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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 29 de dezembro de 2018

Propostas basicas de politica externa - Paulo Roberto de Almeida

Dando continuidade à divulgação de trabalhos diversos voltados para a análise propositiva de questões relativas à política externa brasileira, transcrevo, pela primeira vez, um texto que elaborei ao final de 2017, e que permaneceu inédito, desde então, pelo simples fato de que eu não o julgava completa, pois faltaram vários temas setoriais da diplomacia brasileira.

3205. “Propostas básicas de política externa”, Brasília, 10 dezembro 2017, 8 p. Argumentos conceituais de caráter geral em favor de um novo estilo na política externa e na diplomacia brasileira, mais conectada aos objetivos do crescimento econômico, da produtividade, com abertura econômica e liberalização comercial. 

Propostas básicas de política externa

 Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10/12/2017

Diretrizes gerais
O Brasil, para começar com uma postura bem clara, não possui NENHUM problema de política externa, ou sequer de diplomacia. Esta última está bem servida por um corpo profissional de funcionários competentes e devotados disciplinadamente à política externa determinada pelo presidente, qualquer política externa, das mais sensatas, como tradicionalmente foi o caso até 2003, às mais alopradas, como tivemos durante a nefasta dominação do lulopetismo diplomático sobre a área internacional do país. É a política externa, portanto, que precisa mudar para que a diplomacia possa contribuir de modo competente e coadjuvante para a solução dos mais graves problemas da nação, que são todos – cabe repetir, TODOS – de ordem exclusivamente interna.
Com efeito, todos os graves problemas brasileiros — econômicos, políticos, sociais, regionais — têm origem interna e precisam receber soluções essencialmente, senão totalmente, domésticas, para que o Brasil possa iniciar um novo processo de crescimento sustentado, com transformações estruturais de seu sistema produtivo — no sentido de maiores ganhos de produtividade — e com a distribuição social de seus benefícios, mas esta preferencialmente por meio de mecanismos de mercado do que pela via ilusória do distributivismo estatal. A concessão demagógica, e populista, de benesses estatais está praticamente inviabilizada pela grave crise fiscal que o Brasil atravessa atualmente, em decorrência da Grande Destruição lulopetista na economia.
Não há muito o que a diplomacia ou que a política externa possam fazer para a resolução dessa grave crise fiscal, mas existe, sim, espaço para que ambas possam ser mobilizadas em favor do segundo grande problema da presente conjuntura histórica: a elevação dos níveis medíocres de produtividade. A diplomacia sempre foi a coadjuvante dos processos e programas nacionais de desenvolvimento, mas ela nem sempre foi orientada da maneira mais racional possível para servir plenamente a tais objetivos.
A primeira tarefa da política externa, e consequentemente também a de sua diplomacia, é contribuir para um processo de crescimento sustentado da produtividade da economia, pela redução do custo do capital e o aperfeiçoamento do capital humano, os dois elementos mais importantes da produtividade total de fatores, junto com as demais externalidades positivas que cabe ao Estado prover de forma eficiente. A melhor maneira de atingir esses objetivos passa pela ABERTURA ECONÔMICAe pela LIBERALIZAÇÃO COMERCIAL, e ambas medidas constituem, igualmente, decisões de política doméstica, bem mais do que de política externa, que só pode ser acessória a esses objetivos maiores. A maneira de fazê-lo é necessariamente uma tarefa de política interna, tanto por razões estruturais quanto conjunturais, e é fácil identificar as razões.
O Brasil é hoje um país introvertido, o mais fechado do G-20, o grupo de nações economicamente mais importantes do mundo, que todas possuem coeficientes de abertura externa bem superiores ao exibido pelo Brasil. Ou seja, somos nós que estamos errados, não os outros, somos nós que nos fechamos ao mundo, que condenamos nosso povo a consumir produtos caros e de baixa qualidade, que obrigamos os empresários a se abastecer internamente a custos bem mais altos, o que os torna pouco competitivos externamente e que redundou nessa desindustrialização precoce a que assistimos sob o desastroso regime econômico do lulopetismo, e que nos levou à maior recessão de toda a nossa história. Em resumo, somos estruturalmente, sistemicamente protecionistas.
No plano conjuntural, o mundo atravessa uma fase de relativa estagnação nas iniciativas e propostas de negociações comerciais multilaterais, e não há muito o que esperar da OMC, daí a razão dos muitos acordos de livre comércio em escala regional, ou dos esquemas mais abrangentes do que as zonas de comércio preferencial, restritos aos países dispostos a ir além dos meros mecanismos de acesso à mercados para entrar no terreno regulatório e nos novos temas dos intercâmbios globais (investimentos, serviços, propriedade intelectual, etc.). O Brasil, como no caso da abertura tarifária, está singularmente AUSENTEdesse universo negociador, o que constitui mais uma razão para que as iniciativas nesse terreno sejam também de origem basicamente interna.
Abertura econômica e liberalização comercial constituem, portanto, os dois grandes objetivos das medidas de política doméstica que precisam e devem ser coadjuvados pela política externa e pela diplomacia para produzirem resultados benéficos no curto e no médio prazo. Foram esses dois elementos que contribuíram, junto com as privatizações, para maiores ganhos de produtividade na economia brasileira no curso dos anos 1990, quando importantes reformas foram feitas nessa direção, o que preparou o Brasil, a partir da estabilização macroeconômica conduzida entre 1994 e 1999, para a fase de maior crescimento na primeira metade dos anos 2000, expansão revertida e destruída logo adiante pelas políticas desastrosas adotadas pelos dirigentes ineptos e corruptos que tomaram de assalto a economia até 2016.
É nesse contexto de REFORMASESTRUTURAISimportantes, a serem implementadas nos planos interno e externo, que se situa a importante decisão tomada pelo atual governo de transição no sentido de solicitar adesão plena do Brasil à OCDE, o “clube das boas práticas” que pode contribuir para esse processo de reformas que o Brasil deve perseguir no seu próprio interesse nacional. A OCDE possui notória expertise e vasta experiência nos terrenos das reformas fiscais, setoriais e sociais, com destaque para as áreas de políticas comercial, industrial, tecnológica e educacional, ou seja, tudo o que o Brasil necessita para deslanchar um novo salto no plano do crescimento sustentado. Os requerimentos de entrada podem, aliás, apoiar as reformas.
As reformas mais difíceis são, sem dúvida alguma, a fiscal e a tributária, uma conectada à outra, mas aqui também o know-how acumulado pela OCDE nessa área pode se revelar valioso, em várias dimensões. Na política comercial, os estudos da OCDE já provaram fartamente que restrições a um comércio mais livre redundam sempre num declínio da produtividade do trabalho, e portanto dos padrões de vida. O protecionismo comercial brasileiro dificulta, e de fato impede, uma maior integração de nossas empresas às cadeias globais de valor, que constituem o lado mais conspícuo da globalização microeconômica, que é onde se processa, junto com as ferramentas de comunicação social, o lado mais relevante desse fenômeno abrangente e inescapável.
REDUÇÃO DOCUSTO DO CAPITALtambém passa por maior abertura econômica e basicamente pela maior atratividade de investimentos diretos, inclusive no setor financeiro, para diminuir o grau absurdo de concentração bancária hoje existente. A política externa e a diplomacia devem servir a todos esses objetivos da maneira mais eficiente possível, o que justificaria um redimensionamento da rede exterior de representação, exageradamente estendida sob a diplomacia megalomaníaca do lulismo.
A política externa brasileira sempre teve como princípio organizador uma mal definida “diplomacia do desenvolvimento”. Tratava-se, na verdade, mais de um slogan e, mesmo, uma ideologia, do que propriamente uma doutrina adequadamente elaborada, resultando de uma combinação improvisada de prescrições vagamente influenciadas pelo desenvolvimentismo latino-americano da CEPAL e de demandas de tratamento preferencial e mais favorável para países em desenvolvimento emanadas da UNCTAD. Ao abrigo dessas correntes de pensamento, ocorriam vibrantes discursos defendendo “espaços de políticas econômicas” em prol de “projetos nacionais de desenvolvimento”, o que servia de razão, de justificativa e de defesa para o protecionismo tarifário, para as restrições aos investimentos estrangeiros em determinados setores, para os monopólios estatais em indústrias ditas “estratégicas”, para restrições aos fluxos de bens, de serviços e de capitais em nome do equilíbrio do balanço de pagamentos, da preservação da autonomia tecnológica, ademais de diversos outros expedientes, mal coordenados entre si, mas que de fato atuaram contrariamente ao grande objetivo pretendido, que era o de romper a barreira do subdesenvolvimento para alcançar o patamar das nações ricas. 
O Brasil não esteve sozinho nesses experimentos desenvolvimentistas, já que acompanhamos os mesmos tipos de políticas da maioria dos países latino-americanos, que, se bem sucedidas em sua implementação reiterada e teimosa ao longo de décadas, deveriam levar o continente àquele grande objetivo. Ora, o que se assistiu, ao longo do período, foi a superação gradual dos países latino-americanos pelos da Ásia Pacífico, praticamente uma troca de lugares na economia mundial, tanto em termos de pautas exportadoras, de diversificação industrial, de ofertas competitivas em bens e serviços, quanto da atração de investimentos diretos estrangeiros. A América Latina, e com ela o Brasil, reduziu seus índices de participação nos intercâmbios mundiais, ao passo que os países da Ásia Pacífico começaram a ocupar frações crescentes desses fluxos globais.
Está, portanto, mais do que na hora de substituir essa mal definida “diplomacia do desenvolvimento com preservação da autonomia nacional” por uma vigorosa política de “INTEGRAÇÃO À ECONOMIA MUNDIAL”, com a adoção consequente de medidas econômicas e de políticas setoriais visando à inserção das empresas brasileiras nos padrões competitivos da globalização. A OCDE poderá subsidiar a redefinição dessas políticas no novo sentido pretendido, mesmo quando a adesão formal não se realize, pois nada deveria impedir o Brasil de reformar soberanamente o conjunto de políticas nas áreas industrial, comercial e tecnológica na direção da integração mundial, abandonando o prejudicial nacionalismo pretensamente autonomista, mas que é de fato redutor de nossas possibilidades de progresso econômico.

Diretrizes setoriais
O Brasil sempre privilegiou a via multilateral e a coordenação regional em diversas áreas, inclusive em matéria de integração econômica. Sob o lulopetismo diplomático ele fez mais do que isso: adotou preventivamente uma preferência ideológica por certas “parcerias estratégicas”, o que o fez perder tempo na busca de uma fantasmagórica aliança com protagonistas de algo difuso chamado de “Sul global”, o que podia encantar acadêmicos alienados às realidades da economia mundial, mas que em nada serviu para promover os interesses concretos de sua economia. 
O que caberia fazer agora seria recuperar a plena autonomia da política externa na coordenação das políticas nacionais em todas as áreas de negociações internacionais e regionais, sem mais preferências ideológicas ou compromissos herdados do passado recente, que nos prendiam a determinados compromissos políticos mais estabelecidos em função daquelas preferências partidárias do que das reais necessidades da economia e da sociedade nacional.
O Brasil é grande o suficiente, e dotado de uma diplomacia suficientemente preparada, para poder ATUAR DE MODO INDEPENDENTEnos mais diferentes foros de negociações internacionais, sem precisar de uma coordenação redutora em certas áreas, o que o acaba levando a um mínimo denominador, em escala regional ou em outras esferas, distante, portanto, de objetivos mais ambiciosos, que correspondem ao seu novo objetivo de integração plena à economia mundial. Repetindo: a diplomacia brasileira deve atuar, o mais possível, de modo desafiadoramente AUTÔNOMO.
A plena capacitação tecnológica de sua economia, por exemplo, pode e deve-se fazer numa abertura decisiva em direção de TRADICIONAIS PARCEIROSde seu desenvolvimento passado, do que numa ilusória aliança com novos parceiros, ditos “não hegemônicos”, dessa aliança geograficamente determinada numa única direção. Da mesma forma, políticas sociais e educacionais, ou mesmo a regulação setorial, ganhariam bem mais com a adoção de padrões já adequadamente testados em países avançados, todos pertencentes à OCDE, do que nesses experimentos duvidosos, empurrados burocraticamente por tecnocratas descolados da vida empresarial, ou penosamente e artificialmente estimulados num âmbito puramente governamental.
Qualquer consulta aos relatórios técnicos mais relevantes da economia global — competitividade, ambiente de negócios e liberdade econômica — revela que o Brasil não avançou, e que, de fato, ele recuou em vários desses indicadores globais ou setoriais, o que foi o resultado dos anos de inépcia administrativa, de incompetência gerencial, quando não de desmesurada corrupção, do lulopetismo econômico, o que cabe agora corrigir e avançar, para recuperar o atraso acumulado em várias áreas.
O que se propõe, portanto, é a adoção verdadeiramente estratégica de todos esses indicadores, refinados e adaptados ao nosso contexto, para guiar as diretrizes setoriais da política externa e da diplomacia brasileira nesse esforço de integração do Brasil à economia global. Os relatórios do Fórum Econômico Mundial sobre competitividade, os do Banco Mundial sobre “Fazendo Negócios” e os do Fraser Institute sobre liberdades econômicas deveriam converter-se em manuais práticos de nossos técnicos econômicos e diplomatas na redefinição de amplas áreas da regulação nacional tratando de políticas econômicas externas e de relações econômicas internacionais. Uma leitura atenta desses relatórios, confrontando indicadores relativos ao Brasil com os de outros países, inclusive economias menores ou nações de menor renda per capita que a brasileira, revela o que já se sabe: nosso país apresenta inúmeras distorções macro e setoriais, quase todas elas derivadas da burocracia estatal, de um sistema tributário extorsivo e irracional, de uma regulação intrusiva, tudo isso fazendo um ambiente de negócios verdadeiramente infernal para o empresário nacional. 
Deve-se, aliás, corrigir essa noção de que existe um “custo Brasil”, o que tornaria o cenário em algo quase determinista, ou fatalista, como se a responsabilidade fosse de todos, ou seja, de ninguém. Na verdade, esse custo deve ser chamado pelo seu verdadeiro nome:CUSTO DO ESTADObrasileiro. É este o grande responsável por uma carga fiscal equivalente à média dos países ricos, numa economia com um PIB per capita cinco vezes menor, ou seja, um nível tributário mais de dez pontos percentuais acima dos países emergentes de renda equivalente. Não apenas o volume de impostos é avassalador para a competitividade das empresas brasileiras, mas a burocracia envolvida no recolhimento dessas receitas compulsórias é, também, estupidamente esquizofrênica. 
Todos esses relatórios exibem um número tão excessivo de idiossincrasias – não necessariamente brasileiras, mas do Estado brasileiro, e dos seus governos – que a nossa diplomacia pode passar um bom tempo identificando como os outros países colocados num mesmo patamar de desenvolvimento atuam sobre os mecanismos mais distorcivos e mais perversos que retiram competitividade aos produtos e serviços aqui produzidos e que colocam o Brasil nos piores indicadores em escala comparativa. A Índia, por exemplo, deu enormes saltos de produtividade e de competitividade no plano mundial simplesmente ao identificar os critérios no levantamento do Banco Mundial que a colocavam numa classificação muito baixa no ranking do Doing Business: o trabalho feito de correção dessas distorções levou-a, em poucos anos, a ultrapassar o Brasil na classificação geral. O mesmo pode ser feito pela diplomacia brasileira em diversos outros componentes de políticas setoriais, identificando as melhores práticas pelos países que apresentam indicadores mais favoráveis ao ambiente de negócios.
A redução eventual das receitas, advinda de reformas no sistema tributário e nos mecanismos regulatórios, seria mais do que compensada pelos ganhos de produtividade e de competitividade a serem incorporados pelas empresas brasileiras em decorrência dessa adequação a patamares “normais” de funcionamento do sistema produtivos, em todo caso segundo padrões vigentes na maioria dos países inseridos na economia global. É evidente que haverá custos de transição, que terão de ser compensados pela redução das despesas públicas, mas neste campo também a diplomacia precisa ser mobilizada para demonstrar as imensas distorções existentes sob a forma de gastos com o próprio Estado e seus aparelhos institucionais, quando vistos em escala comparativa. Parece claro, por exemplo, que o funcionamento dos poderes, a remuneração da sua burocracia, o custo da Justiça do Trabalho e, sobretudo, dos regimes previdenciários constituem verdadeiras anomalias vistas no plano internacional, e isso precisa ser evidenciado pela nossa diplomacia, em função de sua capacidade de realizar levantamentos de questões funcionalmente similares em direção de países com instituições equivalentes.
O mesmo se estende, por exemplo, aos mercados de capitais, regimes laborais, sistemas de inovação, funcionamento do ensino público e sua complementação pelo setor privado nos diversos níveis e várias outras áreas problemáticas no atual cenário brasileiro: a diplomacia pode, e deve, trazer uma grande contribuição para diagnósticos realistas sobre as disfunções brasileiras, atribuindo-se depois à política externa a missão de negociar eventuais acordos de cooperação para que as prescrições adequadas sejam seguidas de propostas concretas de reformas setoriais, em linha com padrões existentes de qualidade em países de melhor desempenho nessas áreas. Aqui, novamente, a OCDE poderia prover o Brasil de todas as informações necessárias a esses diagnósticos. 

Relações regionais e com grandes parceiros
A primeira circunstância do Brasil é, obviamente, a sua geografia, e é com ela que o país deve trabalhar para assegurar um ambiente continental favorável ao bem-estar dos seus povos, aos processos de desenvolvimento, à segurança e ao respeito aos princípios dos direitos humanos e da democracia inscritos em nossa Constituição. Nela também está a “obrigação” de realizar a integração com as demais nações da região. O projeto de integração – que já passou por diversas fases – necessita porém ser retomado em novas bases, uma vez que a união aduaneira do Mercosul não parece ter condições de funcionar de modo adequado na configuração atual. De certo modo, o Brasil, como o país mais avançado industrialmente e tecnologicamente, pode decidir abrir-se de modo mais amplo aos produtos e serviços dos países vizinhos, sem exigir reciprocidade. Caberia, igualmente, retomar o projeto de integração física proposto em 2000 e deixado num estado disfuncional pelos equívocos de política econômica e de política externa, nos anos em que esta foi dominada por uma diplomacia partidária animada mais por preconceitos ideológicos do que pela expressão concreta dos interesses nacionais. 
Muito do que deve ser feito no continente nesse terreno depende, obviamente, de um bom ambiente regulatório, o que pode revelar-se praticamente impossível quando vários países adotaram orientações estatizantes e contrárias ao investimento estrangeiro em suas disposições setoriais nacionais, aliás, como o próprio Brasil durante o reinado companheiro. Assim, a mudança de postura do Brasil nessas áreas, sobretudo a abertura necessária aos capitais internacionais, pode sinalizar um bom ambiente de negócios e de investimentos, que cabe estimular nos planos da diplomacia e da política externa por novas iniciativas de caráter integracionista pragmático. Aqui, como em vários outros terrenos, os problemas são e continuam a ser de ordem essencialmente interna – como é o caso do protecionismo brasileiro, mesmo contra produtos e serviços dos vizinhos que, teoricamente ao menos, gozam de acesso aos mercados brasileiros por mera redução das tarifas aplicadas, quando os problemas são propriamente regulatórios –, o que, porém, não deveria impedir a diplomacia de indicar claramente quais os obstáculos percebidos por esses países. Ao proceder em modo de abertura unilateral, o Brasil pode contribuir para a formação de um grande espaço econômico integrado em escala regional, sem mesmo precisar negociar acordos bilaterais ou plurilaterais com os países vizinhos. 
Por outro lado, o conceito de “parceria estratégica” foi usado de modo muito peculiar nos anos do lulopetismo diplomático, privilegiando unilateralmente supostos aliados considerados “anti-hegemônicos”, numa tentativa canhestra de criar “novos polos de poder” distanciados das antigas potências coloniais e “imperialistas”. Na verdade, a diplomacia brasileira não precisa e não deveria ficar selecionando quais são ou deveriam ser os seus “parceiros estratégicos”. O que uma política externa sensata dever fazer, a partir de claras diretrizes governamentais, é definir quais são os objetivos estratégicos nacionais, suas metas prioritárias, e a partir daí, e em função disso, escolher as melhores parcerias que se encaixem de forma racional e pragmática na perspectiva da cooperação ideal para os setores e áreas nas quais se busca o melhor desempenho para aquele campo específico. Não existe e não pode existir um determinismo geográfico por um fantasmagórico “Sul global” em todas as áreas de interesse brasileiro de cooperação, assim como não podem existir grupos rígidos e coalizões estáveis, quando são muito diversos os objetivos estratégicos do país: o interesse nacional deve, assim, selecionar os melhores parceiros, não aqueles supostamente alinhados ideologicamente.
A política externa e a diplomacia brasileira sempre foram universalistas. Elas precisam voltar a sê-lo, como suporte essencial de um novo tipo de desenvolvimento. 


[1aversão: 10/12/2017]; a ser completado...

Politica exterior do Brasil, relacoes com Argentina - entrevista PRAlmeida

Em meados de 2017, recebi em meu escritório um doutorando argentina de uma universidade turca, que fazia uma pesquisa comparativa entre blocos regionais na Ásia Central e no Cone Sul da América do Sul, mais especificamente Brasil-Argentina. A tese deve ser apresentada em inglês, daí as perguntas previamente formuladas, mas toda a entrevista foi conduzida em espanhol, naturalmente.
Abaixo o registro da entrevista, cuja íntegra está disponível na plataforma Academia.edu.

3179. “Política exterior brasileña: depoimento Paulo Roberto de Almeida”, Brasília, 16 outubro 2017, 22 p. Texto transcrito de entrevista concedida a Ariel Gonzaléz; PhD Candidate, Department of International Relations; College of Administrative Sciences and Economics - Koç University. Disponível na plataforma Academia.edu (29/12/2018; link: https://www.academia.edu/38058832/Politica_Exterior_do_Brasil_uma_entrevista_a_doutorando_2017_).

Política Exterior do Brasil: uma entrevista a doutorando

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: depoimento gravado e transcrito em espanhol; finalidade: subsídios a tese de doutorado]
  
Researcher/Interviewer: Ariel González (Koç University, International Relations Department; Graduate School of Social Sciences and Humanities, Istanbul, Turkey)
Interviewed: Paulo Roberto de Almeida; Category: Expert; Director of the BrazilianInstitute of International Relations (IPRI); Alexandre de Gusmão Foundation, Ministry of Foreign Affairsof Brazil)
Research Project
The central empirical reference of this Ph.D. dissertation are the cases of the Central Eurasian, and the South American regional orders in the period 1991-2016, which will be analyzed by answering to two central questions: How these regional orders has managed regional conflict? What is the role of regional institutions in the overall dynamics? The next interview will be focused on the South American regional dynamics from 1991 until 2016, by focusing on Brazil-Argentina relations.


Interview Paulo Roberto de Almeida: 
Mi posición actual, desde agosto de 2016, es como director del Instituto Brasilero de Relaciones Internacionales (IPRI), vinculado a la Fundación Alexandre de Gusmão (Funag). El IPRI se ocupa de encuestas, investigaciones sobre las relaciones internacionales actuales;  hay otro órgano de la Funag, que está en Río de Janeiro y que es el CHDD (Centro de História e Documentação Diplomática). El IPRI tiene una agenda diferente de la agenda diplomática corriente, involucrando temas históricos, discusiones políticas, e invitando personas no necesariamente vinculadas al ministerio, sobre todo personas independientes que pueden venir a exponer su postura. Siempre estamos invitando intelectuales académicos extranjeros o brasileños para venir al IPRI. 

What are the main traditions in the Brazilian Foreign Policy? How it fits with the development of ‘diplomatic lulopetismo’ during the PT’s rule?
"Lulopetismo diplomático" es un término que utilicé esencialmente para describir los 13 años de dominio del PT sobre la política exterior de Brasil, aunque estrictamente fueron los 8 años de Lula. Después, bajo su sucesora, Dilma Roussseff, de 2011 a mayo de 2016, las políticas publicas se ha deteriorado en su la calidad, debido a la implementación de políticas erráticas. Lula teníaun rol mucho más de estadista que Dilma Rousseff que era mediocre en todas las cosas, sea política económica, sea diplomacia. Pero la política externa estuvo de alguna manera vinculada a los grandes temas, opciones, preferencias, ideas del PT, porque durante los 13 años y medio estuvo el mismo asesor presidencial para RRII en el palacio presidencial, Marco Aurelio Garcia, que murió en septiembre 2017.
Él fue un tipo identificado con la antigua izquierda trotskista en Brasil que después se "cubanizó" por cuestiones propias del exilio, de las relaciones, de la debilidad del trotskismo en Brasil. Él se ha vinculado al PT desde el inicio (1980); el PT tiene 3 bases principales, humanas, políticas e ideológicas. En primer lugar, hay el componente sindical, partiendo del sindicalismo alternativo de los años 70, contra la inflación, las condiciones salariales, la represión, y que después se ha transformado en el sindicalismo "mainstream". El sindicalismo en Brasil es como en Argentina, mafioso. Es un negocio, pero se ha instituido de manera mucho más sofisticada en Argentina, lo que se llamaba "República sindical", algo que era muy temido si se reproduciera en Brasil, por las oligarquías, por los industriales liberales, por los militares. La "República sindical" fue una de las amenazas que se presentaban en Brasil en los años 60, y por eso los militares dieron el golpe en el 64. Con la llegada de Lula al poder, volvió la “república sindical”, muy corrupta, muy mafiosa, pues todos los sindicatos queganan plata del ministerio del Trabajo, o tienen sus maneras de evadir a los órganos de control. 
Hay otro componente que en el caso del PT es muy importante para la política externa, lo que yo llamo los "guerrilleros reciclados". En Brasil, durante la dictadura militar, hubo pocos muertos, muchos torturados, algunos desaparecidos, pero mucha gente fue al exilio o se quedó en prisión por algún tiempo. Volvieron todos y se reincorporan a la vida política a partir de la amnistía al final del gobierno militar en el 79; estos son los que yo llamo guerrilleros reciclados. No eran los viejos comunistas que continuaron en el partido hasta que se fragmentó al final del socialismo; eran los guevaristas, los fidelistas, algunos maoístas, la extrema izquierda que fue a la lucha armada, militantes que volvieron para integrar la lucha política pero que preservaron su espíritu leninista, conspirativo, del aparato del revolucionario profesional. Este elemento es muy importante porque es el que conformó el partido como organización. No digo que el PT es un partido ‘neo-bolchevique’,porquelos sindicalistas tienen sus pretensiones políticas, algunos se destacan en la vida política y el caso del PT es el único en que algunos grandes sindicatos como los bancarios, metalúrgicos y otros sobre todo con la CUT ilegal en la legislación anterior y aún hoy, es el único núcleo sindical que estuvo adentro de un partido y lo controla en parte. La otra parte es controlada por estos guerrilleros reciclados, gente que ya tenía una vida partidaria de la guerrilla, del exilio en Cuba, Méjico, Chile, Europa, Argelia, y muchos no han abandonado su espíritu revolucionario de los años 60, y sobre todo no han abandonado la voluntad de vengarse de los militares. 
El tercer componente no tiene importancia política en el partido, pero tiene importancia política electoral. Es un poco formado por estas masas de pobres urbanos, trabajadores de clase media baja, muy movilizados por concepciones de la teología de la liberación, la iglesia progresista católica de izquierda como la JOCB, la juventud de estudiantes católica, la CNBB creada en los años 50. Los cristianos de izquierda constituyen una amplia base electoral, la masa de maniobra del PT.
Hay un cuarto componente, pero de naturaleza diferente, que es la categoria que yo llamo “académicos gramscianos”; como sabemos, en América Latina están en las facultades de humanidades, en casi todas las universidades; son marxistas, o seguidores de la Escuela de Frankfurt, de izquierda, progresistas, socialistas, pro-cubanas, antiimperialistas, antiamericanas, lo que sea. Este gramscianismo académico platicó una espécie de revolución cultural, o sea, la penetración a los órganos de la información, y todo eso es muy evidente en Brasil, en el aparato educacional. Desde los años 60, mismo durante el gobierno militar, con ideologías supuestamente de derecha, con un gobierno conservador, todo el aparato educacional de Brasil era pro marxista, con base en la pedagogía de Paulo Freire: los "petistas" lo han hecho patrón de la educación brasileña. Era un maoísta ignorante en varias cosas, pero supuestamente profesor de izquierda que ha elaborado algunas tesis sobre la “pedagogía del looprimido”. Es un poco el maoísmo adaptado a la clase de alfabetización. Este freirismo es la base de toda la educación brasileña y ha influenciado la enseñanza en las últimas 4-5 décadas. Toda la educación,yno exclusivamente la pedagogía, toda la enseñanza de la historia de Brasil, en las ciencias sociales, dominan concepciones muy ingenuas de economía, que tiene poco que ver con el "mainstream economics" de las facultades anglosajonas; tienen que ver bien más con la economía política latinoamericana: prebischiana, cepaliana, las oposiciones entre centro-periferia, norte-sur, necesidad de desarrollo, proteccionismo, integración, deterioro de los términos de intercambio, etc.Todo esto es una ideología típica de la izquierda y todo eso hace parte del PT. Hago esta introducción para comprender el universo mental en que ellos trabajan.
(...)


Livros em homenagem ao intelecto: Rubens Ricupero

Em 2019, se continuar no IPRI, pretenderia organizar dois livros em homenagem a duas personalidades da diplomacia brasileira, assim como já fiz em relação ao Roberto Campos, e ajudei a consolidar suas antologias com escritos de Oswaldo Aranha e Celso Lafer.
Um deles é José Guilherme Merquior, cujo esquema de trabalho e colaboradores ainda está muito elementar.
O outro seria em homenagem ao embaixador Rubens Ricupero, planejado muitos anos atrás e ainda não realizado. Uma homenagem a ele, por ocasião da publicação de seu livro A Diplomacia na Construção do Brasil, 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal, 2017), teve se ser suspensa por "acidentes de percurso", e porque o Itamaraty é sempre pusilânime, como ainda constatado recentemente.
O que vai abaixo é uma assemblagem de dois textos concebidos para duas finalidades distintas: o livro de ensaios e a sessão em homenagem a ele.

Em busca do livro perdido: homenagem a Rubens Ricupero

Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag
[Saudação a Rubens Ricupero; um reconhecimento e uma dívida pendente]


Em busca do livro perdido
À la recherche du temps perdu é um roman fleuve de Marcel Proust, escrito entre 1906 e 1922, publicado em sete tomos entre 1913 e 1922, cujos três últimos volumes apareceram depois da morte do autor. Mais do que a descrição de uma sequência de fatos e de acontecimentos enfeixados entre essas datas, essa obra de Proust representa uma reflexão sobre a literatura, sobre a memória, sobre o tempo.
Não pretendo, nesta pequena homenagem ao embaixador Rubens Ricupero, mimetizar o esforço monumental de Proust, como uma espécie de compensação pela inexistência de um livro, mas apenas em um único volume, que deveria ter precedido, de alguns anos, este ensaio “fleuve” que é hoje apresentado no Itamaraty pelo seu autor. O que desejo, nesta oportunidade, é, em primeiro lugar, formular um pedido de desculpas, efetuar, depois, um reconhecimento, e, por fim, confirmar que tenho, acho que todos temos, uma dívida, ainda a ser reparada em favor de um mestre, um autor, um professor, um colega de carreira que, reconhecidamente, honra o Itamaraty e suas tradições de excelência, encarnadas da melhor forma possível, ao longo das últimas seis décadas, por um dos nossos intelectuais mais distinguidos. 
Por que digo isto, e por que começo esta homenagem a Ricupero, evocando Marcel Proust e seu roman fleuve em busca do tempo perdido? É porque eu também estou em busca do livro perdido, e por isso mesmo formulo, em primeiro lugar, um pedido de desculpas. Mais de cinco anos atrás, formulei um projeto, apresentado pouco depois a Gelson Fonseca e prontamente aceito sob a forma de uma coedição, de fazer um livro em homenagem ao mestre, tentativamente chamado “História, diplomacia e comércio internacional: ensaios em homenagem a Rubens Ricupero”. Esse projeto tinha até uma completa organização, em duas dúzias de capítulos divididos em cinco partes: 1) História: a mais constante das companhias; 2) Diplomacia: princípios, regras e valores; 3) Políticas Públicas: formulação e execução; 4) Comércio e desenvolvimento nos contextos regional e internacional, e 5) Globalização: problemas e perspectivas. Eu ainda me tinha reservado a confecção de uma introdução e de dois capítulos finais, o primeiro uma síntese pessoal sobre o professor e o homem público, o segundo, de cunho conclusivo, um ensaio reflexivo e interpretativo sobre a vida e o pensamento de Rubens Ricupero. Nada disso foi feito, ou o foi apenas em parte, daí este meu primeiro pedido de desculpas que sou agora obrigado a oferecer.
Esse era o projeto original que, acompanhado de uma carta convite, assinada por mim e pelo embaixador Gelson Fonseca, foi encaminhado a duas dezenas de amigos, de admiradores e colegas do embaixador Ricupero, com o nosso pedido singelo de que oferecessem, em tempo hábil, suas contribuições a um volume de ensaios que se encaixaria naquela categoria, amplamente conhecida nos meios acadêmicos, que os alemães chamam de Festschriftos franceses pelo qualificativo de Mélanges offertes à..., e, na tradição inglesa e americana, pelo tradicional Essays in Honor of… Pois bem, quero apresentar aqui o nosso humilde pedido de desculpas, por não termos sido capazes de apresentar, muito por falta de cooperação dos convidados, mas também por nossa própria negligência, esse projetado livro que deveria ter precedido, de alguns anos, este que agora vem a público, do próprio autor, e que merece, legitimamente, uma justa homenagem de todos nós. Mas, este não era o livro que eu teria gostado de fazer, de apresentar e de oferecer aos interessados no devido tempo, hélas perdido.
Desejo, em segundo lugar, efetuar um reconhecimento, e creio interpretar a unanimidade dos presentes, no sentido em que, mais do que simplesmente prestar uma homenagem ao maior intelectual da carreira, dizer que somos nós que agradecemos esta oportunidade, a chance e o benefício de recebermos agora, este livro que representa a mais bela síntese sobre o que tem sido, ao longo de dois séculos ou mais, nossa própria história, nossa participação na construção da nação, nosso papel em episódios decisivos de uma trajetória bissecular, nossa contribuição para a edificação, sempre tentativa, de um país, de uma sociedade, que provavelmente gostaríamos fosse mais desenvolvida, mais justa, mais inclusiva, e mais participativa no chamado concerto das nações, mas que é esta que hoje contemplamos um pouco apreensivos quanto ao seu estado presente e seus rumos futuros. Independentemente do balanço que se faça – e o faremos a caminho do bicentenário –, esta é a nação da qual somos representantes mandatados, para a qual contribuímos com nosso quinhão de esforços voltados para a construção – nos termos da sociologia germânica – de uma Gemeinschaftque certamente imaginávamos um pouco mais solidária e mais avançada do que esta que agora temos, se tivéssemos tido a possibilidade de consolidar uma Wirtschaftcompatível com as justas aspirações do seu povo, ao longo destes dois séculos. 
Se não o conseguimos, devemos pelo menos reconhecer que esta obra, A Diplomacia na Construção da Nação, 1750-2016, representa a melhor síntese sobre esse itinerário – constante, contínuo e denodado – de esforços de várias gerações de diplomatas e de homens públicos que honraram a nação, e que tentaram dela fazer, senão um país ideal, pelo menos um Estado de bem-estar em benefício de seus próprios cidadãos e perfeitamente cooperativo no plano internacional, em prol da paz, da segurança, do desenvolvimento de todos os povos e nações. Somos nós, portanto, que devemos agradecer ao embaixador Rubens Ricupero, por nos ter oferecido uma rationale histórica dessa longa trajetória que vai das negociações do Tratado de Madri por Alexandre de Gusmão até as angústias e dúvidas do tempo presente, quanto às possibilidades de sermos capazes de honrar os pais fundadores da nação, e também nossos antecessores na diplomacia profissional, dando continuidade à obra ainda inacabada de construção da nação, preservando nossos mais sagrados princípios e valores, os da democracia, dos direitos humanos, da justiça social, do tratamento humanitário e igualitário de todos os brasileiros. 

Um livro apenas temporariamente perdido
É comum, no ambiente acadêmico, a organização de volumes comemorativos em homenagem àqueles que se distinguiram em carreiras especialmente bem sucedidas na docência e na pesquisa de uma área qualquer; a prática, é verdade, é bem mais usual e frequente nas humanidades do que nas ciências exatas. O objetivo é justamente o de se render tributo, geralmente por parte de colegas, a quem soube exercer-se com talento e dedicação nas diversas vertentes e feituras do magistério e da pesquisa ao longo de todo um itinerário que costuma estender por uma geração inteira, senão mais, alcançando, ano a ano, dezenas de graduações acadêmicas e de cursos complementares, com possível e não rara influência fora do ambiente estritamente universitário.
Esses volumes são menos conhecidos fora da academia, isto é, nas corporações de ofício que também possuem no trabalho intelectual a base fundamental de suas reflexões e de suas práticas: estas seriam, por exemplo, a magistratura, os encarregados de políticas públicas, como os funcionários dos tesouros nacionais, dos bancos centrais e várias outras na burocracia oficial. Poderiam também merecer tais distinções algumas categorias do “mandarinato estatal” que, em diversos casos, possuem instituições de ensino, de formação e treinamento, bibliotecas especializadas e, por vezes até, um corpo estável de professores, dedicados a instruir e aperfeiçoar, nos ossos daquele ofício, os novos recrutas e os funcionários concursados da profissão em causa. 
Este deveria ser também o caso da diplomacia, uma carreira de Estado altamente intelectualizada, dotada de instituições próprias de seleção, recrutamento e treinamento, com professores designados, dentro e fora da carreira, para o processo de socialização, homogeneização e aperfeiçoamento dos admitidos na carreira. A mais forte razão, os diplomatas são, junto com os soldados e marinheiros, agentes do Estado por excelência, dos quais se exige, justamente a mais alta qualificação técnica e intelectual na defesa dos interesses do país e na consecução dos grandes objetivos nacionais. De fato, temos notícia de que o Instituto Rio Branco, que exerce, desde 1945, o monopólio nessas tarefas, ou o braço editorial do Itamaraty, a Fundação Alexandre de Gusmão, têm se esforçado em prestar uma justa homenagem, sob diversas formas, aos mais brilhantes ou distinguidos mentores e profissionais da carreira, por exemplo na modalidade de “leituras públicas” enfeixadas sob a rubrica de “Percursos Diplomáticos” que criamos com o Diretor-Geral do Instituto Rio Branco, ou ainda pela publicação ocasional de diversos volumes de compilação de escritos esparsos ou das memórias de um ou outro dentre os diplomatas que deixaram suas marcas intelectuais nesta Casa. 
Volumes comemorativos do sesquicentenário do nascimento do ícone ímpar da diplomacia brasileira, de sua entrada em funções, em 1902, e de sua morte no exercício do cargo, dez anos depois, foram publicados pela Funag, em 1995 – aliás, pelo próprio Ricupero, uma fotobiografia do Barão do Rio Branco, com João Hermes Pereira de Araujo –, e em 2002 e 2012, respectivamente. Mas não se tratou, obviamente, de obras comparáveis, no espírito e no estilo, a um Festschrift, como o que reconhecemos deveria ser feito em homenagem a Ricupero. Um exercício vagamente assimilável a esse gênero – mas exercendo-se apenas em direção de personagens falecidos – foi constituído pela obra organizada em 2001 pelo diplomata e acadêmico Alberto da Costa e Silva, em torno da presença de figuras relevantes do Itamaraty na cultura brasileira, certamente título ambicioso, mas que permitiu registrar a registrar a trajetória de um número seleto de diplomatas intelectuais, desparecidos, que se exerceram com talento nas letras e nas humanidades, em geral. 
Embora reconhecendo o mérito do empreendimento, foi como se a iniciativa dissesse algo do gênero: “Aos mortos, todas as nossas homenagens; aos vivos, mais um pouco de paciência: contentem-se, por enquanto, com algumas medalhinhas, antes que possamos nos ocupar, no devido tempo, de seus despojos literários”. Existe um duplo risco no empreendimento: por um lado, os mortos, a exemplo de Varnhagen, Edmundo Penna Barbosa da Silva, ou Oswaldo Aranha – todos eles contemplados em livros editados recentemente pela Funag – já não podem reclamar do que contarmos ou escrevermos sobre eles. Mas se fossemos, por outro lado, nos ocupar de alguns muito vivos, pessoas do presente, dotadas de certa influência, sempre se pode correr o risco de cair no conjuntural ou, pior, sofrer pressão política indevida, para que elas sejam entronizadas como supostos arautos geniais da verdadeira doutrina social, ou até mesmo da melhor prática diplomática. Em relação aos desaparecidos existe hipoteticamente o risco de cair em exagerados elogios póstumos, atribuindo-lhes todas as virtudes e nenhum vício; no segundo caso, o perigo seria o de fazer algum tipo de panegírico aos poderosos do momento, que podem ser ególatras compulsivos, a exemplo de certo “filho do Brasil”. 
Mas aqui entra um nicho histórico em favor de Rubens Ricupero, em relação ao qual, dado o testemunho concreto de sua imensa obra já publicada, não se corre nenhum risco de incorrer numa ou noutra tentação. O sentido de uma verdadeira homenagem, e acredito que o fazemos agora, é o de prestar um justo reconhecimento a quem tanto contribuiu para o nosso próprio enriquecimento intelectual, para a valorização desta Casa e a de nossa carreira e para o engrandecimento da nação. Estamos, portanto, nos antecipando à inevitável passagem do tempo, prestando uma homenagem em vida a um dos nossos mais distintos intelectuais e homens públicos. Ao fazê-lo, cabe, em terceiro lugar, o reconhecimento desta dívida, que ainda precisa ser reparada, e o será, no devido tempo, esperamos não mais perdido.

O sentido de uma justa homenagem
Por que decidimos romper com esta sadia precaução e prestar uma homenagem a um colega de carreira ainda em plena e intensa produção intelectual? Poderíamos alinhar parágrafos e mais parágrafos de justificativas e explicações, mas dispensamo-nos da redundância. Bastaria o atestado, informal, de quem conhece o personagem e sua produção. Quem quer que tenha acompanhado a diplomacia brasileira nos últimos cinquenta anos, quem sorveu suas aulas na Universidade de Brasília ou no Instituto Rio Branco, quem assistiu a qualquer uma de suas centenas de palestras em algum canto do mundo, quem percorreu, nas últimas décadas, as páginas dos jornais mais importantes do país, nas seções de economia ou de atualidade internacional, quem acompanhou a saga da implementação do Plano Real, ou quem cotidianamente segue a discussão bem informada e responsável, em quaisquer veículos, em torno dos temas do comércio, do meio ambiente, os diplomáticos e, de modo geral, os de relações internacionais, ou de qualquer outro assunto, quem já leu seus artigos e ensaios, ouviu suas opiniões, assistiu a entrevistas de Rubens Ricupero, qualquer um desses pode responder melhor do que os organizadores e colaboradores de uma coletânea ainda em preparação sobre a razão desta homenagem, sendo apenas de se estranhar o atraso na tarefa. Não parece caber, assim, qualquer justificativa para a presente sessão de homenagem: o personagem aqui presente, e suas produções, constituem sua própria mensagem e sua apresentação, sem qualquer necessidade de campanha publicitária.
Esta iniciativa, preliminar, portanto, a um verdadeiro Festschrift, deve ser vista no sentido preciso que possui um Festschrift: uma homenagem, singela, mas sincera, de amigos e admiradores de Rubens Ricupero a um dos mais distinguidos diplomatas e homens públicos do Brasil do último meio século e um pouco além. Os elogios que podemos fazer em sua intenção deveriam tocar pelo menos alguns – senão todos – os domínios da inteligência e do pensamento intelectual que percorreu e frequentou nosso personagem: todos os aqui presentes certamente possuem ou exibem, em relação a ele, aquilo que Goethe chamou de “afinidades eletivas”. Este é o sentido de nossa sincera e justa homenagem, nosso reconhecimento pela obra intelectual que Ricupero construiu em benefício da nossa diplomacia, neste exercício que eu mesmo chamaria, numa pequena inversão do conceito de Goethe, de “escolhas afetivas”. Este é o sentido desta homenagem, que fazemos ao mestre, com carinho.
Nosso mais sincero reconhecimento ao embaixador Rubens Ricupero.
Cheers!

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22 de setembro de 2017

Quem NAO pode ser chamado de liberal, no Brasil de hoje? - Paulo Roberto de Almeida

Quem é, e quem não é, liberal no Brasil

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de setembro de 2017 (mas ainda válido...)
 [Esclarecendo certos pontos e posturas; separar o joio do trigo]
  
Nos últimos meses tenho assistindo a um debate caótico, em grande medida motivado pela Grande Divisão provocada pelos companheiros e seus aliados no Brasil, na sequência da Grande Destruição que eles provocaram na economia, e da desmoralização de diversas instituições públicas (não só o Executivo, mas os outros dois poderes também), pela absoluta degenerescência moral incitada pela organização criminosa que tomou o Brasil de assalto a partir de 2003, e causa-me espécie a confusão mental que ainda reina sobre quem é, ou quem não é liberal no Brasil, ou seja, o contrário de TUDO o que está aí, atualmente.
Por isso resolvi escrever um pequeno guia para tentar esclarecer certas coisas: 

Quem é, e quem não é, liberal no Brasil: 

Quatro coisas que eu aprendi sobre quem NÃO é liberal no Brasil: 
1) Não basta ser contra a organização criminosa que assaltou o poder, os cofres, as empresas públicas e privadas, a população como um todo, entre 2003 e 2016 no Brasil, para se proclamar liberal;
2) Não vale ter saudades do regime militar, como se ele fosse impoluto, livre de corrupção, apreciador da lei e da ordem, mas ao mesmo tempo sustentador de um Estado forte, protecionista, intervencionista, dirigista, para se proclamar liberal;
3) Não adianta ser a favor do armamento geral da população – como se essa fosse a resposta para problemas de segurança pública –, ser contra o aborto e a favor da vida – como se isso fosse interromper as centenas de milhares de abortos clandestinos, geralmente de alto risco para adolescentes pobres –, ser contra a "arte degenerada", ou supostamente esquerdista, para achar que isso é ser contra o Estado esquerdista;
4) Achar que fascistas são "esquerdistas", ou vice-versa – como se isso fizesse alguma diferença em termos práticos –, ou que conservadores também são "liberais", ou que islâmicos em geral são todos sustentadores da jihad contra os valores ocidentais, potenciais apoiadores de terroristas islâmicos, ou proclamar as virtudes excelsas da religião cristã, para que tudo isso signifique estar do lado dos liberais no Brasil.

Infelizmente, faltam bases intelectuais ao movimento liberal no Brasil, mas o fato é que verdadeiros liberais são pelo laissez-faire, pelo Estado mínimo, pelo máximo de liberdades econômicas possível, pela tolerância radical em relação a crenças e questões de ordem moral, pelo progresso contínuo das instituições e mecanismos da vida em sociedade, por meio de reformas tendentes à afirmação das liberdades individuais e da iniciativa privada, dos mercados livres, e sobretudo pela defesa intransigente, ativa, dos valores e princípios da democracia e dos direitos humanos.
Acho que muita gente precisa aprender o que é ser verdadeiramente liberal, o que julgo que ainda vai ocorrer no Brasil.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 15 de setembro de 2017

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