitária e cultural, nem sempre foram concretizadas na prática, o que se torna evidente pelo estado quase estagnado do país. Cem anos depois da Semana de Arte Moderna de 1922, duzentos anos desde a independência, o Brasil ainda segue avançando aos trancos e barrancos – como diria Darcy Ribeiro, um dos muitos “esquerdistas” que aprenderam a respeitar Merquior –, ainda continua progredindo aos “tiquinhos”, como pretendia Mário de Andrade pouco depois da semana que organizou, para quem o progresso também “é uma fatalidade”. Merquior preferiria dizer que o progresso é uma construção de homens racionais, como ele tentou ser durante toda a sua vida adulta. 

Ao lamentar que tenhamos sido privados de sua colaboração nestas últimas três décadas nas quais ele poderia ter estado ativo, nosso dever é continuar sua obra de defesa de ideias e de propostas de ação. Este volume, que coloca certo número de trabalhos pouco conhecidos à disposição de um número maior de interessados, pode estar atuando nessa direção e colaborando com sua obra pedagógica de Aufklärung, de esclarecimento, e sobretudo de inteligência. 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 20 de abril de 2021

Como teria sido Merquior como chanceler? - Paulo Roberto de Almeida

 Como teria sido Merquior ministro das Relações Exteriores, um chanceler da inteligência, um diplomata da cultura universal?

Ofereci minha opinião no parágrafo final de meu longo ensaio sobre sua obra de sociologia política:

(...)

“Teria Merquior sido um grande chanceler para o Brasil? Provavelmente sim, mas creio que o Itamaraty seria muito pequeno, e muito burocrático, para ele. No cargo, poderia ter reformado rituais e comportamentos do estamento diplomático, num sentido iluminista, liberal e liberista; mas ainda assim, isso seria pouco para o seu espírito libertário. 

O que ele teria feito, certamente, seria iluminar com a sua notável inteligência os métodos e os objetivos de trabalho, colocando a razão, e o sentido da História, acima de quaisquer outras conveniências conjunturais, o que provavelmente teria provocado resistências burocráticas, corporativas e de grupos de interesse econômico. 

Seria tolerante com os pecados menores de uma burocracia tradicional como o Itamaraty, mas teria deixado uma marca indelével na instituição. 

Para repetir sua tese na London School, inauguraria um período de “burocracia carismática” na velha Casa de Rio Branco, o que talvez a tivesse transformado para sempre, inaugurando novos padrões de inteligência. Vários colegas, dotados do mesmo espírito, mas hoje cingidos pelas regras sacrossantas da hierarquia e da disciplina, partilhariam e apoiariam tais intenções. 

Teria sido divertido...”


O ensaio completo está na brochura José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro, que tornei disponível neste dia do diplomata de 2021.

Procurem na minha página da plataforma Academia.edu (seção Varia), ou no blog Diplomatizzando.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 20/04/2021

Cientistas estudam a produção da ignorância - Luciana Rathsam (UniCamp)

 

Cientistas estudam a produção da ignorância e unem esforços para combatê-la

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A pandemia de Covid-19 impulsionou uma intensa produção de publicações científicas no mundo todo. Conforme um levantamento a partir das informações da plataforma Dimensions, realizado pela Agência USP de Gestão da Informação Acadêmica (AGUIA), até o dia 17 de outubro de 2020 haviam sido produzidas e registradas 168.546 publicações sobre Covid-19. Paralelamente, a ciência também se dedicou à compreensão e ao enfrentamento de outra ameaça, que se propaga exponencialmente pelas redes sociais: a desinformação.

A desinformação é um conceito que extrapola o significado de “fake news”. Embora amplamente difundido, o termo ‘fake news’ é considerado ambíguo ou impreciso por alguns autores. Para examinar a complexidade da desordem da informação são estabelecidos critérios de classificar as mensagens, como o modelo proposto por Wardle e Derakshan (2017), que diferencia a desinformação (dis-information”), criada propositalmente para prejudicar um indivíduo, um grupo, uma organização ou uma nação, a informação errada (“mis-information”), que é produzida sem a intenção de provocar danos, e a informação maliciosa(“mal-information”), que embora seja baseada em fatos, é divulgada na esfera pública para causar prejuízos a uma pessoa, organização ou país.

O Grupo de Estudos da Desinformação em Redes Sociais (EDReS) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) reúne pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento para tentar entender e reduzir os efeitos da desinformação sobre a sociedade. “Estamos trabalhando no limite entre o conhecimento acadêmico formal e as suas aplicações”, explica Leandro Tessler, integrante do EDReS e professor do Instituto de Física da Unicamp. No início da pandemia, o grupo criou um canal no Whatsapp para receber notícias falsas disseminadas pelas redes sociais, formando um extenso banco de dados. “A análise de dados depende do estudo que está sendo feito. Pode ser intensiva, com a participação humana (assistir muitos vídeos sobre um assunto) ou mais baseada em máquina (correlacionar todos os tuítes sobre vacinas em língua portuguesa num determinado intervalo de tempo)”. Um dos objetivos dos estudos é classificar as notícias e compreender como elas evoluem no tempo. Em geral, as notícias analisadas classificam-se em 3 grandes grupos, relacionados à minimização da gravidade da doença, às teorias conspiratórias e à negação das vacinas, destaca Tessler. ‘’Dentro de cada grupo há variantes. Na verdade, há toda uma hierarquia de desinformação, quase dá para fazer uma classificação filogenética”.

Em Maceió, uma pesquisa coordenada por Priscila Muniz de Medeiros, professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) busca estudar a influência da desinformação sobre a pandemia de covid-10 nas atitudes e comportamentos da população. Com base nas informações de oito agências de checagem, o estudo fez uma cartografia das notícias falsas que circularam no País entre março e outubro de 2020. O próximo passo, diz a pesquisadora, é entender como essas notícias impactaram os esforços de contenção do vírus. Os dados já analisados indicam que as notícias falsas buscam ajustar os fatos à visão de mundo do grupo político que as está propagando “As notícias falsas operam no sentido de conservar para aquele grupo a narrativa do herói infalível, o mito, o salvador, que nunca erra. Ao mesmo tempo que qualquer um que se oponha ao herói se torna antagonista nessas narrativas ficcionais. A manutenção dessa coerência narrativa é essencial para a conservação do amálgama que une o grupo”, avalia Medeiros.

A fraqueza das instituições fortalece a ignorância 

A desinformação e o negacionismo (versão articulada e institucionalizada da desinformação), não se restringem ao Brasil. Em parceria com colegas da Columbia University e da University of Vienna, o pesquisador Renan Leonel, pós-doutorando no Health Ethics and Policy Lab da ETH Zurich, Suiça, busca analisar e comparar os efeitos da produção da ignorância e do negacionismo sobre o enfrentamento da pandemia de Covid-19 no Brasil, nos Estados Unidos e no Reino Unido. O grupo selecionou os principais jornais impressos dos três países e levantou mais de 36 mil artigos relacionados ao tema de interesse. Ferramentas computacionais permitiram identificar quais palavras-chaves apareceram com mais frequência nos jornais por período da pandemia e revelaram que os discursos negacionistas se concentraram, num primeiro momento, em desqualificar o conhecimento sobre a transmissão do vírus. No período entre as duas ondas da pandemia, a circulação em espaços públicos e a reabertura de estabelecimentos comerciais ganha atenção, e quando a vacina se tornou realidade, passou a ser o alvo do negacionismo. Em relação às particularidades dos discursos negacionistas no país, Leonel aponta que as notícias da mídia brasileira deram maior ênfase à questão dos medicamentos sem eficácia comprovada e também à polêmica da reabertura do comercio para a retomada da economia.

Comparando a situação do Brasil e dos EUA, Leonel ressalta a importância das instituições democráticas para redução dos efeitos do negacionismo. A despeito do discurso negacionista do Trump, órgãos e instituições estadunidenses seguiram seus projetos na pandemia, o Congresso aprovou medidas de estímulo à economia, as vacinas foram produzidas. “No caso do Brasil, faltou uma infraestrutura de ciência articulada com os instrumentos democráticos e que pudesse dar conta de um caminho alternativo. Nossas instituições já estavam muito enfraquecidas e infelizmente o nosso Congresso Nacional também compartilhava grande parte das percepções negacionistas do Presidente da República, então o caos político no Brasil alcançou um nível muito superior e a adesão à desinformação foi muito maior do que naqueles países.”

Iniciativas de combate à desinformação

A resposta à pandemia no Brasil não se destaca apenas pelas falhas políticas, mas também por manifestações e iniciativas promovidas por grupos da sociedade civil para garantir o acesso à informação de qualidade. Cientistas de todo o país concentraram esforços para criar espaços de comunicação em plataformas e redes sociais, promoveram webinários e conferências, dedicaram-se à checagem de mensagens que circulavam na internet. O site ciência popular, que mapeia algumas iniciativas das universidades brasileiras na pandemia, registrava a ocorrência de 535 iniciativas de disseminação de informações e divulgação científica em 15 de março de 2021.

Referência de iniciativa independente no combate à desinformação, o Observatório Covid-19 BR reúne 85 pesquisadores associados a 28 instituições e fornece dados atualizados, análises estatísticas e previsões sobre a pandemia. Pesquisadores e instituições também se organizam em coletivos e redes de divulgação e combate à desinformação, como a Rede Nacional de Combate à Desinformação e #TodosPelasVacinas, da qual o Observatório faz parte. “O trabalho do Observatório é voluntário, não há aporte de nenhum meio. Pretendemos, no futuro, manter o grupo multidisciplinar de análise de questões que envolvem a saúde pública e seus impactos sociais e continuar a atuar na proposição de políticas públicas baseadas em evidências”, diz Flavia Ferrari, bióloga co-responsável pela divulgação científica do Observatório Covid-19 Br.

A ampliação dos canais de comunicação entre ciência e sociedade é uma tendência importante. “De fato, o ambiente digital é hoje o principal ambiente disseminação da desinformação, mas também é o espaço onde as pessoas buscam conhecimento e informação qualificada, então uma estratégia de comunicação eficaz deve ser forte no ambiente online”, reflete Leonel. “O grande desafio que percebo é o de manter os ganhos trazidos pelas mídias digitais, especialmente no que concerne a ampliação de vozes no debate público, mas reduzindo os enormes danos sociais que os aspectos negativos vêm promovendo”, conclui Medeiros. 

*Luciana Rathsam - editora e roteirista, formada em Ciências Biológicas (IB/Unicamp), com especialização em Gestão Ambiental (Faculdade de Saúde Pública/USP) e aluna da turma 2019-2020 do curso de Especialização em Jornalismo Científico do Labjor (Unicamp).

Observação: A série de três artigos foram escritos a partir de reflexões sobre o negacionismo científico e sua manifestação durante a pandemia para trabalho de conclusão do curso de especialização em Jornalismo Científico (Labjor/ Unicamp), feito sob a orientação da professora Germana Barata. O texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

Arrumar biblioteca? E lá isso adianta? Desista Francisco Seixas da Costa, Paulo Roberto de Almeida

 Eu pensava que era dos poucos que tinha a minha biblioteca perfeitamente caótica, e descubro que meu amigo o embaixador Francisco Seixas da Costa consegue me ganhar a largas braçadas — e não por una cabeza — nesse concurso bizarro de saber quem tem os seus livros mais desarrumados.

Preciso tirar umas fotos da minha kit-biblioteca para decidir com ele quem ganha nesse jogo da perfeição no caos.

Paulo Roberto de Almeida 


 autoretrato das minhas estantes e também o do Rui Knopfli

Há muito tempo que as minhas estantes de livros são um caos. Mas não um caos relativo, alguma desarrumação: é um caos que se aproxima muito de ser total. 

Vou dar um exemplo elucidativo, para que não achem que estou a exagerar. Descobri hoje, aqui em Vila Real, o segundo volume de “O Homem sem Qualidades”, de Robert Musil. Em Lisboa estão os dois outros volumes e - sei que não vão acreditar! - vivem em estantes opostas, a metros um do outro!

Não me perguntem porque é que isto acontece! Há muitos anos, há mais de vinte (juro!) que não tenho a menor paciência para arrumar livros, nomeadamente os que vou comprando (e compro bastantes). Antes disso, lembro-me que as coisas andavam mais ou menos arranjadas, por áreas temáticas. Creio que foi desde que me mudei para a casa onde vivo, em 1997, que se instalou este pandemónio na minha “biblioteca” (nem lhe ouso chamar isso!). Assumo isto, sem o menor problema, talvez com a atenuante de que estamos a falar, entre coisas nas estantes e em caixotes, à volta de oito ou nove mil livros. (Desde há uns anos, com bastantes deles já recolhidos na Biblioteca Municipal de Vila Real, para onde vai “andando”, ao ritmo dos meus humores, o meu espólio livresco).

Mas, ao longo de todos estes anos, nunca tentei, algum dia, pôr alguma ordem naquilo? Claro que sim. Imensas vezes! Arregacei as mangas, deitei mãos à obra, por uma boa meia hora fiz pilhas de livros, que deviam ficar juntos, desarrumei salas e ocupei o soalho. Só que, num determinado instante (e isto aconteceu-me em bem mais de uma dezena de ocasiões), caiu-me nas mãos algo que me interessava ler logo. E, claro, zarpei para um sofá, onde me alapei para, aí por uma hora ou duas, ler esse livro, até que o acabei ou me cansei dele, coloquei-o de parte. Depois, fui trabalhar (porque trabalho bastante, para que conste), ou fui ver a internet, dali passei a um programa de televisão, escrevi entretanto um tweet ou um texto para o blogue, agarrei num jornal ou numa revista. E, a certa altura, porque viver cansa, decidi ir deitar-me. E logo peguei noutro livro da pilha que, na mesa de cabeceira, começa de novo a subir e abeirar-se de um quadro que é o seu limite em altura. E fui dormir, coisa que também faço, por muito que alguns não acreditem. (Há um ano, no meu quarto, havia cento e tal livros, entre estantes e a mesa de cabeceira). No dia seguinte ao início da “operação” de arrumação, em tom irónico, lá ouvi pela enésima vez: “Estas pilhas de livros era para tu arrumares, não era?”. Era.

Na minha casa de Lisboa, nas zonas onde há livros, há apenas quatro áreas com uma ligeiríssima e tendencial homogeneidade: a poesia (sempre toda junta, honra, ainda sem explicação, aos poetas), coisas sobre o Brasil (mas há caixotes, em Vila Real, atulhados de livralhada brasileira, que já passou incólume por Paris), alguma coisa sobre a Europa de que às vezes necessito para escrever, ao lado de uma zona com alguns livros básicos de diplomacia, uma área de política de Espanha (mas também de alguma ficção de “habla” castelhana) e três prateleiras com Eça e coisas queirosianas, uma mania velha que tenho, desde que me conheço leitor.

Fora isso, e à parte uma orgulhosa coleção (quase completa) de livros de José Vilhena, o caos é, verdadeiramente, total: ficção misturada com “current issues”, livros de turismo no meio de coisas sobre o Brexit ou o colonialismo ou sei lá! Ah! Ia-me esquecendo: há uma zona de dicionários, essa relativamente homogénea.

Mas então, sensatamente, perguntarão: como é que eu descubro aquilo de que necessito? Muitas vezes não descubro, outras vezes lembro-me de que “é uma coisa em tons de azul que andava ali por aquele canto”. Isto é de doidos? É, sim senhor, mas é assim, a sério! (E vivo feliz assim, se querem saber!)

Na casa que tenho em Vila Real é tudo mesmo muito pior. Não há, lado a lado, um único livro que tenha a ver com outro: é um thriller em inglês ao pé de uma coisa sobre o Douro, uma memória de um político francês junto com uma gramática, obras mais do que menores (tanto que me envergonho de dizer os autores) à beira de gigantes do pensamento político. Não tem graça nenhuma, podem crer!, mas não tenho, há muito, e tenho a impressão que nunca irei ter, a menor pachorra para um dia pôr ordem naquilo. No entanto, quer em Vila Real quer em Lisboa (mas esse pelouro não é meu), os livros de culinária estão cuidadosamente arrumados. Mas não me culpem disso, por favor!

Há minutos, passei por uma estante e apanhei a “Memória Consentida”, 20 anos de poesia do Rui Knopfli, que era conselheiro de imprensa na embaixada em Londres quando por lá passei nos anos 90 (eu passei por lá quatro anos e tal, ele esteve 18). E lembrei-me, para os compensar do texto chato (autoflagelante e quiçá francamente desqualificante) que acabam de ler, de lhes deixar este belo poema autoretrato do Rui.