sexta-feira, 18 de abril de 2025

O bispo que contestava: dom Angélico Sândalo Bernardino - Bernardo Mello Franco (O Globo)

 Citação do dia : "Cristo foi considerado subversivo e por isso foi crucificado" - Bispo dom Angélico Sândalo Bernardino, que faleceu na terça-feira aos 92 anos

... Em 1976, ele foi vigiado num encontro católico em Barueri, onde acusou a repressão de usar “métodos bárbaros” para “arrancar confissões”. Destemido, repetiria a denúncia numa igreja lotada após o assassinato do operário Manoel Fiel Filho. “Quem não está vendo Deus a falar da morte triste do metalúrgico? Como tantos outros, ele foi torturado”, pregou, antes de se referir ao DOI-Codi como “casa de horrores”. (Maurício David)

 

 

O bispo que contestava

Bernardo Mello Franco 

O Globo, sexta-feira, 18 de abril de 2025


Bispo irritou militares ao denunciar a tortura e apoiar movimentos por creches e moradia

 

Em novembro de 1978, a ditadura resolveu investigar um gibi. A repressão queria saber quem financiava “As Aventuras de Zé Marmita”. Distribuída na periferia de São Paulo, a revistinha narrava a rotina nas fábricas e incentivava os trabalhadores a lutarem por melhores condições de vida. Só podia ser coisa de dom Angélico, bispo tachado de subversivo e adversário do regime.

Na juventude, Angélico Sândalo Bernardino não sabia se queria ser padre ou jornalista. Resolveu o dilema ao unir as duas vocações, ajudando a Igreja a se comunicar com os fiéis. Antes de ser ordenado, ele já escrevia no Diário de Notícias, da diocese de Ribeirão Preto. Mais tarde comandaria as “rádios-cornetas”, com alto-falantes pendurados nos postes de favelas e ocupações.

Em 1969, o religioso foi alvo da primeira perseguição. A polícia quis prendê-lo por suposta ligação com a luta armada. A Igreja saiu em defesa do padre, e a Justiça Militar arquivou o caso por falta de provas. Dois anos depois, dom Angélico foi fichado como “elemento reconhecidamente esquerdista”, envolvido em “atividades subversivas”. “O epigrafado vem transformando o Diário de Notícias num autêntico órgão de contestação revolucionária, semeando intrigas e mentiras contra as autoridades”, esbravejaram os arapongas.

Além de ler os artigos de jornal, os militares se infiltravam nas missas para ouvir os sermões. Em 1974, um informe do II Exército relatou que ele “fez severas críticas ao governo, a quem acusou de culpado pela falta de gêneros, pelo aumento do custo de vida e pelas longas filas do INPS”. “Cristo foi considerado subversivo e por isso foi crucificado”, acrescentou o religioso, para a ira dos espiões disfarçados entre os fiéis.

Em 1976, ele foi vigiado num encontro católico em Barueri, onde acusou a repressão de usar “métodos bárbaros” para “arrancar confissões”. Destemido, repetiria a denúncia numa igreja lotada após o assassinato do operário Manoel Fiel Filho. “Quem não está vendo Deus a falar da morte triste do metalúrgico? Como tantos outros, ele foi torturado”, pregou, antes de se referir ao DOI-Codi como “casa de horrores”.

Incansável na defesa dos direitos humanos, o cardeal Paulo Evaristo Arns escalou dom Angélico como bispo auxiliar na Zona Leste. Ele passou a conviver com os órfãos do milagre brasileiro, que batalhavam pela sobrevivência em ruas sem asfalto e saneamento básico. O religioso abriu a igreja para os pobres, incentivou movimentos por creches e por moradia, usou sua voz para pressionar os poderosos.

Em 1977, quando um trem se chocou com um ônibus e matou 22 pessoas, ele ameaçou suspender a missa de domingo e se sentar nos trilhos para exigir cancelas de segurança. A RFFSA, que fazia corpo mole, teve que correr para instalar as barreiras.

Ao apoiar as greves do ABC, o bispo ficou amigo de um sindicalista que, muito tempo depois, subiria a rampa do Planalto. Em 2022, ele me disse que não se importava com patrulhas ideológicas. “A Igreja nunca teve partido político. Nós saíamos com o povo reivindicando creche, escola e hospital. Essa era a nossa subversão”, ironizou. “Nos chamavam de comunistas, mas só estávamos ao lado dos trabalhadores.”

Após cinco meses de investigações, a ditadura arquivou o caso do Zé Marmita. A Polícia Federal concluiu que não havia financiadores ocultos. O gibi da pastoral de dom Angélico era rodado “mediante doações em papel, impressão a preços menores e desenhos feitos por estudantes”. O bispo morreu nesta terça, aos 92 anos.

 


A globalização não vai morrer por causa de Trump - Celso Ming (O Estado de S. Paulo)

Ora, o declínio da globalização...

Celso Ming

O Estado de S. Paulo,  sexta-feira, 18 de abril de 2025

 

O tarifaço do presidente Donald Trump, acompanhado das suas iniciativas isolacionistas, levou alguns analistas a concluir que o processo de globalização está em inexorável retração.

É uma afirmação apressada e temerária, até porque a pretensão do governo dos Estados Unidos não é acabar com a globalização, mas impor mudanças numa economia de abrangência global.

A globalização não começou ontem. Quando Alexandre, o Grande, conquistou o Oriente Médio e a Ásia, por volta do ano 320 a.C., toda essa região foi, de alguma forma, helenizada, e as relações econômicas e culturais passaram a ser compartilhadas entre aqueles povos. Em toda parte se falava grego, como hoje se fala inglês, e construíram-se teatros onde eram encenadas as tragédias de Eurípedes, Ésquilo e Sófocles.

Resultados equiparáveis aconteceram ao longo do Império Romano, na Rota Chinesa da Seda, com a descoberta da imprensa, com as grandes navegações e na Revolução Industrial, que espalhou pelo mundo estradas de ferro, navegação a vapor, fábricas e o telégrafo. De lá para cá, o processo se aprofundou com a integração da produção e da distribuição, com a revolução das finanças internacionais, com a criação da internet e a disseminação dos computadores e, agora, com o uso da inteligência artificial.

Por aí já dá para desconfiar de que apenas quatro anos de presidência de Trump não serão suficientes para acabar com uma força histórica de milhares de anos – que acelerou o comércio e o desenvolvimento econômico.

Como o alvo imediato do tarifaço parece ser a China, não há de ser uma cultura multimilenar, que passou por tudo, e há muito aprendeu a esperar, que se agachará diante de uma musculatura que tem prazo previsível de validade.

Ledo engano do presidente Trump é o de querer trazer de volta a indústria que migrou para onde as condições de produção enfrentam custos mais baixos. Seria como querer que a água corra para cima. Além disso, em quase toda a parte, a indústria deixou de ser o principal motor de geração de renda nacional.

Sete décadas de protecionismo praticado no Brasil não melhoraram a competitividade da indústria nem contiveram seu declínio. E, assim, tenderá a ser globalmente. Atualmente, os serviços devem ultrapassar os 70% do PIB e o principal fator de riqueza passou a ser a tecnologia de ponta.

Ninguém tem, hoje, condições de prever como evoluirão as relações econômicas a partir do cavalo de pau imposto ao resto do mundo pelo presidente Trump. É provável que a própria dinâmica interna da economia dos Estados Unidos acabe por trazer de volta a racionalidade da organização produtiva. Também é provável que o sistema de pesos e de contrapesos inerente ao regime democrático se encarregue de esvaziar o atual surto totalitário do governo Trump.


A batalha da Maria Antonia, Documentario - Matheus Cosmo (Blog da Boitempo)

Essa batalha precede meu ingresso no curso de Ciências Sociais da USP, que seria, teocricamente, na Maria Antonia, mas que, em função dessa destruição, em outubro de 1968, mudou para a Cidade Universitária. Em outubro, eu estava fazendo vestinular para o curso, que já foi na Cidade Universitária; lembro-me de ter sido entrevistado pela Professora Ruth Cardoso e pelo Professor Sedi Hirano. Fui da primeira turma dos "barracões" da Cidade Universitária, mas fiquei pouco tempo. Assim que ingressei no primeiro semestre, no começo de 1969, os principais professores foram aposentados compulsoriamente pelo AI-5: Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Octavio Ianni. Como eu já militava na resistência à ditadura, mas a "minha" universidade era invadida pelo "meu" quartel (sim, também fazia serviço militar na época), e a repressão aumentou, acabei saindo do Brasil em 1970, para passar quase sete anos na Europa: refiz toda a graduação em Ciências Sociais na Universidade Livre de Bruxelas (1971-74), fiz um mestrado em Economia do Desenvolvimento (1975-76) e me inscrevi para um doutoramento na ULB, mas acabei postergando para voltar ao Brasil, quando ingressei na carreira diplomática (no final de 1977). Só terminei o doutoramento em 1984, já no meu segundo posto diplomático. 

Paulo Roberto de Almeida (18/04/2025)


“A batalha da rua Maria Antônia” ou sobre tudo que um incêndio e uma ditadura são capazes de destruir

 

"Ora, se poesia e arte são também um direito conquistado, também contra ele voltou-se a ditadura, esse efetivo golpe à nossa inteligência e à capacidade de imaginar saídas, alternativas e outros horizontes."


Por Matheus Cosmo

Blog da Boitempo, 17/04/2025 


Vazia. A porta da faculdade toda chamuscada e depredada. Houvera um incêndio. […] Não foi um incêndio, apenas. Foi alguma coisa como o calor da obstinação, da fé, da esperança. Foi o sinônimo da minha geração e daquela rua. […] O país era uma extensão de cada um de nós, e aquela ditadura – aquela humilhação – doía mais que o puro martírio, porque significava nossa impotência.
— Consuelo de Castro

Maria Antônia é um daqueles espaços marcados pela condição do exílio, de um exílio que já se constitui na dor da partida.
— Irene Cardoso

Pode ser difícil de imaginar à primeira vista, mas na experiência humana o passado é aquilo que mais muda com o correr do tempo. A revisão e a elaboração ininterruptas do que foi e do que poderia ter sido parecem constituir um objeto de investigação constante da experiência individual e coletiva. Nesse sentido, viver parece mesmo ser um constante rasgar-se e remendar-se, a fim de encontrar, produzir e formular outros e novos significados a partir da experiência vivida e dos indesejáveis bloqueios estabelecidos.

Talvez esse seja um bom modo de iniciar um texto a respeito da experiência histórica concernente ao ano de 1968 — essa espécie de instante mágico no qual, segundo Décio de Almeida Prado, muito se fez e se desfez1. Enquanto boa parte do mundo parecia abrir-se a uma revolução sexual e a um abalo generalizado das estruturas de vida e pensamento, herdadas de um já conhecido paradigma moderno, o Brasil parecia enclausurar-se entre a ideia de um milagre econômico e a atrocidade da violência generalizada que, principalmente a partir daquele mesmo ano, com a edição do decreto do AI-5, haveria de produzir ainda mais torturas, mortes e desaparecimentos em massa. Por isso mesmo, motivos não faltam para que o Estado brasileiro de fato formalize um pedido de desculpas às famílias e vítimas de sua ditadura militar. Macaé Evaristo, atual ministra do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, em cerimônia realizada em 24 de março deste ano, no Cemitério Dom Bosco, em Perus (o mesmo onde foram abertas valas clandestinas para o despejo das ossadas de vítimas do golpe), chegou a mencionar a necessidade de fazer enfim valer no Brasil o direito inalienável à verdade. E é na esteira dessa difícil busca por nos garantir a inauguração e manutenção do que não pode sequer ser negociado, além da produção de uma versão digna e coerente dos fatos históricos, levando em conta sua triste memória, suas manchas e contornos, que o espectador brasileiro ganhou um excelente registro nessa última semana: como um trabalho prático e bem-sucedido de rememoração e resistência, A batalha da rua Maria Antônia acaba de estrear em grande parte dos cinemas nacionais.

Dirigido por Vera Egito após 12 anos de constante idealização, entre escritas e reescritas do projeto, o longa-metragem a respeito do episódio homônimo ocorrido em São Paulo nos dias 2 e 3 de outubro de 1968 é formado por 21 quadros. Filmados em um intervalo de apenas duas semanas, produzem um inteligente e estruturado plano sequência, que tenta conduzir o olhar do espectador junto a um registro vivo que não cabe no enquadramento das cenas, transbordando-as enquanto matéria excedente de uma opressão que ainda não parece ter cessado em definitivo. A forma ininterrupta das cenas, sem cortes em cada um dos quadros, estabelece vínculos que são difíceis de descrever e mensurar, sendo interrompidos apenas pela ordem da necessidade de uma ruptura, de um corte que parece mesmo externo ao próprio funcionamento do material, levando o espectador a acompanhar uma contagem regressiva rumo a um estrago irreparável. O limite imposto ao país, que barrou sua inteligência e desenvolvimento do início da década de 1960, ganha agora formato estético, em película de 16mm, todo em preto e branco, firmando esteticamente a experiência de um país estrangulado pelos desmandos ditatoriais da violência policial.

 

Já de início, na própria configuração espacial do projeto cênico, o conflito fica inteiramente posto, marcado por apenas uma rua. A famigerada Maria Antônia, no centro de São Paulo, é segmentada em cada um dos lados das calçadas: à direita da tela, as letras na parede apontam que o CCC voltou; do outro lado, à esquerda, uma faixa assegura a tentativa de fundar e propagar um movimento revolucionário. Em outros termos, de um lado temos a Universidade Presbiterana Mackenzie e seu abrigo ao grupo paramilitar treinado para caçar comunistas. Traduzindo a fina flor da burguesia, com seus ternos, gravatas e seu sempre presente ódio a qualquer política de avanço dos trabalhadores e estudantes, o Mackenzie marcava a efetiva consolidação da revanche da província, dos pequenos proprietários, dos ratos de missa, das pudibundas, dos bacharéis em leis e etc., de acordo com a conhecida expressão de Roberto Schwarz2. Do outro lado da rua, os estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, tentando arrecadar fundos para a realização do XXX Congresso da UNE, em Ibiúna, pedindo contribuições nas esquinas. Após a Batalha, ocorrida naquele mês de outubro de 1968, a Faculdade (em boa medida desmembrada em suas disciplinas) seria realocada na Cidade Universitária, no bairro do Butantã, em um dito prédio provisório que permanece o oficial até a atualidade.

O estilo inusitado e irreverente das personagens da Faculdade de Filosofia dá o tom do que poderia ser uma revolução nos costumes da sociedade brasileira, com seus cigarros, jaquetas e botões abertos nas blusas, em oposição aos terninhos engomados que produzem toda a caretice do lado direito. Um olhar em retrospectiva poderia afirmar, contudo, que ao menos parcialmente, com o esvaziamento de suas pautas e demandas verdadeiras, um tanto desta tal revolução chegou mesmo a se solidificar, abrindo as portas do que pode ser considerado como um pós-modernismo à brasileira: a completa estetização da desgraça e da desordem, revelada a partir de seu esvaziamento e da pura apresentação como mercadoria. Desse processo, nem a arte, nem a arquitetura, nem a educação puderam fugir. Por esse motivo, também a diretora e a equipe de produção do filme tiveram de buscar outra locação para realizar suas gravações: é que, passados tantos anos, o lixo comercial que hoje inunda a rua Maria Antônia em São Paulo, com seus bares, academias e luzes de Led, nem sequer deixa entrever a história que reside em suas paredes e calçadas.

Ao longo de 85 minutos, os atravessamentos cênicos são diversos, de toda ordem, e apenas ganham outros e novos contornos a cada cena: o que termina com o incêndio de todo um prédio — ato que concretizava também o projeto de expulsão de uma forma de vida e pensamento do centro de São Paulo para os confins da Cidade Universitária, na Zona Oeste — parece iniciar-se também como uma preocupação aparentemente legítima de parte do corpo docente em relação aos estudantes: “A aula é a última coisa que importa para eles”, lamenta Leda, professora, interpretada por Gabriela Carneiro da Cunha, para quem “Aristóteles é Aristóteles: não importa muito o tempo em que a gente está”. A fala da docente, que será agredida nos minutos finais do longa-metragem, abre um difícil dilema que há tempos edifica a prática de trabalho de qualquer professor minimamente atento e engajado: de que modo conjugar os conteúdos objetivos, da aparente formação intelectual de um sujeito, com a urgência das lutas e demandas práticas da vida? Até que ponto a segunda já funciona como a maior de todas as matérias, garantindo um ensinamento e uma aplicabilidade que se constrói junto à vida de cada um? Ora, por acaso existe vida e pensamento fora de uma realidade social? Afinal, como se forma um filósofo em uma época de horizontes bloqueados? Por que — e para que — se estuda filosofia?

Quantas seriam as lições que ainda teríamos de aprender com Paulo Freire, esse ídolo e amálgama do ódio direitista, sempre excludente, altamente classista? Quantos sentidos e funções cabem na palavra estudante, chamados de vagabundos a céu aberto, no meio das ruas? Em sala de aula, quais e quantos são os sentidos que um estudo apurado acerca da definição de tragédia pode ainda assumir antes de revelar-se como pura farsa antidemocrática? “Nem sempre dá pra fugir da confusão”, exclama Ângela, personagem central da trama, interpretada por Isamara Castilho. Daí a necessidade da escolha: afinal, em 1968, deve-se preparar uma aula sobre Aristóteles, Pitágoras ou sobre a democracia? A resposta, para além das predileções individuais de cada docente, traduz o engajamento da própria universidade e o nível da responsabilidade intelectual que ela é capaz de abarcar para si mesma, no processo de formação de um novo sujeito político.

A composição imagética dos quadros cênicos possui forte potência também naquilo que não diz verbalmente, mas que se mostra e enuncia na leitura a partir do cruzamento entre as próprias imagens. O entrelaçar de informações que se dá entre uma professora explicando a definição aristotélica de tragédia, de acordo com a famosa Poética grega, e os cartazes colados nas paredes, em defesa do Congresso da UNE e da participação popular, de um movimento eficaz que unisse estudantes e trabalhadores, dá o tom da urgência de um momento em que a História se mostrava em seu real potencial de construção. Nos corredores, havia a percepção de que o prédio da Faculdade de Filosofia ficara pequeno demais para os sonhos e projetos de toda uma juventude revolucionária que, naquele momento, defendia sobretudo o direito às vagas excedentes, à ocupação do espaço público — projeto avesso a qualquer sistema ditatorial, de opressão. Quando o que predomina é a prática da violência e o ódio gratuito à liberdade, “é preciso preservar o nosso direito de escrever poesia”, exclama um docente, engajado em seu fazer cotidiano, o qual efetivamente só alcança seu verdadeiro sentido no enfrentamento entre a vivacidade e urgência das pautas e a prevista passividade das carteiras.

Ora, se poesia e arte são também um direito conquistado, também contra ele voltou-se a ditadura, esse efetivo golpe à nossa inteligência e à capacidade de imaginar saídas, alternativas e outros horizontes. Não à toa, em conversa dentro da sala que guarda a importante urna de votação da UNE, cuja sede fora igualmente incendiada já no ano de 1964, o conhecido episódio de espancamento dos atores e de depredação dos cenários da montagem de Roda Viva, de Chico Buarque, em julho daquele ano, no Teatro Ruth Escobar, aparece enquanto memória e lembrança, produzindo suas marcas. Certamente, o país que espanca seus intérpretes e que prende seus artistas outorga para si mesmo uma terrível identidade — identidade essa da qual ainda hoje recolhemos frutos, uma vez que também ela ainda está aqui.


Nesse interregno, não existe possibilidade alguma de isenção. “Quando a Sra. se envolver, vem falar comigo!”, diz à professora da unidade o então líder do movimento estudantil, interpretado pelo ator Caio Horowicz, que personifica um tanto da conhecida figura de José Dirceu. É a partir desta relação difusa e complementar entre professor e aluno que, no 16º dos quadros apresentados, uma imagem discreta tem força total: dois professores, Leda e Rubens, do alto do andar superior, murmuram entre si que, certamente, aquilo vai acabar mal. O olhar de cima para baixo, do alto da cátedra para o chão prático da luta, aponta para a distância que parte do corpo docente toma da batalha que se firma no avançar de cada quadro.

Em depoimento dado no ano de 1987, o professor e pesquisador Simão Mathias, presidente designado para organizar uma Comissão que se propusesse a averiguar as minúcias de todo o acontecimento em 1968, reconheceu que havia três grupos de professores em atividade naquele momento: “um grupo pequeno de professores reacionários, um grupo de professores de centro, que era moderado, e um grupo de professores que lutava pela verdadeira universidade”3 — porque não há universidade, verdadeira em seu propósito, sem o respectivo engajamento a favor da cidadania e da participação popular. Aqui, mesmo sabendo da distância e diferença de viver em outro país, como não se lembrar de um teórico como Adorno, por exemplo? Como não reverberar, na distância e no julgamento entre professores e alunos, algo similar aos gritos dos estudantes franceses exclamando que as estruturas não descem às ruas? O Brasil da Maria Antônia apresentava-se com toda a particularidade das disputas nacionais, mas certamente não constituía um caso de isolamento diante dos problemas basilares que se davam também em outros cantos do mundo. Seu desenvolvimento seria diverso mas não alheio ao dos outros países, para fazer valer uma expressão muito cara a toda a geração do Seminário de Marx, que também encontrou régua e compasso nos encontros, corredores e discussões de uma antiga Faculdade de Filosofia4.

Se a situação já não era passível de alguma angústia até aqui, mesclando todas as possibilidades que um horizonte de luta pode ou não abrir, na contagem regressiva da sequência dos quadros, é a partir do 15º deles que um nó na garganta toma conta dos espectadores. Como pode uma mesma e única câmera, em um incansável plano sequência, dar forma às atrocidades múltiplas do início de um incêndio? No primeiro dos muitos Molotovs lançados contra a USP, incendiando a parte superior do prédio, o espectador é forçado a fazer da lente da câmera seu próprio olhar, reconhecendo que muito lhe escapará, mas que também isso é parte da violência excedente de um regime que ultrapassou os limites de qualquer exercício de cidadania e dignidade. De certa forma, também o espectador é levado a vivenciar um tanto daquele ânimo que conduziu os estudantes em 1968 — aquele que, nas palavras de Consuelo de Castro, traduziu-se em um difícil questionamento: “O que fazer quando não há o que fazer?”5. A angústia que toma o espectador, em parte similar àquela que outrora fomentou a necessidade de engajamento na luta armada, na urgência por uma ação e resposta, como um ato desesperado que fosse também uma alternativa real às prisões, mortes e desaparecimentos vividos, parece agora embriagar-se com o licor da experiência da derrota que, como se sabe, deu o tom dos últimos anos. Naquele instante, em 1968, o mundo parecia estar em aberto, por vezes até sem a necessidade de mediações entre a urgência do ato e os processos desejados. A bandeira do Brasil, pendurada na entrada do prédio de Filosofia, parecia mesmo sinalizar um símbolo em disputa — e que era o equivalente a todo um país, no limite da análise. Todavia, quando o que existe de mais urgente é apagar o fogo e reparar o tamanho de um estrago que já teve início e que não parece cessar nem mesmo por um minuto — o ataque ao prédio de Filosofia durou cerca de 10 horas ininterruptas6 —, a formulação de novas alternativas, a instauração de um regime efetivamente democrático parece mesmo se tornar um exercício difícil de se pensar e constituir.

Em um depoimento de agosto de 1987, José Dirceu, então líder do Movimento Estudantil, reconhecia: “Maria Antônia foi uma realidade que só a força das armas conseguiu acabar”7. Talvez seja importante sinalizar que as armas usadas em 1968 já haviam sido parcialmente empregadas e prometidas em momentos anteriores da História, como quando em setembro daquele mesmo ano a intranquilidade reinou mais uma vez no prédio da Faculdade de Filosofia da USP diante da ameaça do lançamento de bombas, que não chegaram a ser encontradas. Ora, sem ter como negar ou fugir deste imbróglio, resta pensar: afinal, poderiam os estudantes lutar com as mesmas armas de seus oponentes? Com quais armas pode a educação lutar contra a polícia? Há algum parâmetro possível para se comparar as duas forças? Com quais armas podem — e devem, sempre — lutar os estudantes?

A câmera que foca no vidro quebrado do prédio de Filosofia marca os estilhaços de uma estrutura que não era apenas física, mas também de todo um projeto democrático, um dia marcado pelo MCP, pelo Teatro de Arena e pelo Cinema Novo, por exemplo. Um pouco de tudo isso se desfez com a destruição do prédio. Não se tratava apenas de destruir um prédio, mas de demolir todo um projeto civilizatório — que agora haveria de recuar para a emergência conservadora que edificou alguns caminhos até aqui. A contagem regressiva dos quadros em cena parece mesmo ser uma espécie de bomba relógio que, aos poucos, anuncia a progressão da ruína da inteligência nacional. Errado seria imaginar que o conflito apresentado se inicia com ovos pedras e se encerra no embate entre USP e Mackenzie. A verdade é que a Batalha da Maria Antônia foi um ataque pensado e estruturado para destruir a Faculdade de Filosofia, tal como já havia ocorrido com a sala do Grêmio do prédio em 1964 e 1967 (nas duas ocasiões, pichada com dizeres como “CCC voltou!”, “Fora o comunismo!” e afins).

“Ali [do lado da Mackenzie] não tem estudante, não”, lembra ao espectador uma das personagens, tentando explicar a gravidade dos acontecimentos e episódios a Lilian, que ganha corpo, voz e entendimento a partir da interpretação de Pamela Germano. Na contramão disso, a estudante que mora no prédio universitário, que o ocupa e o transforma em seu lar (a mesma que elucida os conflitos a Lilian), Maria Helena, interpretada por Julianna Gerais, dá indícios do que pode significar a universidade e a própria educação quando seu sentido é mesmo civilizatório e democrático, longe dos fantasmas e aberrações de grupos paramilitares. Talvez uma parte desse furor possa ter sido reencontrada em 2015, com a ocupação das escolas estaduais em São Paulo. Todavia, também nos anos mais recentes, a resposta do Estado ainda seguiu exatamente a mesma: à tentativa de integração e redação de um projeto civilizatório, a polícia logo responde com suas armas, escudos e cavalos — e, no caso da Batalha da Maria Antônia, posicionando-se ainda em defesa do Mackenzie e dos interesses privados, a despeito da coisa pública, atendendo exclusivamente ao chamado da então reitora Esther Figueiredo Ferraz. Ao que parece, não há modo mais transparente de o Estado dizer de que lado efetivamente está.


“Eu sou professora” é uma frase que nem sequer consegue ser terminada, dada a brutalidade da resposta, que vem na forma de um soco policial. À imagem, difícil de ver e de assistir, logo segue outra agressão, dessa vez a uma estudante, lançada contra a parede e arrastada pelos cabelos. Que tipo de país produzimos quando permitimos a agressão a estudantes e professores? Que projeto civilizatório pode existir quando o saber é substituído por balas que atravessam a cabeça de um estudante secundarista, morto na calçada em frente ao prédio nos minutos finais do longa-metragem, em memória de José Guimarães? E como não se lembrar também de Edson Luís e de tantos outros estudantes e professores — todos mortos, desaparecidos, torturados? Nada mais triste e desconfortante que ouvir a voz de uma estudante cantando “Roda viva” e perceber o som de seu timbre falhando em “A gente quer ter voz ativa”, enquanto a câmera percorre os corredores já cheios de feridas e de feridos.

A Maria Antônia seria, então, um retrato efetivo da potência de nossa manifestação e da cruel consequência proveniente desse ato? Como saber exatamente o que ali se encontrava em disputa diante da desproporcionalidade das ações? Como um ovo arremessado contra uma estudante pode gerar o incêndio de todo um prédio e a prisão de professores? Quantas muitas coisas perdemos nessa Batalha? Quantas outras também teriam desaparecido junto àquele Livro Branco sobre os acontecimentos da Rua Maria Antônia, relatório assinado por Antonio Candido, Carlos Alberto Barbosa Dantas, Carlos Lyra, Eunice Durhan e Ruth Cardoso, a responsável pelo registro da experiência destrutiva dos difíceis dias 2 e 3 de outubro de 1968, finalizado cerca de um mês após o ocorrido e abafado logo em seguida, sem a circulação imediata?

De todas as personagens da trama, talvez uma seja a mais emblemática: Vânia. Sempre ausente das cenas, desaparecida política da ditadura, membro do Movimento Estudantil, renegada pela própria família — que a tem como terrorista —, da personagem sobra apenas a circulação da mais importante mensagem, aprendida com nossos vizinhos: Hasta la victoria siempre!

Se na cena inicial um jovem ainda no Ensino Médio desejava conhecer mulheres mais livres e descoladas, o desenrolar das cenas permite que justamente essas tomem o centro de todo o filme. Seja no espancamento dos inimigos, seja na resistência em sala de aula ou ainda na mensagem deixada, que decerto faz ecoar, são as mulheres que executam as ações principais do filme, passando da resistência ao ato sexual, que agora também se mostra disforme, sem contornos, mesclando a satisfação e o desconforto, a preservação de si mesmo, princípio de uma pulsão sexual atuante, e a distorção da própria imagem. Se o amor fez uma revolução enquanto afeto em 1968, também a sua imagem sofreu distorções ao longo dos anos, cabendo também aqui às mulheres certo exemplo de luta e participação. Especialmente às mulheres negras, duas das atrizes principais, cujos contornos aparecem sempre relembrados nas menções, nas paredes e cartazes, aos Black Panthers.

Em um de seus depoimentos, o brilhante professor Paul Singer lembrou que a transferência da FFCL à Cidade Universitária encerrou um ciclo, cujo fim foi selado pela aposentadoria de Florestan Fernandes, José Arthur Giannotti, Octávio Ianni, Bento Prado Jr., dentre outros8. Com a aposentadoria compulsória de vários docentes, determinada em 1969, um ano após todo o conflito, decerto um modelo de trabalho e pensamento parecia encontrar seu limite, sem deixar entrever o que viria a partir daí, garantindo para muitos apenas o desemprego e o trabalho em outras profissões. Longe da ciência e da prática docente, distante dos debates e discussões efetivos acerca da realidade nacional9. Quantas outras coisas também se encerraram naquele curioso cruzamento com a Rua da Consolação ainda estão para ser analisadas, no desmonte frequente das universidades e nas condições precárias e insalubres do trabalho em sala de aula. Em respeito e em defesa de todas elas, A batalha da rua Maria Antônia, que já ganhou os prêmios de Melhor Filme na Première Brasil do Festival do Rio (2023), Melhor Longa-Metragem de Ficção (Escolha do Júri) no Festival de Atlanta (2024) e o Prêmio Especial do Júri no Panorama Coisas de Cinema (2024), move-se como um exercício de memória e resistência em um tempo de horizontes ainda bloqueados.


Notas

  1. PRADO, D. A. O teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva, 1988. ↩︎
  2. SCHWARZ, R. “Cultura e política”. In: O pai de família e outros estudos. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 83. ↩︎
  3. MATHIAS, S. “Maria Antônia: um espírito para contagiar a universidade”. IN: SANTOS, M. C. L. Maria Antônia: uma rua na contramão. São Paulo: Nobel, 1988, p. 41. ↩︎
  4. SADER, E.; MORAES, J. Q.; GIANNOTTI, J. A.; SCHWARZ, R. Nós que amávamos tanto O Capital: leituras de Marx no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2017. ↩︎
  5. CASTRO, C. “Réquiem para uma calça Lee”. IN: SANTOS, M. C. L. Maria Antônia: uma rua na contramão. São Paulo: Nobel, 1988, p. 93. ↩︎
  6. CARDOSO, I. “Maria Antonia: o edifício de nº 294”. IN: Para uma crítica do presente. 2. ed. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Sociologia da FFLCH-USP, Editora 34, 2013, p. 101. ↩︎
  7. SILVA, J. D. O. “Maria Antônia: rebeldia, inconformismo e verdade”. IN: SANTOS, M. C. L. Maria Antônia: uma rua na contramão. São Paulo: Nobel, 1988, p. 219. ↩︎
  8. SINGER, P. “Nos arredores da Maria Antônia”. IN: SANTOS, M. C. L. Maria Antônia: uma rua na contramão. São Paulo: Nobel, 1988, p. 87. ↩︎
  9. GIANOTTI, J. A. “Maria Antonia: uma certa geração da Faculdade de Filosofia. IN: SANTOS, M. C. L. Maria Antônia: uma rua na contramão. São Paulo: Nobel, 1988, p. 47-8. ↩︎

LEITURAS PARA SE APROFUNDAR NO TEMA


Lugar periférico, ideias modernas: aos intelectuais paulistas as batatas (1958-2000), de Fabio Mascaro Querido
Resultado da tese de livre-docência do autor, defendida em dezembro de 2022 na Unicamp, a obra analisa os intelectuais ligados à Universidade de São Paulo dos anos 1960 à década de 1990, revelando como a vertente “marxista acadêmica” exerceu significativa influência nos debates sobre a abertura democrática dos anos 1980 e na vida política brasileira nas décadas seguintes.

O autor examina como alguns personagens representaram simultaneamente o auge e o declínio do pensamento sobre a modernidade no país. Durante os anos 1970, em plena ditadura civil-militar, surgiram análises sofisticadas sobre as particularidades da sociedade brasileira, desafiando o desenvolvimentismo até então hegemônico na esquerda. No entanto, na década seguinte, com raras exceções, como a de Roberto Schwarz, observou-se um distanciamento dessas ideias por parte dos acadêmicos e uma aproximação destes com formulações universalistas, quer seja a visão de mundo neoliberal, que encontrará expressão no PSDB, ou a perspectiva classista, elaborada a partir da experiência do PT. O autor demonstra, assim, como a corrente intelectual da época moldou o pensamento sobre a democracia brasileira após a ditadura, bem como as mudanças e as divisões que ocorreram. Analisa esse importante capítulo da política, capaz de reinterpretar o passado e projetar futuros para o país.



Nós que amávamos tanto O capital, de Emir Sader, João Quartim de Moraes, José Arthur Giannotti e Roberto Schwarz
Relatos marcantes dos pioneiros dos Seminários Marx, que revolucionaram a leitura de Karl Marx no Brasil, revelando como a prática de leitura coletiva moldou a academia e a política. Um documento essencial sobre a história das ideias no país.

Moderno de nascença: figurações críticas do Brasil, organizado por Benjamin Abdala Jr. e Salete de Almeida Cara
Reunião de ensaios que buscam desvendar a formação do ideário nacional. Da simbologia jesuíta ao panorama contemporâneo, autores como Paulo Arantes, Antonio Candido, Roberto Schwarz, Francisco Alambert e Vinicius Dantas revelam as nuances da relação entre escrita e construção da identidade, questionando ilusões nacionalistas e expondo a complexidade cultural do Brasil.

Margem Esquerda #40 | Matéria brasileira
“A matéria nacional é nossa tarefa histórica.” Assim insiste nosso maior crítico literário marxista na entrevista que abre esta edição da Margem esquerda. Aos 84 anos, Roberto Schwarz é categórico: mesmo em um cenário de aguda desagregação social como o nosso – sepultados o desenvolvimentismo ingênuo e os sonhos de socialismo em um só país – a formação do Brasil segue sendo nosso problema fundamental, quase como uma “herança maldita”. Em conversa com Fabio Mascaro Querido, ele discute os rumos da tradição crítica brasileira na atualidade, e fala sobre aspectos pouco conhecidos de sua trajetória. O dossiê de capa aprofunda o mergulho nas contradições da “matéria brasileira” (para usar a expressão consagrada pelo crítico), em um conjunto de ensaios das novas gerações da teoria crítica. Reunido por Tiago Ferro, o quarteto investiga, retrabalha e testa alguns dos insights da obra schwarziana em confronto com a atualidade política do país.  


***
Matheus Cosmo é doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo. Mestre em Artes, também pela USP, possui pós-graduação acerca das relações entre psicanálise e cultura pelo Instituto ESPE. Atualmente, é professor da Rede SENAC em São Paulo.


"Ora, se poesia e arte são também um direito conquistado, também contra ele voltou-se a ditadura, esse efetivo golpe à nossa inteligência e à capacidade de imaginar saídas, alternativas e outros horizontes."

Publicado em 17/04/2025 



Dia do Diplomata - Rubens Barbosa (Interesse Nacional) - Gustavo Buttes (presidente do Sindicato do Itamaraty)

Dia do diplomata

Rubens Barbosa *

Editorial da revista

Interesse Nacional, 18/04/2025


Comemoração ocorre em momento crítico para a diplomacia em diferentes partes do mundo, o que evidencia a confusão entre os interesses nacionais e os de grupos políticos que colocam a política externa sob pressão ideológica

No próximo dia 20, será celebrado o dia do diplomata. A comemoração ocorre em um momento difícil para a instituição, o que não é um problema isolado do Brasil, haja vista o que acontece, entre outros, no Departamento de Estado, nos EUA, e no Quai D’Orsay, na França.

Nos últimos 20 anos, a formulação e a execução da política externa têm passado por um processo disfuncional em que os interesses nacionais são confundidos com interesses setoriais e políticos. Gradualmente a política externa passou a sofrer interferências ideológicas e partidárias que a afastam dos interesses do Estado. Um recente ministro do exterior aceitou que o Brasil fosse considerado um pária internacional por defender posições políticas vigentes no governo.

O Itamaraty é o principal assessor do presidente da República para a formulação e execução da política externa e sempre foi o órgão que coordena a participação do Brasil no mundo, seja no âmbito bilateral, quanto nos organismos multilaterais. 

As mudanças internas na política brasileira, acarretaram um continuado processo de esvaziamento do Itamaraty. Ao longo dos últimos anos, o Itamaraty perdeu espaço em temas como comércio exterior (mesmo no Mercosul), meio ambiente e mudança de clima, agenda de costumes, direitos humanos, entre outros. 

‘O Itamaraty deve fazer valer sua competência e espírito público para enfrentar o desafio de recuperar o papel central de coordenação em temas que impactem a projeção do Brasil no mundo’

No governo atual, o Itamaraty começou perdendo a Apex e enfrentou, com limitado sucesso, o desafio de tentar coordenar as ações externas das pastas de Meio Ambiente, Direitos Humanos, Mulheres, Igualdade Racial e povos indígenas. O Itamaraty deve fazer valer sua competência e espírito público para enfrentar o desafio de recuperar o papel central de coordenação em temas que impactem a projeção do Brasil no mundo.

As questões relacionadas com o fluxo da carreira e com vencimentos naturalmente preocupam, sobretudo os que estão nas classes iniciais e intermediárias. “A reforma do Regime Jurídico do Serviço Exterior, em discussão desde 2024, é um passo crucial. A atual estrutura piramidal de carreiras, aliada a promoções lentas, quando não paralisadas, pautadas por mecanismos personalistas e pouco transparentes, precisa dar lugar a um modelo de carreira ágil, que valorize mérito, capacitação e experiências multidisciplinares e multiculturais. A proposta em negociação prevê carreiras mais fluidas, progressão justa e capacitação continuada”, como assinala o presidente do sindicato dos diplomatas. 

As reivindicações justas dos jovens para aperfeiçoar a carreira diplomática têm de ser compatibilizadas com as prioridades do Ministério da Gestão e Inovação, que coordena a reforma, e da direção da chancelaria.

O Sindicato dos diplomatas – o único existente entre as carreiras de Estado – considera que “o fortalecimento institucional do Itamaraty passa necessariamente pelo diálogo social e pela participação ativa de suas servidoras e seus servidores. A negociação sindical, longe de ser um obstáculo, é parte essencial do processo democrático de modernização”. As negociações sindicais – cujos objetivos, em diversos casos, podem não ser aceitas por muitos – não podem deixar para um distante segundo plano as prioridades internas sobre os rumos da política externa e para a contribuição substantiva do Itamaraty.

O Ministério das Relações Exteriores se ressente da falta de liderança interna proativa já há alguns anos e da ausência de uma política externa com visão estratégica de médio e longo prazo sobre o lugar do Brasil no mundo, para responder com um trabalho mais eficiente e de resultados. 

Ao celebrar o dia do diplomata, espera-se que a instituição possa superar o risco que corre hoje de perder ainda mais espaço e de deixar de ser vista como um exemplo de excelência dentro do serviço público brasileiro. 

O Itamaraty, como instituição de Estado, não pode se transformar em mais um exemplo de burocracia que apenas defende os interesses pessoais imediatos de seus membros, como acontece, em geral, nos três poderes da Administração Pública. A reforma em discussão não pode resultar em prejuízo para o funcionamento da instituição, que, em consequência, venha a afetar o processo de formulação e de execução da política externa. 

* Rubens Barbosa 

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

============

Responde o presidente do Sindicato dos Diplomatas: 

Estimado Embaixador Rubens Barbosa,

Gostaria de parabenizá-lo pelo excelente artigo publicado no portal Interesse Nacional, especialmente pelos pontos que reforçam a necessidade de fortalecimento do Itamaraty. Concordo plenamente com sua premissa de que é imprescindível investir na valorização, na capacitação e na modernização da nossa diplomacia, para que o Brasil possa atuar de forma mais efetiva no cenário internacional. Sua análise aprofunda questões essenciais, como a importância de consolidar uma carreira diplomática robusta e preparada para os desafios contemporâneos.

As reflexões presentes em seu texto estão alinhadas à perspectiva de que o fortalecimento do Itamaraty é fundamental para reverter a tendência de perda de espaço do Ministério das Relações Exteriores na formulação e execução da política externa brasileira. É necessário criar condições para que o órgão recupere sua centralidade, por meio de uma modernização da estrutura, de uma atualização do regime jurídico e demais legislações que regem a carreira diplomática, e do investimento na formação e na valorização de nossos diplomatas.

Nesse sentido, destaco de seu texto dois outros aspectos complementares, mas não menos importantes, que merecem atenção: a formação de lideranças internas e o fortalecimento da atuação sindical. A capacitação contínua de quadros, com ênfase em habilidades técnicas e estratégicas, é crucial para garantir que o Itamaraty conte com profissionais aptos a enfrentar os complexos desafios da política internacional. Paralelamente, um sindicalismo propositivo e qualificado, como o que a ADB tem buscado construir, é peça-chave para defender os interesses da categoria e, ao mesmo tempo, contribuir para o aprimoramento institucional.

Concordo com o Sr. no sentido de que o Dia do Diplomata é uma efeméride mais que oportuna para trazer essa discussão à ribalta. Celebrar a data vai além do reconhecimento histórico; é uma chance de refletir sobre o futuro da carreira e as mudanças necessárias para que o Brasil tenha uma diplomacia à altura de suas ambições.

Nesse contexto, destaco uma iniciativa do nosso sindicato que busca contribuir para esse fortalecimento. A ADB Sindical iniciou a elaboração do livro “Competências Diplomáticas para o Brasil do Século XXI”. A obra tem o objetivo de criar um debate acadêmico consistente e formar massa crítica sobre os principais pilares da atuação brasileira no exterior. Acreditamos que esse esforço é fundamental para subsidiar as reformas necessárias e consolidar uma diplomacia mais alinhada às demandas do século XXI.

Ao agradecer mais uma vez pela sua valiosa contribuição a esse debate, coloco-me à disposição para colaborar na construção de uma política externa mais forte, moderna e autônoma.

Abraços cordiais, 

Gustavo Buttes


Simpósio Stefan Zweig no caleidoscópio do tempo - Biblioteca Nacional

Participei, como autor-colaborador, do livro que será objeto deste simpósio na Biblioteca Nacional na sexta-feira 25 de abril. Tenho o prazer de oferecer maiores informações sobre o evento. PRA

Simpósio Stefan Zweig no caleidoscópio do tempo

Biblioteca Nacional, 25/04/2025

Biblioteca Nacional, 25/04/2025

Stefan Zweig é mais atual do que nunca e sua universalidade é comprovada pelas reedições e adaptações das suas obras para telas e palcos ao redor do globo. 

O simpósio Stefan Zweig no caleidoscópio do tempo, realizado pela Casa Stefan Zweig de Petrópolis, pela embaixada da Áustria em Brasília e pela Fundação Biblioteca Nacional, joga luz sobre o escritor austríaco que se exilou no Brasil em duas mesas redondas e com a exibição do episódio sobre Zweig da série Canto dos Exilados. 

O evento é gratuito, ocorre sexta-feira, 25 de abril, das 10h às 17h no Auditório Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, e contará com transmissão ao vivo pelos canais do YouTube do Casa Stefan Zweig (@casastefanzweigdigital) e da FBN (@FundacaoBibliotecaNacional). Estudantes universitários podem solicitar certificado de presença pelo e-mail casastefanzweig@gmail.com

Até hoje, Stefan Zweig (1881-1942) é um dos autores de língua alemã mais publicados e lidos no mundo. Mais de 25 mil pessoas viram a exposição Stefan Zweig, autor universal no saguão da Biblioteca Nacional de meados de dezembro de 2024 a meados de fevereiro deste ano. O simpósio será aberto às 10h30 pelo presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi, pelo embaixador austríaco Stefan Scholz e pelo presidente da Casa Stefan Zweig de Petrópolis, Israel Beloch e explora os motivos do sucesso e da força da obra e das ideias humanistas de Zweig.

As duas mesas-redondas reúnem alguns dos autores da primeira coletânea de textos de autores brasileiros sobre o escritor que escolheu Petrópolis para passar seus últimos meses de vida. 

“Stefan Zweig no caleidoscópio do tempo” é o título do livro lançado em junho de 2024 pela Casa Stefan Zweig de Petrópolis em parceria com o Laboratório de Estudos Judaicos da Universidade de Uberlândia em Minas Gerais. 

Na primeira mesa-redonda, das 11h às 12h30, os historiadores Israel Beloch e Fábio Koifman falarão respectivamente sobre Zweig e seu “fígado negro” e “Brasil, país do futuro” antes de Stefan Zweig. 

O tema do editor José Luiz Alquéres, conselheiro da Casa Stefan Zweig e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, é Stefan Zweig e a visão da realidade. 

Tradutora de 12 títulos do autor austríaco, a jornalista e diretora executiva da Casa Stefan Zweig, Kristina Michahelles, tem como tema Luminoso e trágico, atual e universal.

A mesa-redonda da tarde será composta pelos professores Maria das Graças Salgado, da UFRRJ (Problemas no paraíso: língua, gênero e emoção no país do futuro), Geovane Souza Melo, da Universidade Federal de Uberlândia (A unidade espiritual do mundo, ou do legado intempestivo de Stefan Zweig) e Rainer Guggenberger, da UFRJ (O drama da voz oprimida e do bom conselho ignorado: o Tersites alternativo de Stefan Zweig no fim do império austro-húngaro).

Depois do coffee-break, exibiremos o episódio Stefan Zweig (Telenews, 2016, 15’38’’), da série Canto dos Exilados, dirigido por Leonardo Dourado. 

O evento se encerra às 17h.


O Brasil caminha para o precipício orçamentário - Carlos Alberto Sardenberg (O Globo)

 O ARCABOUÇO JÁ ERA

Carlos Alberto Sardenberg - O Globo, 18/04/25

Quando o governo Lula criou o arcabouço fiscal, muitos analistas e jornalistas, inclusive o autor desta coluna, sustentaram que a coisa toda só funcionaria com expressivos aumentos de receita. Como a carga tributária já era elevada, parecia uma tarefa impossível. Vá lá que se conseguisse algum ganho inicial, mas imaginar que se poderia tirar mais dinheiro do contribuinte por anos a fio era uma ilusão.

Do outro lado da conta, o arcabouço garantia o crescimento da despesa de 2,5% ao ano, acima da inflação. E esse era o verdadeiro objetivo do governo Lula: voltar à velha política petista do aumento permanente do gasto público. 

Como a dívida pública já estava em níveis muito elevados, foi preciso criar o tal arcabouço, apresentado como um sistema mais sofisticado que o teto de gastos. 

Havia aí um argumento: o teto de gastos havia sido furado no governo Bolsonaro. 

Mas o teto serviu muito bem durante o governo de Michel Temer, com Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda. A regra, introduzida naquele mesmo governo, era de uma simplicidade brilhante, facilmente compreensível.

Dizia: o gasto do governo de um ano será igual ao do ano anterior, mais a inflação do período. Ou seja, não haveria aumento real da despesa.

Como a economia normalmente tem crescimento real, com o tempo a despesa diminuiria em proporção do PIB. Assim, não precisava de aumento da carga tributária. O ganho com impostos, resultante de uma maior produção econômica, formaria um superávit primário, com o qual se poderia abater a conta de juros e reduzir o endividamento do governo. Assim funcionou.

Aliás, incluídas as reformas – previdenciária (encaminhada), trabalhista, introdução das Parcerias Público Privadas e revisão a Taxa de Juros de Longo Prazo, eliminando subsídios nos financiamentos do BNDES – o governo Temer deixou uma herança extremamente positiva: um país preparado para crescer em regime de estabilidade fiscal.

O governo Bolsonaro conseguiu concluir a reforma da Previdência, mas foi só. Verdade que teve a pandemia, que exigiu gastos enormes para apoiar famílias e empresas, mas em cima disso o teto começou a ser furado com diversas exceções, as despesas feitas mas não contabilizadas.

No governo Lula, o ministro Fernando Haddad, decretou a morte do teto de gastos, e inventou o arcabouço fiscal, apresentado como uma grande sacada: permitiria o aumento de gastos com equilíbrio fiscal.

Curioso: o ministro dizia que o teto de gastos não tinha como funcionar, pois engessaria um governo que precisava gastar para atender os mais pobres. Mas, na prática, o que fez o ministro? Criou um teto mais alto: a despesa de um ano passou a ser igual à do ano anterior, mais a inflação e mais 2,5% reais. 

Não deu certo. O arcabouço nasceu torto porque o governo criou e/ou aumentou despesas que cresceram mais que 2,5% ao ano. São os gastos obrigatórios com Previdência, funcionalismo e programas sociais (Benefício de Prestação Continuada, abono e seguro-desemprego). 

Ora se a parte maior da despesa cresce mais que os 2,5% permitidos, os demais gastos terão que ser cortados. Como o governo não quer cortar, aumenta os impostos. Como mesmo o aumento de impostos é insuficiente, volta-se à prática de excluir despesas do teto. Não entram na contabilidade, de modo que a meta de equilíbrio está cumprida formalmente, mas a dívida pública aumenta – onde mora o problema maior.

Dá nisso: para equilibrar as contas deste ano, o governo precisa aumentar receitas. Para o ano que vem, conforme o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, recém enviado ao Congresso, o governo vai precisar tirar mais R$ 118 bilhões dos contribuintes. Não há a menor indicação plausível de como isso será feito. Em 2027, segundo as previsões oficiais, o dinheiro acaba. Feitos os gastos obrigatórios, não sobra dinheiro nem para o cafezinho do pessoal. 

Ou seja, esqueçam isso de equilíbrio ou arcabouço fiscal. O governo vai aumentar o déficit e a dívida. Isso será igual a mais inflação, juros mais altos e menos crescimento.


quinta-feira, 17 de abril de 2025

Lula e Xandão: adeptos da reciprocidade equivocada - Paulo Roberto de Almeida

 Lula e Xandão: adeptos da reciprocidade equivocada

Paulo Roberto de Almeida

Nota sobre a aplicação equivocada do princípio da reciprocidade por dois dirigentes de instituições.


        Reciprocidade é um dos conceitos centrais das relações internacionais. Ela quer dizer que os Estados se tratam igualmente, pelo menos na letra fria dos acordos e dos tratados. Eu abaixo as minhas tarifas se você abaixar as suas. Eu vou abolir os meus vistos de entrada se você abolir os seus. Tudo muito bonito no papel e no território abstrato dos princípios.
        Acontece é que, como não existem duas pessoas absolutamente iguais, tampouco existem países, nações, formações estatais que sejam semelhantes, sequer similares ou próximos, ou seja, equivalentes em poder, capacidade, forças e fraquezas, abertura ou fechamento, cooperativos ou introvertidos. Não existe sequer estabilidade no comportamento dos países e na postura dos Estados, que trocam de governos, assim como as pessoas vão trocando de emprego, de carros, de roupas. Interesses, ganhos e concessões variam muito, desde a família até as relações entre Estados membros da comunidade internacional.
        Reciprocidade é, repetimos, um princípio básico nas relações internacionais, mas jamais isso foi aplicado de maneira uniforme.
        No Congresso de Viena (1815), tudo foi basicamente decidido entre quatro ou cinco grandes potências, inclusive a potência derrotada, a França, já na Restauração. Na conferência de paz de Paris (1919), tudo foi decido entre os chefes de Estado, ou de governo, de quatro países: EUA, Reino Unido, França e Itália, para desgosto de muitos outros. Não foi diferente em Ialta (1945), e o que dela resultou na Carta da ONU e sobretudo no CSNU.
        Já antes, em Bretton Woods (1944), não havia nenhuma distinção entre países ricos e países em desenvolvimento, e todos foram tratados como se fossem iguais, mas quem decidiu tudo, basicamente, foram os EUA e o Reino Unido.
        O Brasil foi, na história da ONU e sobretudo na trajetória do sistema multilateral de comércio, o país que mais lutou CONTRA a reciprocidade, pois que achava injusto o tratamento igual para países ricos e em desenvolvimento. Obteve vitória na reforma do GATT, em 1964, e na criação da Unctad, logrando consagrar o TRATAMENTO DIFERENCIAL E MAIS FAVORÁVEL para países em desenvolvimento, ou seja, estes poderiam receber concessões, vantagens, tarifas baixas ou zero, sem necessidade de reciprocar, ou seja, oferecer concessões equivalentes.
        E continuou assim, defendendo ardorosamente a não reciprocidade, pelo meio século seguinte, aliás até hoje.
        De repente, Lula se empenha a defender a reciprocidade na questão dos vistos, como se todos os países fossem iguais, na oferta e na demanda de viagens de turismo ou a negócios, ou como se todos os países devessem ser absolutamente recíprocos em sua política de fluxos humanos ou migratórios, independentemente das características de cada um, ou seja, SEM TRATAMENTO DIFERENCIAL, para justamente contemplar a não similaridade de situações, ou de competitividade, como na questão do comércio entre distintas economias.
        Depois, em face da ameaça irracional de Trump e seu tarifaço absurdo, Lula volta a falar em aplicar a "reciprocidade", como se isso, ou seja, a aplicação vingativa de tarifas iguais, pudesse melhorar as condições de comércio entre o Brasil e os EUA.
Ninguém importa nada de algum outro país apenas para fazer favor a ofertantes externos, mas simplesmente por uma questão prosaica de qualidade, preço e NECESSIDADE.
        Agora é o ministro da Suprema Corte Alexandre de Moraes que DENEGA a extradição de um criminoso comum, alegando falta de reciprocidade da Espanha na extradição de um criminoso político que não preenche os requisitos estabelecidos na legislação espanhola, ou sequer no tratado "recíproco" de extradição. Em 2010, foi a vez de Lula descumprir um tratado de extradição com a Itália, devidamente mandatado pelo STF, apenas para proteger um terrorista que se abrigava no rótulo de combatente de esquerda (contra um governo democrático).
        Desculpem-me dizer isso, mas ambos são dois desvairados da reciprocidade, um princípio geral, que nunca pode ser aplicado em todo e qualquer caso do relacionamento complexo entre países, assim como não pode ser aplicado entre pessoas, por mais que a Constituição assegure que todos são iguais perante a lei. Aliás, o PT e Lula são os primeiros a pregar e aplicar tratamentos desiguais para pessoas desiguais, na renda, nas oportunidades, nas condições próprias ou na situação pessoal.
        Reciprocidade é um princípio, não uma lei absoluta e obrigatória.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17/04/2025

O julgamento de Eichmann: o encontro do mundo com os monstros “banais” do Holocausto nazista

 Copio do FB de Rossana Mizunski:

“Em abril de 1961, o Tribunal Distrital de Jerusalém realizou a primeira audiência do Caso Criminal 40/61 – o julgamento de Adolf Eichmann, promovido no Beit Ha’am. Foi um evento histórico que marcou profundamente a memória coletiva do Holocausto.

Antes do julgamento, foi montada uma operação especial: a Polícia de Israel criou o “Bureau 06”, uma unidade dedicada à coleta de cerca de 1.600 documentos e provas, muitos assinados pelo próprio Eichmann, além da seleção de 108 testemunhas, incluindo sobreviventes do Holocausto e especialistas.

Embora a acusação tivesse como missão principal provar a responsabilidade direta de Eichmann pelos crimes do Holocausto, ela assumiu também um papel mais amplo: contar ao mundo a história do Holocausto pelas vozes de quem o viveu — pessoas de diferentes países, origens e experiências.

O Julgamento de Eichmann foi um divisor de águas na forma como o Holocausto passou a ser compreendido, tanto em Israel quanto internacionalmente. Ele inaugurou uma nova era na educação, na memória e no reconhecimento das vítimas e sobreviventes, garantindo que suas histórias jamais fossem esquecidas.”

Agreguei este comentário:

PRA: Um momento seminal, o julgamento de Eichmann, de que não tive conhecimento à época, pois ainda era criança. Só soube muitos anos depois, e mais pelo lado da caça aos nazistas dispersos pelo mundo do que pelo lado da Justiça, que muito raramente foi feita.


A “dialogue” with Graham Allison about a new Peloponnesian war - Paulo Roberto de Almeida

 A “dialogue” with Graham Allison about a new Peloponnesian war

Paulo Roberto de Almeida, diplomat, professor.
A response to a note by Graham Allison about the possibility of the current tariff war between U.S. and China turns to a real hot war, based on his thesis on a “Thucydides trap”.

I have just received in my mailer the following post by Professor Graham Allison, from the Belfer Center of the Harvard University (April 17: 2025, 13:33, Graham Allison GTA@comms.hks.harvard.edu):



Could the Tariff War Become a Real Hot War?

Could President Trump’s unprecedented tariff war against China stumble into a hot war with bombs exploding on American and Chinese soil?
The good news is that most tariff or economic wars have not become hot wars. The bad news is that some have.
As Washington Post columnist Max Boot’s op-ed Monday notes, this issue is explored at length in Destined for War: Can the US and China Escape Thucydides’s Trap?
My book was published 8 years ago in 2017 just as President Trump entered the White House for the first time.
Over the weekend, Boot emailed me to ask about what I had written. In a lively back and forth, he and I agreed that we were both hearing eerie echoes of earlier cases in which economic conflict ended in bloody war.
Among the cases that I’ve studied, the most troubling analogue is the US-Japanese confrontation that began with economic sanctions targeting imports of scrap metal and aviation fuel to Japan. This then escalated to limits on raw materials including iron, brass, copper, and finally, oil.
And as Boot notes: “It was the oil embargo that threatened to strangle the Japanese economy that led Japan to its desperate gambit of attacking the US fleet at Pearl Harbor.”
For several other paths from where we are now to real war between the US and China, see Chapter 8 of Destined for War, “From Here to War.”
If you have reactions, I’ll be interested to receive them.
Regards,
Graham Allison
Douglas Dillon Professor of Government
Harvard Kennedy School

===========

As I was intrigued by his thesis, and provoked by his invitation, I decide to send him my remarks below:

Dear Professor Graham Allison,
Excuse me, and indulge me, before of any other arguments of mine, to induce in a disgusting and objectionable comparison, claiming that your provocative book is, in fact, the most dangerous one since, perhaps, Mein Kampf, from Adolf Hitler, in the second half of the 1920s. Hitler announced, very clearly, all his misconceptions and prejudices, and, less clearly, what Germany have to do to regain its prodigious national itinerary towards becoming a great power among the greats, including the less geopolitical achievements, like riding itself of the large community of Jews, already integrated to Germany and German culture (many fought in the Great War within the Armed Forces of the Empire).
Your book deals with 16 or so clashes between empires, projecting the shadow of the Peloponnesian war in our times. The irony of the “trap” is that the authoritarian power finished as the victor against the “democratic” republic, not out of a simple and direct war, but because of many diplomatic errors made by Athens inside the OTAN-like League, which provoked and led many of its members to move toward Sparta.
I think that you erroneously extended the historical accounts of all those clashes to the current opposition between U.S. and China (because of economic and geopolitical reasons), to a questionable suggestion that the two greatest powers of our days could arrive at a war, like all those conflicts (some global ones) aligned in your book, destined to eliminate the ascending or the consolidated power, one of the two, in a zero sum game of inevitable competition, up to death. That is the “dangerous” side of your book.
Sorry, but history does not serve as a prediction for the current situation, as the nature of competition between the present “Peloponnesian” actors has nothing to do with the Thucydides trap and is not deemed to have the same results or consequences of the Ancient Greece or the sequential clashes between subsequent empires.
U.S.A. is solely responsible for the crazy decision to try to apply the same Kennan containment doctrine to contemporary China, something impossible in first place. U.S.A. was and is the very provocative power that dismantled the Kissinger-Nixonian tactical move consisting in isolating the very expansive power of Slavic and Czarist origin and facilitating the reintegration of the Middle Empire into the modern world, after the foolishness of Maoist years, which finished to debase PRC almost to the ground.
China, because of an idiotic emperor – perhaps like another one in our days – isolated itself from the world. As a consequence, China lost the first, the second and the third industrial revolutions, this one during the foolish Mao years (I do not enter into irresponsible comparisons, but I do know of a new “emperor” that is trying to retrocede a great power toward the second industrial revolution, that of coal, oil, explosion motors, and so on). China, also with the American help, reintegrated itself into the Bretton Woods and multilateral trade system world order, starting in 2001, but with the tragic American attack to China embassy in Beograd in 1999, which moved again the Middle Empire towards the declining, but revisionist, Slavic expansionist Putin new empire. Shanghai Cooperation Organization and BRICS were the results of the fake-Kennan American policy towards China, what a tragic error.
Your book came ten years later, but still leaves in an inexistent Second Cold War, which exists only in the imagination of Putin and Western observers. China does not see world situation by that lens, but your book tries to give this impression, which I consider a real pity, coming from the author of The Essence of Decision, which dealt with a real Cold War, almost converted into a hot war, catastrophic as it could turned to be.
U.S. economic sanctions against Japan in the 1930s have no connection at all with current sanctions against Russia and China because of Crimea or Ukraine, since 2014 and 2022. Talking about appropriation of IP or profiting from advancements of other countries was the American practice since the beginning of the Republic until the IIWW, as many other countries also practiced in their respective development paths, but today, as you perhaps have already concluded, China is ahead of Western technologies in many industrial sectors, including, may be, in AI.
I do not know if you agreed, many years ago, before your book was published, with Niall Ferguson’s suggestion of a “Chimerica” scenario, a positive cooperation between two great powers, not only with reciprocal benefits to both, but also presenting many big chances to eliminate extreme misery and to reduce poverty in developing countries. It is a difficult scenario to imagine, not because of PRC ambitions, but because of American hubris and arrogance, and for its impossible desire to be the only and the exclusive greatest power in History.
I’m not an adept of a Toynbeean perspective for the American empire (only a hundred years since its birth), but History is on the move, and Trumpian America is moving towards the past, not even slouching towards the future. There is not any Thucydides trap in that path, and no possibility of a kind of a “Peloponnesian” war between the two great powers. I sincerely believe that you could revise your book and ideas, based on a simplistic model and a simplified version of past clashes between great powers. History is much more complex and subtle.
With great appreciation for your work in Belfer Center, sincerely yours,
---------------------------
Paulo Roberto de Almeida
Brazilian diplomat (retired) and professor
(55.61) 99176-9412
pralmeida@me.com
diplomatizzando.blogspot.com
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/9470963765065128
https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida
https://www.researchgate.net/profile/Paulo_Almeida2

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4900, 17 Abril 2025, 3 p.

A national decision? - GOP friends (via Paulo Roberto de Almeida)

A national decision?

Bye, bye all the world, we are leaving you, all that countries that arise and advanced robbing our knowledge and expertise, you have profited from our technology and riches. That is finished for all the profiteurs, China at the top. We, under the guidance of our brilliant leader, Donald Trump, are expelling all those foreigners who came here just to take advantage of our preeminence.

We have decided to make America Great Again, and will do it by ourselves and alone (plus some new lands that fits our great project).

So, adieu, farewell, Aufwiedersehn, adiós, we are leaving the world. Take out your students, immigrants, bandits, traffickers, even tourists.

GOP friends, under DT!


Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...