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sexta-feira, 21 de junho de 2024

No livro Memórias, o embaixador Rubens Ricupero relembra sua rica trajetória na diplomacia brasileira - Luiz Roberto Serrano (Jornal da USP)

Estou lendo, mas já conheço largos trechos... 

Da implantação do Plano Real até o envolvimento em importantes questões ao redor do mundo

No livro Memórias, o embaixador Rubens Ricupero relembra sua rica trajetória na diplomacia brasileira

Luiz Roberto Serrano

Jornal da USP, 21/06/2024

https://jornal.usp.br/cultura/da-implantacao-do-plano-real-ate-o-envolvimento-em-importantes-questoes-ao-redor-do-mundo/ 

“Cheguei perto, assim, de realizar a essência da vocação diplomática, que consiste na paixão pela diversidade das culturas e na compaixão pelos sofrimentos dos pobres e fracos. Encontrei na ONU e na UNCTAD maneira de viver o lema que tomei emprestado do poeta árabe Gibran, “A Terra é minha pátria, a humanidade é minha família”
(Memórias, do embaixador Rubens Ricupero, página 612).

O embaixador Rubens Ricupero costuma fazer palestras no lançamento de seus livros. Foi assim, mais uma vez, no lançamento de seu novo livro, Memórias, um cartapácio de 710 páginas, em que conta e reflete sobre sua longa vida pessoal e profissional. A palestra e o lançamento, no dia 15 de junho, lotaram um dos auditórios da Japan House, na Avenida Paulista, em São Paulo, e a fila de autógrafos, ao fim de sua fala, dava voltas na sala.

Na obra, Ricupero relembra, aos 87 anos, seus antepassados italianos, fala de seus familiares, comenta a política brasileira desde a sua juventude, relata as vastas andanças pelo mundo em função de sua carreira diplomática e dedica cinco capítulos à função pública de maior visibilidade que desempenhou, a de ministro da Fazenda no lançamento e meses iniciais do Plano Real, que gerou a moeda, o real, que desde 1994 goza de uma estabilidade rara na economia brasileira.

O Plano Real

Quando ministro do Meio Ambiente no governo Itamar Franco, tratando de uma questão que começava a ganhar espaço no mundo, Ricupero, segundo seu relato, ouvia referências de que poderia substituir Fernando Henrique Cardoso na pasta da Fazenda, pois este se candidataria à Presidência da República. Eis seu relato sobre a volta de um compromisso sobre meio ambiente no Rio de Janeiro: “Eu me preparava para voltar a Brasília, Miriam Leitão, minha amiga desde os tempos em que cobria o Itamaraty na década de 1970, pediu para me acompanhar no trajeto até o Galeão. Na conversa, confirmou que Fernando Henrique Cardoso finalmente tomara a decisão de se candidatar à Presidência nas eleições de outubro daquele ano. Ela não tinha dúvida que eu o sucederia. Tive de admitir que ela sabia muito mais do que eu.”

Itamar Franco e Ricupero, no lançamento do Plano Real – Foto extraida do livro: Rubens Ricupero, Memórias

Em quatro capítulos do extenso e prolífico livro, da página 473 à 545, Ricupero relata seu duro e desafiante desempenho no cargo de ministro da Fazenda naquele momento crucial da economia brasileira, durante o qual realizou um esforço hercúleo, inclusive físico, para explicar à população brasileira os méritos e os objetivos do Plano Real, tarefa excepcionalmente bem sucedida, até que… deu-se o escorregão.

No intervalo de uma entrevista para um jornal da TV Globo, conduzida pelo jornalista Carlos Monforte, comentando sobre sua performance, Ricupero, até então irreparável na função, disse: “Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”. Apesar da entrevista estar fora do ar, a transmissão, presumivelmente só transmitida para os estúdios da emissora no Rio de Janeiro, foi captada por antenas parabólicas no interior do País. Explodiu na imprensa, levando à demissão de Ricupero, substituído pelo ex-governador do Ceará, Ciro Gomes.

No longo relato que faz no livro sobre o episódio, Ricupero diz, à certa altura: “O que me faz sofrer é que I made a fool of myself, isto é, fiz papel de tolo, ao me deixar levar pela presunção e pela vaidade. Fui, sim, culpado do pecado de hubris, a desmesura, o esquecimento das limitações pessoais, a pretensão de ser mais do que era. Como no Poema em linha reta de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos, todos querem ser príncipes na vida, ninguém quer ser ridículo, e foi isso que fui ao longo da conversa. Gostaria de apagar de minha vida aqueles dezenove minutos, mas nunca atribuí a ninguém a responsabilidade pelo que sucedeu a não ser a mim mesmo.”

É uma dura reflexão por parte dele, mas o fato é que a colaboração de Ricupero para o sucesso do lançamento do Real foi inestimável.

Guimarães Rosa

No livro, Ricupero relata suas vacilações sobre que formação universitária deveria buscar, até que decidiu cursar a Faculdade de Direito da USP, na qual teve mais decepções do que encantos, destacando-se entre os encantos os professores Goffredo da Silva Telles Júnior, em Introdução ao Direito, Basileu Garcia, em Direito Penal, e Miguel Reale, em Filosofia do Direito. Mas foi decisivo em seu destino o amigo do primeiro ano de Direito, Arrhenuis Fábio Machado de Freitas, que depois do segundo ano da escola prestou concurso no Itamaraty. Informado pelo amigo sobre a nova carreira, decidiu-se finalmente por prestar exames na casa da diplomacia brasileira, nos quais foi bem-sucedido. Corria 1958.

Num livro de 710 páginas, em que relata uma extensa e bem-sucedida carreira diplomática, além de fatos da vida pessoal, é preciso escolher o que destacar em uma resenha. Pois aqui vai uma observação de Ricupero sobre um diplomata histórico, mas mais conhecido como romancista, o consagrado Guimarães Rosa. Nosso autor transcreve nota escrita por Guimarães Rosa, então chefe da Divisão de Fronteiras do Itamaraty, ao seu tradutor italiano Edoardo Bizzari. Dizia Rosa, na nota: “Pois você sabe que sou aqui Chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras e deve ter acompanhado nos jornais o palpitante caso de divergência com o Paraguai, o assunto de Sete Quedas […]”, relatou. “Foi uma absurda e terrível época […] fora e longe de tudo o mais, nem me lembrava que era Guimarães Rosa, não respondi às cartas das editoras estrangeiras, perdi dinheiro, sacrifiquei importantes oportunidades, adoeci mais, soterrei-me.” O comentário de Ricupero sobre o teor da nota: “Apesar de haver realizado a tarefa com impecável consciência, no fundo (Rosa) a considerou um estorvo ao seu trabalho de escritor”.

Santiago Dantas

“Sem reconciliação em torno de um programa mínimo para fazer o parlamentarismo funcionar e preservar o que sobrou da Constituição fragilizada, sem controle da inflação para impedir a exacerbação dos conflitos distributivos, a sociedade vai se fragmentar em grupos polarizados e violentos . Nessa hora, os militares intervirão. Não será, como no passado, uma pausa para convocar eleições. Desta vez, as Forças Armadas se prepararam para permanecer no poder por muito, muito tempo! Será uma experiência inédita, que o Brasil jamais conheceu até agora.”

São palavras do ministro das Relações Exteriores, Santiago Dantas, citadas por Ricupero. Corria o governo parlamentarista de João Goulart, em que o mineiro Tancredo Neves foi o primeiro ministro, entre setembro de 1961 e julho de 1962. Infelizmente proféticas àquela altura, ainda antes do golpe militar de 1964. No livro, Ricupero derrama-se em elogios a Santiago Dantas e revela seu fascínio no primeiro encontro com o então chanceler: 

Santiago Dantas, chanceler admirado por um Ricupero no seu começo de carreira - Foto: Autor Desconhecido - Arquivo Nacional - wikipedia - Domínio público

“Foi a impressão mais forte que recebi em toda a minha vida do poder da palavra como pensamento vivo e concreto, da força do verbo que organiza e explica o mundo e a história por meio da razão e da inteligência.” Infelizmente, quando o conciliador Tancredo Neves e seu ministério parlamentarista pediram demissão para candidatar-se às eleições de 1962, Santiago Dantas foi recusado pelo Congresso para sucedê-lo…

As referências a Guimarães Rosa e Santiago Dantas, dois grandes nomes ligados ao Itamaraty, são rápidas citações da extensa e importante caminhada de Ricupero pela diplomacia e pelo governo brasileiros. Os cargos mais visíveis ao grande público foram o de ministro da Fazenda, no decisivo momento do Plano Real e, anteriormente, o de ministro do Meio Ambiente, quando o tema começava a ganhar maior relevância no Brasil e no mundo. Mas ele ocupou postos importantes da diplomacia brasileira, como a Embaixada do Brasil nos EUA e na Itália, bem como em entidades internacionais como secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), por nove anos e, simultaneamente, sub-secretário geral da Organização das Nações Unidas e presidente do Comitê de Comércio e Desenvolvimento do Acordo Geral de Tarifas e Comércio. Uma carreira nacional e internacional de extrema relevância diplomática, envolvendo sempre temas políticos e econômicos, com significativas nuances culturais e viagens pelo mundo. Essa longa vivência está expressa, em detalhes, em Memórias. Vale transcrever o parágrafo que está no capítulo Livros que escrevi, batalhas políticas de que participei, através do qual expressa sua linha de pensamento:

Fala-se muito na superação da dicotomia direita versus esquerda. Pode ser verdade e desejável do ponto de vista da libertação das ideologias absolutistas que tantas ruínas deixaram no século 20. Mas é preciso ter em mente o que dizia Norberto Bobbio: a divisão crucial em política continua a opor dois campos. De um lado, os que julgam impossível reduzir a desigualdade. Do outro, os que acreditam na capacidade dos seres humanos de aperfeiçoar a sociedade, a fim de diminuir a desigualdade tanto quanto possível. Enquanto nosso país estiver na lista dos mais desiguais, seremos obrigados a repetir com Giacomo Leopardi: “Se queremos algum dia despertar e retomar o espírito da Nação, nossa primeira atitude deve ser não a soberba nem a estima das coisas presentes, mas a vergonha”.

Memórias é um excelente roteiro profissional – e também de vida – para os diplomatas brasileiros de hoje e de amanhã. Além de uma instrutiva leitura para quem deseja entender os desafios embutidos nas relações do Brasil com o mundo.

Ricupero entrega ao então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, um estandarte oferecido pela escola de samba Mangueira - Foto extraida do livro : Rubens Ricupero Mémórias

Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor.




The Evolution of Empire - John Andrews (Project Syndicate)

 Acabo de escrever um trabalho, destinado a ser publicado, justamente sobre a resiliência dos impérios em todos os tempos e ainda atualmente.

Paulo Roberto de Almeida

The Evolution of Empire

The trite answer to the question of why empires fall is that they become victims of their own success, growing too large, too corrupt, and too exhausted to fend off energetic newcomers. Whether this will be America's fate has become an urgent issue in today's increasingly unstable, multipolar world.

BRIGHTON & HOVE – With the just-concluded G7 summit exposing the group’s diminished status, it is appropriate to ask where power lies in today’s world. The United Nations has 193 member states (the most recent, which joined in 2011, is benighted South Sudan), all of which are, as Secretary-General António Guterres put it in 2016, technically committed to “the values enshrined in the UN Charter: peace, justice, respect, human rights, tolerance and solidarity.” But while each gets one vote in the General Assembly, nobody would dare claim that each country carries equal weight. 

Instead, the five permanent members of the Security Council – the United States, China, Russia, France, and the United Kingdom – reign supreme, each wielding a veto over whatever the other 192 members might want. That is why Israel, owing to US support, can blithely ignore countless UN resolutions, and why Syria, owing to Russian and Chinese support, handily escaped sanctions for its use of chemical weapons a decade ago.  Owing to the disproportionate power they wield, the “Permanent Five” share an old, decidedly British sense of empire. While the authors of two recent books on empire, Lawrence James and Nandini Das, offer no thoughts on how the UN might – or indeed should – be reformed, I suspect that they would agree. In The Lion and the Dragon, James, a prolific historian of the UK’s role in world affairs, follows Britain’s relations with China from the nineteenth-century Opium War until the return of Hong Kong and today’s tensions over Taiwan. And in Courting India, Das, a professor at the University of Oxford, concentrates on the very beginnings of the British Empire and its covetous reach into what was then the Mughal Empire in India. 

What this history shows is that empire is still very much with us. Though Americans, proud of throwing off the rule of King George III, tend to bristle at the idea, their own military, technological, and commercial power is as imperial and pervasive as Britain’s territorial dominance ever was. As James notes, we can thank the post-World War II Pax Americanafor the mostly stable international relations that prevailed during the aptly named Cold War with the Soviets (and their own empire). A perennial question, especially during periods of geopolitical upheaval, is not just how empires emerge, but how they fade. Though Britain and France still indulge their memories of empire, they have long since accepted being “middle powers” at best. Ever since the Suez crisis of 1956, when the threat of US sanctions forced Britain, France, and Israel to withdraw from Egypt’s Suez Canal, Britain has supinely followed America’s lead in international relations. (UK Prime Minister Harold Wilson’s refusal to send troops to Vietnam in the 1960s is the exception that proves the rule.) At the same time, France has sought comfort in the collective embrace of what became the European Union. As for the other members of the Permanent Five, Vladimir Putin’s Russia is on a hopeless quest to reverse the collapse of the Soviet Union (the “greatest geopolitical catastrophe” of the twentieth century, in his estimation) and recreate the empire of Peter the Great; and China already sees itself, with some justification, as wielding global influence to rival that of the American empire. China’s pursuit of superpower status is born of not just current economic and political realities, but also its deep-seated resentment over the “century of humiliation” (1839-1949) that it suffered at the hands of European (and Japanese) imperial powers. Of course, similar sentiments also animate Putin’s revanchism, as well as Indian Prime Minister Narendra Modi’s dismissiveness of diplomatic overtures from post-Brexit Britain. In William Faulkner’s oft-quoted words, “The past is never dead. It isn’t even past.” 

Passage to India

The trite answer to the question of why empires fall is that they become victims of their own success, growing too large, too corrupt, too exhausted to fend off energetic newcomers. As the Arab philosopher and historian Ibn Khaldun argued in the fourteenth century, empires are like living organisms: they grow, mature, and die. 

As Das’s wonderfully researched book shows, the Mughal Empire was almost mature when the British arrived in the 1600s. Its Muslim rulers, with their roots in Central Asia, are fascinating figures. Emperor Jahangir, a generous patron of the arts, was addicted to opium and wine, whereas his wife, Nur Jahan, wielded significant political influence. The emperor’s son, Shah Jahan, was a “king of the world,” whose love for his wife, Mumtaz Mahal, is permanently commemorated in the Taj Mahal. Mughal India was both a place of immense wealth and a bastion of religious tolerance (unlike Europe, with its centuries-long Inquisition against Muslims, Jews, and heretics). By contrast, the British Empire was barely in its infancy when its clash with Mughal India began. In Courting India, Das paints a vivid picture of the experiences – mostly endured, rather than enjoyed – of King James’s ambassador, Thomas Roe, at the Mughal court. But more than that, she also offers a rich description of Jacobean England as it was emerging from the first Elizabethan age and jostling for power with Portugal, Spain, France, and Holland.   Roe’s own journals are a major primary source, but so, too, are the cultural interpreters of the period, from William Shakespeare to the poet John Donne (a friend of Roe). Theirs was an England full of energy, seeking its fortune in the Americas and the Indies. However, it was nowhere close to as sophisticated as courtiers like Roe seemed to believe. Indeed, Roe was almost a caricature of the Englishman abroad. He refused to learn any language that might have helped his mission (be it Farsi or Turkish), and he insisted that he and his staff wear English wool and silk, even through the Indian summer. While he eventually came to admire the pragmatic tolerance of Mughal society, he remained convinced of England and Protestant Christianity’s superiority. Never would he have allowed himself to “go native.” Roe was answerable not only to King James but also to his financial backer, the East India Company, which had been granted its charter by Elizabeth I in 1600. This meant that he was constantly tussling with the miserly company for money (its traders were always jealous of him), as well as struggling to quell, or at least make excuses for, the riotous behavior of English sailors in India’s ports. 

The Century of Humiliation

Two centuries later, the East India Company, as it appears in James’s book, would still be clinging to the same assumptions that Roe had held. The superiority and integrity of Christian Britain went unquestioned, and still stood in stark contrast to “Asian greed and despotism.” The biggest change, in the meantime, had been the collapse of the Mughal Empire. Mughal India, the wealthiest place in the world at the end of the seventeenth century, was steadily enfeebled by internal dissent and Persian and Afghan invasions. In 1857, the East India Company formally dissolved the empire, setting the stage for Queen Victoria to establish the “British Raj” and direct rule over the Indian subcontinent the following year. To paraphrase Ibn Khaldun, nineteenth-century Britain was no longer an infant with imperial ambitions; it was now an adult with all the energy and ruthlessness needed to extend its reach around the world. As such, the British lion had no misgivings about disgracing the Chinese dragon. Looking back on this period, it is easy to see why Chinese President Xi Jinping is so determined to expunge the century of humiliation from the national memory. That century began in 1839 with the First Opium War. When China tried to block imports of East India Company opium from Bengal, Britain responded with all its (industrialized) military might. By 1842, British warships and soldiers had crushed all opposition and compelled China’s Qing emperor to sign the Nanjing Treaty. That opened China to international trade and ensured that British citizens in “treaty” ports would be subject to British, not Chinese, law. Another consequence of the war was that Britain took possession of Hong Kong, which it would hold until 1997. Whereas Das describes India principally through Roe’s eyes, James is keen to present a balance between British actions and Chinese reactions. In doing so, he stresses that China was not reacting only to British imperialism. After all, this was a time when “a spirit of predatory imperialism … pervaded the foreign ministries of Russia, France, Germany and China’s near-neighbor, the newly industrialized Japan.” Seized by their own commercial ambitions, all four “regarded China as a land mass to be partitioned and shared out in the same way as contemporary Africa.” But these other imperial projects hardly give Britain a pass. In arguing that “Britain was reluctantly sucked into the complex geopolitics of great-power empire building in the Far East,” James simply is not convincing. Britain, the world’s leading naval power and the home of the Industrial Revolution, was already adept at the game of geopolitics and quite prepared to protect its interests in China, not least because that would also protect its interests in India. By the eighteenth century, the Qing Dynasty had expanded from its Manchu roots and established an empire extending from Mongolia and Tibet to the Pacific. But by the nineteenth century, it was too exhausted to withstand the pressure not only from the other imperial powers but also from its own people. The century of humiliation always refers to foreign interventions, but equally important were domestic embarrassments such as the 1850-64 Taiping Rebellion – in which some 30 million people died – and the 1899-1901 Boxer Rebellion. The dynasty’s “Mandate of Heaven” was clearly slipping from its grasp. It finally came to an end in 1912, when the Western-educated Sun Yat-sen, following a brief revolution, established the “Republic of China.” 

Remember Thucydides

Today, that title applies only to the island of Taiwan, whereas Xi presides over the “People’s Republic of China,” which was established in 1949 with the victory of Mao Zedong’s Communist Party over Chiang Kai-shek’s Nationalist forces. Since the 1970s, most countries – including both rival Chinas – have embraced the fiction that the ROC and the PRC refer to a single country. But there is a constant fear that Taiwan could formally declare its independence and destroy the fiction, thus provoking an invasion from the mainland. If President Joe Biden is to be believed, the US would then come to Taiwan’s rescue and the South China Sea would witness a Sino-American war with far-reaching regional and global consequences. Given his focus on Britain and China, James understandably devotes only a handful of his final paragraphs to US analysts’ “bleak” prognosis of a future war over Taiwan. Moreover, throughout the preceding chapters, he deals deftly with other instances when conflict erupted between rival regional powers. These include the Sino-Japanese war of 1894, which led to Japanese occupation of Taiwan; the Russo-Japanese war of 1904; Japan’s bloody expansionism in the 1930s; and, of course, Japan’s attack on Pearl Harbor, which brought America into World War II. The big risk today is that China and America could end up at war as much by accident as by design. Graham Allison of Harvard University has famously warned of the “Thucydides trap,” an allusion to the Peloponnesian War, in which Sparta, the incumbent hegemon, was “destined for war” with the rising power, Athens. In a world that has created so many multilateral institutions – from the World Trade Organization to the G20 – it is tempting to dismiss Allison’s argument as alarmism. But over the past 500 years, there have been 16 instances of an incumbent power facing off with a rising power, and war was avoided in only four of them, the most famous being America’s rise to replace Britain as the leading world power in the early twentieth century. Notably, James recalls that China was “stunned” by Britain’s 2016 vote to leave the European Union. The message pushed by Chinese state-controlled media was that the UK had surrendered to “a losing mindset.” Clearly, the current Chinese leadership has no intention of showing weakness. The good news is that political and military leaders on both sides of the Pacific are aware of the risks. As Xi said in 2015, on his first state visit to America, “There is no such thing as the so-called Thucydides Trap in the world. But should major countries time and again make the mistakes of strategic miscalculation, they might create such traps for themselves.” The bad news, however, is that all countries are prone to “miscalculation.” Was it a mistake, for example, for imperial Britain to endorse Zionism with the 1917 Balfour Declaration? Given all the Middle East wars that followed the establishment of Israel, some may very well think so. But try telling that to the survivors of the anti-Semitic pogroms of the nineteenth century and the Holocaust. 

Tick-Tock

Almost a half-century ago, John Bagot Glubb, a British general who commanded the Jordanian army from 1939 until 1956, published a book entitled The Fate of Empires and Search for Survival. His thesis was essentially the same as Ibn Khaldun’s, only with the added claim that almost all empires rise and fall over a period of roughly 250 years. Putting aside the obvious flaws in Glubb’s arithmetic (the Ottoman Empire certainly did not “end” in 1570), the core idea should not be dismissed too casually. After all, historians now give the Qing Dynasty a lifespan of 267 years, and the Mughal Empire of Das’s book began to lose territory after only two centuries. A pessimist might point out that today’s China began with the Communist victory in 1949, and that America’s quasi-imperial power began 201 years ago with the Monroe Doctrine. Time may not be on the side of those who place their trust in America to protect democracy and “liberal Western values.” 

John Andrews, a former editor and foreign correspondent for The Economist, is the author of The World in Conflict: Understanding the World’s Troublespots (Economist Books, 2022).


  • Nandini Das, Courting India: England, Mughal India and the Origins of Empire, Bloomsbury Publishing, 2023.
    Lawrence James, The Lion and the Dragon – Britain and China: A History of Conflict, Weidenfeld & Nicolson, 2023.


  • Brazil’s monetary policy - Adam Tooze

    Brazil’s monetary policy

    Brazil’s central bank was made independent in February 2021 with interest rates, in the wake of COVID, at an all time low. Already in March 2021 it began raising rates. Many economists have celebrated Brazil’s central bank for anticipating the price surge of 2021-2022 and “getting ahead of the curve” with an early hike in interest rates. Talk of a financial crisis in Brazil in final years of Bolsonaro’s trouble Presidency evaported. 

    But, the central bank’s conservative approach to inflation is not popular with the Lula government that came into office at the start of 2023 and almost immediately started a polemic over the left-behind Bolsonaristas in the central bank and their strategy of high interest rates. The term for the central bank leadership is set deliberately, so as not to coincide with Brazil’s Presidential terms and to help secure independence. 

    Now, in June 2024 the struggle has escalated. 

    Brazil’s fiscal and monetary framework under pressure 

    Brazil’s ruling party has filed a lawsuit against the head of the country’s central bank as it steps up attacks over the pace of rate cuts and alleged political bias. Senior figures in President Luiz Inácio Lula da Silva’s Workers’ party on Wednesday filed a lawsuit at a federal court in Brasília requesting that Roberto Campos Neto be banned from making political statements. The lawsuit came a day after Lula publicly criticised Campos Neto, claiming that he “works much more to harm the country than to help” by not cutting rates more quickly. “We only have one thing that’s wrong in Brazil right now — it’s the behaviour of the central bank,” Lula said on Tuesday. “We have a bank president who does not demonstrate any capacity for autonomy . . . there is no explanation for the [current] interest rate.” The legal action marks a sharp escalation of the war of words between the Workers’ party — known commonly as the PT — and the central bank chief, which has raged since Lula returned to office for a third term last year. Elected on pledges to kick-start Latin America’s largest economy and improve the livelihoods of its poorest citizens, Lula has sought to blame slow progress on Campos Neto — a respected former finance professional. The central bank has been gradually reducing the benchmark Selic interest rate for almost a year, cutting it from 13.75 per cent to 10.5 per cent. Lula has criticised the pace of the cuts for being too slow. Lula and his party have also accused Campos Neto of political bias following a series of events that appeared to show that the bank chief had links to leading rightwing politicians. The lawsuit was prompted by reports that the bank chief had attended a dinner in his honour hosted by Tarcísio de Freitas, the rightwing governor of São Paulo and a possible future presidential candidate. Media reports cited in the legal documents say Campos Neto was offered a job in a potential future De Freitas administration. Brazil’s central bank was granted formal autonomy from political control by congress in 2021, and Lula is due to appoint a new head when Campos Neto’s term expires at the end of this year. But the dispute between Lula and Campos Neto threatens to create a credibility crisis for the bank as investors fear there is a political split between monetary committee members appointed by former Brazil president Jair Bolsonaro — including Campos Neto — and those appointed by Lula. The latter have pushed for bigger rate cuts, according to minutes from the May decision. Marcelo Fonseca, chief economist at Reag Investimentos, said the spat was “noise that makes it much more costly to manage expectations, harming the efficiency of monetary policy and raising risk premiums on asset prices in general”. “It is convenient to use the bank chief as the villain and monetary policy as the root cause of the problems rather than recognise that economic policy, and fiscal policy in particular, needs to be fixed,” he added. The central bank on Wednesday kept the Selic rate steady at 10.5 per cent in a unanimous decision of its monetary committee. The central bank’s inflation target is 3 per cent and inflation is running at just under 4 per cent. 

    Source: FT


    quinta-feira, 20 de junho de 2024

    "Livres da Polarização" - Roberto Freire, Eduardo Jorge, Gilberto Natalini, Augusto de Franco e Elena Landau (artigo no Estadão)

    Livres da Polarização

    https://www.youtube.com/live/whaF71IQdD8

    Link para o WhatsApp do Livres da Polarização: 


    Livres da polarização

    Quem falará pelos 40% de brasileiros que não são petistas nem bolsonaristas, nem apoiam essas forças políticas populistas?

    Apocaliise now? Putin beira a insanidade

     Como administrar um tirano insano, que pretende vencer ou provocar a ruína de todos? Cabe isolar Putin e desativar o seu poder. A China deve ser advertida sobre isso. E o Lula, que apoia Putin? Vai continuar apoiando a insanidade?

    PUTINS ENDGAME!

    Putin says that a strategic loss for Russia against the West is not Possible. In such a scenario, Russia will ensure that there will be no winner.

    @DAlperovitch

    Memória e diplomacia: o verso e o reverso (2010) - Paulo Roberto de Almeida

     Enquanto não preparo uma resenha das memórias de Rubens Ricupero, reproduzo aqui um texto antigo sobre as "memórias" de diplomatas.

    Paulo Roberto de Almeida

    Brasília, 20 de junho de 2024

    Memória e diplomacia: o verso e o reverso

     

    Paulo Roberto de Almeida

     Shanghai, 2010


    Memórias, pelo menos memórias publicadas, não são para qualquer um: elas geralmente constituem o apanágio e a distinção daqueles que tiveram um itinerário de vida semeado de grandes e importantes cruzamentos com a vida política nacional (ou até internacional) e que desempenharam algum papel de relevo em alguns dos episódios. Pode ocorrer, também, com indivíduos que foram simplesmente testemunhas desses fatos, mesmo com alguma participação mínima nesses eventos, aquilo que Raymond Aron chamou, para si mesmo, de “espectador engajado” (ver suas Memórias, publicadas em 1983, e o livro de depoimento, que leva justamente esse título). Todos esses deveriam se sentir compelidos a colocar no papel, ou em qualquer outro suporte memorialístico, aqueles registros pessoais que apresentem relevância para a compreensão desses episódios, fatos e eventos de que tenha, ou não, participado, mas sobre os quais podem oferecer um depoimento inteligente. Líderes da área econômica, mesmo não tendo participado de fatos relevantes, mas que foram importantes em processos mais estruturais de transformação produtiva na vida de um país também podem oferecer suas “memórias do desenvolvimento”, pois de certa forma ajudaram a construí-lo e a enriquecer a sociedade. 

    Os diplomatas, pela sua importância “locacional” em determinados episódios da interface externa do país, também poderiam oferecer bons testemunhos sobre os grandes eventos internacionais a que assistiram ou dos quais foram partícipes, ainda que em posição de baixa responsabilidade decisória. Muitos deles conviveram e assessoram estadistas, chefes de Estado e ministros, e se ocuparam justamente de processar a informação, colocá-la no contexto, oferecer resumos sintéticos e propostas de decisão para aqueles mesmos encarregados de tomá-las e se situam, assim, numa posição privilegiada para relatar o que viram, ouviram e até o que fizeram. São muitos os relatos diplomáticos e também numerosas as memórias de diplomatas, um gênero infelizmente muito pouco cultivado no Brasil, pelo menos entre os burocratas “normais” da carreira.

    Podem ser contadas nos dedos das duas mãos – e não precisamos dos dedos dos pés – as memórias de diplomatas, o que é de certa forma lamentável, não apenas no plano individual, mas também como evidência de uma lacuna institucional. O volume reduzido de depoimentos pessoais significa que a Casa, o ministério (que possui uma excelente memória coletiva) não se ocupa de resguardar as memórias individuais de seus membros, por meio de um programa sistemático de preservação de papéis individuais e de depoimentos organizados, que ultrapassem o aborrecido dos burocráticos maços individuais, para alcançar o que se poderia chamar de reflexão sobre a carreira e sobre os episódios mais relevantes que a rechearam. Elas existem, por certo, mas bem mais como resultado de uma decisão pessoal do que por estímulo do serviço diplomático, e de forma mais organizada numa entidade externa – o Cpdoc, por exemplo – do que por iniciativa da própria instituição. 

    Algumas dessas memórias cobrem mais o trivial da carreira, como exemplo o livro de Luis Gurgel do Amaral: O Meu Velho Itamarati (De Amanuense a Secretário de Legação) 1905-1913 (2a. ed.: Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008; 1ra. ed.: Imprensa Nacional,1947), um despretensioso relato sobre os tempos do Barão e a chamada belle époque (certamente não no Brasil, pois o Rio de Janeiro ainda estava infestado de mosquitos da febre amarela, e o próprio Barão se refugiava em Petrópolis). Outras são bem mais consistentes, como o excelente depoimento escrito do próprio punho pelo ex-chanceler Mario Gibson Barboza: Na Diplomacia, o traço todo da vida (Rio de Janeiro: Record, 1992). Na mesma época, foi publicado um livro de pretensões mais modestas, do ex-chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro: Lembranças de um Empregado do Itamaraty (São Paulo: Siciliano, 1992).

    Pertencentes a um período histórico ainda anterior a esses depoimentos que cobrem, em grande medida, o período militar, figuram as memórias de Manoel Pio Correa Jr, O mundo em que vivi (Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1996, 2 volumes), e as de Vasco Leitão da Cunha, Diplomacia em alto-mar: depoimento ao CPDOC (Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1994). Roberto Campos, o diplomata-economista, também deixou suas memórias; mas elas interessam menos, talvez, ao estudioso da história diplomática do Brasil do que ao pesquisador de sua história econômica: A Lanterna na Popa: memórias (Rio de Janeiro: Topbooks, 1994; 4a. ed. rev. e aum.; Rio de Janeiro: Topbooks, 2001-2004, 2 volumes). Ele era, certamente, uma ave rara no Itamaraty, que provavelmente não soube apreciá-lo à altura de sua capacidade, em virtude de sua posição bastante crítica à postura excessivamente “terceiro-mundista” do Itamaraty.

    O mais recente exemplo no gênero memorialístico pode ser atribuído a Ovídio de Andrade Melo, que em seu algo desconjuntado depoimento encomendado por colegas ideologicamente afins, Recordações de um Removedor de mofo no Itamaraty: relatos de política externa de 1948 à atualidade (Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009), trata da política nuclear do Brasil e da recusa ao TNP, do reconhecimento de Angola e dos seus périplos afro-asiáticos. Flavio Mendes de Oliveira Castro também ofereceu um depoimento mais para o anedótico, em Caleidoscópio: cenas da vida de um diplomata (Rio de Janeiro: Contraponto, 2007); mas ele já tinha reunido uma importante documentação sobre a própria casa e seus chefes nesta obra de 1981, recentemente atualizada e reeditada: Dois séculos de história da organização do Itamaraty; 1: 1808-1979; 2: 1979-2008 (Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, 2 volumes). Mais específica a uma determinada fase da vida de um diplomata, e juntando memória pessoal e depoimento sobre uma época, é este livro de Carlos Alberto Leite Barbosa: Desafio Inacabado: a política externa de Jânio Quadros (São Paulo: Atheneu, 2007). Outros cobrem praticamente toda a vida diplomática, pelo menos acima do conselheirato: foi o caso de Vasco Mariz em: Temas da política internacional: ensaios, palestras e recordações diplomáticas (Rio de Janeiro: Topbooks, 2008).

    Também existem aqueles que juntam discursos, conferências, palestras e artigos publicados – muitos deles escritos por assessores – para realizar uma compilação em formato de livro, acrescido de algumas reflexões introdutórias ou comentários esparsos, o que parece ter sido o caso de Paulo Tarso Flecha de Lima, em seu Caminhos Diplomáticos: 10 anos de agenda internacional (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1997) ou, mais recente, de Luiz Felipe Lampreia: O Brasil e os Ventos do Mundo (Rio de Janeiro: Objetiva, 2010). Os que não têm tempo de sequer fazer isso, apenas pedem que se lhe juntem os discursos (raramente escritos da própria mão) e os publicam às expensas do contribuinte, como já ocorreu com vários chefes da Casa. Outros colecionam papéis, importantes, que depois eventualmente serão disponibilizados pela família ou pessoalmente; foi o caso de Paulo Nogueira Batista, por meio desta coletânea: Suely Braga da Silva: Paulo Nogueira Batista: o diplomata através de seu arquivo (Rio de Janeiro: Cpdoc; Brasília: Funag, 2006); e também de um dos pioneiros da diplomacia econômica no Itamaraty: Teresa Dias Carneiro: Otávio Augusto Dias Carneiro, um pioneiro da diplomacia econômica (Brasília: Funag, 2005). 

    Relevantes, também, são os depoimentos prestados ao Cpdoc, uma vez que eles vêm com um aparato crítico-metodológico que os próprios diplomatas não estão habituados a preparar. Podem ser citados, nessa categoria, João Clemente Baena Soares: Sem medo da diplomacia: depoimento ao Cpdoc (organizadores Maria Celina D’Araujo et alii; Rio de Janeiro: FGV, 2006); Marcílio Marques Moreira: Diplomacia, Política e Finanças (Rio de Janeiro: Objetiva, 2001); e o próprio Vasco Leitão da Cunha, já citado. Aguarda-se agora o depoimento de Rubens Antonio Barbosa, em curso de preparação pelo mesmo Cpdoc.

    Um traço comum à maior parte dos depoimentos, memórias e entrevistas coletadas é a adesão de quase todos eles à chamada “cultura da Casa”, feita de certo conformismo pouco crítico com a política externa – que muitas vezes eles ajudaram a forjar ou a defender –, uma “fidalguia” de caráter que os impede de apontar lacunas sérias no modo de funcionamento do ministério e muita benevolência em relação às supostas excelências do serviço diplomático brasileiro. Poucos são críticos, como Roberto Campos, e os que são, como Ovídio Mello, o fazem por clara adesão política a correntes que nunca pertenceram ao chamado mainstream diplomático brasileiro, embora tenham permeado seu pensamento desenvolvimentista e terceiro-mundista.  Esse é, digamos assim, o reverso da medalha das “memórias diplomáticas”: elas expõem ou justificam algumas políticas, mais do que discutem seus fundamentos ou oferecem reflexões livres sobre suas implicações para o país e a sociedade.

    Todos esses depoimentos, memórias e coletâneas de documentos e reflexões são relevantes na construção de uma memória “viva” – se é o caso de se dizer – da história diplomática brasileira; mas muito ainda falta a ser feito para se alcançar certo rigor na tomada de depoimentos – que deveria ser um empreendimento oficial e coletivo, por exemplo – e na sua depuração crítica, com todo o aparato da técnica historiográfica. Mais importante, o Itamaraty não dispõe sequer de um historiador oficial, que possa juntar os documentos mais relevantes, agrupá-los tematicamente e colocá-los à disposição dos pesquisadores e do público at large, como ocorre com a U.S. Foreign Relations series. Tempo virá, certamente, em que esse tipo de trabalho se fará em bases permanentes e regulares, com a ajuda dos muitos historiadores que já ingressaram na carreira diplomática.

     

    Shanghai, 23.09.2010

    Blog Diplomatizzando

    (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/09/memorias-diplomaticas-paulo-r-de.html )

    quarta-feira, 19 de junho de 2024

    Stefan Zweig e o país que não chegou ao futuro in: Stefan Zweig no caleidoscópio do tempo - Paulo Roberto de Almeida

     Mais recente capítulo de livro publicado, este ensaio sobre Stefan Zweig e sua obra sobre o Brasil, de 1941, que eu havia escrito um ano e meio atrás: 


    4294. “Stefan Zweig e o país que não chegou ao futuro”, Brasília, 22 dezembro 2022, 10 p. Colaboração a livro sob a coordenação da Casa Stefan Zweig e do Laboratório de Estudos Judaicos da Universidade Federal de Uberlândia. Publicado in: Kristina Michahelles, Geovane Souza Melo Junior e Kenia Maria de Almeida Pereira (orgs.), Stefan Zweig no caleidoscópio do tempoReflexões sobre o autor de Brasil, um país do futuro (Rio de Janeiro: Passaredo Edições, 2024, 294 p.; ISBN: 978-65-983721-0-1; p. 131-146). Relação de Publicados n. 1561


    Trecho inicial de minha contribuição: 


    Stefan Zweig e o país que não chegou ao futuro

      

    Paulo Roberto de Almeidaa

    Diplomata, professor.

     

    "Antes que, por livre vontade e na plena possessão de meus sentidos, eu abandone a vida, me sinto obrigado a cumprir um último dever: agradecer, desde o meu mais íntimo, a este maravilhoso país, Brasil, que nos ofereceu a mim e a minha obra um lugar tão magnífico e acolhedor. Cada dia passado aqui contribuiu a querer ainda mais a este país, em nenhum outro lugar teria desejado reconstruir a vida novamente, depois que o mundo de meu próprio idioma se derrubou e que o meu lar espiritual, a Europa, se autodestruiu. Mas, depois de cumprir sessenta anos fazem falta forças para começar totalmente de novo. E as minhas estão esgotadas, depois de tantos anos a errar sem pátria. Por isso considero melhor cerrar em seu devido tempo e com uma alta atitude uma vida que o trabalho intelectual e a liberdade pessoal me deram as maiores alegrias e me parecem o mais elevado bem desta terra. Saúdo a todos os meus amigos. Oxalá cheguem a ver a aurora depois desta larga noite. Eu, excessivamente impaciente, me adianto a todos eles."

    “Declaração”, Stefan Zweig (Petrópolis, 22/02/1942)

     

     

    Como nasceu a ideia de escrever sobre o “país do futuro”?

    Nas memórias que começou a conceber desde sua saída apressada da Áustria, após que Hitler alcançou o poder na Alemanha, mas que só foram terminadas por ocasião de sua vinda definitiva para o Brasil, Stefan Zweig descreve seus sentimentos ao atravessar o Atlântico em 1936, a partir da Inglaterra, onde se encontrava exilado desde 1934: 

    Era apenas com o meu corpo, e não com toda a minha alma, que eu vivia na Inglaterra naqueles anos. E foi justamente a preocupação que me causava a Europa, essa angústia que pesava dolorosamente sobre os nervos, que me fez viajar bastante, e mesmo atravessar duas vezes o oceano, durante os anos que se estendem da tomada do poder por Hitler e o começo da Segunda Guerra Mundial. Eu estava impulsionado talvez pelo pressentimento de que era necessário me abastecer de impressões e de experiências, tantas quanto o coração poderia conter, enquanto o mundo permanecia aberto e que ainda era permitido aos barcos navegar tranquilamente pelos mares, talvez mesmo pela suspeita ainda muito vaga de que o nosso futuro, o meu em especial, estava além dos limites da Europa. Uma sequência de conferências nos Estados Unidos me ofereceu a oportunidade desejada de ver, de leste a oeste, de norte a sul, esse grande país em toda a sua diversidade, combinada, entretanto, a uma profunda unidade. Mas, talvez ainda mais forte foi a impressão que me deu a América do Sul, na qual aceitei de boa vontade participar de um congresso convidado pelo PEN-Club Internacional: nunca antes me pareceu tão importante quanto esse momento de fortificar o sentimento da solidariedade espiritual acima das fronteiras dos países e das línguas. (1993, p. 461)

     

    Sua primeira estada na América do Sul, com uma curta passagem pelo Rio de Janeiro, entre o final de agosto e o início de setembro, foi relatada numa coleção de impressões de viagem que o próprio Stefan Zweig publicou separadamente ao retornar à Inglaterra no outono de 1936. Zweig concebeu escrever um livro sobre o Brasil logo depois dessa primeira passagem pelo país, a caminho de Buenos Aires. Eles foram reunidos em 1937 e publicados numa editora vienense com vários outros textos do autor: Begegnungen mit Menschen, Büchern, Städten (Encontros com homens, livros, cidades). Em 1981, foram novamente reunidos na coletânea Länder, Städte, Landschaften (Países, cidades, paisagens).

    Zweig já estava, então, planejando escrever um livro mais alentado sobre o Brasil e por isso recusou, no final de 1937, uma proposta de seu editor brasileiro, Abraão Kogan, para publicar uma edição traduzida, o que não se realizou de imediato. Ainda assim, Kogan juntou os relatos a outros textos do livro Begegnungen e publicou-a em 1938, numa edição uniforme de sua obra, sob um título similar: Encontros com homens, livros e países. Apenas oitenta anos depois de sua primeira viagem ao Brasil, os textos foram novamente publicados sob o título de Kleine reise nach Brasilien, traduzido e publicado como Pequena Viagem ao Brasil (2016). Vários trechos da Pequena Viagem foram de fato incorporados ao País do Futuro, que se beneficiou, assim, daquele projeto inicial necessariamente sintético, dada a brevidade de sua passagem em 1936, numa travessia atlântica durante a qual ele também começou a escrever a biografia de Fernão de Magalhães, na epopeia da primeira volta ao mundo (obra terminada e publicada em 1937).

    A primeira estada de Zweig no Brasil se dá, portanto, sob o governo constitucional de Getúlio Vargas – eleito em 1934 pela Assembleia Constituinte –, mas já depois da Intentona Comunista de novembro de 1935, sob a vigência da Lei de Segurança Nacional, e dois anos antes das eleições previstas para 1938, quando deveria ser eleito, por voto direto e secreto (pela primeira vez), o próximo presidente. Zweig certamente tomou conhecimento do golpe do Estado Novo, em novembro de 1937, por acaso o mesmo nome já adotado pela ditadura portuguesa quase dez anos antes, na esteira de diversos outros regimes autoritários, geralmente de direita, que estavam se multiplicando na Europa e na América Latina. Já estabelecido na Inglaterra desde 1934, quando fugiu apressadamente de Salzburg, Zweig teve o “privilégio” de ver os seus livros queimados pelos nazifascistas duas vezes: em 1933, em Berlim, e novamente na Áustria em 1938, depois do Anchluss, a anexação ao Terceiro Reich. 

    (...)

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    O livro pode ser adquirido junto à Casa Stefan Zweig: 

    Contato: casastefanzweig@gmail.com

    https://casastefanzweig.org.br/

    Extrema direita global se articula para minar agenda diplomática mundial (UOL)

     Extrema direita global se articula para minar agenda diplomática mundial

    UOL Notícias
    19 de junho de 2024

     O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e o presidente da Argentina, Javier Milei, em conferência conservadora nos EUA Imagem: 24.fev.2024-Handout / Argentina's Presidency Press Office / AFPMovimentos da extrema direita mundiais articulam uma aproximação para minar a agenda diplomática globais, desmontando ou pelo menos enfraquecendo de maneira importante acordos adotados por governos nos últimos anos. O foco é neutralizar a Agenda 2030, um plano de ação capitaneado pela ONU e que tem como meta criar um sistema de desenvolvimento sustentável.


    Em 2015, governos de todo o mundo estabeleceram 17 objetivos a serem trabalhados até o ano de 2030, incluindo a erradicação da pobreza extrema, a transformação da produção, a igualdade de gênero, o uso adequado de recursos naturais, a garantia de educação e o fortalecimento dos direitos humanos.

    O plano passou a ser o principal eixo dos esforços internacionais de desenvolvimento, na esperança de dar um salto qualitativo inédito para o planeta até o final da década.

    Desmontar o pacote, porém, passou a ser uma das principais bandeiras da extrema direita, sob o argumento de que se trata de um "plano globalista" para minar as soberanias nacionais, destruir famílias e permitir a "invasão migratória" que abalaria o mundo cristão.

    Nos últimos meses, uma ofensiva de desinformação nesse sentido ganhou força, inclusive fazendo uma relação entre o pacto para acabar com a pobreza e o surgimento da covid-19. Com teorias da conspiração, os difusores da mentira sugerem que a pandemia não existiu e seria apenas um instrumento para que a agenda progressista pudesse ser implementada.

    Não faltam ainda postagens que alegam que o fluxo migratório ao Sul da Itália nada mais é que um suposto eixo da Agenda 2030, camuflado de "redução de desigualdade". A meta de educação de qualidade passou a ser acusada pela extrema direita de ser um instrumento para "doutrinar" as crianças, enquanto "igualdade de gênero" foi denunciada como uma suposta forma de promover a "destruição de famílias".

    Nos últimos anos, líderes de diferentes partidos de ultradireita começaram a incorporar essa narrativa em seus discursos. Em 2021, por exemplo, num discurso no Parlamento espanhol, a deputada Magdalena Nevada del Campo, do partido Vox, alegou que "o globalismo - ou a Agenda 2030- não apenas não interessa aos patriotas, mas também destrói a soberania das nações". "Trata-se de uma agenda que quer destruir tudo o que dá a um homem sua identidade e destino: a família, a nação e a transcendência", disse.

    A Agenda 2030, portanto, estaria baseada em ameaças ameaças falsas ao planeta, incluindo mudanças climáticas.

    Desmonte começa a ser implementadoNa semana passada, porém, esse desmonte deixou de ser apenas uma narrativa e passou a ser implementado.

    Ao retornar para a Argentina depois de ir aos comícios da extrema direita europeia, em Madri, o presidente Javier Milei apagou de todo seu programa de política externa as referências ao papel do país nos compromissos assumidos em 2015 sobre a Agenda 2030.

    Uma circular ainda ordenou que todas as embaixadas e missões argentinas pelo mundo se distanciem de eventos, seminários, debates e negociações que tenham a Agenda 2030 como foco.

    A decisão foi tomada depois de pressão feita pela cúpula do Vox, o movimento espanhol herdeiro do franquismo, e foi lamentada pela ONU.

    "Na Argentina, as recentes medidas propostas e adotadas correm o risco de prejudicar a proteção dos direitos humanos", disse o alto comissário da ONU para Direitos Humanos, Volker Turk. "Essas medidas incluem cortes nos gastos públicos, que afetam particularmente os mais marginalizados, o fechamento anunciado de instituições estatais dedicadas aos direitos das mulheres e ao acesso à Justiça e uma instrução do Ministério das Relações Exteriores para suspender a participação em todos os eventos no exterior relacionados à Agenda 2030", lamentou.

    "Peço às autoridades que coloquem os direitos humanos no centro de suas políticas, para construir uma sociedade mais coesa e inclusiva", pediu.

    No início do ano, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, Milei já havia classificado os compromissos sociais como "uma agenda socialista".

    Ainda assim, o fato chamou a atenção do Itamaraty e de chancelarias de outros países, que passaram a entender que a conexão entre os movimentos de extrema direita não se limita apenas a subir em palanques de forma a mostrar apoio mútuo. "Começa a existir coordenação e pressão inclusive para que medidas diplomáticas de países governados pelos ultraconservadores sejam modificadas", estima um negociador brasileiro.

    A "passagem ao ato" por parte da Argentina ampliou a preocupação por parte do governo brasileiro em relação ao comportamento da extrema direita e sua capacidade de congelar a agenda internacional.

    O que ocorreu na Argentina, segundo experientes embaixadores, pode ser apenas o começo de um processo maior. Com a extrema direita no poder em alguns países europeus, com uma influência maior no Parlamento Europeu e a possibilidade de uma vitória de Donald Trump, nos Estados Unidos, não se descarta que a própria construção da agenda internacional dos últimos anos esteja ameaçada.

    O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a reunião do G7, no final de semana, para conversar com Emmanuel Macron, da França, e Olaf Scholz, da Alemanha, sobre a necessidade de se construir algo mais sólido, numa espécie de "front democrático". Não há ainda um acordo sobre como isso poderia ocorrer. Mas uma das ideias seria uma conferência internacional, no segundo semestre, às margens da Assembleia Geral da ONU.


    Declaração final da Conferência sobre a Paz na Ucrânia, divulgada pelo Conselho Europeu

    Declaração final da Conferência sobre a Paz na Europa divulgada pelo Conselho Europeu


    Joint Communiqué on a Peace Framework adopted at the Summit on Peace in Ukraine


    The ongoing war of the Russian Federation against Ukraine continues to cause large-scale human suffering and destruction, and to create risks and crises with global repercussions for the world. We gathered in Switzerland on 15-16 June 2024 to enhance a high-level dialogue on pathways towards a comprehensive, just and lasting peace for Ukraine. We reiterated resolutions A/RES/ES-11/1  and A/RES/ES-11/6  adopted at the UN General Assembly and underscored our commitment to upholding International Law including the United Nations Charter.

    This Summit was built on the previous discussions that have taken place based on Ukraine’s Peace Formula and other peace proposals which are in line with international law, including the United Nations Charter. 

    We deeply appreciate Switzerland’s hospitality and its initiative to host the High-Level Summit as expression of its firm commitment to promoting international peace and security.

    We had a fruitful, comprehensive and constructive exchange of various views on pathways towards a framework for a comprehensive, just and lasting peace, based on international law, including the United Nations Charter. In particular, we reaffirm our commitment to refraining from the threat or use of force against the territorial integrity or political independence of any state, the principles of sovereignty, independence, and territorial integrity of all states, including Ukraine, within their internationally recognized borders, including territorial waters, and the resolution of disputes through peaceful means as principles of international law.

    We, furthermore, have a common vision on the following crucial aspects: 

    1. Firstly, any use of nuclear energy and nuclear installations must be safe, secured, safe-guarded and environmentally sound. Ukrainian nuclear power plants and installations, including Zaporizhzhia Nuclear Power Plant, must operate safely and securely under full sovereign control of Ukraine and in line with IAEA principles and under its supervision.

    Any threat or use of nuclear weapons in the context of the ongoing war against Ukraine is inadmissible.

    2. Secondly, global food security depends on uninterrupted manufacturing and supply of food products. In this regard, free, full and safe commercial navigation, as well as access to sea ports in the Black and Azov Seas, are critical. Attacks on merchant ships in ports and along the entire route, as well as against civilian ports and civilian port infrastructure, are unacceptable. 

    Food security must not be weaponized in any way. Ukrainian agricultural products should be securely and freely provided to interested third countries.

    3. Thirdly, all prisoners of war must be released by complete exchange. All deported and unlawfully displaced Ukrainian children, and all other Ukrainian civilians who were unlawfully detained, must be returned to Ukraine.

    We believe that reaching peace requires the involvement of and dialogue between all parties. We, therefore, decided to undertake concrete steps in the future in the above-mentioned areas with further engagement of the representatives of all parties.

    The United Nations Charter, including the principles of respect for the territorial integrity and sovereignty of all states, can and will serve as a basis in achieving a comprehensive, just and lasting peace in Ukraine.