O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Pobres pagam mais impostos no Brasil - BBC Brasil

 Por que donos de empresas geralmente pagam menos impostos do que seus funcionários no Brasil

  • Camilla Veras Mota - @cavmota
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Totem da Receita Federal

CRÉDITO, MARCELO CAMARGO/AG. BRASIL

Legenda da foto, 

Sistema de tributação sobre o consumo do Brasil é um dos 'piores do mundo', avalia especialista da Universidade de Leeds

"Eu, como CEO da companhia, pago menos imposto do que um operador de caixa da minha empresa. Isso é uma vergonha."

Foi com essa comparação que o empresário Sergio Zimerman defendeu, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo na segunda-feira (7/11), uma reforma do sistema tributário brasileiro. 

Com o exemplo pessoal, o fundador da rede de pet shops Petz argumentava que a ênfase na cobrança de impostos sobre o consumo — em vez da renda ou do patrimônio, por exemplo — concentra riqueza.

De fato, os mais pobres no Brasil pagam proporcionalmente mais impostos do que os mais ricos. Essa é uma dinâmica que vai no sentido contrário do que diz a Constituição, segundo a qual, "sempre que possível, os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte" (Artigo 145). Ou seja, quem ganha mais deveria pagar mais.

A seguir, a BBC News Brasil discute em três gráficos algumas das distorções que explicam por que o conjunto de regras tributárias do país penaliza os mais pobres e permite, em algumas situações, que donos de empresas paguem proporcionalmente menos impostos do que seus próprios funcionários. 

Porquinho, dinheiro e calculadora

CRÉDITO, GETTY IMAGES

Legenda da foto, 

Vigente no Brasil desde 1996, isenção da tributação de lucros e dividendos é adotada em poucos países

Tributação concentrada no consumo

Em 2021, o governo arrecadou R$ 2,94 trilhões em impostos. A maior parte, 43,5%, veio da cobrança de tributos sobre bens e serviços. 

Um montante de R$ 1,28 trilhão, incluídos aí os tributos cobrados pelas três esferas: municipal (ISS), estadual (ICMS) e federal (IPI, PIS/Cofins).

A ênfase do sistema tributário brasileiro em impostos sobre o consumo é típica de países com baixo desenvolvimento socioeconômico, explica a professora de direito tributário da Universidade de Leeds Rita de la Feria. 

"Os países com nível de desenvolvimento mais alto tendem a dar mais importância à tributação sobre a renda dos indivíduos", ela destaca. 

Distribuição da carga tributária no Brasil. Em proporção do total (%) - 2021.  .
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Logo: Brasil Partido

Fim do Podcast

Incidência da tributação indireta na renda total. Por décimos de renda familiar per capita.  .
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Debate da PEC 110 na CCJ do Senado em 2019

CRÉDITO, FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AG. BRASIL

Legenda da foto, 

Alíquota efetiva média do IRPF (%). Por faixa de renda - em salários mínimos mensais.  .
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terça-feira, 8 de novembro de 2022

Lula e a política externa do novo governo - Rubens Barbosa (Estadão)

LULA E A POLÍTICA EXTERNA DO NOVO GOVERNO

 Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 8/11/2022


No primeiro pronunciamento público, depois do anúncio dos resultados da eleição, o presidente eleito mencionou as principais prioridades de seu futuro governo na área externa. Lula ressaltou que o Brasil estará de volta ao cenário internacional com o protagonismo que gozava no passado, com o objetivo de recuperar a credibilidade, previsibilidade e a estabilidade para trazer de volta os investimentos externos. Enfatizou que o Brasil vai buscar um comércio internacional mais justo e retomar as parcerias com os EUA e a União Europeia, em novas bases. Nesse contexto, mencionou que não interessa ao Brasil acordos comerciais que condenem nosso país ao eterno papel de exportador de commodities e matéria prima. Seu governo irá apoiar uma nova governança global e, nas Nações Unidas, a reforma do seu Conselho de Segurança com o aumento do número de países com assento permanente e o fim do atual direito de veto. Vai combater a fome e a desigualdade no mundo e promover a paz. Destacou a importância do meio ambiente e a proteção da Amazônia, no contexto da política externa. Comprometeu-se a implementar políticas para o monitoramento e vigilância na Amazônia, a combater as atividades ilegais na região e a definir políticas para o desenvolvimento sustentável das comunidades amazônicas. Isso, além de retomar a cooperação internacional para a preservação da Florestas e dos povos indígenas. Afirmou que não quer guerra pelo meio ambiente e que a soberania do Brasil sobre a Amazonia não está em questão. Essas prioridades devem ser complementadas pelas incluídas na Carta para o Brasil de Amanhã, onde se dá importância à integração regional, ao Mercosul e a outras iniciativas latino-americanas, bem como ao diálogo com os BRICS, com os países da África, e ao fim do isolamento e a ampliação do comércio exterior e da cooperação tecnológica.

            É claro que o discurso da vitória não poderia descer a todos os temas, porém, chama a atenção algumas omissões importantes. Não houve qualquer referência ao cenário externo complexo: os efeitos da pandemia e a guerra da Ucrânia, nem a confrontação entre os EUA e China, com reflexos geopolíticos e econômico-comercias que poderão afetar os interesses brasileiros. A China, principal parceiro do Brasil não foi mencionada, nem as negociações sobre o ingresso na OCDE, iniciados por Dilma Rousseff. A menção `a possibilidade de renegociação do acordo comercial com a União Europeia, pronto para ser assinado, e de interesse dos países membros do Mercosul, motivou imediata reação da porta-voz de comércio exterior da UE, contrária `a reabertura dos entendimentos. Outro tema delicado é a informação de que os entendimentos com a OCDE seriam congelados, o que contraria o interesse do setor privado. Finalmente, no tocante à América do Sul, é possível antecipar uma mudança radical no relacionamento com a Venezuela, com relações normais, e a reabertura dos Consulados brasileiros para permitir a assistência de brasileiros naquele país, além da possibilidade de uma ação pró-ativa para ajudar o processo de democratização, como mencionado por Lula durante a campanha eleitoral.

As prioridades refletem as convicções pessoais do presidente eleito e a linha partidária do PT. As omissões mostram o cuidado para não mostrar tendências ideológicas que se afastariam das posições das forças políticas que o apoiaram. Na formulação de políticas de acordo com essas diretrizes gerais, medidas práticas tenderão a ser matizadas por sugestões que deverão ser apresentadas pelos partidos que apoiaram e viabilizaram a vitória. O futuro governo, não só na área externa, mas em todas as outras áreas, deverá ser o resultado desse entendimento.

O mundo mudou e o Brasil mudou. A guerra entre a Rússia e a Ucrânia deixou o cenário internacional mais complexo e inseguro, com profundas consequências em todos os países. Promovida pelos EUA, a perspectiva de divisão do mundo, entre o campo democrático e autoritário coloca novos desafios geopolíticos para a diplomacia. Está se configurando uma nova Guerra Fria, entre o Ocidente e a Eurásia, não ideológica e militar, como ocorreu com a então União Soviética, mas de competição econômica, comercial e tecnológica. O Brasil deveria manter posição equidistante, sem escolher lados, visando sempre a defesa do interesse nacional.

A pandemia e a guerra tornaram evidentes as vulnerabilidades do Brasil e as oportunidades que se abrem e que poderiam ser aproveitadas. A volta de um ativo engajamento do Brasil no cenário internacional, em especial na questão ambiental no centro da política externa, será vital para restaurar a credibilidade do país e passar de novo a influir nas negociações sobre assuntos de seus interesses e os da região.

O novo governo terá a responsabilidade histórica de restabelecer o papel da Casa de Rio Branco como o principal formulador e executor da política externa e, seguindo o exemplo do patrono da diplomacia brasileira, de manter, acima de interesses ideológicos e partidários, as linhas permanentes da atuação externa como política de Estado e não de governo de turno.

Esses os grandes desafios para a política externa a partir de 1 de janeiro.

 

 

Rubens Barbosa, ex-embaixador em Londres e Washington e presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior


Fear of Nuclear War Has Warped the West’s Ukraine Strategy - Anne Applebaum (The Atlantic)

 

Fear of Nuclear War Has Warped the West’s Ukraine Strategy

Leaders shouldn’t give in to Putin’s nuclear rhetoric.

Most of the time, when heads of state talk about nuclear war, they speak in careful, measured tones, acknowledging the gravity of the nuclear taboo and the consequences of breaking it. The Russian president takes a different approach. Speaking at his annual foreign-policy conference a few years ago, Vladimir Putin reflected, without smiling, on the consequences of a nuclear war. “We will go to heaven as martyrs,” he said, “and they will just drop dead.”

At the same conference last month, a regime insider, Fyodor Lukyanov, asked him about this remark: “You said that we would all go to heaven, but we’re in no hurry to get there, right?” Putin did not answer. The seconds ticked by. Lukyanov said, “You’ve stopped to think. That’s disconcerting.” Putin responded, “I did it on purpose to make you worry a little.”

I did it on purpose to make you worry a little? Why does he want anyone to worry? Because fear is not just a feeling or an ephemeral emotion; it is a physical sensation. It can grip your stomach, freeze your limbs, make your heart beat faster. Fear can distort the way you think and act. Because it can be so paralyzing, human beings have always tried to make other human beings feel fear. If you can make your enemies afraid, they will not oppose you, because they cannot oppose you. You can then win the argument, the battle, or the war without ever having to fight.


Putin is a KGB officer who knows about the manipulation of emotions, fear most of all. For two decades, he has sought to evoke fear inside Russia. Unlike his Soviet predecessors, he doesn’t shoot or arrest millions of people. Instead, he uses targeted violence, specially designed to create fear. When the investigative reporter Anna Politkovskaya was gunned downin her Moscow stairwell, and when the businessman Mikhail Khodorkovsky was sent to prison for a decade, other journalists and other businessmen got the message. When the opposition politicians Boris Nemtsov and Alexei Navalny were murdered and poisoned, respectively, those incidents sent a message too. This isn’t mass terror, but it is just as effective. Fear keeps Putin in power by rendering people too frightened to report news, protest government actions, or conduct independent business or even independent activity of any kind.


Putin also seeks to create fear in the outside world, especially the democratic world. He does this, above all, by bantering about nuclear weapons, at conferences and everywhere else. Indeed, this has been a central subject of his public commentary, and of Russian propaganda more broadly, for many years. Pictures of mushroom clouds appear regularly on the evening news. Threats of nuclear strikes against Ukraine have been made repeatedly, as far back as 2014. Russia’s armed forces practice nuclear strikes as a routine part of military exercises. Back in 2009, they played out a war game that included dropping a nuclear bomb on Poland. This constant, repetitive nuclear signaling, which long predates the current war, has a purpose: to make NATO countries afraid to defend Poland, afraid to defend Ukraine, and afraid to provoke or anger Russia in any way at all.

In the past few weeks, Putin and those who echo Putin have been seeking to pump up fear once again. Russian television journalists now regularly allude to nuclear war in the same half-serious, half-sinister tone, coolly referring to World War III as “realistic” and saying “It is what it is,” because “we’re all going to die someday.” The Russian defense minister, Sergei Shoigu, has called his American, British, and French counterparts to accuse the Ukrainians of preparing a nuclear attack despite the fact that they don’t have nuclear weapons—immediately triggering the suspicion that he is planning one himself. Russian nuclear threats are now habitually echoed and amplified by proxies as disparate as the British politician Jeremy Corbyn and the tech billionaire Elon Musk, growing louder with each Ukrainian military victory. Unsurprisingly, the anxiety created by these repeated threats has already shaped American and European policy toward Ukraine, exactly as it was supposed to do.


Fear certainly explains why we in the West have given Ukraine some weapons but not others. Why no airplanes?  Why no advanced tanks? Because the White House, the German government, and other governments are afraid that one of these weapons would cross an invisible red line and inspire a nuclear retaliation by Russia. Fear also shapes tactics. Why don’t the Ukrainians more often target the military bases or infrastructure on Russian territory that are being used to attack them? Because Ukraine’s Western partners have asked its leaders not to do so, for fear, again, of escalation.

Fear also causes us to treat nonnuclear acts of mass violence and terror as if they are less important, less frightening, less deserving of a response. Right now, Russia is targeting Ukrainian utilities, openly seeking to deprive millions of Ukrainians of electricity and water. This policy could lead to mass evacuations, even mass death, maybe even on the same scale as a tactical nuclear weapon. The Ukrainians have accused the Russians of preparing to dynamite a dam that, if burst, would flood Kherson and other settlements. If a small terrorist or extremist group were even hinting at a similarly devastating blow, people in the West would already be arguing about how to force them to stop. But because this is Russia, and because these are just conventional weapons, we don’t think in terms of retaliation or response. We feel relieved, somehow, that people will die because they have frozen in unheated apartments or drowned in an artificial flood, and not from nuclear fallout.


Yet even as we feel this fear, even as we act on this fear, even as we let this fear shape our perceptions of the war, we still have no idea whether our anxious responses are effective. We don’t know whether our refusal to transfer sophisticated tanks to Ukraine is preventing nuclear war. We don’t know whether loaning an F-16 would lead to Armageddon. We don’t know whether holding back the longest-range ammunition is stopping Putin from dropping a tactical nuclear weapon or any other kind of weapon.


On the contrary, some of these decisions may have had precisely the opposite impact. Our self-imposed limitations may well have encouraged Putin to believe that American support for Ukraine is limited and will soon end. Our insistence that Ukraine not harm Russia or Russians in its own defense might explain why he keeps fighting. Perhaps our nuclear anxiety actually encourages him to carry out nonnuclear mass atrocities; he does so because he believes he will not face any consequences, because we will not escalate.

Given the growing popularity of the word restraint, we must consider how that concept might not only prolong the war but lead to a nuclear catastrophe. What if calls for peace actually reinforce Putin’s deep belief, one he has expressed many times, that the West is weak and degenerate? Before the war, Western shipments of weapons to Ukraine were limited because of similar fears. No one wanted to provoke Russia by offering the Ukrainians anything too sophisticated. In retrospect, this caution was disastrous. It meant that Putin thought the West would not come to Ukraine’s aid; it left Ukraine less prepared than it could have been. Had we armed Ukraine, we might have prevented the many tragedies that have unfolded on occupied territory. Had we helped make Ukraine into a difficult target, the invasion might never have taken place at all.

I can’t prove this to be true, of course, because no one can. We can’t consult a rule book, published military doctrine, or any other document to explain these issues, because Russia has no institutions governing the use of nuclear weapons, indeed no institutions that can check or balance the president. In a one-man dictatorship, the decision whether to use nuclear weapons lies in that one man’s head. Because no one else lives inside that head, no one else knows what would really provoke him or where his red lines really are.

The only guide we have is the past, and given Putin’s behavior in the past, we should at least consider the possibility that by arming Ukraine, by supporting Ukraine, we will also prevent the use of nuclear weapons in Ukraine. Notwithstanding his bravado about martyrdom, if Putin genuinely believes that a Russian nuclear attack will carry “catastrophic consequences,” to use National Security Adviser Jake Sullivan’s language, then he is much less likely to carry one out. The less fear we show, the more Putin himself will be afraid.

The Ukrainians are already ahead of us. One Ukrainian friend recently told me that she is having the windows on her house changed to make them more airtight—just in case. But she isn’t moving. She has learned not to let fear deform her decisions, and we should learn the same. Here is the only thing we know: As long as Putin believes that the use of nuclear weapons won’t win the war—as long as he believes that to do so would call down an unprecedented international and Western response, perhaps including the destruction of his navy, of his communications system, of his economic model—then he won’t use them.

He has to believe that a nuclear strike would be the beginning of the end of his regime. And we have to believe it too.

Anne Applebaum is a staff writer of The Atlantic.


segunda-feira, 7 de novembro de 2022

The myth of Russian greatness has been debunked - Medium

Mais um mito que se esvai... 

Lula pretende rever indicações de Bolsonaro para embaixadas e posto na ONU - Felipe Frazão (OESP)

TRANSIÇÃO


Itamaraty
Lula pretende rever indicações de Bolsonaro para embaixadas e posto na ONU

Ministro das Relações Exteriores , Carlos França telefonou para Celso Amorim , um dos articuladores da equipe petista

FELIPE FRAZÃO, BRASÍLIA
O Estado de S. Paulo, 7/11/2022

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) planeja rever as indicações de embaixadores feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Senado. Há pelo menos 15 embaixadores já apresentados formalmente pelo atual chefe do Executivo cujas sabatinas estão travadas desde o início da campanha eleitoral. Com a transição de governo, o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, telefonou para o ex-chanceler Celso Amorim, um dos articuladores da equipe petista.

A conversa ocorreu na manhã da sexta-feira passada. Ficou acertado que eles voltarão a discutir detalhes da transição e dos novos representantes do País no exterior a partir da semana que vem, depois que Amorim retomar as atividades - ele passará por uma cirurgia em São Paulo amanhã. Em tom considerado gentil e republicano, França se dispôs inclusive a encontrar o ex-ministro de Lula fora de Brasília.

"É assunto delicado e teremos que analisar enquanto a transição progride", disse Amorim ao Estadão. "São cargos de confiança. Tudo vai se passar de modo civilizado, as providências que tiverem que ser tomadas serão tomadas, sem espírito persecutório."

Além de rever indicações, o novo governo ainda promoverá uma série de mudanças de titulares que estão em atividade em postos estratégicos. O principal deles é Washington, representação chefiada por Nestor Forster, diplomata identificado com Bolsonaro.

Também deverá haver troca em Buenos Aires e na representação da ONU, em Nova York.

CHANCELER. O futuro do atual chanceler e de sua equipe será negociado caso a caso, com o time de Lula, num processo conhecido como "testamento". No fim do mandato, cabe ao titular do Itamaraty conduzir a realocação de embaixadores no rodízio diplomático.

Em reuniões no Itamaraty, França já definiu quem serão os representantes do ministério na transição. O principal nome será o secretário-geral das Relações Exteriores, Fernando Simas Magalhães, o número dois na hierarquia da pasta, auxiliado por seu chefe de gabinete, Gabriel Boff Moreira. O próximo posto de Simas, proposto para a embaixada na Itália, está em jogo.

Em privado, os próprios embaixadores da atual cúpula do Itamaraty reconhecem que as indicações serão revistas. O governo eleito indica que não abrirá mão de ter nomes da estrita confiança de Lula.

Ao Estadão, o Itamaraty disse esperar que as sabatinas ocorram a partir de 21 de novembro. Mas senadores afirmaram que a dança das cadeiras no serviço exterior pode ser postergada. Há cúpulas internacionais que podem atrapalhar as conversas, como a COP-27, no Egito, e o G-20, na Indonésia. O assunto será discutido hoje, em reunião convocada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

COM ISSÃO. A Comissão de Relações Exteriores do Senado está acéfala. Os últimos embaixadores sabatinados foram aprovados em junho. Nesta quinta-feira, haverá eleição do novo presidente. Por acordo, a vaga ficará com o senador Esperidião Amin (PP-SC).

O receio da bancada do PT e de senadores alinhados a Lula era de que parlamentares ligados ao Palácio do Planalto tentassem impor uma aprovação às pressas de nomes alinhados ao bolsonarismo. Isso faria com que Lula fosse obrigado a reverter as nomeações a partir de janeiro, o que implicaria custo político e despesas.

Mas, até no Itamaraty, a expectativa é de mudanças na lista, ainda que parciais. Um embaixador lembrou que, mesmo se aprovados no fim do ano, os novos chefes de missão só chegariam aos postos a partir de janeiro, tendo as cartas credenciais já assinadas por Lula.

Se não houver acordo para retirada de parte dos nomes até o fim de novembro, a bancada do PT no Senado prepara duas ações. A equipe do senador Humberto Costa (PT-PE), integrante da comissão, defende que as sabatinas sejam suspensas temporariamente e pretende apelar a Pacheco para que ele retire de tramitação as mensagens enviadas pelo Planalto.

O foco são embaixadas consideradas estratégicas para a política externa. Da lista que chegou ao Senado, devem ser revistos Buenos Aires, Organização Mundial do Comércio (OMC), Haia, Santa Sé e Roma. Para integrantes do PT, esses cargos são sensíveis e os embaixadores devem estar alinhados ao presidente eleito.

ARGENTINA. Das embaixadas mais sensíveis já indicadas, há uma grande preocupação com Buenos Aires, destino de visita de Lula nas próximas semanas. Atualmente na Itália, o indicado de Bolsonaro é o embaixador Hélio Vitor Ramos Filho, ex-assessor do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (PSDB-RJ). Ele substituiria Reinaldo Salgado, indicado para Haia, na Holanda.

"Algumas indicações podem ser revistas, porque são postos estratégicos. É o caso de Buenos Aires, que é eixo estruturante do Mercosul e da integração regional, além da relação bilateral com a Argentina", disse o assessor do PT no Senado e especialista em Relações Internacionais Marcelo Zero, cotado para compor a equipe de transição na política externa.

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Algumas dessas indicações podem ser revistas, porque são postos estratégicos.

"É o caso de Buenos Aires, que é eixo estruturante do Mercosul e da integração regional, além da relação bilateral com a Argentina "

Marcelo Zero

Assessor do PT no Senado e especialista em Relações Internacionais

“PEC das embaixadas nos tornará párias”, diz presidente da ADB, Maria Celina de Azevedo Rodrigues - Guilherme Waltenberg (Poder 360)

 “PEC das embaixadas nos tornará párias”, diz diplomata 


Embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues diz que medida defendida por Davi Alcolumbre é invasão do Executivo pelo Legislativo

GUILHERME WALTENBERG
Poder 360, 05/11/2022

A embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, 80 anos, presidente da ADB (Associação dos Diplomatas Brasileiros), critica a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 34, que permite a congressistas assumirem cargos de embaixadores sem perderem o mandato.

Hoje, eles podem assumir o cargo, mas a condição é que abandonem a posição para a qual foram eleitos.

Trata-se, na avaliação dela e da maioria dos diplomatas, de uma medida profilática. Caso pessoas que foram eleitas para mandatos nos quais vão representar Estados assumam esse cargo, há o risco de as questões estaduais – consequentemente menores– dominem a pauta nacional.

Segundo ela, a PEC é uma invasão do Poder Executivo pelo Legislativo. Isso porque as relações exteriores são constitucionalmente uma missão do Executivo. E pode, em última instância, tornar o Brasil um “pária” nas relações exteriores pelas consequências como defesa de interesses locais e falta de habilidade no trato das relações com outros países.

“Se o Brasil aprovar essa PEC, aí sim a gente pode acabar virando uma espécie de pária

A proposta é de iniciativa do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado.

Maria Celina foi embaixadora na Colômbia e cônsul-geral do Brasil em Paris. Está em seu 2º mandato como presidente da principal representação de diplomatas no país.

Para ela, a turbulência vivida na época em que Ernesto Araújo era ministro não foi suficiente para prejudicar de maneira definitiva a imagem da diplomacia brasileira. O motivo é a histórica fama positiva do Itamaraty no plano internacional.

Nesse sentido, ela diz que a atual gestão, de Carlos França, trouxe de volta a tranquilidade para a condução política do ministério.

“Ele [França] trouxe de volta uma certa  serenidade, uma falta bem-vinda de visibilidade. A diplomacia se exerce no silêncio, nos bastidores“, disse.

Leia trechos da entrevista:

Poder360: Embaixadora como a senhora avalia a diplomacia no governo de Jair Bolsonaro?
Maria Celina de Azevedo Rodrigues – A diplomacia do Itamaraty ao longo dos séculos se acostumou a ser uma carreira de Estado a serviço do Brasil. Sob o presidente Jair Bolsonaro, ou quem quer que seja, mantém um certo rumo, um profissionalismo dos diplomatas. Porque sendo uma carreira de Estado, nós representamos mais do que nunca os interesses do Brasil. Mudam tônicas, são sublinhadas outras prioridades, mas no final acaba tudo mais ou menos nivelado. Há uma coisa que não muda, que é a realidade, e ela acaba por se impor. Você pode querer isso ou aquilo, mas se você não declarar uma guerra, é muito difícil você mudar a essência das relações entre as nações. E nós vamos executando políticas que se mantêm perenes porque a essência da relação entre os países é a cultura dos interesses comuns e vínculos afetivos. Como é que você vai mudar, por exemplo, a política com relação a Portugal? O presidente pode não querer ver o presidente de Portugal num determinado momento, mas o que permanece são as relações entre os povos. Nós temos um contingente de brasileiros em Portugal nunca antes visto. E você não vai dissociar isso.

Ernesto Araújo, que foi ministro de janeiro de 2019 a março de 2021, disse que o Brasil aceitava ser um pária. O país tornou-se um pária? 
Eu espero que não. Eu acho que qualquer que seja a análise que os outros países possam fazer da nossa política externa, permanece a visão estável de um Brasil sério, competente, de grande potencial. E isso é o que permeia a relação. E todos sabem que qualquer que seja a situação, qualquer que seja a política ou o presidente, o potencial brasileiro, de um povo bom, ambicioso no sentido de seguir adiante apesar das dificuldades, o trabalhador permanece. Presidentes são temporários. É uma passagem, uma fase de crescimento, como um adolescente que pode ser teimoso, mas que acaba superando. Compare Fernando Henrique e Lula. Eram quase uma antítese no sentido de personalidades, cultura, formação. E tivemos uma transição tranquila, sem problemas, não houve grandes abalos. A essência da diplomacia brasileira permanece.
Com o Ministro Carlos França o ministério saiu do noticiário. Ele trouxe o Itamaraty de volta à sua normalidade histórica? 
Ele trouxe de volta uma certa serenidade, uma falta bem-vinda de visibilidade. A diplomacia se exerce no silêncio, nos bastidores. Não é que seja confidencial ou secreta, mas você não anuncia porque senão enfraquece sua posição como negociador. Vamos supor que está fazendo um acordo com a Argentina e vai levar a melhor. Se você começa a anunciar isso nas páginas dos jornais, os argentinos não vão querer sentar para conversar porque estarão sendo humilhados. Qualquer concessão que você faça em negociações, tem que ser feita de uma forma que preserve a imagem dos negociadores e dos países envolvidos. Negociação representa uma concessão de parte a parte para chegar a um acordo comum e ninguém gosta de ser visto como fraco. O que o ministro trouxe de volta é essa reserva que a gente aprende a ter para conduzir as relações internacionais. Uma sobriedade que é muito bem-vinda.

No Congresso tramita a PEC 34, que permite a congressistas assumirem cargos de embaixadores sem perderem o mandato. Qual é a consequência dessa proposta?
Essa emenda é uma ameaça a cláusulas pétreas da Constituição. Uma delas é a separação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Eles não devem se sobrepor nem entrar no terreno do outro. E a outra é a federação. A política externa é exercida por profissionais treinados por 30 a 40 anos até chegarem a embaixador. E nem todos chegam. Tem várias etapas de estudos, teses, etc. Você exerce em nome do Brasil, ela não pode ser partidária nem estadual. Ela é nacional e muitas vezes não corresponde ao interesse de um determinado Estado, mas em benefício de todos os outros. Quando eu era conselheira, negociamos os termos de um acordo internacional de favas de cacau. Naquela oportunidade reunimos todos os interessados em Brasília e decidiu-se que não íamos aceitar os termos porque o que se chamava de preço gatilho para desencadear a venda ou suspender a venda do cacau não atendia aos nossos interesses. O único Estado que se negou a apoiar foi a Bahia. Já imaginou se o embaixador fosse um senador da Bahia e dissese simplesmente que não vai cumprir a instrução? O objetivo maior era incentivar a industrialização e o beneficiamento do cacau. Deu certo. Sendo baiano e senador, ele não poderia voltar para casa se apoiasse. Por isso é que a gente tem que tomar muito cuidado quando tenta transferir para o nível estadual a responsabilidade de uma política nacional.

Corre-se o risco de transformar a diplomacia em uma política municipalista?
Não chegou a esse nível ainda, mas pode chegar. A política externa não é partidária nem estadual e não pode ser. O interesse nacional tem prevalência sobre os outros. Tem um outro aspecto. Fazem a comparação: ‘ah, o senador pode ser ministro e não perde o mandato’. Mas o senador não pode ser secretário-executivo de um ministério. E se a gente comparar com o nível de embaixador, podemos considerar que eles seriam secretários-executivos. E outra: por que ele vai receber ordens de um ministro do Executivo, que é o presidente quem dá as ordens e instruções no final das contas? Ele não está subordinado a um presidente. Por natureza, um senador é independente. Ele tem um mandato, foi eleito para defender os interesses de um Estado no Brasil e não junto a um governo.Há uma certa incongruência nessa ambição. Pode prejudicar a imagem de seriedade da política externa que estaria sujeita a oscilações e interesses partidários.

Como vocês da ADB estão se movimentando para tentar barrar essa proposta?
Mostrando que é uma grave ameaça à separação dos poderes e pode representar não um fim, mas uma decomposição da política externa e de toda uma carreira. Como é que se explica a um jovem que ele vai passar 30 anos estudando, trabalhando e treinando para chegar a embaixador e ter que disputar o posto com um senador? Você vai desestimular a entrada. E com a porta aberta, vai que no futuro ministros do STF, por exemplo, considerem que estão sendo discriminados e queiram ser embaixadores sem perderem o mandato? O meu princípio é sempre o seguinte: se quer ser embaixador, faça concurso. É democrático, secreto na medida em que ele é anônimo. E é um preparo constante. Ao longo da carreira, o diplomata passa por circunstâncias e condições às vezes muito adversas. Eu penso particularmente nos colegas que neste momento estão na Rússia ou na Ucrânia. Os da Ucrânia ameaçados de bombardeio. Os da Rússia sofrendo as consequências de embargos. Tem uma série de condições e de sacrifícios ao longo da vida que esses jovens sofrem. Quantos não passaram 2, 3 anos sem poderem voltar ao Brasil por causa da covid?

O fato é que o Itamaraty é uma instituição de excelência e reconhecida como tal lá fora. Por isso, a imagem de pária não colou. Se o Brasil aprovar essa PEC, aí sim a gente pode acabar virando uma espécie de pária diplomático. Com o tempo, não seremos mais levados a sério. Talvez não chegue a ser pária porque um país dessa potência é sempre relevante. Mas não seremos mais levados a sério porque não sabem mais com que diplomacia estão lidando, se estamos servindo a um país ou a tendências e interesses partidários estaduais. Isso abre portas para vários abusos.

Quem são os senadores que articulam a favor dessa PEC?
O presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) [Davi Alcolumabre] é o grande motor. Há várias Constituições que é mantido que poderá ser designado [embaixador], mas nunca no exercício do mandato. Mas o senador Davi considera isso uma discriminação porque, se pode ser ministro, por que não pode ser embaixador? Eu já expliquei isso. Tem muitos senadores que são contrários, que acham sábias várias Constituições por manterem essa situação. Sempre foi rejeitado. E agora, de repente, voltamos a isso. E pelo que eu estou sabendo, está transitando no Congresso uma emenda que permite deputados estaduais a se beneficiarem da regra. A pergunta é: quando teremos os vereadores? Qualquer um poderá ser Diplomata? É preciso lembrar que senadores, deputados estaduais ou federais têm o que se chama imunidade parlamentar. Eles dizem o que querem na hora que bem entendem. Nós, diplomatas, não temos imunidade parlamentar. Pelo contrário. Temos um treinamento para dizermos coisas com muita ponderação e equilíbrio porque as palavras pesam. O ministro Paulo Guedes, recém-indicado ao cargo, foi questionado sobre Mercosul e disse que não tinha importância. Evidentemente isso semeou o terror entre os empresários que têm escritórios em Buenos Aires, por exemplo. Esses escritórios servem para apoiar exportações. Como a Argentina ia receber isso não foi pensado. O Paraguai ficou em pânico quando Guedes disse que o país era o Estado mais rico do Brasil. Tenho certeza que ele não fez por mal, mas o fato é que quando você faz uma declaração dessas, o presidente do Paraguai chama o embaixador para saber que história é essa. E isso é um tema muito sensível no Paraguai, tivemos uma guerra com eles. Nós somos treinados a entender que eu não posso sair brincando com uma coisa dessas. Com a experiência de anos de trabalho, você sabe como vai repercutir porque você se coloca no lugar do outro. Esse tipo de sensibilidade talvez falte em certas horas porque se você está acostumado com imunidade, você tem o direito de dizer o que quiser. Diplomacia é um sacerdócio. Quando sou um  iplomata, deixo de ser eu. Tudo que faço projeta a imagem do meu país.

Quais os prós e os contras do acordo entre Mercosul e União Europeia?
Quando fui embaixadora em Bruxelas junto às comunidades europeias, sempre batalhamos por esse acordo. Isso tem mais de 20 anos. Quando houve o grande festejo que concluíram o acordo do Mercosul com a União Europeia, eu disse que tinha muito chão pela frente. Na UE, os países se pautam e valorizam a opinião pública. Quando tem floresta derrubada e que, por qualquer razão, chega lá, é multiplicada por 100. Obviamente tem uma exploração muito grande desses episódios, mas a gente têm culpa no cartório. Isso é especialmente válido para proteger a agricultura deles. Se eles alegam que estamos derrubando floresta para gado, cai a exportação de carne. O reflexo é imediato porque o termômetro é a população. Acho que ainda tem muita água para passar por debaixo da ponte. Já se passaram quase 4 anos do anúncio. Vai demorar ainda.

Quais os prós e os contras do Brasil entrar na OCDE?
Também vai demorar. Acho que os prós são as obrigações que a gente assume. Um acordo com a União Europeia que trate bem agricultura nos dá mais vantagem, mas é a OCDE que impõe parâmetros e medidas que nós temos que atender. E essa disciplina seria extremamente benéfica. Esse conjunto de legislação que eles têm para tornarem o país mais previsível é extremamente benéfico porque temos infelizmente uma série de descoordenações internas. Temos muita lei e pouco respeito a elas. Nos impõe um certo rigor nas nossas contas, na transparência. Torna a governança mais séria. E traz um selo de qualidade. Estimula investimentos que criam empregos e geram renda, que beneficia quem não tem nada.

Quais são os riscos e oportunidades para o Brasil nos próximos anos dado esse contexto global de guerra na Ucrânia e disputas entre Estados Unidos e China?
Acho um pouco cedo para avaliar a dimensão. Nós entramos nessa turbulência no início deste ano e ainda estamos tentando entender o tamanho dela. De um lado, há um problema. Do outro, grandes vantagens que nós podemos utilizar a nosso favor, mas o risco é de uma má escolha de políticas que possam agravar a situação. Acho que nós temos que deixar um pouco assentar a poeira. O mundo está totalmente interligado pela mídia. Tudo que ocorre em um lugar, repercute no resto.

https://www.poder360.com.br/governo/pec-das-embaixadas-nos-tornara-parias-diz-diplomata/