A mãe de todas as crises
Claudia Safatle
Valor Econômico, 10/08/2012
Sexta feira,
13 de agosto de 1982.
Na tarde seca de Brasília, o chefe do departamento de operações
das reservas internacionais do Banco Central (BC), Carlos
Eduardo de Freitas, recebeu um
telex de uma agência internacional com a notícia de que
o
governo do México acabava de decretar a moratória da dívida externa.
Com o papel na mão, ele subiu às pressas
para a sala do diretor da área internacional do BC,
José Carlos Madeira Serrano, abriu a porta e soltou um
palavrão: "F...!" O diretor leu o telex e disparou: "PQP! Tenho
que avisar o Galvêas!"
A dramaticidade do evento
justificava o vocabulário: há 30 anos, o Brasil quebrou.
Começou ali a longa e terrível crise
da dívida, a "década perdida", o
fim do modelo de crescimento vigoroso do país,
sustentado no endividamento externo e
na substituição de importações. A mãe de todas as crises que
o Brasil veio a viver depois. Algo só comparável
à agonia dos países da zona do euro hoje.
A moratória mexicana,
precedida da Guerra das Malvinas (disputa entre a Argentina e a Inglaterra pelas
ilhas Malvinas), contaminou todos os países endividados. O governo brasileiro,
no entanto, acreditou que ainda seria possível evitar o
desastre. O ministro da Fazenda, Ernane Galvêas, seguiu em setembro
para a reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI),
em Toronto, no Canadá, confiante em que o Fundo decidiria criar
uma linha de financiamento emergencial que estava em
discussão, de US$ 25 bilhões, e que poderia chegar a US$
100 bilhões, para socorrer os países afetados pelo endividamento.
A reunião de Toronto foi um
fiasco. Nem o FMI nem os bancos privados nem os governos avançaram
na construção de saída alguma.
Galvêas só ficou
sabendo naquela reunião que o Brasil
"era a bola da vez", que quebraria. "Não
tínhamos ideia da repercussão
da moratória do México. A Polônia já
estava em moratória, a Argentina também. Estávamos
sentindo os problemas, mas não tínhamos a extensão do prejuízo.
Foi quando o Edmond Safra [o banqueiro, morto em 1999] me falou:
"Galvêas, você vai levar um tranco pra valer. Se previna, porque os
bancos não vão mais lhe dar dinheiro" ".
O
clima havia mudado radicalmente. O Brasil não
seria mais aquele país que
crescia a taxas de "milagre" econômico. O
diretor do BC,
Serrano, após a reunião de Toronto, comentou com
Freitas: "Há um ou dois ano éramos cortejados. Agora somos
evitados. A gente chega numa rodinha, num coquetel,
e a rodinha se desfaz".
Galvêas saiu à procura dos banqueiros,
mas não conseguiu sequer saber se eles estavam no Canadá. Cancelou viagem que
faria à Suécia e
pegou a mala para Nova York. Lá também
ficou a ver navios. Não obteve sucesso na busca dos
dirigentes dos principais bancos credores e retornou a Brasília.
A crise, que começou em agosto e
evoluiu para o "Setembro Negro" - em
referência à desastrosa reunião do FMI/Banco
Mundial de Toronto - levou à bancarrota os países
da América Latina, do Norte
da África e do Leste Europeu. Ou seja, todos que
se aproveitaram da enorme liquidez dos petrodólares
(gerada pelo aumento de preços do petróleo em
1973) para tomar empréstimos a juros baixos, porém flutuantes,
no mercado financeiro internacional e financiar o desenvolvimento.
Só então Galveas relatou o tamanho
da encrenca ao presidente da República, general João
Batista Figueiredo. Hoje, aos 90 anos, ele
rememora a reação do último presidente
da era militar: "PQP! E o filho da p... do Geisel
me botou aqui por seis anos!" Antes, o ex-ministro explicou:
"O Figueiredo gostava de falar palavrões".
O prenúncio do colapso
vinha de antes, de 1979, quando houve
uma nova rodada de aumento de preços do petróleo
- a cotação média do barril/FOB saiu de US$ 12,44
para US$ 34,43 entre 1978 e 1981 - e um salto nos juros internacionais,
que subiram de uma média anual de 7,5% em 1977
para 20,18% em 1980.
O baque no
balanço de pagamentos do país foi brutal. Os gastos
com as importações de petróleo mais do que
duplicaram, de US$ 4,1 bilhões em 1978 para US$ 10,6 bilhões em
1981. A conta de juros saiu de US$ 3,3 bilhões em
1978 para US$ 10,3 bilhões em 1981. O déficit em transações correntes
subiu de US$ 11,4 bilhões em 1981 para US$ 16,3 bilhões em 1982,
equivalentes a 6% do PIB.
E a dívida externa brasileira, quase
toda contratada a taxas de juros flutuantes,
passou de US$ 43,5 bilhões em 1978 para US$ 61,4 bilhões em
1981, US$ 70,2 bilhões em 1982 e US$ 81,3 bilhões em 1983.
Isso ocorreu justamente
quando estavam a meio caminho grandes investimentos, financiados
com empréstimos internacionais. O governo do general Ernesto Geisel
havia optado pelo crescimento com endividamento externo, para
enfrentar a primeira onda de choques do petróleo,
em 1973. Aquela foi uma decisão polêmica,
cuja fatura caiu no colo de Figueiredo, ao mesmo tempo
em que ele cumpria o
cronograma da abertura democrática que
entregaria a Presidênciada República a um civil.
A mega-hidrelétrica de Itaipu
estava em construção com financiamento externo. O general
Costa Cavalcanti, diretor-geral da usina, fazia e
refazia os cálculos: com juros que para aquele financiamento já
superavam 24% ao ano, ela ficava inviável.
"Ficou muito pesado, realmente",
comentou Galvêas. "Teve ano em que pagamos em petróleo e juros
mais do que o total das exportações. Não sobrava um tostão
para mais nada."
Ao mesmo tempo, a inflação
galopava: havia sido de 110,2% em 1980, de 95,2% em
1981 e 99,7% em 1982. Em 1980, o então
ministro do Planejamento, Delfim Netto,
prefixou a correção monetária e cambial em 50%, numa tentativa
malsucedida de administrar as expectativas inflacionárias.
Informado da falência do país,
Figueiredo convocou
uma reunião do gabinete, a pedido do ministro
da Fazenda. Foram chamados os ministros militares e os
da área econômica. O presidente tomou uma decisão política.
Era preciso recorrer ao FMI para que este avalizasse, com
um acordo, a renegociação da dívida com os bancos
credores privados. Mas isso só seria anunciado depois das
eleições de novembro de 1982, as primeiras diretas
para governadores e para o Congresso no regime militar.
Recorrer ao FMI era visto como algo danoso demais
para a soberania do país.
Galvêas relembra: "Nessa reunião,
eu disse: "Estamos muito mal. Estamos quebrados e não temos saída. Temos
que desvalorizar o câmbio e suspender os pagamentos"".
Para não fazer a mera suspensão dos
pagamentos do serviço da dívida, o governo tentou montar
uma operação de crédito com Tony Gebauer, do J. P.
Morgan, e com Bill Rhodes, do Citibank, mas muitos bancos
não desembolsaram os recursos.
Ainda na reunião do gabinete,
Galvêas prosseguiu explicando: "Vamos ter que raspar tudo que
tivermos. Precisamos importar petróleo, precisamos pagar os diplomatas, tem
dívida, tem os juros. Vou negociar com o FMI e com os bancos, mas vamos ter que
raspar tudo e até vender ouro".
Após essa comunicação, durante
uma audiência para despachos com Galvêas, Figueiredo desabafou:
"Largaram os Quatro cavaleiros do Apocalipse em
cima do meu governo! Eu não mereço isso! Só
falta uma praga de gafanhotos!" Galvêas respondeu:
"Calma, presidente, a gente vai dar um jeito". O
ex-ministro recorda que saiu do Palácio do Planalto,
entrou no carro para voltar ao Ministério da Fazenda.
"Perguntei ao Maurício, que era meu chofer, se ele tinha um
jornal para eu ler. Ele era de Mato Grosso e me deu um
jornal de Cuiabá, cuja manchete era algo assim:
"Nuvens de gafanhotos da Bolívia invadem o Mato
Grosso". Eu disse: "Maurício, vamos voltar ao palácio".
Galvêas retornou à sala de Figueiredo e falou: "Presidente, não
falta mais nada. O senhor queria uma praga de gafanhotos
e ela está aqui". Figueiredo riu.
O
pesadelo de Figueiredo começou em 1979, quando o
presidente do Federal Reserve, Paul
Volcker, deixou a reunião do FMI em
Belgrado (ex-Iugoslávia), voltou para os Estados Unidos e deu
uma pancada na taxa de juros para conter a inflação americana. Alí
o governo viu que a situação do Brasil
era periclitante.
Tão logo assumiu, em
março de 1979, Figueiredo foi alertado pelo
ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen, de que o
país estava à beira da bancarrota; poderia entrar em
colapso cambial a qualquer momento. Bastava os bancos
internacionais travarem o crédito. Simonsen teria apresentado um duro
plano de ajuste a Figueiredo, que não o aprovou,
levando o ministro a se demitir.
Delfim Netto conta que,
quando foi
convidado a deixar a pasta da Agricultura e assumir
o comando da economia, em agosto de 1979, em
substituição a Simonsen, disse ao presidente da República:
"O senhor sabe que o Brasil está quebrado, não é?".
Figueiredo teria dito, segundo seu relato: "É, sei. O
Geisel fez o pinto botar um ovo de avestruz. Agora vai lá e
costura".
Ainda nesse mesmo ano, os bancos
credores provocaram um sobressalto no governo ao frear os empréstimos
externos ao país. Galvêas teve que negociar um empréstimo-jumbo de US$
1,2 bilhão durante a reunião do FMI, destinado ao
Proálcool. No fim de 1979, o governo fez
uma maxidesvalorização do cruzeiro
(a moeda da época) de 30%. Desacompanhada de uma política monetária restritiva,
essa depreciação se perdeu.
No início de 1980,
havia sinais de que a Polônia quebraria, assim
como outros países do Leste Europeu. "Eu
era chefe de gabinete
da diretoria da área externa do Banco Central e
conseguimos travar todo o dinheiro novo de financiamento a exportações
para a Polônia, que quebraria em 1981", conta Freitas.
Ficaram as "polonetas", que só foram
quitadas anos depois.
Vivia-se aos solavancos. O
mercado financeiro internacional se retraiu, secando os créditos
para o Brasil. No Banco Central, pedalava-se uma bicicleta todos
os dias e o dia todo. Se a Petrobras
tinha uma linha de crédito externo, o BC
pegava emprestado. Se havia moeda estrangeira no
Banco do Brasil (BB) ou no Eurobras, era lá que Freitas passava o
chapéu. "Usamos as linhas de financiamentos
da Petrobras, do BB,
mas ainda havia alguma captação."
Responsável pelos pagamentos externos e
vendo as dificuldades que se avizinhavam, no fim de 1980,
Freitas preparou
uma nota técnica para a diretoria do BC
sobre como atravessar o ano de 1981. "Aí
comecei a ser objeto de gozação. Abria a porta do gabinete do Serrano
e era enxotado: "Lá vem o urubu", ele dizia."
"Em abril de 1981, a coisa já
estava muito ruim. Fiquei em cima do Serrano para que ele
fizesse uma linha direta minha com o
Eduardo de Castro Neiva, vice-presidente
da área externa do BB. Se eu ficasse sem um tostão o BB
tinha caixa lá fora. Naquela época, não havia celular, bip
nem fax. Era telex. Mostrávamos que o mundo ia acabar, mas o
Serrano não me dava bola. Na antevéspera de embarcar
para a Europa, ele falou com o Neiva e tudo mais,
mas acabou entrando dinheiro."
Em julho de 1981 o país teve o
primeiro "AVC". As reservas em
moeda estrangeira simplesmente acabaram. Não havia mais
dinheiro para dar cobertura cambial. "Fui
para a sala do Serrano com minha adjunta, a Ledir de Paula Reis. Ao
ouvir que estávamos a zero e percebendo que não tinha me
dado ouvidos, ele me deu
uma bronca monumental. Dessa vez eu perdi o controle. Ele
pediu para a Ledir sair. Eu disse: "Estou te falando há
um ano e agora você vem me dizer "ninguém
me avisa nada!" Ele era temperamental, mas extremamente
bondoso."
Até o início da Guerra das
Malvinas, em maio de 1982, o país continuou captando recursos no
mercado internacional, mas essas captações eram menores do que
os recursos necessários para rolar a dívida.
"Eu manobrava as reservas
cambias. Aplicava parte das reservas no Banco do Brasil.
Pegava as linhas de crédito que o BB captava no
exterior, depositava nele mesmo e girava o dinheiro com velocidade.
Como era o conceito de reserva bruta, ela aumentava. Não
podíamos deixar transparecer ao mundo que estávamos quebrados.
Mas eu não podia sacar tudo do Banco do Brasil. Ele
não aguentaria, não fecharia a compensação", contou Freitas.
O Banco do Brasil, no entanto,
também começou a ter problemas com o início da guerra. "Aí
fizemos um sistema de caixa único com o BB: o que é meu é seu e
o que é seu é meu. Se eu tinha dinheiro, passava pra ele. Se ele
tinha, passava pra mim. Todo dia eu fechava meu
caixa junto com o Antonio Machado de Macedo, que
era diretor das agências externas do BB. Eu
ficava discutindo com o Macedo, queria o dinheiro dele. Ele
dizia que não tinha, que ia quebrar."
Entre junho e julho de 1982,
houve uma corrida para os depósitos interbancários dos
bancos brasileiros no exterior - sobretudo, os oficiais
Banco do Brasil e Banespa. Os bancos brasileiros captavam no
mercado externo com prazo de 180 dias e emprestavam para o
Brasil a 8 anos. Era uma forma de a instituição
estrangeira emprestar para o Brasil, mas constando como sendo risco
Estados Unidos.
Nesse momento, já no
início do segundo semestre, o governo brasileiro tentou, sem
muito sucesso, montar uma operação de financiamento com os
principais bancos credores - J.P. Morgan, Citibank. Chemical Bank, Bank of America, Bankers
Trust, com o inglês Lloyds Bank.
Amigo de Jesuz Herzog, ministro
das Finanças do México, com quem estudou nos anos 1950, Galvêas
mantinha estreito contato com ele. "Eu falava com o Herzog todos
os dias e ele me dizia: "Vocês se preparem aí, que nós estamos em
grandes dificuldades. Falei com o Bill Rodhes e ele recomendou: "Não façam
moratória de jeito nenhum, vamos arranjar um jeito,
entra no Fundo Monetário" ". Quando decidiu
pela moratória, porém, Herzog não avisou Galvêas.
O FMI acompanhava de perto
toda essa situação. No início de julho,
quando uma missão
técnica do Fundo preparava sua vinda ao Brasil, o
vice-diretor gerente do FMI, William Dale, num "briefing
paper", salientou que o prognóstico para o Brasil começava a ficar
"sinistro". Mas, para tudo o que se fosse fazer,
era preciso esperar as eleições de novembro.
A ordem do governo
para o Banco Central era não demonstrar fragilidade. Os
funcionários da casa saiam pelo mundo para descontar papéis
e trazer moeda estrangeira. Numa dessas viagens, o
chefe do departamento jurídico do BC, Diógenes Setti
Sobreira, foi para Chicago para, junto ao First
Chicago, descontar um título da Cacex (Carteira de Comércio
Exterior do BB). Não conseguiu.
Telefonou para o chefe do departamento de operações de reservas
internacionais, que contava com aquele dinheiro para fazer
pagamentos, e contou que não havia conseguido. "Eu disse:
"Sobreira, você tem que fazer"", contou Freitas. Ele retrucou:
"Carlos, agora só se eu assaltar o banco". Eram papéis
que não faziam sucesso algum. Por exemplo, um financiamento à exportação
da Embraer para a América Central, para a África.
"Naquela época, tínhamos que mostrar que aquele negócio que nós
produzíamos voava", lembrou Freitas.
À mingua e a espera das
eleições, o governo contava com
dinheiro de empréstimos-ponte dos bancos, que não vinham. O
Lloyds Bank - o maior credor fora dos Estados Unidos -
dizia às autoridades americanas que ajudaria, mas só
quando o Brasil tivesse um acordo com o FMI. O Citibank - o
maior credor do país - ameaçava pular fora, retirar todos
os seus recursos do Brasil.
Anthony Solomon,
presidente do Federal Reserve de Nova York, chamou os
principais banqueiros para uma reunião em seu apartamento
na Park Avenue, em Manhattan. Lá estavam Paul Volcker,
presidente do Fed, Lewis Preston e Tony Gebauer, do Morgan
Guaranty, Walter Wriston e William Rhodes, do Citi, Beryl
Sprinkel, do Tesouro, e Jacques de Larosière,
diretor-gerente do FMI. Segundo documento do FMI, o
governo americano começou a agir porque temia que uma ação
precipitada e caótica dos bancos privados desencadeasse
uma crise sistêmica. Os banqueiros
foram aconselhados a participar de um "advisory
committee", para tentar estabilizar os fluxos de recursos
para o Brasil.
Passadas as eleições - em
que a oposição teve um desempenho espetacular - o
governo anunciou oficialmente que negociaria um acordo com
o FMI. Ao mesmo tempo, buscava um empréstimo de curto prazo
com os bancos privados credores, de US$ 2,4 bilhões. Os banqueiros ainda estavam
relutantes.
Em outubro e novembro daquele ano, o
Tesouro americano fez, secretamente, um adiantamento de US$
1,25 bilhão ao Brasil. Em dezembro, foram mais US$ 250 milhões. O
governo americano tomou a frente e também convenceu o Bancode Compensações
Internacionais (BIS) a comparecer com US$ 1,2
bilhão, a título de empréstimo-ponte, até que se
concluísse as negociações com o FMI e este liberasse o empréstimo. Em
12 de dezembro, o Banco do Brasil em Nova York não
conseguiu fechar a compensação. Faltaram US$ 50 milhões. Foi
uma correria, para juntar os dólares rateados entre o Citibank, o
Morgan e o Bankers Trust.
"Me lembro que, um dia, liguei
para o Orlando Galvão, que era o chefe
da área financeira da Petrobras, e comecei
com a conversa de "cash flow" ", relatou
Freitas. "Disse a ele que essa época do ano
era a pior para mim, por que não sei o quê... E ele falou:
"Carlos Eduardo, para. A pior fase pra você é o ano
todo". Essa frase ficou na minha cabeça."
A negociação de um acordo com
o FMI (uma "extended fund facility")
era a premissa que abriria as portas para um
pacote de socorro financeiro de cerca de US$ 12,7
bilhões, em 1983.
No dia 6 de janeiro
daquele ano, Galvêas e Carlos Geraldo Langoni,
presidente do Banco Central, assinaram a carta de intenção
em que se requeria, formalmente, o apoio do FMI a um
programa de ajustes. Para o governo brasileiro, a principal
meta era aumentar o superávit
comercial de menos de US$ 1 bilhão em 1982 para US$ 6
bilhões em 1983. O FMI queria o compromisso do governo de reduzir a inflação de 100%
em 1982 para 70% em 1983 e para 40% em
1984;a redução do déficit
público de 14% do PIB em 1982 para 8% do PIB
em 83; corte dos subsídios; aumento da taxa de juros
e desindexação dos salários para controlar a inflação.
O centro das
preocupações do governo era o
balanço de pagamentos. A inflação, em 1982,
medida pelo IGP-DI, fechou em 99,7%. Com o sistema de indexação
geral, o FMI não via como combater a inflação e insistia no
corte do regime de correção para os salários. Diante
da pressão, o governo editou, em meados de 1983, o decreto
2.045, limitando a indexação salarial a 80%
da inflação.
Para acompanhar o debate
da política salarial no Congresso, o FMI quis enviar um representante
que moraria em Brasília. O governo não aceitou a ideia, por
que daria mais munição à oposição, já vitoriosa nas
eleições de 1982.
Era preciso desvalorizar o
cruzeiro novamente, para equilibrar as
contas do balanço de pagamentos, mas foi
uma peleja arrancar a maxidesvalorização de 30% do presidente
Figueiredo. Galvêas disse: "O Figueiredo não queria fazer a
desvalorização, porque ia aumentar o preço do trigo.
O Delfim defendia só 10%, que era o máximo que o
Figueiredo aceitava. Pedi ao Delfim para termos um encontro
no Rio, durante a semana, e chamei o Serrano. Tínhamos que fazer alguma coisa. A reunião
foi no gabinete do Delfim. Ele me disse que já
tinha falado com o Figueiredo e que ele
não aceitava a maxidesvalorização de 30%. Eu insisti
que tinha que ser 30%, que só 10% não daria um choque
pra valer".
Em 1979, quando Paul Volcker elevou os
juros para conter a inflação, já se sabia no governo
que a situação do Brasil era periclitante
No sábado, Galvêas teve um encontro com o
presidente, na Granja do Torto, em Brasília, e argumentou:
"Presidente, não tem saída". Figueiredo reagiu:
- Você e o Delfim só fazem coisas
pra arrasar com o meu governo!
-Nós vamos juntos, presidente. Vamos
juntos, respondeu o ministro.
Segundo Galvêas,
Figueiredo acabou concordando: "Você e
o Delfim decidem".
Em fevereiro de 1983,
houve a desvalorização de 30% do cruzeiro.
"Você vai ver pelas estatísticas como é desesperador reduzir as
importações à metade, de US$ 22 bi para US$ 10 bi. É um negócio
trágico", comentou o ex-ministro da Fazenda.
O acordo com o FMI já estava assinado quando foi decretada a maxidesvalorização.
O Fundo não foi informado da decisão e o acordo,
recém-celebrado, já não valia nada. O
ex-ministro do Planejamento, Delfim Netto, explicou ao
Valor: "Eu não avisaria sobre o que faríamos com o câmbio porque
o Fundo avisaria os outros. Eles são especuladores. Compram
papéis".
Em 1983, a inflação
chegou a 211%, fazendo descarrilar as demais
metas acertadas com o FMI. Foram muitas idas e vindas para renegociar
o acordo firmado em fevereiro. Com os bancos, as conversas
prosseguiam.
"Assinamos o acordo com o
FMI e com os bancos credores, envolvendo apenas as amortizações
da dívida externa vincenda em 1983.
Esse acordo não resolvia nada, porque não tinha dinheiro novo",
comentou Freitas.
Exatamente quando as autoridades
da área econômica do governo estavam em Washington,
para assinar formalmente a carta de intenção com o
Fundo, em fevereiro de 1983, as reservas cambiais secaram e o BC
teve que atrasar os pagamentos externos. Eram
pagamentos de importação e de linhas de crédito.
Não havia mais crédito para ninguém. Nem para o BB nem
para o Banespa em Nova York.
Era preciso organizar
uma fila de pagamentos externos. À medida que fossem
entrando recursos, o BC faria os desembolsos para os
credores internacionais. Foi feita,
então, a centralização do câmbio,
instituída pela resolução
851, de 29de junho de 1983. As dívidas
que as empresas privadas tinham no exterior foram "estatizadas".
Elas pagavam ao BC e este só fazia as remessas aos credores se
tivesse moeda estrangeira. "Estávamos em
uma moratória branca", admitiu Galvêas
Os bancos credores criaram o "liaison
committee" (comitê de ligação), que faria o elo com os 650
bancos credores do país. Esse comitê marcou um encontro em Londres
para discutir a crise brasileira. Era preciso que
uma autoridade do governo comparecesse. Delfim Netto não
poderia ir. Galvêas também não iria. Langoni, presidente do BC,
não podia comparecer, nem o diretor Serrano.
"Fomos eu, o Alberto Furuguem,
chefe do departamento econômico do BC, Hélio Rebello,
também do BC, e um diretor da Cacex. Passamos em Nova York
para fazer um ensaio geral da exposição ao Citibank e ao
Morgan. Éramos o terceiro time", contou Freitas.
Na sala de convenções do Hotel Dorchester,
em Londres, Freitas apresentou uma projeção
realista do balanço de pagamentos e
mostrou a premente necessidade de dinheiro
novo. Aquela missão ganhou
uma crônica divertida de Carlos Eduardo Novaes, com o
título "Os Irmãos Máxis", que Freitas guarda até hoje.
"Me lembro que um banqueiro me disse:
"Olha, o que o senhor nos disse hoje não é agradável de se
ouvir. Mas é melhor termos a dimensão clara do problema,
que faça sentido, para não acharmos que é muito pior"
".
Faltava, porém, uma organização
melhor dos bancos credores. Como estava, o processo não evoluía. O
presidente do Banco Central da Inglaterra, Gordon Richardson,
sugeriu que Bill Rhodes, do Citibank e velho
conhecido do governo brasileiro, coordenasse um novo grupo, o
"advisory committe" (comitê assessor) que assumiria as
rédeas das negociações com o Brasil até o fim. No
dia 15 de junho de 1983, esse comitê fez
sua primeira reunião em Nova York.
O presidente Figueiredo: "Largaram os
Quatro Cavaleiros do Apocalipse em cima do meu governo! Eu
não mereço isso!", bradou, quando Galvêas lhe disse que
era preciso "raspar tudo e até vender ouro"
Enquanto isso, Delfim Netto
foi a Paris conversar com De Larosière. Disse ao
diretor-gerente do FMI que, além dos
recursos do Fundo, o Brasil precisava de mais US$ 9 bilhões
para fechar as contas do balanço de pagamentos
naquele ano. De Larosière falou com Bill Rhodes, que avisou: os
bancos privados não chegariam a um aporte nem próximo daquele
valor.
No fim de 1982, o Fed teve que
entrar pesado para o BB não quebrar. O Citi e o Morgan
passaram a gerenciar
uma rede de segurança para que nenhum banco brasileiro
quebrasse na compensação. Na hora da dificuldade, o Fed
persuadia os bancos a aportarem recursos. "Paul Volcker
tinha no bolso do paletó o
fluxo de caixa do Brasil", registrou Freitas. O presidente do Fed acompanhou
cada passo e manobrou com habilidade para evitar problemas
maiores para os bancos americanos.
Como o dinheiro que entrava no país
não era suficiente para o governo pagar seus compromissos no
exterior, Galvêas foi a Nova York para uma conversa com
os bancos. "Fizemos a rede de segurança. Dez
bancos americanos entraram, cada um, com US$ 40 milhões, renováveis
todos os dias. Era com isso que fechávamos a câmara de compensação do Banco do Brasil
em Nova York."
Naquele ano, o Brasil obteve
cerca de US$ 3,7 bilhões em empréstimos-ponte, sendo US$ 2
bilhões dos bancos comerciais e o restante de fontes oficiais.
Em dezembro de 1982, o
governo brasileiro pediu aos bancos comerciais o comprometimento com o
programa de financiamento do Brasil para o exercício
seguinte. Era uma estratégia de adesão voluntária,
que abarcava quatro projetos. O projeto 1 envolvia novos
empréstimos em moeda, no valor de US$ 4,4 bilhões; o projeto
2, amortização da dívida externa, em 1983, no
valor de US$ 4,3 bilhões; o projeto 3
correspondia a linhas de crédito
comercial de curto prazo; e o projeto
4, a linhas de crédito interbancário. Nesses dois
últimos, que somavam US$ 10,4 bilhões e US$ 6 bilhões, respectivamente, não
houve acordo formal. Foram adesões por telex.
Numa avaliação
equivocada de que aquela era uma crise de liquidez,
imaginou-se que
essa seria a solução decisiva para vencê-la. Como
o país não cumpriu as metas do acordo com o FMI logo no
início de 1983, não recebeu os desembolsos no prazo esperado.
Essa foi a fase
I do programa de financiamento. Viriam várias outras.
Um dia, Wriston,
presidente do Citi, disse que os bancos não continuariam
com aquela rede de segurança, que
estava ficando um negócio longo demais, o Brasil não
encontrava uma solução, e determinou a Rhodes
que a suspendesse. Galvêas estava em Nova York. "Saí
feito um desesperado atrás do Wriston. Fui atrás
da secretária dele, o Rhodes também foi procurá-lo e descobrimos
que ele estaria num coquetel às 17 horas, em Long Island. Conseguimos o telefone do
local, ele atendeu e eu disse: "Wriston, nós estamos no
meio do processo. Se interrompê-lo, você será responsabilizado. Você
é apenas um dos dez bancos e não
pode sair". Depois de muito apelo, ele respondeu:
"Fale com o Bill Rhodes. Se ele concordar, tudo bem". Estávamos
no gabinete do BB, o Rhodes ao meu lado. Eu olhei pra ele e
disse: "Olha aí, ele disse que, se você concordar, continua".
Veja a que ponto chegou! Eu estava desesperado!
E a situação só piorava!", completou o ministro.
O empréstimo de US$ 1,2 bilhão
que o BIS fez ao Brasil em fins de 1982 vencia no primeiro
semestre de 1983 e deveria ser pago com
uma parte do empréstimo do FMI.
Freitas estava em Paris,
tentando descontar alguns títulos do Finex
(Fundo de Financiamento à Exportação), quando recebeu
uma ligação de Langoni, que disse: "Aproveita que você
está aí, vá até a Basileia e avisa ao BIS
que não temos como pagar". Freitas telefonou para sua contraparte
no BIS e falou que gostaria de fazer uma visita. "Ele
organizou um almoço com um dos diretores do BIS. Eu comecei
com a minha velha conversa de "cash
flow", veja bem... na verdade...,as exportações neste mês foram
uma frustração". A reação do diretor foi péssima.
Disse que o país era irresponsável, inconsequente. Eu, diplomaticamente,
fiz cara de paisagem. Depois, pagamos direitinho", relatou
Freitas.
As conversas com o FMI prosseguiram e
chegou-se a um novo acordo em
setembro de 1983. A recessão se instalou no país
e a inflação só crescia. Em agosto, numa das reuniões
com a missão técnica do Fundo, os economistas brasileiros defenderam a adoção do déficit
operacional em lugar do déficit nominal das contas
consolidadas do setor público. A inflação
era alta demais e não cairia abruptamente num curto
espaço de tempo. No conceito operacional, os efeitos da inflação
sobre as contas públicas seriam subtraídos.
No dia 1º de setembro,
Langoni deixou o BC e foi substituído por Afonso Celso Pastore.
No dia 6, a Igreja Católica, em São Paulo, convocou
uma grande manifestação popular "contra a exploração" do FMI.
O terremoto econômicoaumentava o fosso entre a sociedade e
o regime de 1964. Mas não comprometeu o curso
da abertura política.
Acordos com o FMI para ajustes
da economia levaram à transferência para o
exterior de cerca de 15% do PIB, de 1983 a 1985
Pastore
retornava de uma viagem a seis países
para conversar com os bancos credores do Brasil quando o
Congresso derrubou o decreto 2.045,
que desindexava parcialmente os salários. Essa era uma peça-chave dos
entendimentos com o FMI. Em 20 de outubro, o presidente
Figueiredo enviou uma versão mais moderada da medida e
Pastore voltou a Washington para renegociar as
metas do programa com o Fundo. De Larosière aceitou a nova versão
da desindexação salarial, mas pediu mais aperto monetário e mais medidas de restrição
fiscal.
O governo fez uma contraoferta: se
comprometeria com um superávit
operacional de 0,3% do PIB para 1984.
Metodologia e meta de déficit operacional foram aceitas
pelo Fundo. Em 22 de novembro, a carta de intenção
revisada é aprovada pela direção do FMI. No
dia 23, o Clube de Paris - onde se renegociam as
dívidas de governo a governo - reescalonou US$ 2,7 bilhões
em dívidas brasileiras e estava fechado o pacote de US$ 6,5
bilhões dos bancos privados, depois de muito esforço.
Foi detida a hemorragia.
O governo Figueiredo não poupou
cartas de intenção e pedidos de "waiver" ao
FMI. Na verdade, todos sabiam que os
critérios de performance arrancados do governo
brasileiro pelo FMI eram impossíveis de ser cumpridos. O
fundo sabia, o governo americano sabia e o brasileiro, também.
Mas era importante manter os sucessivos acordos. Com eles, os bancos
estrangeiros teriam uma fundamentação legal para não
provisionar aquelas dívidas.
Hoje, Delfim Netto diz que tirou um
ensinamento desse processo: "Você tem que levar as
coisas até a beirada do abismo. No fim sai
um acordo razoável".
O custo desse ajuste para o
país foi cavalar. De 1983 a 1985, o Brasil transferiu em
recursos reais para o exterior cerca de 15% do PIB.
Foram 2,7% do PIB em 1983, 6,24% em 84 e 5,54% em
85. A taxa de câmbio desvalorizada foi crucial
para virar as contas externas. Na balança comercial, que em
1982 teve um superávit de US$ 780 milhões, em 1983 o saldo subiu
para US$ 6,47 bilhões e em 1984 dobrou para US$ 13,09 bilhões.
O déficit em transações correntes
que atingiu US$ 16,27 bilhões em 1982, praticamente zerou: caiu
para US$ 94,9 milhões em 1984. As reservas cambiais voltaram
para US$ 12 bilhões.
"Fizemos das tripas coração",
respirou aliviado o ex-ministro da Fazenda, ao fim
da conversa com o Valor, no seu gabinete na Confederação
Nacional do Comércio, no Rio, onde ainda trabalha.
No governo Figueiredo, o Brasil ficou mais
pobre. O divórcio entre o setor
privado e a tecnocracia se aprofundou. Os
movimentos de massa, que haviam emergido no governo Geisel,
saíram às ruas. E tudo isso convergiu para a campanha das
"Diretas Já" em 1984.
Em
25 de janeiro de 1984, na Praça da Sé, em
São Paulo, um milhão de pessoas reuniram-se num comício
exigindo eleições diretas para a Presidência da República,
previstas na proposta de emenda constitucional
Dante de Oliveira. Em votação no Congresso, em
25 de abril, a emenda foi rejeitada.
Tancredo Neves foi eleito presidente
da República em 15 de janeiro de 1985, pelo
colégio eleitoral. As contas externas do país estavam mais
equilibradas
e a economia voltava a crescer. Após a retração de 2,93%
em 1983, o PIB cresceu 5,4% em 1984 e 7,85% em 1985. A inflação,
porém, alcançava 220% em 12 meses.
"Ninguém passou o governo para o
Tancredo. Quem passou o governo para o Tancredo fui eu,
na casa do Dornelles (Francisco Dornelles,
sobrinho do presidente eleito e ministro
da Fazenda do novo governo) em Brasília", disse Galvêas.
"Nós nos reunimos e eu passei tudo que tínhamos, os contratos,
o acordo com o Fundo Monetário. Ele queria me dar
uma carta, dizendo que cumpriria todos os acordos que nós
fizéssemos com o FMI, com os bancos privados. Disse que seria importante
ele indicar um ministro para fazer essa negociação. De Larosière
estava em Estocolmo e receberia essa pessoa. Ele apontou:
"Vai o Dornelles". Aí vi que o Dornelles seria o
ministro da Fazenda."
Para evitar o assédio
da imprensa, Dornelles preferiu esperar o diretor-
gerente do FMI retornar a Paris. "Tenho
uma filha lá e vou visitá-la", explicou.
Galvêas com Tancredo: "Quem passou o
governo para o Tancredo fui eu. Nós nos reunimos e eu passei
tudo que tínhamos, os contratos, o acordo com o FMI", diz o
ex-ministro
Dornelles conversou
com De Larosière, assegurou que o governo
daria sequência aos acordos, pediu que ele mantivesse o
programa com o Brasil e os quatro projetos com os bancos
privados, dos quais era o fiador. Era compromisso do novo
governo. "Vou pensar", respondeu De Larosière.
Pouco depois, ele suspendeu os entendimentos e disse que tinha que aguardar
o novo governo - atitude que irritou os bancos privados, o governo
que saía e o que assumiria.
"Ele resolveu aguardar o
Tancredo e o Tancredo não veio nunca", comentou Galvêas.
Passaram-se muitos anos até o
país conseguir reestruturar a dívida externa e
voltar ao mercado financeiro
internacional. A morte de Tancredo Neves
e a posse do vice-presidente José Sarney levaram o
Brasil a outro rumo. O Plano Cruzado desembocou
na moratória unilateral da dívida, em
fevereiro de 1987.
Carlos Eduardo de Freitas
era diretor da área externa do Banco Central
durante a gestão de Dilson Funaro no Ministério
da Fazenda. "A moratória tornou-se imperativa, porque não
havia vontade política de fazer sacrifício interno para poder
pagar a dívida externa", disse Freitas.
Depois de Dornelles e Funaro, o
governo Sarney teve mais dois ministros da Fazenda: Luiz Carlos
Bresser Pereira e Maílson da Nóbrega, que conseguiu firmar um
contrato "stand-by" com o FMI por 19 meses, e teve que fazer uma moratória "não declarada"
da dívida em julho de 1989.
No fim de um governo que produziu
o Plano Cruzado, o Plano Bresser, o Plano Verão
e a moratória, a inflação, medida pelo
IGP-DI, acumulava variação de 1.783%, jogando o
déficit nominal consolidado do setor público para 83,1% do PIB.
Foram tempos caóticos.
A Constituição de 1988, por
outro lado, tinha como principal direção o resgate
da dívida social que o país acumulava ao
longo de sua história.
Em março de 1989, o
governo americano apresentou
uma proposta que apontava a saída para a crise
da dívida. O secretário do Tesouro, Nicholas Brady, colocou
na mesa a securitização da dívida, numa operação que
envolveria o desconto de cerca de 30% no
valor dos débitos.
Doze anos após a moratória mexicana,
o governo brasileiro conseguiu assinar, em abril de 1994,
o acordo de renegociação da dívida com os bancos
credores, com desconto e
prazo de pagamento de 30 anos. Desta vez,
sem acordo com o FMI, que não quis dar suporte ao Plano Real. O
longo período de agonia foi uma solução para o
provisionamento dos bancos credores. Em
1995, depois de longa ausência, o Brasil voltou ao
mercado financeiro internacional para captar recursos.
Uma sequência de crises internacionais
- novamente o México, em 1994, a Ásia em
1997, a Rússia em 1998, além da Argentina, produziu
forte redução dos créditos externos ao país, que teve que bater às
portas do FMI, mais uma vez, em outubro de 1998.
Com as negociações concluídas, o Brasil recebeu em novembro o maior plano de socorro
então elaborado pela instituição: US$ 41,5 bilhões.
Em agosto de 2002, diante
das incertezas decorrentes das eleições presidenciais no Brasil, o
governo de Fernando Henrique
Cardoso, de comum acordo com os candidatos à
sua sucessão, solicitou o cancelamento do acordo em
vigência, que terminaria em dezembro, e negociou um novo
"stand-by", de 15
meses de duração, deixando US$ 30 bilhões à
disposição do novo presidente. Luiz Inácio
Lula da Silva assume e, no fim do acordo então em
curso, negocia um outro entendimento com o FMI, a título de precaução.
Foram sete acordos com o FMI, entre o
último governo militar e Lula. Em 28 de março de 2005,
Lula anunciou que não renovaria o acordo com o FMI e
em dezembro pagou antecipadamente a dívida de US$
15,5 bilhões com a instituição. Em janeiro de 2008, o
Brasil passou a ser credor líquido externo, com reservas
cambiais superiores à dívida externa.
O Brasil, hoje, é outro país. Não
sofre as vulnerabilidades daquele tempo. Mas, desde então, não
conseguiu encontrar o caminho do crescimento sustentado que, atualmente,
esbarra na baixa expansão da oferta.
Figueiredo deixou a Presidência em
março de 1985, pedindo ao povo que o esquecesse. Com o naufrágio
da economia, a democratização do país foi seu
passaporte para a história.