Dois discursos na AGNU, dos dois primeiros presidentes: Trump e Lula
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
terça-feira, 23 de setembro de 2025
Dois discursos na AGNU, dos dois primeiros presidentes: Trump e Lula - Paulo Roberto de Almeida
Discurso de Lula na AGNU, 23/09/2025
Discurso de Lula na AGNU, 23/09/2025
As opções da ONU em seu futuro sombrio: uma revolução, decadência ou ‘trumpificação’ - The Economist
As opções da ONU em seu futuro sombrio: uma revolução, decadência ou ‘trumpificação’
O Conselho de Segurança está praticamente paralisado e as missões de paz da ONU estão fora de moda
Por The Economist, 22/09/2025 | 14h30
A Organização das Nações Unidas passou por muitas crises desde sua fundação, em 1945: da misteriosa morte de seu secretário-geral, Dag Hammarskjöld, no Congo, em 1961, até a suposta “batida de sapato” de Nikita Khrushchev durante a Guerra Fria, os massacres de civis sob sua proteção na década de 1990 e a invasão americana do Iraque em 2003. Com os líderes se preparando para o 80º aniversário da ONU e a Assembleia-Geral em Nova York, os especialistas dizem que nenhum desses desastres parece tão calamitoso quanto o atual. Com o retorno do presidente Donald Trump à Casa Branca, há muitos cenários traumáticos para a ONU, mas três se destacam: uma revolução interna, a decadência ou a “trumpificação”.
Ninguém na sede da ONU em Turtle Bay, Nova York, sabe ao certo o que as ideias do “America First” (América em primeiro lugar) de Trump trarão, em parte porque não há ninguém para lhes dizer. O Senado ainda não confirmou Mike Waltz, indicado por Trump para o cargo de embaixador. Todos estarão à procura de pistas nos discursos contraditórios de 23 de setembro, quando o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, adversário ferrenho de Trump, abrirá o debate na Assembleia Geral da ONU, seguido pelo próprio Trump.
O choque imediato é orçamentário. O governo Trump está privando a ONU de fundos antes mesmo de revelar sua prometida revisão das instituições multilaterais. Membro habitualmente inadimplente, os Estados Unidos não pagaram suas contribuições obrigatórias à ONU para 2025. A solicitação orçamentária do presidente para o ano fiscal de 2026, atualmente em tramitação no Congresso, “suspende” quase todos os pagamentos à ONU.
Enquanto isso, a ajuda externa dos Estados Unidos, grande parte dela encaminhada por meio de contribuições voluntárias a organizações humanitárias da ONU, foi drasticamente reduzida. Os orçamentos das agências da ONU encolheram em média cerca de um terço. Alimentos, medicamentos, ajuda a refugiados e outras formas de assistência a centenas de milhões de pessoas estão sendo eliminados. Abalado pelas tarifas dos Estados Unidos, o desenvolvimento econômico global pode entrar em retrocesso.
Mesmo com o esgotamento dos recursos financeiros, o Conselho de Segurança está praticamente paralisado e as missões de paz da ONU estão fora de moda. Os grandes membros zombam da proibição da Carta das Nações Unidas de tomar o território de outro Estado pela força: a Rússia, ao fazê-lo descaradamente, e os Estados Unidos, com suas declarações levianas sobre anexar a Groenlândia e absorver o Canadá como seu “51º Estado”.
O que acontecerá a seguir? Os Estados Unidos têm sido, há muito tempo, o ingrediente essencial nas tentativas de governança global. A primeira iniciativa mundial foi prejudicada desde o início pela recusa do Senado americano em ratificar a Liga das Nações, no final da 1ª Guerra Mundial. a Liga efetivamente morreu com a eclosão da 2ª Guerra Mundial. Sua herdeira, a ONU, perdurou em grande parte porque gerações de líderes americanos reconheceram que, apesar de suas falhas, ela promovia uma ordem liberal e o poder americano.
As pesquisas mostram que a maioria dos americanos ainda apoia a ONU, mas as opiniões estão polarizadas. Os governos republicanos há muito tempo desconfiam da instituição. John Bolton, ex-embaixador dos Estados Unidos na ONU, chocou o mundo ao declarar: “O prédio do Secretariado em Nova York tem 38 andares. Se perdesse dez andares, não faria a menor diferença”. O nível de hostilidade republicana hoje é maior do que nunca e pode criar as condições para o primeiro cenário: que a ONU se torne adversária dos Estados Unidos, tornando-se “desonesta” em resposta ao radicalismo do America First.
Uma ruptura total com os Estados Unidos pode ocorrer em 2027, se seus atrasos orçamentários atingirem o valor de duas contribuições anuais, nível no qual um país perde seu direito de voto na Assembleia-Geral. Esse órgão deliberativo faz declarações em sua maioria não vinculativas, e os Estados Unidos poderiam vetar qualquer tentativa de forçá-los a sair do Conselho de Segurança. Mas a humilhação poderia provocar retaliação, se não a saída dos Estados Unidos.
A Palestina é outro catalisador potencial. Muitos membros da ONU a consideram a última grande causa colonial e a guerra de Israel como genocídio. Por sua vez, Israel e o governo Trump acham que a ONU está impregnada de antissemitismo. O último movimento para reconhecer a soberania palestina, liderado pela França e pela Arábia Saudita, pode crescer. O governo Trump negou vistos para a delegação palestina participar da reunião.
O governo Trump já está se recusando a participar da tomada de decisões globais. Os Estados Unidos pararam de financiar a UNRWA, a agência da ONU para refugiados palestinos. Estão saindo do Acordo de Paris sobre o clima, da Organização Mundial da Saúde, da UNESCO (a organização educacional e cultural da ONU) e do Conselho de Direitos Humanos. Retiraram-se das discussões sobre a resposta a futuras pandemias, a reforma do financiamento do desenvolvimento e a proteção de partes do alto mar. O governo agora se opõe aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), um conjunto de 17 objetivos — desde a eliminação da pobreza extrema até a promoção da saúde — que são utópicos e abrangentes. Os Estados Unidos consideram esses objetivos como um governo mundial crescente, cheio de ideologias “woke” progressistas de gênero e clima, e um endosso às ideias chinesas.
Outros países poderiam tentar preencher o vácuo com dinheiro e esforços diplomáticos, alterando o equilíbrio de financiamento e pessoal dentro do sistema da ONU. A Europa poderia tentar defender os valores liberais, mas outros países não o fariam. Potências médias como a Turquia e os Estados do Golfo já estariam influenciando a entrega de ajuda em zonas de conflito com base em seus objetivos políticos, bem como em necessidades genuínas.
A ONU, especialmente a Assembleia Geral, poderia se tornar radicalmente antiamericana, como ameaçou fazer na década de 1970, quando muitos dos países recém-descolonizados a utilizaram para pressionar por uma “nova ordem econômica” para desfazer o capitalismo ocidental e o livre comércio. Ela poderia, por exemplo, começar a adotar exigências para que os países ricos paguem reparações climáticas ou compartilhem os impostos de forma mais equitativa. Mesmo que os Estados Unidos mantivessem seu veto no Conselho de Segurança, a ONU se tornaria um órgão para galvanizar a resistência contra eles.
Isso tornaria mais fácil para a Rússia e, especialmente, para a China reivindicar a liderança na ONU e em outros lugares. Eles já estão promovendo outros órgãos em paralelo, notadamente o clube econômico Brics e a Organização de Cooperação de Xangai (SCO), um fórum de segurança eurasiano. Em uma cúpula da SCO no início deste mês, com a participação da Índia, o líder da China, Xi Jinping, falou da necessidade de “tomar uma posição clara contra o hegemonismo e a política de poder, e praticar o verdadeiro multilateralismo”. Muitos países desconfiam da China, mas podem achar a oferta de Xi mais atraente do que a de Trump.
Minh-Thu Pham, do Project Starling, um grupo que apoia a cooperação multilateral, afirma que o perigo não é tanto a ONU se tornar rebelde, mas sim os Estados Unidos. “A ONU está avançando sem os EUA, e não apesar dos EUA ou para contrariar os EUA”, diz ela; o abandono pelos Estados Unidos significa que a ONU se tornará mais “independente”.
Uma ONU zumbi
Um segundo cenário é um em que a ONU sobreviva — os Estados Unidos permaneçam nela e os países evitem antagonizar Trump —, mas o sistema se fragmente e entre em decadência. A China adotou o hábito americano de atrasar os pagamentos. Outros grandes contribuintes, principalmente os países europeus, estão cortando a ajuda externa para redirecionar os fundos para a defesa.
A OCDE, um clube formado principalmente por países ricos, projeta que seus membros cortarão a ajuda em 9% a 17% este ano, além do corte de 9% no ano passado. A resistência burocrática e os interesses conflitantes dos membros podem deixar o emaranhado de cerca de 140 órgãos da ONU praticamente intocado, embora com financiamento insuficiente. Tom Fletcher, chefe de assuntos humanitários da ONU, afirma que a organização recebeu apenas 19% dos fundos de ajuda solicitados em 2025.
A ONU também pode se tornar uma organização seletiva. Ela não teria garantia de fundos americanos, mas algumas de suas agências poderiam se beneficiar se, por exemplo, os Estados Unidos decidissem que sua agência para refugiados era útil para conter o fluxo de migrantes. Richard Gowan, do International Crisis Group, um think tank, argumenta que o Conselho de Segurança, em particular, poderia ficar meio morto, com apenas alguns espasmos reflexivos, por exemplo, para renovar o mandato das forças de paz da ONU em Chipre.
A assembleia poderia tentar reivindicar um papel maior em questões de paz e segurança. Algumas das agências especializadas da ONU — a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), por exemplo, ou a Organização Internacional da Aviação Civil — provavelmente continuarão existindo. “Poderíamos ver o surgimento de uma forma fragmentada de multilateralismo, sem um verdadeiro núcleo político, mas com muitas agências com um único objetivo”, diz Gowan. “Ela seria administrada principalmente a partir de Genebra ou Nairóbi, e não de Manhattan.”
O cenário final é uma reinvenção trumpiana. Waltz, o indicado por Trump para o cargo de embaixador na entidade, diz que pretende “tornar a ONU grande novamente”. Os Estados Unidos estão pressionando para restringir os direitos de asilo sob a convenção de refugiados da ONU de 1951; também querem que a ONU ajude a fortalecer a missão, liderada pelo Quênia, no Haiti devastado por gangues; e pressionaram a Europa a “retomar” as sanções ao Irã. Alguns países podem acolher com satisfação um maior foco na paz e menos tempo dedicado a questões sociais.
Trump gosta de pompa e pode buscar acordos ostensivos. Fontes internas da ONU esperam encontrar reformas, como um conjunto mais restrito de prioridades, que sejam boas para a ONU e agradem a Trump. Alguns diplomatas sugerem que a ONU deve se afastar da manutenção da paz para se ocupar da diplomacia da paz. Ou talvez algo mais prático possa substituir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que em grande parte não foram alcançados. Órgãos duplicados ou marginais poderiam ser abolidos.
Virando Maga
A votação do Conselho de Segurança dos Estados Unidos em fevereiro, com a Rússia e a China pedindo “uma paz duradoura” entre a Ucrânia e a Rússia, desanimou a Europa. Mas isso poderia levar a uma maior cooperação entre as grandes potências.
Depois de apoiar lados diferentes da guerra civil na Síria, os Estados Unidos e a Rússia estão apoiando o governo do ex-jihadista Ahmed al-Sharaa. O “acordo do século” para Trump, observa Pham, seria reformar a composição e os direitos de voto no Conselho de Segurança e redefinir o equilíbrio de poder global.
Muito depende dos caprichos de Trump e da habilidade do próximo secretário-geral da ONU. A campanha para substituir António Guterres em 2027 começa no final deste ano. Alguns candidatos, como Rafael Grossi, diretor-geral da AIEA, estão disputando a posição. Até recentemente, falava-se em uma mulher latino-americana. Os trumpistas podem achar isso muito politicamente correto. Brincando apenas pela metade, uma fonte interna propõe uma mulher querida por Trump: sua filha, Ivanka. Se é isso que é preciso para manter Trump envolvido, que assim seja. Tempos desesperados, medidas desesperadas.
Discurso de Lula na AGNU - Paulo Roberto de Almeida
Discurso de Lula na AGNU
Nenhuma dúvida de que o Itamaraty (se lhe deram essa chance) preparou um bom discurso para Lula nesta terça-feira. No Planalto certamente incluiram mais algumas frases duras contra o unilateralismo agressivo daqueles que se julgam os novos imperadores do mundo.
“Daqueles” inclui mais de um, claro.
O discurso de Lula será bom, mas só estará perfeito se tiver uma, só uma uminha, condenação da guerra de agressão unilateral de Putin contra a Ucrânia.
Tenho muitas dúvidas de que terá a mesma coragem com a qual condena duramente o genocídio de Netanyahu em Gaza. Putin iniciou o seu em 2022 e ainda não ouvimos nenhuma crítica de Lula ao seu amigo russo.
Vai se redimir desta vez?
Minha aposta é que não!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23/09/2025
The world according to Trump: tarifas não MFN
The world according to Trump: tarifas não MFN
Na visão tosca de Trump, existem países que são malvados com o comércio bilateral dos EUA (ou por motivos políticos, alheios ao comércio) que merecem as maiores tarifas, e existem aqueles que vão sendo "graduados" em função da relação de forças, ou dos interesses trumpistas estrito sendo:🔝 The Highest Tariffs
• Brazil 🇧🇷 → 50% (the highest globally)
• Syria 🇸🇾 → 41%
• Myanmar 🇲🇲 → 40%
• Laos 🇱🇦 → 40%
• Switzerland 🇨🇭 → 39%
• Canada 🇨🇦 → 35% (non-USMCA exempt goods)
• Iraq 🇮🇶 & Serbia 🇷🇸 → 35% each
Strategic Mid-Tier Tariffs
• China 🇨🇳 → 30% (with some exemptions; still a central trade battleground)
• South Africa, Algeria, Libya, Bosnia & Herzegovina → 30%
• Mexico 🇲🇽 → 25% (non-USMCA exempt goods)
• India, Kazakhstan, Tunisia, Moldova → 25%
⸻
📉 Moderate Tariffs
• Bangladesh, Sri Lanka, Taiwan → 20%
• Philippines, Thailand, Nicaragua → 18–19%
• Pakistan, Indonesia, Cambodia, Malaysia → 15–19%
🟢 Standard Tariffs
• EU (most goods) → 15%
• Japan, Turkey, Israel, Ghana, Nigeria, New Zealand, Vietnam, Venezuela, Zambia, Zimbabwe → 15%
• All other countries → 10%
As coisas vão continuar na mais perfeita desordem e na total ignorância da cláusula de nação mais favorecida. É a mais completa subversão da política comercial americana desde a independência do país, desde os pais fundadores. Nunca houve nada igual na história dos EUA, na história econômica mundial e na história do sistema multilateral de comércio desde 1947.
domingo, 21 de setembro de 2025
O chanceler acidental em seu artigo sobre Trump e o Ocidente - Paulo Roberto de Almeida
O chanceler acidental em seu artigo sobre Trump e o Ocidente
Mapoteca Histórica do Itamaraty: acervo cartográfico com 30 mil mapas (sete volumes em pdf)
O Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro guarda uma das maiores coleções cartográficas da América Latina: cerca de 30 mil mapas, atlas, cartas náuticas e perfis geológicos, produzidos entre os séculos XVI e XX. Agora, todo esse acervo foi integralmente catalogado e o resultado é um instrumento de pesquisa disponível gratuitamente em formato digital.
O Catálogo da Documentação Cartográfica reúne pela primeira vez todos os itens cartográficos preservados na Mapoteca Histórica do Itamaraty, que há quase dois séculos acompanha a trajetória da diplomacia brasileira e a própria formação do território nacional.
Vol. 1 (Introdução): processo de catalogação, metodologia e estatísticas;
Vol. 2 (Brasil): mapas históricos e contemporâneos da cartografia nacional;
Vol. 3 (Atlas): 561 atlas dos séculos XVI a XIX;
Vol. 4 (Questões de Limites): mapas de fronteiras e disputas territoriais;
Vol. 5 (Gerais): mapas de continentes, regiões e países;
Vol. 6 (Nomes Geográficos): ilhas, montanhas, oceanos, rios e outros acidentes;
Vol. 7 (Apêndices): mais de 470 biografias de autores e as coleções do Barão do Rio Branco e do Barão da Ponte Ribeiro.
Mais do que um inventário, o catálogo representa um compromisso com a preservação da memória diplomática e a democratização do acesso ao conhecimento. É um convite a pesquisadores, estudantes e ao público em geral para explorar a riqueza de uma coleção que ajuda a contar a história do Brasil e do mundo.
🔗 Acesse o catálogo: itamaraty.pergamum.com.br/acervo/163699
⚠️ A Mapoteca integra o Museu Histórico e Diplomático, atualmente fechado para reforma. Acompanhe nossas redes sociais para novidades sobre a preservação do patrimônio diplomático brasileiro.
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Dados do Acervo - Livros
Firms as Political Forces for Good: Navigating Disorder and State Interventionism in A Multipolar World - Sergio Mariotti (Thunderbird International Business Review)
Firms as Political Forces for Good: Navigating Disorder and State Interventionism in A Multipolar World
sábado, 20 de setembro de 2025
Crimes da crise da covid devem ser apurados - Opinião do Correio Braziliense
Crimes da crise da covid devem ser apurados
O ministro Flávio Dino acerta ao determinar investigações sobre a condução da pandemia. O Brasil deve reconhecer que houve escolhas políticas conscientes durante a pandemia que ampliaram a tragédia
Opinião do Correio Braziliense, 20/09/2025
A tragédia da covid-19 no Brasil não pode ser tratada como mera fatalidade. O país registrou mais de 700 mil mortes ao longo da pandemia, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, tornando-se uma das nações com maior número absoluto de vítimas no mundo. Essa cifra, por si só, evidencia a gravidade da crise sanitária e o peso das escolhas políticas no agravamento do cenário.
O ministro Flávio Dino acerta ao determinar investigações sobre a condução da pandemia. As apurações não se restringem a um balanço administrativo: elas dizem respeito à responsabilização por crimes contra a saúde pública, condutas que resultaram em perdas irreparáveis. Por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal dará seguimento às investigações da CPMI da Covid, que havia indiciado várias pessoas, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro, cujas atitudes deliberadamente hostis à ciência orientaram a resposta do governo federal ao coronavírus.
Entre janeiro de 2021 e o início de 2022, enquanto o Brasil acumulava centenas de milhares de novos óbitos, políticos e autoridades sabotavam medidas básicas de contenção, como o incentivo ao uso de máscaras e o distanciamento social, além de defenderem tratamentos ineficazes. Ao mesmo tempo, atrasavam negociações para a compra de vacinas, travando o processo de imunização em um país que historicamente tem uma das estruturas de imunização mais bem estruturadas do mundo: o Programa Nacionais de Imunização (PNI).
Esse quadro ficou mais dramático diante de episódios como a crise em Manaus, quando a falta de oxigênio hospitalar levou pacientes à morte por asfixia, numa cena que simboliza a incompetência e a negligência das autoridades. A omissão governamental, somada à politização do tema, custou milhares de vidas, que poderiam ter sido salvas com uma gestão responsável e coordenada. Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulgado ano passado sustenta que ao menos 300 mil mortes por covid-19 poderiam ter sido evitadas no país.
A responsabilidade, portanto, não é apenas moral, mas também jurídica. Quando um governo se torna vetor de desinformação, desestimula a vacinação e compromete a cooperação internacional para aquisição de insumos, coloca em risco não só a saúde coletiva, mas a própria integridade do sistema público de saúde. O SUS, apesar de sua resiliência, não pode enfrentar pandemias dessa magnitude sem o apoio firme das mais altas instâncias do Executivo.
Investigar e responsabilizar é, assim, um imperativo democrático. O Brasil não pode naturalizar a perda de 700 mil vidas como se fosse parte dos "danos colaterais" de uma guerra. Pelo contrário, deve reconhecer que houve escolhas políticas conscientes que ampliaram a tragédia. Até porque isso serve de alerta: o país precisa manter a sociedade e o sistema de saúde em permanente vigilância. A covid-19 não será o último desafio sanitário global. A experiência recente deve servir como lição para reforçar a ciência, as instituições de controle, o financiamento do Sistema Único de Saúde e as políticas de equidade em saúde.
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