O sempre corrosivo colunista Janer Cristaldo ataca virulentamente, mas desta vez em defesa do nosso dinheiro, que está sendo distribuído a amigos do poder de maneira absolutamente discriminatória.
Ainda que eu não defenda suas opiniões, creio que a denúncia é válida, pois nos mostra como está sendo gasto o dinheiro que é, literalmente, arrancado de nossos bolsos e do caixa das empresas.
O governo parece uma sociedade de amigos, para ajuda mútua, mas apenas para um pequeno rol de contemplados.
A medida subvencionista (apenas para os amigos do poder, claro), é claramente inconstitucional, pois se tratar de política discriminatória. Assim, qualquer cidadão lesado poderia levantar um caso judicial, e inevitavelmente o STF consideraria essa iniciativa inconstitucional, por premiar alguns e não o conjunto dos "premiáveis". A tristeza, no Brasil, é justamente isso: se o caso for levado aos tribunais, o será por alguém que se sentiu legitimamente discriminado, mas que também quer ter direito ao maná governamental.
Por outro lado, no plano estritamente econômico (sem mencionar que tudo isso acrescenta às despesas públicas, e portanto à carga fiscal, já exagerada no Brasil), pode levantar o argumento de que NENHUMA revista privada deveria receber subsídios públicos, por uma simples questão de regra do jogo: ou o veículo conta com aceitação geral, e vive de recursos próprios (vensas, assinaturas, eetc) e de publicidade paga, ou então não temos o dever, como cidadãos, de subsidiar algo que não nos interessa pessoalmente. Quem desejar fazê-lo pode fazer diretamente a sua contribuição, mas que pobres sejam obrigados a fazé-lo compulsoriamente por meio de impostos se trata de uma tremenda ilegalidade e empulhação.
Este é o Brasil...
Paulo Roberto de Almeida (21.-3.2010)
MINC FINANCIARÁ VAIDADES EM PAPEL
Janer Cristaldo
Quinta-feira, 18 de março de 2010
O contribuinte, que já financia o teatro e o cinema nacionais, passa agora a financiar revistas culturais. Leio no Estadão que um edital de apoio do Ministério da Cultura (MinC) está causando protestos no meio intelectual. Trata-se do Edital de Periódicos de Conteúdo Mais Cultura, lançado em 30 de setembro, e que teve 26 publicações habilitadas no último dia 19 de fevereiro. Dessas, apenas quatro serão escolhidas.
Tais revistas, que normalmente apenas são lidas pelos que nelas escrevem, só servem para afagar a vaidade de grupelhos regionais ou difundir ideologias. O edital destina-se a abastecer bibliotecas públicas, e pontos de cultura e de leitura, que desconheço o que sejam, mas ao que tudo indica servem para desencalhar publicações que ninguém lê. Dois milhões de reais serão destinados a publicações de “natureza cultural”. Foram escolhidas as revistasRolling Stone, Caros Amigos, Brasileiros, a Piauí, Le Monde Diplomatique(não confundir com Le Monde, que é gente de boa família) e a revista de inglês Speak Up.
Ora, a primeira é uma revista que difunde não cultura, mas o mundo do show-business. A segunda é um panfleto que reúne velhos comunossauros da alta classe média paulistana e já recebe subsídios da Petrobras e Banco do Brasil.Brasileiros, não conheço. A Piauí, eu a vejo amarelecer nas bancas sem que ninguém a compre. Quanto ao Monde Diplomatique, é a tradução do jornal homônimo francês, dirigido por Ignace Ramonet, outro velho comunossauro francês, defensor de Hugo Chávez, Fidel Castro, Evo Morales e demais viúvas de Moscou. Ou seja, o MinC vai patrocinar, com o meu, o seu, o nosso, um jornal francês que defende a escória da humanidade.
Os concorrentes não habilitados estão furiosos com os critérios do edital, afinal não conseguiram enfiar a mão em nosso bolso. Segundo o Estadão, diversas revistas alternativas importantes, que penam horrores para chegar a parcos leitores, não foram habilitadas. Gracinha! São alternativas e querem mamar nas tetas do Estado. A falta de apoio teria vitimado várias, caso da Ontem Choveu no Futuro, de Campo Grande, que só teve um número; a Entretanto, do Recife; a Babel, de Santos; a Etcetera e a Oroborus, de Curitiba, e a Pulsar, do Maranhão. Outras, como a Polichinelo do Pará e a Azougue e a Inimigo Rumor, do eixo Rio-São Paulo, resistem a duras penas.
Rodrigo Garcia Lopes, editor da Coyote, desconhecida revista de Londrina, que só existe graças a subsídios do município, está frustrado com o resultado. "O edital privilegia revistas comerciais, que estão no mercado, e acaba inviabilizando revistas de conteúdo realmente cultural, de criação. Será que aRolling Stone, a Speak Up e uma revista como a Piauí, que têm uma infraestrutura por trás, um instituto, realmente precisam de incentivo fiscal? É como se fizesse uma política agrária para o latifúndio e deixasse o pequeno agricultor morrer à míngua. Isso é um erro terrível, num governo popular e democrático como este."
Está querendo dizer que uma revistinha literária tem a mesma importância que a agricultura. Que poesia de meninos desocupados é tão importante quanto trigo ou soja. Alguém ouviu falar dessas revistas? Seus editores pretendem vender publicações que não têm leitores que as sustentem nem justifiquem suas existências. Ficarão mofando em bibliotecas, para afagar a vaidade de escritores sem público. Tudo isto nestes dias de Internet, em que uma publicação virtual tem custo zero e pode ser lida em qualquer lugar do mundo.
O MinC informou que pretende reavaliar o edital numa próxima edição, mas manteve a decisão da comissão julgadora. Também estuda ampliar o volume de recursos para o patrocínio da mediocridade nacional. Traduzindo: o contribuinte será assaltado com mais virulência para a difusão de vaidades em papel.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
domingo, 21 de março de 2010
1895) Relacoes internacionais: oportunidades de emprego e perspectivas de carreira
De vez em quando, um jovem candidato à carreira, estudante de RI, me lembra um velho texto meu sobre o tema das profissões e carreiras, como este, desenterrado de um passado quase esquecido.
As relações internacionais como oportunidade profissional
Paulo Roberto de Almeida (2006)
(www.pralmeida.org)
Respostas a algumas das questões mais colocadas pelos jovens que se voltam para as carreiras de relações internacionais.
Questões:
1. Com quais expectativas o jovem ingressa no curso de relações internacionais?
PRA: Provavelmente, na maior parte dos casos, com a expectativa de tornar-se diplomata ou funcionário internacional, ou então animado pelo vago desejo (ou mesmo vontade concreta) de sair do Brasil, passar sua vida entre capitais européias e da América do Norte, fazer-se no mundo, enfim. Deve-se observar desde logo que o ingresso na diplomacia, na verdade, acaba ocorrendo para uma fração mínima dos ingressados nesses cursos, uma parte também relativamente pequena voltando-se para as próprias atividades acadêmicas ligadas às relações internacionais e a maior parte devendo inserir-se, de algum modo, no mercado de trabalho “normal”, isto é, do setor privado, altamente competitivo.
Aqueles muito jovens – digamos entre os 18 e 20 anos – ostentam uma visão relativamente romântica do que seja o mundo ou a projeção internacional do Brasil, não estando aqui excluídas motivações essencialmente idealísticas, no sentido da atuação em causas humanitárias, ecológicas, imbuídos que são do desejo de mudar o mundo ou de ajudar aqueles que são percebidos como “vítimas da globalização” ou de misérias ancestrais. Os mais “velhos” – que podem eventualmente ter iniciado o terceiro ciclo por algum outro curso e efetuado o desvio para relações internacionais no meio da rota – possuem expectativas mais concretas e realistas, eventualmente construídas a partir do exercício de alguma atividade profissional paralela aos estudos de terceiro ciclo, mas eles também podem estar imaginando ou aspirando por uma “vida diferente” da mesmice cotidiana em âmbito puramente nacional, algum relevante papel de “negociador”, de “funcionário” ou de “executivo internacional”. Ou seja, todos eles possuem altas expectativas em relação aos cursos e as oportunidades profissionais dele resultantes, sem talvez medir muito bem a distância que ainda separa o universo relativamente teórico do universo “mental” desses cursos e a realidade do mundo profissional, feita de muito esforço individual, salários nem sempre elevados como esperado e uma indefinição geral quanto ao exercício concreto das “generalidades” aprendidas nos bancos universitários.
2. Em quais as áreas o bacharel em RI sai preparado para atuar?
PRA: Como ele é um generalista em especialidades “internacionais” ele poderá, supostamente, atuar em todas as áreas nas quais alguma competência vinculada ao seu terreno é requerida, seja no campo da análise e processamento de informações relativas aos diferentes cenários regionais e internacionais, seja na pesquisa e ensino acadêmico, nas áreas de relações internacionais das burocracias públicas – o que inclui a diplomacia tradicional, novas “diplomacias” em ministérios setoriais, assessorias internacionais de diversos órgãos etc. – e, provavelmente em maior “volume”, nas empresas privadas e nas chamadas ONGs que possuem ou aspiram possuir qualquer tipo de interface com o mundo exterior. O problema, aqui, é que as empresas requerem, em geral, uma competência mais específica e provavelmente mais especializada do que o conhecimento sintético das relações internacionais, a qualquer título. As empresas não estão minimamente preocupadas com a teoria institucionalista ou neo-realista das relações internacionais, tampouco com o funcionamento do Conselho de Segurança da ONU: elas desejam simplesmente vender ou fazer negócios com parceiros externos e por isso elas são mais suscetíveis de apelarem para profissionais especializados como economistas, advogados ou algumas outras profissionais mais “tradicionais”. Afinal de contas, trata-se de fazer uma prospecção de mercado ou de elaborar um contrato de cessão ou compra de direitos e outros ativos entre dois agentes privados, que devem rentabilizar seu tempo e seus recursos humanos e materiais, não havendo muito lugar para teorizações indevidas ou abstrações fora do campo essencialmente pragmático no qual atuam essas empresas.
Em outros termos, o bacharel de RI seria extremamente consciencioso se ele procurasse, de imediato, suprir suas carências em competências específicas buscando uma especialização dentro de seu campo de estudo, procurando estágios desde cedo ou mesmo fazendo algum outro curso paralelamente. Como para as demais especializações disciplinares, uma pós-graduação seria altamente recomendável, ou então uma outra via, mais racional, a formação de base numa profissão “normal” ou “tradicional” e uma pós ou estudos especializados em relações internacionais, eventualmente com orientação já definida para a área na qual o candidato a um bom emprego pretende atuar.
3. Qual o nome dado ao profissional depois de formado?
PRA: Não tenho certeza se o termo está consagrado, mas, aparentemente, seria “internacionalista” (uma expressão ainda não oficializada, diga-se de passagem, como a própria “profissão”, que não corre nenhum “risco” de ser regulamentada no futuro previsível). Em todo caso, melhor assim, do que algo estranho como “internacionalóide” ou “internacionaleiro”.
4. Existe a discussão sobre a relevância do curso para quem quer seguir carreira diplomática. É mesmo o melhor caminho ou o primeiro passo para o Instituto Rio Branco e o Itamaraty?
PRA: Não tenho certeza de que este seja o melhor caminho para os indivíduos que aspiram a ter alguma atividade já consagrada no circuito profissional, pois se trata de uma área relativamente nova, ainda não suficientemente “testada” nos mercados de trabalho. O que ocorreu, nos últimos anos, levado pelos ventos da globalização e da regionalização, foi um fenômeno “anormal” de expansão “geométrica” dos cursos de relações internacionais, provavelmente sem qualquer relação com a demanda efetiva do mercado. Havia uma demanda da parte dos jovens, atraídos pelo que parece ser um campo novo e talvez vasto – mas provavelmente não suficientemente “elástico” como o desejado pelos jovens – e as instituições privadas de ensino se encarregaram de satisfazer essa demanda por cursos de “aspecto” internacional.
Quanto à carreira diplomática, estrito senso, o recrutamento é altamente seletivo e a formação deveria ser, portanto, focada nas humanidades em geral, com um domínio igualmente satisfatório de ciências sociais aplicadas como economia e direito. Não é seguro que um curso de relações internacionais consiga dar todas as competências requeridas, mas ele é provavelmente o que mais estaria dentro do “campo” da diplomacia profissional. Acontece, porém – e isso precisa ficar muito claro aos jovens aspirantes à carreira – que, sendo o recrutamento caracterizado pela “hecatombe” de 90% dos candidatos, os “não-entrantes” precisam “sobreviver”, de alguma forma, nas profissões normais, requeridas pelo mercado, e aqui o nicho das relações internacionais ainda é relativamente difícil.
Pode-se dizer, de uma maneira geral, que o curso, in abstracto, é relevante, mas os cursos, tomados concretamente, diferem muito entre si pela qualidade das matérias oferecidas, pela competência dos professores contratados, pela disponibilidade de recursos didáticos e materiais, etc.
Parece ocorrer, atualmente, com os cursos de relações internacionais, algo semelhante ao que se passou, em outras épocas, com os cursos de ciências sociais, de psicologia, de jornalismo, que passaram a atrair multidões de jovens sem um perfil muito definido quanto à carreira desejada ou suas aspirações concretas. O modismo, como tudo a cada época, um dia vem abaixo… Mas é também possível que os patamares de demanda sejam mantidos ou até ampliados, pois há certas “modas” que não passam, seja por uma demanda regular – como ocorre hoje com os cursos de jornalismo – seja porque a globalização é mesmo irrefreável e contínua, um “universo em expansão”...
5. O que diferencia o curso de RI dos cursos de comércio exterior e de direito e economia internacionais?
PRA: Não existem cursos de “economia internacional”, apenas de economia, tout court, assim como no direito, embora os egressos desses cursos possam buscar, nos últimos semestres, algum tipo de especialização informal dentro desses campos em suas respectivas áreas. Comércio exterior se apresenta hoje como uma orientação relativamente técnica, algo assim como “contador”, embora seja uma área que requeira e deva contar com estudos aperfeiçoados, que aliás podem estar dentro de alguns cursos de relações internacionais – que assim exibiriam especializações mais para “ciência política” ou mais para economia internacional, segundo o gosto do cliente.
Acredito mesmo que no decurso da sedimentação necessária e natural dos cursos de relações internacionais nas diferentes regiões do país, essas orientações geográfico-espaciais ou essas inclinações temáticas acabarão emergindo progressivamente. Ou seja, pode-se conceber cursos de relações internacionais voltados para o agronegócio nas principais regiões produtoras de commodities demandadas pelo mercado mundial, cursos voltados para a diplomacia e a pesquisa nas ciências sociais em algumas grandes capitais, outros cursos voltados para o comércio exterior e a integração regional nas regiões mais “expostas” aos processos sub-regionais de integração e assim por diante.
6. O aumento de ofertas para o curso de RI em diversas faculdades públicas e particulares poderia significar que a procura é alta para a carreira?
PRA: A procura ainda é alta por uma espécie de ilusão dos jovens quanto ao “charme” e a oferta de empregos nessa área, pelo efeito do já mencionado “modismo”, ou porque o Brasil está mesmo deslumbrado com a globalização, ingressante tardio – e incompleto – que foi nos grandes circuitos da interdependência global. Não imagino que a demanda venha a se manter nos próximos anos, seja porque haverá um “plafonnement” e queda ulterior, seja porque o ritmo de crescimento tenderá a diminuir, ao descobrirem, muitos egressos, que os cursos não são assim tão “funcionais” para as necessidades de uma carreira concreta, seja porque a oferta, como sempre ocorre, supera a demanda efetiva. Não deve ocorrer, aqui, nenhum “keynesianismo” avant la lettre, pois o governo não parece estar em condições de garantir demanda efetiva numa área que não aparece como prioritária em termos de recursos humanos.
Resumindo: a procura, a jusante, não é alta, mas sim está ocorrendo um crescimento da oferta de cursos para atender uma demanda pré-existente, a montante, portanto. O mercado deverá ajustar oferta e procura dentro em breve. De toda forma, não existe UMA carreira de relações internacionais, e sim diferentes “carreiras” – ou melhor, oportunidades de emprego – que vão se ajustando aos nichos existentes, muito diversos entre si. Como a profissão não é regulamentada, nem tem chances de sê-lo muito em breve, persistirá essa relativa indefinição do que é “carreira” ou “especialização” em relações internacionais.
7. O jovem passou a se interessar mais por assuntos relacionados ao mundo?
PRA: Certamente. O bebê já nasce ouvindo teclado de computador, e a internet, como as demais tecnologias de informação, permeia a vida das pessoas desde tenra idade. Não há como escapar, hoje, dos apelos do mundo. Mesmo que algum jovem não tenha o mínimo interesse por “coisas” do mundo, o mundo vem inevitavelmente até ele, pelos mais diferentes caminhos e meios. Ninguém escapa…
8. Os atentados de 11 de Setembro e as subseqüentes guerras no Afeganistão e no Iraque podem ter tido alguma influência no aumento de interesse por Relações Internacionais?
PRA: Provavelmente, mas não mais do que MP3, celular, internet de modo geral. Há hoje uma crescente interpenetração entre o nacional e o mundial, todo dia franquias estrangeiras vêem se estabelecer no Brasil, as viagens internacionais são cada vez mais freqüentes e acessíveis, o inglês tornou-se obrigatório para o simples exercício (e vício) preguiçoso do “cut and paste” para os trabalhos escolares, enfim, o mundo vem até nós, aos borbotões. É natural que cresçam e apareçam as profissões e especializações ligadas às relações internacionais, mas os interesses e as oportunidades são ainda muito difusos.
9. Certos cursos, como direito e administração, são opções de vestibular para muitos adolescentes que não sabem exatamente o que querem fazer da vida. Por abranger muitas áreas, a carreira de RI não acaba atraindo mais jovens indecisos?
PRA: Exatamente: direito e administração oferecem amplas possibilidades para todos os tipos de vocações, por vezes sequer diretamente relacionadas com os campos temáticos dessas duas áreas. As RI podem, também, oferecer muitas possibilidades, mas, à diferença das duas primeiras, elas não constituem uma profissão reconhecida, “testada” no mercado e expressamente demandadas pelos mercados ou pelas empresas. Essa pequena diferença pode ser decisiva na inserção profissional dos jovens: entre o certo de uma profissão tradicional e o incerto de um campo novo, talvez seja o caso de ficar com o certo. O problema é que o Brasil é um país dotado de muito pouco empreendedorismo, a despeito da tremenda flexibilidade de sua mão-de-obra, revelada na grande capacidade adaptativa e nos esquemas informais que permeiam os mercados de trabalho (existem vários, do mais inserido ao totalmente informal). Uma pesquisa na escola média revelaria, provavelmente, que poucos jovens aspiram lançar o seu próprio negócio, a maior parte deles estando voltada para cursinho ou estudo para algum concurso, qualquer um, em carreira dotada de estabilidade.
Esse problema da “indecisão” dos jovens pode hoje estar levando muito deles para as RI, assim como no passado os jovens “revolucionários” eram atraídos pela sociologia – segundo Mário de Andrade, a “arte de salvar rapidamente o Brasil” – e as jovens casadoiras eram levadas a fazer psicologia, esperando marido… Hoje se faz RI, porque protestar contra a “globalização perversa” virou esporte quase obrigatório entre os jovens…
10. Com tanta oferta de cursos, há espaço suficiente para o profissional em RI no mercado?
PRA: Certamente tem ocorrido certa “inflação” de cursos, mas nisso os próprios demandantes levam a culpa: eles “pediram” e os empresários da educação correram para atender essa demanda do mercado de estudantes. Esses “industriais da educação” não estão minimamente preocupados com o espaço do “profissional” de RI – se é possível chamá-lo assim – no mercado de trabalho, esse não é o “departamento” deles. Sua função é a de apenas “fornecer” aquilo que lhes é pedido: um curso e um canudo, depois cada um que se vire como puder num mercado indefinido. Ou seja, num estamos num “supply side economics of international relations”, mas essencialmente num mercado demandante por cursos e canudos, o resto fica ao sabor do próprio mercado…
11. O mercado e as empresas estão preparados para entender o que é profissional de RI?
PRA: A pergunta deve ser completamente invertida: nem os mercados, nem a fortiori as empresas precisam estar “preparados para entender o que é profissional de RI”. Essa não é função deles. Sua única função é recrutar competências para o exercício de atividades profissionais específicas e os requerimentos são estritos: ou o profissional se adapta e atende ao que lhe é demandado, ou então ele pode procurar outro emprego. Por isso, volto a insistir: as empresas, na maior parte das vezes, não querem intelectuais brilhantes que sabem discorrer sobre o Conselho de Segurança da ONU ou o último livro do Keohane, elas querem alguém que saiba redigir um contrato, negociar um acordo com parceiro de outro país, fazer uma boa prospecção de mercado, trazer negócios, lucros e resultados, ponto. Este é o mercado, que deve ocupar pelo menos 80% dos egressos dos cursos de RI, qualquer que seja o seu número (o resto indo para os governos e as academias).
Quem deve entender as (e de) empresas e o (de) mercado são esses profissionais, que se não souberem lidar com essas realidades, se auto-excluem dos melhores empregos nesses mercados. Não é uma questão de preferência, é assim, ponto. As empresas não vão à cata de jovens egressos dos cursos de RI, eles é que devem tentar se oferecer para elas.
Os jovens precisam, desde o início, tomar consciência de que, ao receber o canudo, ao saírem das faculdades, não vai haver uma fileira de “head hunters” esperando por eles na calçada, não haverá sequer um mísero recrutador esperando por eles para dizer: “Venha, meu jovem, tenho um emprego esperando por você!”. Isso simplesmente não vai acontecer. Ou eles se preparam, desde o segundo ou terceiro ano, fazendo estágios, montando empresas juniores com seus colegas, pesquisando por conta própria novos nichos de mercado, ou eles vão ficar de canudo na mão reclamando da vida.
Se eu fosse um jovem, hoje, e não um diplomata com 28 anos de carreira, mas ainda disposto a diversificar no privado (ensino e pesquisa, eventualmente consultoria), eu me perguntaria: “qual é o meu nicho no mercado futuro, o que o Brasil ou o mundo me reserva, dentro de dois ou três anos?” Uma breve pesquisa de internet me daria a resposta em 5 minutos, ou a minha própria vontade e vocação determinariam o meu destino imediato. Abstraindo-se a própria carreira diplomática – excessivamente restrita para servir de “colocação” para um grande número de jovens – e algumas outras carreiras no serviço público – analistas de comércio exterior ou de inteligência – e nas academias, o que sobra, obviamente, como “opção” são as empresas, grandes e pequenas. Eu até diria que o “profissional” de RI poderia montar a sua própria, mas o empreendedorismo individual ainda é muito pouco desenvolvido no Brasil.
Nessa perspectiva, é óbvio que um jovem paulistano precisa ter uma visão “global business”, é evidente que um jovem do “cerrado central” precisa pensar no Brasil como o grande fornecedor mundial – o que ele já é, mas será cada vez mais – de produtos do agronegócio, é evidente que aqueles que amam praia, sol, florestas e montanhas encontrarão excelentes oportunidades no turismo de massa ou especializado, está mais do que claro que o Brasil tem um imenso campo em todas as áreas nas novas energias renováveis, na exploração dos recursos naturais, na conformação de um espaço integrado na América do Sul. Se eu fosse jovem e quisesse ganhar muito dinheiro, eu já estaria estudando todas essas oportunidades. Tudo isso É relações internacionais, tudo isso é interdependência global, tudo isso é globalização. Quanto antes o jovem se preparar, e não ficar passivamente esperando o fim do curso para depois pensar no que vai fazer, será melhor para ele e para suas famílias.
Desse ponto de vista, acho, particularmente, que os cursos, atuais, das faculdades voltadas para esse campo, e seus respectivos professores, estão muito pouco preparados para atender essa demanda. Trata-se de uma demanda real, não daqueles requisitos prosaicos de uma grade curricular tradicional, que copia passivamente a inércia “humanistóide” dos cursos tradicionais das universidades públicas – em ciências sociais em geral, mas fazendo uma combinação de direito, história, economia e ciência política – que, elas, parecem não ter nenhum compromisso com os mercados reais. Talvez os jovens não encontrem o curso ideal nem nas faculdades privadas nem nas públicas. O melhor, então, seria que eles “construam”, sozinhos, e de maneira absolutamente auto-didática (se possível com os colegas), os seus próprios “cursos”. Talvez eles não sejam melhores, em qualidade imediata, do que aqueles oferecidos oficialmente pelas instituições de ensino, mas eles certamente serão mais adaptados e estarão mais conformes às aspirações e necessidades dos próprios jovens.
Acho que é hora de deixar de ser passivos: arregacem as mangas, jovens, mãos à obra, construam suas próprias vidas!
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)
Brasília, 22-23 de março de 2006
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Eis o que me escreveu uma jovem estudante, em 19.03.2010:
Caro Paulo Roberto,
Li por acaso seu texto [acima] escrito em 2006. Gostei bastante. Não imaginava que já houvesse alguem que tivesse escrito sobre o (que poderíamos chamar de) DRAMA de um recém formado em relações internacionais. Na verdade formo em RI em junho deste ano, mas já me adiantei em começar a pós em Direito Internacional, pensando assim me especializar em uma área e futuramente apostar nela.
Hoje depois da aula da Pós-graduação (85% são alunos do segmento de Direito, e não de RI), houve uma feira na faculdade de empresas fazendo banco de talentos, buscando jovens para encaixar nas vagas de estágio/emprego e etc. É sim uma frustração não poder ser aceita em NENHUM ramo, porque as vagas requerem o preenchimento dos quadrinhos limitados a cursos "tradicionais" como direito, contábeis, administração...é o feijão com arroz sem muita complicação.
Isso não tira o meu orgulho em estar formando no curso, até porque desde o início já sabia que o campo das RI´s em relação a emprego é limitado, e quase sempre nosso futuro é "catar" as vagas dos de administração, economia, ciência política, direito e afins.
Me resta seguir em frente, na esperança de que ao menos os alunos do futuro possam ser mais "procurados" ao invés de ter que "procurar" tanto.
No mais, vou continuar na luta, e (como você disse) "arregaçando as mangas", pois quem não procura não acha. Quem não constrói seus futuro e não vai atrás, não colhe nada. E isso é simples como uma expressão matemática.
Muitíssimo obrigada...
As relações internacionais como oportunidade profissional
Paulo Roberto de Almeida (2006)
(www.pralmeida.org)
Respostas a algumas das questões mais colocadas pelos jovens que se voltam para as carreiras de relações internacionais.
Questões:
1. Com quais expectativas o jovem ingressa no curso de relações internacionais?
PRA: Provavelmente, na maior parte dos casos, com a expectativa de tornar-se diplomata ou funcionário internacional, ou então animado pelo vago desejo (ou mesmo vontade concreta) de sair do Brasil, passar sua vida entre capitais européias e da América do Norte, fazer-se no mundo, enfim. Deve-se observar desde logo que o ingresso na diplomacia, na verdade, acaba ocorrendo para uma fração mínima dos ingressados nesses cursos, uma parte também relativamente pequena voltando-se para as próprias atividades acadêmicas ligadas às relações internacionais e a maior parte devendo inserir-se, de algum modo, no mercado de trabalho “normal”, isto é, do setor privado, altamente competitivo.
Aqueles muito jovens – digamos entre os 18 e 20 anos – ostentam uma visão relativamente romântica do que seja o mundo ou a projeção internacional do Brasil, não estando aqui excluídas motivações essencialmente idealísticas, no sentido da atuação em causas humanitárias, ecológicas, imbuídos que são do desejo de mudar o mundo ou de ajudar aqueles que são percebidos como “vítimas da globalização” ou de misérias ancestrais. Os mais “velhos” – que podem eventualmente ter iniciado o terceiro ciclo por algum outro curso e efetuado o desvio para relações internacionais no meio da rota – possuem expectativas mais concretas e realistas, eventualmente construídas a partir do exercício de alguma atividade profissional paralela aos estudos de terceiro ciclo, mas eles também podem estar imaginando ou aspirando por uma “vida diferente” da mesmice cotidiana em âmbito puramente nacional, algum relevante papel de “negociador”, de “funcionário” ou de “executivo internacional”. Ou seja, todos eles possuem altas expectativas em relação aos cursos e as oportunidades profissionais dele resultantes, sem talvez medir muito bem a distância que ainda separa o universo relativamente teórico do universo “mental” desses cursos e a realidade do mundo profissional, feita de muito esforço individual, salários nem sempre elevados como esperado e uma indefinição geral quanto ao exercício concreto das “generalidades” aprendidas nos bancos universitários.
2. Em quais as áreas o bacharel em RI sai preparado para atuar?
PRA: Como ele é um generalista em especialidades “internacionais” ele poderá, supostamente, atuar em todas as áreas nas quais alguma competência vinculada ao seu terreno é requerida, seja no campo da análise e processamento de informações relativas aos diferentes cenários regionais e internacionais, seja na pesquisa e ensino acadêmico, nas áreas de relações internacionais das burocracias públicas – o que inclui a diplomacia tradicional, novas “diplomacias” em ministérios setoriais, assessorias internacionais de diversos órgãos etc. – e, provavelmente em maior “volume”, nas empresas privadas e nas chamadas ONGs que possuem ou aspiram possuir qualquer tipo de interface com o mundo exterior. O problema, aqui, é que as empresas requerem, em geral, uma competência mais específica e provavelmente mais especializada do que o conhecimento sintético das relações internacionais, a qualquer título. As empresas não estão minimamente preocupadas com a teoria institucionalista ou neo-realista das relações internacionais, tampouco com o funcionamento do Conselho de Segurança da ONU: elas desejam simplesmente vender ou fazer negócios com parceiros externos e por isso elas são mais suscetíveis de apelarem para profissionais especializados como economistas, advogados ou algumas outras profissionais mais “tradicionais”. Afinal de contas, trata-se de fazer uma prospecção de mercado ou de elaborar um contrato de cessão ou compra de direitos e outros ativos entre dois agentes privados, que devem rentabilizar seu tempo e seus recursos humanos e materiais, não havendo muito lugar para teorizações indevidas ou abstrações fora do campo essencialmente pragmático no qual atuam essas empresas.
Em outros termos, o bacharel de RI seria extremamente consciencioso se ele procurasse, de imediato, suprir suas carências em competências específicas buscando uma especialização dentro de seu campo de estudo, procurando estágios desde cedo ou mesmo fazendo algum outro curso paralelamente. Como para as demais especializações disciplinares, uma pós-graduação seria altamente recomendável, ou então uma outra via, mais racional, a formação de base numa profissão “normal” ou “tradicional” e uma pós ou estudos especializados em relações internacionais, eventualmente com orientação já definida para a área na qual o candidato a um bom emprego pretende atuar.
3. Qual o nome dado ao profissional depois de formado?
PRA: Não tenho certeza se o termo está consagrado, mas, aparentemente, seria “internacionalista” (uma expressão ainda não oficializada, diga-se de passagem, como a própria “profissão”, que não corre nenhum “risco” de ser regulamentada no futuro previsível). Em todo caso, melhor assim, do que algo estranho como “internacionalóide” ou “internacionaleiro”.
4. Existe a discussão sobre a relevância do curso para quem quer seguir carreira diplomática. É mesmo o melhor caminho ou o primeiro passo para o Instituto Rio Branco e o Itamaraty?
PRA: Não tenho certeza de que este seja o melhor caminho para os indivíduos que aspiram a ter alguma atividade já consagrada no circuito profissional, pois se trata de uma área relativamente nova, ainda não suficientemente “testada” nos mercados de trabalho. O que ocorreu, nos últimos anos, levado pelos ventos da globalização e da regionalização, foi um fenômeno “anormal” de expansão “geométrica” dos cursos de relações internacionais, provavelmente sem qualquer relação com a demanda efetiva do mercado. Havia uma demanda da parte dos jovens, atraídos pelo que parece ser um campo novo e talvez vasto – mas provavelmente não suficientemente “elástico” como o desejado pelos jovens – e as instituições privadas de ensino se encarregaram de satisfazer essa demanda por cursos de “aspecto” internacional.
Quanto à carreira diplomática, estrito senso, o recrutamento é altamente seletivo e a formação deveria ser, portanto, focada nas humanidades em geral, com um domínio igualmente satisfatório de ciências sociais aplicadas como economia e direito. Não é seguro que um curso de relações internacionais consiga dar todas as competências requeridas, mas ele é provavelmente o que mais estaria dentro do “campo” da diplomacia profissional. Acontece, porém – e isso precisa ficar muito claro aos jovens aspirantes à carreira – que, sendo o recrutamento caracterizado pela “hecatombe” de 90% dos candidatos, os “não-entrantes” precisam “sobreviver”, de alguma forma, nas profissões normais, requeridas pelo mercado, e aqui o nicho das relações internacionais ainda é relativamente difícil.
Pode-se dizer, de uma maneira geral, que o curso, in abstracto, é relevante, mas os cursos, tomados concretamente, diferem muito entre si pela qualidade das matérias oferecidas, pela competência dos professores contratados, pela disponibilidade de recursos didáticos e materiais, etc.
Parece ocorrer, atualmente, com os cursos de relações internacionais, algo semelhante ao que se passou, em outras épocas, com os cursos de ciências sociais, de psicologia, de jornalismo, que passaram a atrair multidões de jovens sem um perfil muito definido quanto à carreira desejada ou suas aspirações concretas. O modismo, como tudo a cada época, um dia vem abaixo… Mas é também possível que os patamares de demanda sejam mantidos ou até ampliados, pois há certas “modas” que não passam, seja por uma demanda regular – como ocorre hoje com os cursos de jornalismo – seja porque a globalização é mesmo irrefreável e contínua, um “universo em expansão”...
5. O que diferencia o curso de RI dos cursos de comércio exterior e de direito e economia internacionais?
PRA: Não existem cursos de “economia internacional”, apenas de economia, tout court, assim como no direito, embora os egressos desses cursos possam buscar, nos últimos semestres, algum tipo de especialização informal dentro desses campos em suas respectivas áreas. Comércio exterior se apresenta hoje como uma orientação relativamente técnica, algo assim como “contador”, embora seja uma área que requeira e deva contar com estudos aperfeiçoados, que aliás podem estar dentro de alguns cursos de relações internacionais – que assim exibiriam especializações mais para “ciência política” ou mais para economia internacional, segundo o gosto do cliente.
Acredito mesmo que no decurso da sedimentação necessária e natural dos cursos de relações internacionais nas diferentes regiões do país, essas orientações geográfico-espaciais ou essas inclinações temáticas acabarão emergindo progressivamente. Ou seja, pode-se conceber cursos de relações internacionais voltados para o agronegócio nas principais regiões produtoras de commodities demandadas pelo mercado mundial, cursos voltados para a diplomacia e a pesquisa nas ciências sociais em algumas grandes capitais, outros cursos voltados para o comércio exterior e a integração regional nas regiões mais “expostas” aos processos sub-regionais de integração e assim por diante.
6. O aumento de ofertas para o curso de RI em diversas faculdades públicas e particulares poderia significar que a procura é alta para a carreira?
PRA: A procura ainda é alta por uma espécie de ilusão dos jovens quanto ao “charme” e a oferta de empregos nessa área, pelo efeito do já mencionado “modismo”, ou porque o Brasil está mesmo deslumbrado com a globalização, ingressante tardio – e incompleto – que foi nos grandes circuitos da interdependência global. Não imagino que a demanda venha a se manter nos próximos anos, seja porque haverá um “plafonnement” e queda ulterior, seja porque o ritmo de crescimento tenderá a diminuir, ao descobrirem, muitos egressos, que os cursos não são assim tão “funcionais” para as necessidades de uma carreira concreta, seja porque a oferta, como sempre ocorre, supera a demanda efetiva. Não deve ocorrer, aqui, nenhum “keynesianismo” avant la lettre, pois o governo não parece estar em condições de garantir demanda efetiva numa área que não aparece como prioritária em termos de recursos humanos.
Resumindo: a procura, a jusante, não é alta, mas sim está ocorrendo um crescimento da oferta de cursos para atender uma demanda pré-existente, a montante, portanto. O mercado deverá ajustar oferta e procura dentro em breve. De toda forma, não existe UMA carreira de relações internacionais, e sim diferentes “carreiras” – ou melhor, oportunidades de emprego – que vão se ajustando aos nichos existentes, muito diversos entre si. Como a profissão não é regulamentada, nem tem chances de sê-lo muito em breve, persistirá essa relativa indefinição do que é “carreira” ou “especialização” em relações internacionais.
7. O jovem passou a se interessar mais por assuntos relacionados ao mundo?
PRA: Certamente. O bebê já nasce ouvindo teclado de computador, e a internet, como as demais tecnologias de informação, permeia a vida das pessoas desde tenra idade. Não há como escapar, hoje, dos apelos do mundo. Mesmo que algum jovem não tenha o mínimo interesse por “coisas” do mundo, o mundo vem inevitavelmente até ele, pelos mais diferentes caminhos e meios. Ninguém escapa…
8. Os atentados de 11 de Setembro e as subseqüentes guerras no Afeganistão e no Iraque podem ter tido alguma influência no aumento de interesse por Relações Internacionais?
PRA: Provavelmente, mas não mais do que MP3, celular, internet de modo geral. Há hoje uma crescente interpenetração entre o nacional e o mundial, todo dia franquias estrangeiras vêem se estabelecer no Brasil, as viagens internacionais são cada vez mais freqüentes e acessíveis, o inglês tornou-se obrigatório para o simples exercício (e vício) preguiçoso do “cut and paste” para os trabalhos escolares, enfim, o mundo vem até nós, aos borbotões. É natural que cresçam e apareçam as profissões e especializações ligadas às relações internacionais, mas os interesses e as oportunidades são ainda muito difusos.
9. Certos cursos, como direito e administração, são opções de vestibular para muitos adolescentes que não sabem exatamente o que querem fazer da vida. Por abranger muitas áreas, a carreira de RI não acaba atraindo mais jovens indecisos?
PRA: Exatamente: direito e administração oferecem amplas possibilidades para todos os tipos de vocações, por vezes sequer diretamente relacionadas com os campos temáticos dessas duas áreas. As RI podem, também, oferecer muitas possibilidades, mas, à diferença das duas primeiras, elas não constituem uma profissão reconhecida, “testada” no mercado e expressamente demandadas pelos mercados ou pelas empresas. Essa pequena diferença pode ser decisiva na inserção profissional dos jovens: entre o certo de uma profissão tradicional e o incerto de um campo novo, talvez seja o caso de ficar com o certo. O problema é que o Brasil é um país dotado de muito pouco empreendedorismo, a despeito da tremenda flexibilidade de sua mão-de-obra, revelada na grande capacidade adaptativa e nos esquemas informais que permeiam os mercados de trabalho (existem vários, do mais inserido ao totalmente informal). Uma pesquisa na escola média revelaria, provavelmente, que poucos jovens aspiram lançar o seu próprio negócio, a maior parte deles estando voltada para cursinho ou estudo para algum concurso, qualquer um, em carreira dotada de estabilidade.
Esse problema da “indecisão” dos jovens pode hoje estar levando muito deles para as RI, assim como no passado os jovens “revolucionários” eram atraídos pela sociologia – segundo Mário de Andrade, a “arte de salvar rapidamente o Brasil” – e as jovens casadoiras eram levadas a fazer psicologia, esperando marido… Hoje se faz RI, porque protestar contra a “globalização perversa” virou esporte quase obrigatório entre os jovens…
10. Com tanta oferta de cursos, há espaço suficiente para o profissional em RI no mercado?
PRA: Certamente tem ocorrido certa “inflação” de cursos, mas nisso os próprios demandantes levam a culpa: eles “pediram” e os empresários da educação correram para atender essa demanda do mercado de estudantes. Esses “industriais da educação” não estão minimamente preocupados com o espaço do “profissional” de RI – se é possível chamá-lo assim – no mercado de trabalho, esse não é o “departamento” deles. Sua função é a de apenas “fornecer” aquilo que lhes é pedido: um curso e um canudo, depois cada um que se vire como puder num mercado indefinido. Ou seja, num estamos num “supply side economics of international relations”, mas essencialmente num mercado demandante por cursos e canudos, o resto fica ao sabor do próprio mercado…
11. O mercado e as empresas estão preparados para entender o que é profissional de RI?
PRA: A pergunta deve ser completamente invertida: nem os mercados, nem a fortiori as empresas precisam estar “preparados para entender o que é profissional de RI”. Essa não é função deles. Sua única função é recrutar competências para o exercício de atividades profissionais específicas e os requerimentos são estritos: ou o profissional se adapta e atende ao que lhe é demandado, ou então ele pode procurar outro emprego. Por isso, volto a insistir: as empresas, na maior parte das vezes, não querem intelectuais brilhantes que sabem discorrer sobre o Conselho de Segurança da ONU ou o último livro do Keohane, elas querem alguém que saiba redigir um contrato, negociar um acordo com parceiro de outro país, fazer uma boa prospecção de mercado, trazer negócios, lucros e resultados, ponto. Este é o mercado, que deve ocupar pelo menos 80% dos egressos dos cursos de RI, qualquer que seja o seu número (o resto indo para os governos e as academias).
Quem deve entender as (e de) empresas e o (de) mercado são esses profissionais, que se não souberem lidar com essas realidades, se auto-excluem dos melhores empregos nesses mercados. Não é uma questão de preferência, é assim, ponto. As empresas não vão à cata de jovens egressos dos cursos de RI, eles é que devem tentar se oferecer para elas.
Os jovens precisam, desde o início, tomar consciência de que, ao receber o canudo, ao saírem das faculdades, não vai haver uma fileira de “head hunters” esperando por eles na calçada, não haverá sequer um mísero recrutador esperando por eles para dizer: “Venha, meu jovem, tenho um emprego esperando por você!”. Isso simplesmente não vai acontecer. Ou eles se preparam, desde o segundo ou terceiro ano, fazendo estágios, montando empresas juniores com seus colegas, pesquisando por conta própria novos nichos de mercado, ou eles vão ficar de canudo na mão reclamando da vida.
Se eu fosse um jovem, hoje, e não um diplomata com 28 anos de carreira, mas ainda disposto a diversificar no privado (ensino e pesquisa, eventualmente consultoria), eu me perguntaria: “qual é o meu nicho no mercado futuro, o que o Brasil ou o mundo me reserva, dentro de dois ou três anos?” Uma breve pesquisa de internet me daria a resposta em 5 minutos, ou a minha própria vontade e vocação determinariam o meu destino imediato. Abstraindo-se a própria carreira diplomática – excessivamente restrita para servir de “colocação” para um grande número de jovens – e algumas outras carreiras no serviço público – analistas de comércio exterior ou de inteligência – e nas academias, o que sobra, obviamente, como “opção” são as empresas, grandes e pequenas. Eu até diria que o “profissional” de RI poderia montar a sua própria, mas o empreendedorismo individual ainda é muito pouco desenvolvido no Brasil.
Nessa perspectiva, é óbvio que um jovem paulistano precisa ter uma visão “global business”, é evidente que um jovem do “cerrado central” precisa pensar no Brasil como o grande fornecedor mundial – o que ele já é, mas será cada vez mais – de produtos do agronegócio, é evidente que aqueles que amam praia, sol, florestas e montanhas encontrarão excelentes oportunidades no turismo de massa ou especializado, está mais do que claro que o Brasil tem um imenso campo em todas as áreas nas novas energias renováveis, na exploração dos recursos naturais, na conformação de um espaço integrado na América do Sul. Se eu fosse jovem e quisesse ganhar muito dinheiro, eu já estaria estudando todas essas oportunidades. Tudo isso É relações internacionais, tudo isso é interdependência global, tudo isso é globalização. Quanto antes o jovem se preparar, e não ficar passivamente esperando o fim do curso para depois pensar no que vai fazer, será melhor para ele e para suas famílias.
Desse ponto de vista, acho, particularmente, que os cursos, atuais, das faculdades voltadas para esse campo, e seus respectivos professores, estão muito pouco preparados para atender essa demanda. Trata-se de uma demanda real, não daqueles requisitos prosaicos de uma grade curricular tradicional, que copia passivamente a inércia “humanistóide” dos cursos tradicionais das universidades públicas – em ciências sociais em geral, mas fazendo uma combinação de direito, história, economia e ciência política – que, elas, parecem não ter nenhum compromisso com os mercados reais. Talvez os jovens não encontrem o curso ideal nem nas faculdades privadas nem nas públicas. O melhor, então, seria que eles “construam”, sozinhos, e de maneira absolutamente auto-didática (se possível com os colegas), os seus próprios “cursos”. Talvez eles não sejam melhores, em qualidade imediata, do que aqueles oferecidos oficialmente pelas instituições de ensino, mas eles certamente serão mais adaptados e estarão mais conformes às aspirações e necessidades dos próprios jovens.
Acho que é hora de deixar de ser passivos: arregacem as mangas, jovens, mãos à obra, construam suas próprias vidas!
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)
Brasília, 22-23 de março de 2006
=========
Eis o que me escreveu uma jovem estudante, em 19.03.2010:
Caro Paulo Roberto,
Li por acaso seu texto [acima] escrito em 2006. Gostei bastante. Não imaginava que já houvesse alguem que tivesse escrito sobre o (que poderíamos chamar de) DRAMA de um recém formado em relações internacionais. Na verdade formo em RI em junho deste ano, mas já me adiantei em começar a pós em Direito Internacional, pensando assim me especializar em uma área e futuramente apostar nela.
Hoje depois da aula da Pós-graduação (85% são alunos do segmento de Direito, e não de RI), houve uma feira na faculdade de empresas fazendo banco de talentos, buscando jovens para encaixar nas vagas de estágio/emprego e etc. É sim uma frustração não poder ser aceita em NENHUM ramo, porque as vagas requerem o preenchimento dos quadrinhos limitados a cursos "tradicionais" como direito, contábeis, administração...é o feijão com arroz sem muita complicação.
Isso não tira o meu orgulho em estar formando no curso, até porque desde o início já sabia que o campo das RI´s em relação a emprego é limitado, e quase sempre nosso futuro é "catar" as vagas dos de administração, economia, ciência política, direito e afins.
Me resta seguir em frente, na esperança de que ao menos os alunos do futuro possam ser mais "procurados" ao invés de ter que "procurar" tanto.
No mais, vou continuar na luta, e (como você disse) "arregaçando as mangas", pois quem não procura não acha. Quem não constrói seus futuro e não vai atrás, não colhe nada. E isso é simples como uma expressão matemática.
Muitíssimo obrigada...
sábado, 20 de março de 2010
1894) Diplomacia para o Oriente Medio: ajustando o foco
Internacional
No tropeço, aprende-se a andar
Diogo Schelp
Revista Veja, edição 2157 - 24 de março de 2010
CHOQUE DE REALIDADE - A visita de Lula ao Oriente Médio foi marcada por uma agenda equivocada. O que o presidente ouviu de israelenses e palestinos serve de lição para a diplomacia de seu governo
Para um aluno atento, o Oriente Médio é a escola ideal para aprender algo da arte de mediar conflitos. Na semana passada, Lula tornou-se o primeiro chefe de estado brasileiro a visitar Israel e, induzido por seus áulicos da política externa, acreditou que estava ali para ensinar. Lula fez o papel ridículo de costume no cenário internacional. A diferença é que desta vez o palco era privilegiado e a região, um barril de pólvora que desafia a diplomacia mundial há gerações. "O vírus da paz está comigo desde o útero da minha mãe", disse Lula em encontro com empresários, em Jerusalém. O que ele ouviu de israelenses e palestinos mostrou que todos estão vacinados contra esse vírus e cansados de retórica de má qualidade. Como até o chanceler Celso Amorim foi obrigado a reconhecer em sua escala na Síria, a excursão petista de cinco dias à Terra Santa foi um fracasso. Segundo Amorim, sua "megalomania" não chegava ao ponto de levá-lo a acreditar que o Brasil tivesse alguma influência na solução do conflito.
Uma a uma, as teses da diplomacia brasileira a respeito do processo de paz no Oriente Médio foram derrubadas pelos fatos. A primeira a cair foi a da neutralidade brasileira. Em Ramallah, Lula colocou flores no mausoléu do líder palestino Yasser Arafat. Um dia antes, por decisão de seu assessor Marco Aurélio Garcia, o presidente ofendeu os israelenses ao se recusar a prestar homenagem semelhante no túmulo de Theodor Herzl, fundador do sionismo. O episódio deixou clara a preferência do governo Lula pela causa palestina. A segunda tese a cair foi a da diplomacia de sindicato – algo como "só o diálogo liberta". "Quando eu fazia uma greve, o pior erro que a gente cometia era dizer que não ia conversar com o empresário", disse Lula, recordando seus tempos de metalúrgico no ABC paulista. O presidente usou o exemplo para reforçar a ideia de que é preciso incluir outros países, como o Irã, nas negociações entre árabes e israelenses. Nas conversas com políticos e autoridades de Israel e da Cisjordânia, no entanto, o presidente brasileiro descobriu que nenhum lado do conflito quer a interferência do Irã. Os israelenses temem os planos dos aiatolás de construir a bomba atômica. Os árabes, como deixou bem claro o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, são prejudicados pelo apoio financeiro do Irã ao Hamas, mistura de grupo terrorista e partido palestino. Em maio, Lula fará uma visita ao Irã. Se ele quiser ajudar, disse Abbas, o melhor a fazer é pedir ao governo iraniano que pare de se meter nos assuntos internos dos palestinos. "A insistência do Brasil em apoiar o Irã mostra que o país tem baseado sua política externa no antiamericanismo", disse a VEJA o advogado iraniano Payam Akhavan, ex-promotor do Tribunal Internacional de Haia.
A terceira tese da diplomacia brasileira a receber um choque de realidade refere-se ao papel dos Estados Unidos no processo de paz. Enquanto Lula tentava convencer seus interlocutores de que o Oriente Médio precisa é de uma dose de pacifismo brasileiro, um desentendimento entre Estados Unidos e Israel mostrou o que, na verdade, move as negociações: um pouco de pressão da superpotência. O governo americano irritou-se com o fato de que, há duas semanas, durante visita do vice-presidente americano Joe Biden, Israel anunciou a construção de 1 600 casas em Jerusalém Oriental – a parte da cidade santa reivindicada pelos árabes. A medida punha a perder a tentativa do governo americano de retomar as conversas entre palestinos e israelenses. "Israel recebe bilhões de dólares em ajuda financeira dos Estados Unidos. Nenhum outro país, e menos ainda o Brasil, tem em seu poder um instrumento de pressão como esse", disse a VEJA a historiadora norueguesa Hilde Henriksen, pesquisadora do Instituto Internacional para Pesquisas de Paz, em Oslo. Lula viu "mágica" no atrito entre Estados Unidos e Israel. Nada disso. Os governos dos dois países já divergiram outras vezes no passado – e, quase sempre, o resultado foi Israel se vendo na obrigação de rever políticas que prejudicavam os árabes. Na sexta-feira, Estados Unidos, Rússia, Nações Unidas e União Europeia deram um prazo de dois anos para que israelenses e palestinos cheguem a um acordo. Lula, o virótico da paz, não foi nem consultado.
No tropeço, aprende-se a andar
Diogo Schelp
Revista Veja, edição 2157 - 24 de março de 2010
CHOQUE DE REALIDADE - A visita de Lula ao Oriente Médio foi marcada por uma agenda equivocada. O que o presidente ouviu de israelenses e palestinos serve de lição para a diplomacia de seu governo
Para um aluno atento, o Oriente Médio é a escola ideal para aprender algo da arte de mediar conflitos. Na semana passada, Lula tornou-se o primeiro chefe de estado brasileiro a visitar Israel e, induzido por seus áulicos da política externa, acreditou que estava ali para ensinar. Lula fez o papel ridículo de costume no cenário internacional. A diferença é que desta vez o palco era privilegiado e a região, um barril de pólvora que desafia a diplomacia mundial há gerações. "O vírus da paz está comigo desde o útero da minha mãe", disse Lula em encontro com empresários, em Jerusalém. O que ele ouviu de israelenses e palestinos mostrou que todos estão vacinados contra esse vírus e cansados de retórica de má qualidade. Como até o chanceler Celso Amorim foi obrigado a reconhecer em sua escala na Síria, a excursão petista de cinco dias à Terra Santa foi um fracasso. Segundo Amorim, sua "megalomania" não chegava ao ponto de levá-lo a acreditar que o Brasil tivesse alguma influência na solução do conflito.
Uma a uma, as teses da diplomacia brasileira a respeito do processo de paz no Oriente Médio foram derrubadas pelos fatos. A primeira a cair foi a da neutralidade brasileira. Em Ramallah, Lula colocou flores no mausoléu do líder palestino Yasser Arafat. Um dia antes, por decisão de seu assessor Marco Aurélio Garcia, o presidente ofendeu os israelenses ao se recusar a prestar homenagem semelhante no túmulo de Theodor Herzl, fundador do sionismo. O episódio deixou clara a preferência do governo Lula pela causa palestina. A segunda tese a cair foi a da diplomacia de sindicato – algo como "só o diálogo liberta". "Quando eu fazia uma greve, o pior erro que a gente cometia era dizer que não ia conversar com o empresário", disse Lula, recordando seus tempos de metalúrgico no ABC paulista. O presidente usou o exemplo para reforçar a ideia de que é preciso incluir outros países, como o Irã, nas negociações entre árabes e israelenses. Nas conversas com políticos e autoridades de Israel e da Cisjordânia, no entanto, o presidente brasileiro descobriu que nenhum lado do conflito quer a interferência do Irã. Os israelenses temem os planos dos aiatolás de construir a bomba atômica. Os árabes, como deixou bem claro o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, são prejudicados pelo apoio financeiro do Irã ao Hamas, mistura de grupo terrorista e partido palestino. Em maio, Lula fará uma visita ao Irã. Se ele quiser ajudar, disse Abbas, o melhor a fazer é pedir ao governo iraniano que pare de se meter nos assuntos internos dos palestinos. "A insistência do Brasil em apoiar o Irã mostra que o país tem baseado sua política externa no antiamericanismo", disse a VEJA o advogado iraniano Payam Akhavan, ex-promotor do Tribunal Internacional de Haia.
A terceira tese da diplomacia brasileira a receber um choque de realidade refere-se ao papel dos Estados Unidos no processo de paz. Enquanto Lula tentava convencer seus interlocutores de que o Oriente Médio precisa é de uma dose de pacifismo brasileiro, um desentendimento entre Estados Unidos e Israel mostrou o que, na verdade, move as negociações: um pouco de pressão da superpotência. O governo americano irritou-se com o fato de que, há duas semanas, durante visita do vice-presidente americano Joe Biden, Israel anunciou a construção de 1 600 casas em Jerusalém Oriental – a parte da cidade santa reivindicada pelos árabes. A medida punha a perder a tentativa do governo americano de retomar as conversas entre palestinos e israelenses. "Israel recebe bilhões de dólares em ajuda financeira dos Estados Unidos. Nenhum outro país, e menos ainda o Brasil, tem em seu poder um instrumento de pressão como esse", disse a VEJA a historiadora norueguesa Hilde Henriksen, pesquisadora do Instituto Internacional para Pesquisas de Paz, em Oslo. Lula viu "mágica" no atrito entre Estados Unidos e Israel. Nada disso. Os governos dos dois países já divergiram outras vezes no passado – e, quase sempre, o resultado foi Israel se vendo na obrigação de rever políticas que prejudicavam os árabes. Na sexta-feira, Estados Unidos, Rússia, Nações Unidas e União Europeia deram um prazo de dois anos para que israelenses e palestinos cheguem a um acordo. Lula, o virótico da paz, não foi nem consultado.
1893) Samuel Pinheiro Guimaraes contra as privatizacoes - El Clarin
ENTREVISTA SAMUEL PINHEIRO: MINISTRO BRASILEÑO DE ASUNTOS ESTRATEGICOS
"Las privatizaciones no son vistas en Brasil como algo exitoso"
Telma Luzzani
El Clarin (Argentina) sabado 20 de marzo de 2010
El presidente Lula da Silva lo convocó para imaginar el Brasil del futuro. Samuel Pinheiro Guimaraes es un destacado político, diplomático e intelectual que lleva casi medio siglo en Itamaraty, la cancillería brasileña. Hace 5 meses dejó la vicecancillería para encabezar el Ministerio de Asuntos Estratégicos desde trazar los escenarios para que Brasil llegue en 2022, con el bicentenario de su independencia a cumplir su sueño: ser la quinta economía mundial y ocupar una silla en el Consejo de Seguridad de la ONU.
Se llama Plan Brasil 2020 y tiene objetivos ambiciosos en educación, salud, desarrollo regional, política exterior, cultura, deporte, defensa. El principal, según dijo el ministro a Clarín en una entrevista que brindó a tres medios en la embajada de Brasil, "es la redistribución del ingreso y lograr para esa fecha una fuerte reducción de la desigualdades sociales"
¿En los escenarios futuro qué papel juega la Amazonia?
Imagínese es 60% del territorio de Brasil con apenas 25 millones de brasileños. Tiene 85% de nuestras fronteras, 13.190 kms. Es una zona de gran riqueza que compartimos con muchos vecinos: Venezuela, Colombia, Perú.
¿La decisión de rearmar a Brasil tiene que ver con esto, con alguna amenaza?
No. Nuestros gastos militares per cápita comparados con otros países como Colombia y Chile son mínimos. Francia o EE.UU. también tienen armamentos y ¿a quién temen?
¿Cuál es la estrategia futura en materia nuclear?
Desde el punto de vista económico para nosotros significa un gran mercado. Hoy hay un grave problema ambiental y energético cuya solución pasa por el desarrollo de la energía nuclear que es más segura que nunca. Los países del mundo están interesados en construir usinas nucleares. Brasil tiene la sexta mayor reserva de uranio del mundo, la tecnología para enriquecerlo y la capacidad de construir reactores. Se abre una perspectiva de demanda muy importante para nosotros. Desde el punto de vista militar, Brasil tiene en su Constitución un artículo que no deja dudas: las actividades nucleares serán para fines pacíficos.
Usted dijo que en Brasil hablar de privatizaciones no trae votos.
Las privatizaciones no son vistas como una propuesta exitosa. Por ejemplo, hoy hay en Brasil una cierta convicción de que los bancos del Estado fueron fundamentales para vencer la crisis.
¿Qué se pone en juego en las próximas elecciones de Brasil?
El gobierno de Lula tuvo resultados muy significativos. Millones de personas salieron de la línea de pobreza y otros millones mejoraron sus ingresos. Se llaman "la nueva clase media". Lo importante seria profundizar y volver más eficientes los programas sociales. También hubo control de la inflación, reducción de la deuda externa, reservas monetarias muy significativas: US$ 240 mil millones. Mientras en Europa y EE.UU se pierden empleos en 2009 creamos más de un millón de puestos.
Una de las deudas pendientes del Mercosur es reducir las enormes asimetrías entre los países ¿Cómo se hace eso?
Brasil y Argentina podrían hacer una importante contribución en la construcción de infraestructura de transporte, de comunicaciones; con créditos en condiciones más favorables: formando cadenas industriales productivas. Respecto de otras asimetrías, como las demográficas, no se puede hacer nada.
"Las privatizaciones no son vistas en Brasil como algo exitoso"
Telma Luzzani
El Clarin (Argentina) sabado 20 de marzo de 2010
El presidente Lula da Silva lo convocó para imaginar el Brasil del futuro. Samuel Pinheiro Guimaraes es un destacado político, diplomático e intelectual que lleva casi medio siglo en Itamaraty, la cancillería brasileña. Hace 5 meses dejó la vicecancillería para encabezar el Ministerio de Asuntos Estratégicos desde trazar los escenarios para que Brasil llegue en 2022, con el bicentenario de su independencia a cumplir su sueño: ser la quinta economía mundial y ocupar una silla en el Consejo de Seguridad de la ONU.
Se llama Plan Brasil 2020 y tiene objetivos ambiciosos en educación, salud, desarrollo regional, política exterior, cultura, deporte, defensa. El principal, según dijo el ministro a Clarín en una entrevista que brindó a tres medios en la embajada de Brasil, "es la redistribución del ingreso y lograr para esa fecha una fuerte reducción de la desigualdades sociales"
¿En los escenarios futuro qué papel juega la Amazonia?
Imagínese es 60% del territorio de Brasil con apenas 25 millones de brasileños. Tiene 85% de nuestras fronteras, 13.190 kms. Es una zona de gran riqueza que compartimos con muchos vecinos: Venezuela, Colombia, Perú.
¿La decisión de rearmar a Brasil tiene que ver con esto, con alguna amenaza?
No. Nuestros gastos militares per cápita comparados con otros países como Colombia y Chile son mínimos. Francia o EE.UU. también tienen armamentos y ¿a quién temen?
¿Cuál es la estrategia futura en materia nuclear?
Desde el punto de vista económico para nosotros significa un gran mercado. Hoy hay un grave problema ambiental y energético cuya solución pasa por el desarrollo de la energía nuclear que es más segura que nunca. Los países del mundo están interesados en construir usinas nucleares. Brasil tiene la sexta mayor reserva de uranio del mundo, la tecnología para enriquecerlo y la capacidad de construir reactores. Se abre una perspectiva de demanda muy importante para nosotros. Desde el punto de vista militar, Brasil tiene en su Constitución un artículo que no deja dudas: las actividades nucleares serán para fines pacíficos.
Usted dijo que en Brasil hablar de privatizaciones no trae votos.
Las privatizaciones no son vistas como una propuesta exitosa. Por ejemplo, hoy hay en Brasil una cierta convicción de que los bancos del Estado fueron fundamentales para vencer la crisis.
¿Qué se pone en juego en las próximas elecciones de Brasil?
El gobierno de Lula tuvo resultados muy significativos. Millones de personas salieron de la línea de pobreza y otros millones mejoraron sus ingresos. Se llaman "la nueva clase media". Lo importante seria profundizar y volver más eficientes los programas sociales. También hubo control de la inflación, reducción de la deuda externa, reservas monetarias muy significativas: US$ 240 mil millones. Mientras en Europa y EE.UU se pierden empleos en 2009 creamos más de un millón de puestos.
Una de las deudas pendientes del Mercosur es reducir las enormes asimetrías entre los países ¿Cómo se hace eso?
Brasil y Argentina podrían hacer una importante contribución en la construcción de infraestructura de transporte, de comunicaciones; con créditos en condiciones más favorables: formando cadenas industriales productivas. Respecto de otras asimetrías, como las demográficas, no se puede hacer nada.
1892) Mais cargos DAS no Itamaraty
Comissão de Finanças aprova criação de 100 cargos para o Itamaraty
A Comissão de Finanças e Tributação aprovou nesta quarta, 17, Projeto de Lei do Executivo, que cria 100 cargos em comissão do grupo Direção e Assessoramento Superiores (DAS) para reestruturação do Ministério das Relações Exteriores.
O relator, deputado Vignatti (PT-SC), explica que a proposta está de acordo com Lei de Diretrizes Orçamentárias 2010, onde já está prevista dotação orçamentária para criação dos cargos.
Esses cargos comissionados podem ser preenchidos livremente (mesmo por funcionários não concursados), mas o Ministério do Planejamento afirma que eles serão ocupados por servidores de carreira que terão a responsabilidade de coordenar novos setores.
O projeto cria 2 cargos DAS-6, 6 DAS-5, 36 DAS-4, 9 DAS-3 e 47 DAS-2. O impacto orçamentário das gratificações foi estimado pelo governo em R$ 7,9 milhões anuais. No exercício de 2010, no entanto, seria de apenas R$ 3,8 milhões, que já estão incluídos no Orçamento Geral da União.
A Comissão de Finanças e Tributação aprovou nesta quarta, 17, Projeto de Lei do Executivo, que cria 100 cargos em comissão do grupo Direção e Assessoramento Superiores (DAS) para reestruturação do Ministério das Relações Exteriores.
O relator, deputado Vignatti (PT-SC), explica que a proposta está de acordo com Lei de Diretrizes Orçamentárias 2010, onde já está prevista dotação orçamentária para criação dos cargos.
Esses cargos comissionados podem ser preenchidos livremente (mesmo por funcionários não concursados), mas o Ministério do Planejamento afirma que eles serão ocupados por servidores de carreira que terão a responsabilidade de coordenar novos setores.
O projeto cria 2 cargos DAS-6, 6 DAS-5, 36 DAS-4, 9 DAS-3 e 47 DAS-2. O impacto orçamentário das gratificações foi estimado pelo governo em R$ 7,9 milhões anuais. No exercício de 2010, no entanto, seria de apenas R$ 3,8 milhões, que já estão incluídos no Orçamento Geral da União.
1891) O Instituo Rio Branco formando reguladores financeiros?
Não, não é o caso, mas este artigo de opinião do NYT sugere que os reguladores financeiros de Wall Street (ou sobre as empresas de WS) poderiam ser moldados e educados ao estilo da escola do Foreign Service do Department of State americano.
Talvez dê alguma ideia de requisitos de desempenho aos nossos estudantes do Rio Branco...
Op-Ed Contributor
A Foreign Service for Wall Street
By SCOTT McCLESKEY
The New York Times, March 19, 2010
LAST week, Lehman Brothers’ bankruptcy examiner released a report showing that the investment firm went to great lengths to hide its shaky finances. In fact, it even managed to evade a team of investigators from the Securities and Exchange Commission and the Federal Reserve who were embedded at Lehman headquarters with the sole purpose of ferreting out accounting sleight-of-hand.
How could they miss it? It’s possible that someone convinced them to look the other way. But it’s more likely that they weren’t qualified to be there in the first place.
Indeed, as Congress debates financial reform, it is ignoring the obvious Achilles’ heel in any new regulatory scheme: the inability of regulatory agencies to enforce and put in place the new rules, thanks in large part to their failure to recruit, train and retain effective staff.
That’s why, alongside thorough reform, we need to overhaul the way regulatory agencies are staffed. Fortunately, there’s a well-established model: the Foreign Service.
It’s true that some agencies, including the Securities and Exchange Commission, have already taken small steps to raise pay, add a few training courses and recruit industry professionals on temporary contracts.
But as long as the agencies are plagued by high turnover rates, increasing their training budgets will simply result in better-trained former staffers, while the establishment of new departments will only move vacancies around the organizational charts.
Instead, financial regulatory agencies should look to the example of the Foreign Service, which is set up to build career professionals, not to be a way station for future law firm partners. It has a specialized training institute, early pension eligibility and a separate career system that places officers on long-term job tracks tied to specific diplomatic disciplines.
One key is retention. Federal agencies can never match private-sector salaries, and so the incentives need to come in other forms. Like Foreign Service officers, financial regulation service officers should receive long-term training in professional tracks like consumer protection, systemic risk and examinations and investigations, and they should accumulate progressive responsibility within specialized fields. Most important, they should become eligible for a pension after as little as 20 years on the job.
By managing the career progression and development of a stable pool of rising professionals, regulatory agencies would also be able to identify and plan for future needs, rather than merely plug gaps as they occur.
A specialized cadre of federal regulators should also reflect a diversity of backgrounds. An important weakness of the Securities and Exchange Commission has been its over-reliance on inexperienced lawyers, often straight out of school, to conduct investigations and other core tasks — a notion contrary to the practices of more highly regarded investigative agencies like the F.B.I., which draws on a range of professions and experience levels to fill its ranks of special agents.
This reliance on inexpensive but inexperienced staffers has deprived the commission of crucial private-sector expertise and other critical skills; the result is an insulated and often gullible investigative team. Is it any wonder the bankruptcy examiner says that Lehman was able to dupe federal regulators?
A financial regulation service wouldn’t just look for a wide range of applicants; it would also give them continuing advanced training. A financial regulation institute, taking another page from the Foreign Service playbook, would offer specialized courses for financial regulation officers from all agencies.
New regulators would get initial training on core subjects and common administrative procedures like handling tips. The courses would last days or weeks, not hours, and would be arranged as part of a long-term development program for each career track. There would also be specialized management training and courses on staff assessment skills, similar to the kind the military offers for rising officers at war and staff colleges.
An important benefit of similar federal training institutes has been the establishment of lasting ties among attendees, as well as the cross-pollination of experience among colleagues from different agencies. Such relationships help break down bureaucratic silos, within and among agencies — a key problem in the failure to uncover the Bernard Madoff Ponzi scheme.
A financial regulation service and associated institute would be neither radical nor prohibitively costly compared to the new agencies and other proposals already being considered. And they would be a lot cheaper than another financial crisis.
Scott McCleskey is the New York managing editor at a financial services information firm and the author of “When Free Markets Fail: Saving the Market When It Can’t Save Itself.”
Talvez dê alguma ideia de requisitos de desempenho aos nossos estudantes do Rio Branco...
Op-Ed Contributor
A Foreign Service for Wall Street
By SCOTT McCLESKEY
The New York Times, March 19, 2010
LAST week, Lehman Brothers’ bankruptcy examiner released a report showing that the investment firm went to great lengths to hide its shaky finances. In fact, it even managed to evade a team of investigators from the Securities and Exchange Commission and the Federal Reserve who were embedded at Lehman headquarters with the sole purpose of ferreting out accounting sleight-of-hand.
How could they miss it? It’s possible that someone convinced them to look the other way. But it’s more likely that they weren’t qualified to be there in the first place.
Indeed, as Congress debates financial reform, it is ignoring the obvious Achilles’ heel in any new regulatory scheme: the inability of regulatory agencies to enforce and put in place the new rules, thanks in large part to their failure to recruit, train and retain effective staff.
That’s why, alongside thorough reform, we need to overhaul the way regulatory agencies are staffed. Fortunately, there’s a well-established model: the Foreign Service.
It’s true that some agencies, including the Securities and Exchange Commission, have already taken small steps to raise pay, add a few training courses and recruit industry professionals on temporary contracts.
But as long as the agencies are plagued by high turnover rates, increasing their training budgets will simply result in better-trained former staffers, while the establishment of new departments will only move vacancies around the organizational charts.
Instead, financial regulatory agencies should look to the example of the Foreign Service, which is set up to build career professionals, not to be a way station for future law firm partners. It has a specialized training institute, early pension eligibility and a separate career system that places officers on long-term job tracks tied to specific diplomatic disciplines.
One key is retention. Federal agencies can never match private-sector salaries, and so the incentives need to come in other forms. Like Foreign Service officers, financial regulation service officers should receive long-term training in professional tracks like consumer protection, systemic risk and examinations and investigations, and they should accumulate progressive responsibility within specialized fields. Most important, they should become eligible for a pension after as little as 20 years on the job.
By managing the career progression and development of a stable pool of rising professionals, regulatory agencies would also be able to identify and plan for future needs, rather than merely plug gaps as they occur.
A specialized cadre of federal regulators should also reflect a diversity of backgrounds. An important weakness of the Securities and Exchange Commission has been its over-reliance on inexperienced lawyers, often straight out of school, to conduct investigations and other core tasks — a notion contrary to the practices of more highly regarded investigative agencies like the F.B.I., which draws on a range of professions and experience levels to fill its ranks of special agents.
This reliance on inexpensive but inexperienced staffers has deprived the commission of crucial private-sector expertise and other critical skills; the result is an insulated and often gullible investigative team. Is it any wonder the bankruptcy examiner says that Lehman was able to dupe federal regulators?
A financial regulation service wouldn’t just look for a wide range of applicants; it would also give them continuing advanced training. A financial regulation institute, taking another page from the Foreign Service playbook, would offer specialized courses for financial regulation officers from all agencies.
New regulators would get initial training on core subjects and common administrative procedures like handling tips. The courses would last days or weeks, not hours, and would be arranged as part of a long-term development program for each career track. There would also be specialized management training and courses on staff assessment skills, similar to the kind the military offers for rising officers at war and staff colleges.
An important benefit of similar federal training institutes has been the establishment of lasting ties among attendees, as well as the cross-pollination of experience among colleagues from different agencies. Such relationships help break down bureaucratic silos, within and among agencies — a key problem in the failure to uncover the Bernard Madoff Ponzi scheme.
A financial regulation service and associated institute would be neither radical nor prohibitively costly compared to the new agencies and other proposals already being considered. And they would be a lot cheaper than another financial crisis.
Scott McCleskey is the New York managing editor at a financial services information firm and the author of “When Free Markets Fail: Saving the Market When It Can’t Save Itself.”
1890) O Itamaraty e os direitos humanos
Transcrevo editorial do Estadão deste sábado. Com relação à última frase, eu diria simplesmente que não há a menor chance...
Uma lição para o Itamaraty
Editorial O Estado de S. Paulo
Sábado, 20 de março de 2010
A última moda da diplomacia brasileira é a teoria do novo olhar. Algo assim: por não ter interesses estratégicos, militares e econômicos que restringiriam o seu campo de visão diante do impasse israelense-palestino, o Brasil, ao contrário das grandes potências, estaria em condições de focalizar de uma perspectiva original os obstáculos à paz no Oriente Médio e os caminhos para superá-los. Não se pergunte, para poupar do constrangimento os autores dessa tese fabulosa, no que consistiriam as descobertas brasileiras em relação ao mais esquadrinhado dos conflitos internacionais. Mas é impossível deixar de contrastar o pretenso novo olhar do Itamaraty sobre o Levante com o seu velho e embaçado olhar - este sim, absolutamente real - sobre as violações dos direitos humanos no mundo.
No foro apropriado para essas questões, no âmbito das Nações Unidas, o comportamento do Brasil é o que há de anacrônico. Embora a proteção da pessoa contra a violência do Estado equivalha a uma cláusula pétrea da Carta da ONU, concebida quando ainda fumegavam os fornos crematórios do nazismo, a guerra fria tornou praticamente inócuas as prescrições humanitárias do documento. Do alto de seu poder de veto no Conselho de Segurança, Estados Unidos e União Soviética bloqueavam todas as tentativas de sancionar os crimes dos respectivos governos aliados (quando não os próprios, no caso da URSS) enquanto travavam batalhas retóricas que apenas serviam para entravar a causa dos direitos humanos. Com a queda do Muro de Berlim, no entanto, essa causa assomou na agenda internacional.
Avançou-se menos do que ainda há para avançar. Ainda assim, os países tendem a ser cada vez mais avaliados pelo seu desempenho nessa matéria e pelas suas posições nas instituições multilaterais que dela se ocupam, a começar do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Ali, o retrospecto brasileiro é de quem parou no tempo de olhos fechados (ou seletivamente abertos). A pretexto de evitar a politização dos debates, a representação brasileira se recusa a apoiar os esforços de outros governos e de ONGs humanitárias para condenar violações notórias em países como Cuba, Irã, Coreia do Norte, Sudão, Congo, Mianmar e Sri Lanka, por exemplo. Os acusados, sustenta o Itamaraty, devem ser livres para aceitar ou não as recomendações da ONU, e ao Brasil não cabe criticar países específicos.
Depois que o presidente Lula comparou os dissidentes cubanos encarcerados a presos comuns, não será o Itamaraty que apoiará em Genebra uma resolução da Noruega, contra a qual Cuba é a primeira a se opor, para que os governos deixem de chamar de terroristas os seus prisioneiros políticos. Em relação ao regime homicida do iraniano Mahmoud Ahmadinejad, o máximo que o Brasil se permitiu foi declarar-se preocupado com a situação dos direitos humanos no país e sugerir mudanças. A posição oficial é de encorajar o Irã a manter um diálogo respeitoso com grupos políticos e sociais diferentes. Abrir uma investigação sobre os crimes de Teerã, como defendem países europeus, nem pensar. O negociador-chefe iraniano em Genebra ficou satisfeito com a atitude brasileira. Cedo ou tarde, isso dá em desmoralização.
No ano passado, quando se preparava para abrir uma embaixada na Coreia do Norte, o Brasil se absteve na ONU diante de uma proposta de resolução que condenava as violações endêmicas dos direitos humanos no país. Era preciso dar-lhe uma chance, argumentou o Itamaraty. Esta semana, Pyongyang rejeitou todas as sugestões do Brasil e de outros países para promover a melhora dos direitos dos seus desafortunados cidadãos. (Ainda há pouco, por sinal, um tecnocrata de 77 anos foi fuzilado por arruinar a economia com a reforma monetária que implantou em novembro.) O mais bárbaro dos regimes ditatoriais do globo simplesmente se recusou a acabar com a tortura, trabalhos forçados, pena de morte - pedido específico do Brasil - e rejeitou a ida de um enviado da ONU.
Porta-vozes de movimentos de defesa dos direitos humanos manifestaram a esperança de que a fracassada tentativa abra os olhos da diplomacia brasileira. É mais do que tempo.
Uma lição para o Itamaraty
Editorial O Estado de S. Paulo
Sábado, 20 de março de 2010
A última moda da diplomacia brasileira é a teoria do novo olhar. Algo assim: por não ter interesses estratégicos, militares e econômicos que restringiriam o seu campo de visão diante do impasse israelense-palestino, o Brasil, ao contrário das grandes potências, estaria em condições de focalizar de uma perspectiva original os obstáculos à paz no Oriente Médio e os caminhos para superá-los. Não se pergunte, para poupar do constrangimento os autores dessa tese fabulosa, no que consistiriam as descobertas brasileiras em relação ao mais esquadrinhado dos conflitos internacionais. Mas é impossível deixar de contrastar o pretenso novo olhar do Itamaraty sobre o Levante com o seu velho e embaçado olhar - este sim, absolutamente real - sobre as violações dos direitos humanos no mundo.
No foro apropriado para essas questões, no âmbito das Nações Unidas, o comportamento do Brasil é o que há de anacrônico. Embora a proteção da pessoa contra a violência do Estado equivalha a uma cláusula pétrea da Carta da ONU, concebida quando ainda fumegavam os fornos crematórios do nazismo, a guerra fria tornou praticamente inócuas as prescrições humanitárias do documento. Do alto de seu poder de veto no Conselho de Segurança, Estados Unidos e União Soviética bloqueavam todas as tentativas de sancionar os crimes dos respectivos governos aliados (quando não os próprios, no caso da URSS) enquanto travavam batalhas retóricas que apenas serviam para entravar a causa dos direitos humanos. Com a queda do Muro de Berlim, no entanto, essa causa assomou na agenda internacional.
Avançou-se menos do que ainda há para avançar. Ainda assim, os países tendem a ser cada vez mais avaliados pelo seu desempenho nessa matéria e pelas suas posições nas instituições multilaterais que dela se ocupam, a começar do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Ali, o retrospecto brasileiro é de quem parou no tempo de olhos fechados (ou seletivamente abertos). A pretexto de evitar a politização dos debates, a representação brasileira se recusa a apoiar os esforços de outros governos e de ONGs humanitárias para condenar violações notórias em países como Cuba, Irã, Coreia do Norte, Sudão, Congo, Mianmar e Sri Lanka, por exemplo. Os acusados, sustenta o Itamaraty, devem ser livres para aceitar ou não as recomendações da ONU, e ao Brasil não cabe criticar países específicos.
Depois que o presidente Lula comparou os dissidentes cubanos encarcerados a presos comuns, não será o Itamaraty que apoiará em Genebra uma resolução da Noruega, contra a qual Cuba é a primeira a se opor, para que os governos deixem de chamar de terroristas os seus prisioneiros políticos. Em relação ao regime homicida do iraniano Mahmoud Ahmadinejad, o máximo que o Brasil se permitiu foi declarar-se preocupado com a situação dos direitos humanos no país e sugerir mudanças. A posição oficial é de encorajar o Irã a manter um diálogo respeitoso com grupos políticos e sociais diferentes. Abrir uma investigação sobre os crimes de Teerã, como defendem países europeus, nem pensar. O negociador-chefe iraniano em Genebra ficou satisfeito com a atitude brasileira. Cedo ou tarde, isso dá em desmoralização.
No ano passado, quando se preparava para abrir uma embaixada na Coreia do Norte, o Brasil se absteve na ONU diante de uma proposta de resolução que condenava as violações endêmicas dos direitos humanos no país. Era preciso dar-lhe uma chance, argumentou o Itamaraty. Esta semana, Pyongyang rejeitou todas as sugestões do Brasil e de outros países para promover a melhora dos direitos dos seus desafortunados cidadãos. (Ainda há pouco, por sinal, um tecnocrata de 77 anos foi fuzilado por arruinar a economia com a reforma monetária que implantou em novembro.) O mais bárbaro dos regimes ditatoriais do globo simplesmente se recusou a acabar com a tortura, trabalhos forçados, pena de morte - pedido específico do Brasil - e rejeitou a ida de um enviado da ONU.
Porta-vozes de movimentos de defesa dos direitos humanos manifestaram a esperança de que a fracassada tentativa abra os olhos da diplomacia brasileira. É mais do que tempo.
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