quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Estimulos economicos, estimulos inflacionarios

No Brasil, como nos EUA, os "ativistas" econômicos sempre acham que "um pouco de inflação" pode fazer bem ao crescimento, ao "estimular a demanda" e portanto gerar emprego.
O Federal Reserve vai emitir mais 600 bilhões de dólares para "estimular a economia".
Fazendo pela via inflacionária, vai atingir os mais pobres. Fazendo pela via tributária, vai justamente retirar os recursos que as pessoas usariam para consumir, ou para poupar e investir.
Por que os governos simplesmente não criam um ambiente de não intervenção, no qual as próprias pessoas tomam suas decisões em total liberdade?

Milton Friedman vs. the Fed

The Nobel laureate would never have endorsed increasing inflation to stimulate the economy.

The Wall Street Journal, NOVEMBER 4, 2010
 
Would the late Milton Friedman have endorsed the Federal Reserve's plan to make large-scale purchases of long-term Treasury bonds? The idea here is to pump more money into and thus jump-start the economy, reducing unemployment. Some people, including this newspaper's David Wessel in a column last week, believe the great Nobel laureate would favor this inflationary program. I am certain he would not.
Friedman's main message for central banks was to maintain a monetary rule that kept the growth of the money supply constant. (...)

[o resto só para assinantes...]

"Erradicando a pobreza": uma pequena correcao...

A presidenta eleita -- ela prefere, parece, ser chamada de presidenta -- prometeu, em seus itens programáticos, "erradicar a pobreza".
Escrevi isto aqui, num trabalho de análise tópica de suas promessas de campanha:

Uau! Excusez du peu, como diriam os franceses. Não se trata nem de diminuir a miséria ou eliminar a pobreza extrema, mas simplesmente “erradicar a pobreza”. E isso em 4 anos! Bem, quem sou para contestar a presidente? Acho que os EUA, uma das nações mais avançadas do planeta, mas que ainda tem muitos pobres, vão pedir a receita da solução milagre...
(In: As promessas da candidata eleita: breve avaliação)

Agora sabemos como ela pretende "erradicar a pobreza": aumentando o Bolsa-Família.
Ora, que me perdõe a presidenta, mas isso não significa, nem de longe, "erradicar a pobreza". Isso é apenas transferência de renda, da classe média para os pobres, para que eles possam consumir o que desejarem. Se e quando retirarem os benefícios, eles voltam a ser pobres, igualzinho a antes, talvez até pior, pois assim como não acredito que havia 45 ou 50 milhões de pessoas morrendo de fome antes da generalização do BF, acredito que eles descuraram de estratégias de inserção produtiva para se municiarem por seus próprios meios.
Erradicar a pobreza significa eliminar as fontes da pobreza, o que só se consegue com educação, capacitação profissional e emprego, capaz de garantir renda por meios póprios.
Sinto muito leitores, mas repassar o meu, o seu, o nosso dinheiro para que outros possam consumir não é erradicar a pobreza. Se trata apenas de fazer caridade com o bolso alheio.
Paulo Roberto de Almeida

Dilma planeja reajustar valor do Bolsa-Família
Agência Estado, 3/11/2010

BRASÍLIA - A presidente eleita Dilma Rousseff (PT) afirmou, em entrevista à TV Brasil, que uma de suas primeiras preocupações, assim que assumir o governo, em janeiro, será aumentar o valor do Bolsa-Família.

Na entrevista, Dilma disse, porém, que não dispõe ainda das contas para saber se o reajuste do benefício tornará necessário revisar o Orçamento da União para 2011, já enviado pelo Palácio do Planalto ao Congresso.

'Eu pretendo ver isso com mais detalhe', disse a futura presidente, segundo a Agência Brasil, enfatizando que quer reajustar os benefícios. 'O Orçamento é uma peça que está sempre num quadro no qual você opera. É possível conseguir que haja mais recursos para aquilo, dependendo de suas prioridades. Eu tenho o objetivo de reajustar e garantir os recursos (do Bolsa-Família) para que eles não tenham perdas inflacionárias e tenham ganho real.'

Entre 2003, quando o programa foi iniciado, e 2010, o governo desembolsou R$ 60,2 bilhões no atendimento a populações mais pobres, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza. O benefício médio, nestes quase sete anos, foi de R$ 96,00 - valor que representou um acréscimo de 47% na renda de aproximadamente 50 milhões de pessoas. Praticamente metade delas vive no Nordeste.

A presidente eleita disse ainda, na entrevista, que pretende fazer da erradicação da pobreza uma meta central de seu governo. ' É uma questão de concepção. Na concepção do projeto que eu represento, e do qual obviamente o presidente Lula é um dos grandes líderes, o crescimento econômico não pode ser desvinculado da melhoria das condições de vida da população.'

Prosseguiu afirmando, segundo a Agência Brasil, que a questão social não é um adereço na mão, não é um anexo de seu programa nem de seu governo. 'Eu vou tornar essa meta de erradicação como uma meta central.'

Mulheres. A conversa incluiu ainda temas como reformas política e tributária, às quais promete dar 'uma prioridade grande', mas adequando os prazos ao Congresso, e que poderá ampliar a presença de mulheres em sua equipe. Mas isso não significa, advertiu, que pretenda criar cotas nessa questão. 'Tenho todo interesse em ocupar os quadros ministeriais com muito mais mulheres, mas também não vou fazer regime de cotas. Se as mulheres forem maioria, é porque foram competentes.'

Industriais protegidos e cartelizados adoram o governo

O industrial que escreve abaixo é um homem que ficou rico graças aos favores dos governos, dos diversos governos que vem se sucedendo desde a era Vargas. A receita é simples: garanta compras governamentais gordas (ou seja, dinheiro farto do governo), garanta proteção contra a concorrência estrangeira (via tarifas altas e outras formas de cerceamento das importações), garanta mercado exclusivo (permitindo práticas anti-correnciais e claramente cartelísticas).
Tudo isso permitiu que ele cobrasse o que quisesse de seus consumidores compulsórios no Brasil e ficasse assim rico. Este governo, ou qualquer governo que lhe tivesse garantido tudo isso, estaria ótimo para ele. Aliás, as políticas não mudaram quase nada no Brasil, com uma pequena abertura comercial nos anos 1990, que logo reverteu. Temos sempre mais do mesmo.
Isso explica, por exemplo, o alto custo do investimento no Brasil, e isso não vale só para os grandes capitalistas apenas.
Até mesmo o pobre, que constroi sua casinha em regime de mutirão com os amigos nos fins de semana, transfere renda para o "Doutor Ermírio", pois tem de pagar o preço do cimento que ele estabeleceu (com a ajuda do governo, claro, que ainda cobra impostos pesados em cima). Em conclusão, a casinha dos nossos pobres acaba saindo mais cara que as casas de classe média nos EUA. Graças ao "Doutor Ermírio".
Essa gente ainda tem a coragem de se enrolar na bandeira e cantar as loas do patriotismo.
Como diria alguém, creio que Samuel Johnson, o patriotismo é o último refúgio dos canalhas...
Paulo Roberto de Almeida 

O Cavalo Manco e o Puro Sangue
Antonio Ermírio de Moraes

Os trabalhadores tem muito a aprender, mas não podemos negar que apontaram a seta do governo na direção de deixar de ser colônia extrativista. Isto já surtiu efeito no enfrentamento da última crise mundial, se o país estivesse com o modelo econômico anterior teria quebrado, isto foi dito por todos os segmentos da mídia (fora do contexto partidário) antes do processo da campanha política. Se o governo não tivesse aberto agressivamente novos mercados com economias emergentes os efeitos seriam devastadores, isto é sério, e só aconteceu porque a direção foi mudada, as bases econômicas do governo FHC foram aproveitadas até um certo ponto, mas se não mudasse a estratégia, o Brasil teria quebrado como ocorreu nas outras crises.
A aposta no mercado exterior emergente e no mercado interno, via inclusão social, é reconhecido no mundo inteiro como uma grande sacada deste governo que salvou o país de um grande desastre.
O interessante é que foi apenas uma questão de auto estima, por incrível que pareça, o governo Lula adotou a estratégia nacionalista dos governos militares e deu certo. O que aflige o pessoal que governou nas décadas passadas é que o novo posicionamento foi ideológico, deu certo, o país se protegeu e cresceu. A fome, a miséria, as desigualdades não seriam resolvidos em oito anos, basta um pouquinho de bom senso pra enxergar isto.
A priorização no resgate dos pobres via programas de renda mínima e estímulo ao micro-crédito, o aumento em "dólar" de mais de 300% no salário mínimo, entre outras medidas, foram fundamentais para reduzir as desigualdades, irrigar de forma bem pulverizada a economia com dinheiro que gera emprego e germinou o ciclo virtuoso da economia.
Com o aproveitamento e o aperfeiçoamento das bases econômicas bastou a decisão política de acreditar que podemos sonhar em deixar de ser colônia extrativista.
Ainda estamos longe, não temos estradas, portos, aeroportos, escolaridade, sistema de saúde, centros de pesquisa, universidades qualificadas, mas para que possamos ter um dia todas estas coisas é preciso que tomemos a decisão política de apostar no Brasil, no trabalhador do Brasil, no empreendedor brasileiro, na distribuição de renda via salários dignos, no ciclo virtuoso do bom capitalismo, e esta decisão foi tomada neste governo.
Nesta decisão de política nacionalista, deflagrou-se um programa de investimento maciço em infraestrutura de longo prazo, que só vai repercutir em oito ou dez anos, visando viabilizar o desenvolvimento do país (reindustrialização nacional, agrobusiness, infraestrutura, geração de energia, etc), o programa de aceleração do crescimento, PAC, representando mais uma vez a aposta no Brasil, deu certo, o iluminado Lula novamente pontuou onde os tucanos falharam.
Quando a crise do primeiro mundo chegou o ciclo virtuoso se tornara auto-sustentável.
O capital produtivo já havia apostado no Brasil e o país já se mostrava como uma decisão acertada. 
Em todas estas frentes estratégicas, o governo anterior apostou que as multinacionais tomariam nossas frentes produtivas sem interferência do estado, via privatização, etc, e gerariam novos empregos porque os trabalhadores venderiam sua mão-de-obra barato e os recursos naturais estariam a sua mercê para extrair e produzir fartos lucros. 
Ledo engano, as multis são fiéis às suas origens, seu compromisso é de envio dos fartos lucros para as matrizes. 
Esta decisão estratégica errada estava transformando o país em quintal extrativista do mundo, deixando os industriais locais à margem do processo, com a maioria da população condenada ao sub desenvolvimento enquanto uma minoria fazia compras nos shoppings de New York e Londres.
O mundo desenvolvido antes de ser o que é passou por decisões estratégicas de governo, as coisas não acontecem sozinhas. Esta foi a direção errada do governo anterior, acreditar que o lobo seria o melhor guardião do galinheiro e não apostar na capacidade do empreendedor e do trabalhador brasileiro.
Os trabalhadores tem muito a aprender e isto ficou evidente nos poucos anos de poder, mas os neocapitalistas de visão curta estiveram no poder a vida inteira e já mostraram muito bem o modelo de sociedade que desejam. 
Prefiro levar meu cavalo manco para a fonte do que seguir de puro-sangue pro deserto.

Antonio Ermírio de Moraes - Empresário

Politica externa: continuidade assegurada...

Talvez não pelos bons motivos, mas cada um tem o direito de dizer o que pensa (ou se não pensa, aquilo que lhe parece conveniente, em função da tal de "correlação de forças").
Talvez o ministro da Defesa (mas parece mais do Ataque) esteja apenas tentando se posicionar como um anti-imperialista de carteirinha, para ficar parecido com outras vozes altissonantes do governo atual, para se credenciar na continuidade, ou talvez até um alto posto na novíssima República ao feminino (que poderia até escolher uma mulher para a Defesa, como foi Bachelet, no Chile, mas isso não creio).

Curiosa sua afirmação sobre Cuba: "país pobre". Pobre? Cuba tinha a segunda ou terceira maior renda per capita da América Latina até 1959. Se ficou pobre depois disso não deve ter sido apenas pelo embargo americano, inclusive porque os outros países sempre puderam comerciar normalmente com Cuba -- a ilha permaneceu no GATT, apesar de ter saído do FMI, durante todo esse período --  e ela desfrutou do "mensalão" soviético durante mais de três décadas. Isso inclusive lhe permitiu investir na saúde e educação, que se tornaram piores agora, mas que já foram satisfatórios justamente porque a ilha podia "concentrar recursos" nessas duas únicas justificativas de uma férrea ditadura. Se a ilha ficou pobre, foi por sua própria culpa. Nos últimos anos ela vem sendo sustentada pelo "mensalão" bolivariano, na forma de generosos subsídios do coronel amigo (e sucessor presumido) de Fidel.

Curioso também que o anti-imperialismo primário ainda seja uma credencial em certas áreas.
Paulo Roberto de Almeida

Jobim faz duras críticas aos Estados Unidos

GLAUBER GONÇALVES - Agência Estado
03 de novembro de 2010 | 21h 29

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, fez duras críticas aos Estados Unidos hoje, no Rio. Em tom áspero, ele afirmou que o Brasil não aceita discutir assuntos relativos à soberania do Atlântico enquanto os norte-americanos não aderirem à convenção da ONU sobre o direito do mar, que estabelece regras para exploração de recursos em águas nacionais. Jobim também condenou veementemente a expansão das fronteiras de atuação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e atacou o embargo dos Estados Unidos a Cuba.
"Os direitos do Brasil aos fundos marinhos até 350 milhas do litoral, onde está nosso pré-sal, decorre da convenção. Ou seja, só é possível conversar com um país que respeite essa regra", disse durante a 7ª Conferência de Segurança Internacional do Forte de Copacabana, no Rio. "Não pensamos em nenhum momento em termos soberanias compartilhadas. Que soberania os Estados Unidos querem compartilhar? Apenas as nossas ou as deles também?", questionou.
Jobim também se disse contrário a alianças militares entre a América do Sul e os Estados Unidos. "Nossa visão é a de que podemos ter relações com os EUA, mas a defesa da América do Sul só quem faz é a América do Sul", disse o ministro. Segundo ele, o Brasil não deve se aliar a forças militares que não possam ser por ele comandadas. "Os EUA não participam das forças humanitárias da ONU porque não admitem ser comandados por outros exércitos. Não podemos aceitar esse tipo de assimetria", declarou.
O ministro mostrou contrariedade à expansão da área de atuação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança militar da qual os Estados Unidos fazem parte. "Aprovou-se uma nova estratégia em que o teatro de operações da Otan passou a ser o mundo todo, em locais em que se possam ferir os interesses dos países membros. Isso significa que teríamos dois organismos internacionais: a ONU e a agora Otan, que também estaria se arrogando a isso. Mas nós somos contra", disse.
Na avaliação de Jobim, as relações entre os países signatários do Tratado Sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares também é assimétrica e penaliza aqueles que buscam gerar energia nuclear. Para ele, não há problemas no interesse da Venezuela em dominar essa tecnologia. "A Venezuela sentiu o problema da sua base de energia elétrica ser hidrelétrica e teve inclusive que fazer racionamento", disse. "A Venezuela fez tal qual o Brasil. E nós aplaudimos", complementou sobre o país vizinho, considerado um problema no continente pelos EUA.
As críticas de Jobim aos norte-americanos ainda abordaram a relação do país com Cuba. "Qual foi o resultado do embargo a Cuba? Produziram um país orgulhoso, pobre e com ódio dos EUA", disse.
Para o ministro, os riscos à segurança da América do Sul e os conflitos do futuro estarão relacionados à água, minerais e alimentos. "Isso a América do Sul tem. Temos aqui o aquífero Guarani, a Amazônia, somos os maiores produtores de grãos e de proteína animal do mundo", enumerou. "Temos que nos preparar para isso", advertiu sobre possíveis ameaças futuras. 

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Historiadores e jornalistas: uma relacao delicada

JORNALISTAS & HISTORIADORES
Uma guerra sobre a história do Brasil
Por Ana Clara Brant
Obsrevatório da Imprensa, 2/11/2010
Reproduzido do Correio Braziliense, 28/10/2010; título original "Em livros de sucesso, historiadores e jornalistas travam guerra sobre o país"

Desde que os livros de história do Brasil, principalmente os elaborados por jornalistas, começaram a bombar, críticas do meio acadêmico vieram à tona. Alguns historiadores são contrários ao fato de profissionais de imprensa não terem uma formação adequada para ingressar nesse nicho historiográfico.
"Penso que qualquer pessoa pode escrever livros de história, mas se esse livro será de boa qualidade, aí é outra história. No geral, parte da comunidade acadêmica é bastante resistente a isso. Compreende-se essa resistência porque pesquisadores passam anos fazendo seus trabalhos com grande cuidado e rigor científico, levantando documentos em arquivos, lendo livros em bibliotecas, escrevendo artigos, teses e livros. De repente, ele vê um livro de história repleto de informações equivocadas enchendo os bolsos de jornalistas best sellers", defende o historiador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) André Raboni.
Leia capítulo de 1822 (em PDF).
Para Laurentino Gomes, o jornalista não pode ser um franco atirador e precisa, antes de tudo, de orientação adequada quando for tratar de um assunto. Mas isso não o impede de realizar um bom trabalho, mesmo não tendo o diploma de um historiador. "No caso do 1822, por exemplo, tenho a orientação de um dos maiores intelectuais e historiadores brasileiros que é o embaixador Alberto da Costa e Silva. O meu trabalho é jornalístico, porém a consistência da investigação é quase acadêmica. O jornalista pode, tem o direito e a prerrogativa da profissão, se envolver com qualquer assunto, ainda mais se for de interesse público. Mas ele precisa de orientação e fontes adequadas para dar consistência ao trabalho de apuração", enfatiza. Laurentino agora prepara seu próximo livro, que é 1889, sobre a proclamação da República.
Há casos de historiadores que concordam com Laurentino e não veem problemas no fato de jornalistas enveredarem por esse caminho. Para a doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) Mary Del Priore, autora, ao lado do escritor Renato Venâncio, de um dos livros mais vendidos no país atualmente, Uma breve história do Brasil (Editora Planeta), existe uma interação e um diálogo amistoso, no qual uns aprendem com os outros e que, inclusive, já prefaciou obras de muitos escritores/jornalistas.
"Vários jornalistas vêm contribuindo para o entendimento da sociedade brasileira contemporânea. Nós, historiadores, também temos muito o que aprender com os jornalistas. A narrativa que eles produzem é mais ágil e mais fácil de ler do que a nossa. Quanto mais gente escrevendo e lendo sobre história, melhor. O importante é que haja história para todos: quem quiser trabalhos mais musculosos, leia ensaios ou teses universitárias. Quem quiser se distrair, aprendendo sobre o nosso passado, não faltam manuais. E as biografias são deliciosas leituras que ajudam na compreensão fácil de épocas inteiras de nossa história", opina.
O professor de História Contemporânea da UnB Estevão Martins revela que um complementa o trabalho do outro, e esse tipo de discussão acaba sendo desnecessária. "Não significa que um jornalista se transformou em historiador. Ele está escrevendo um romance, um livro-reportagem. E ninguém está livre de cometer erros, independente do ofício que exerça. Às vezes, uma tese muito bem feita não consegue atingir o público que um livro como esse consegue. Não tira o mérito nem de um e nem de outro. Na minha opinião, somos aliados e não precisamos ficar com ciúmes besta. Todos ganham com isso", expressa.
*** "O colégio foi uma experiência traumática"
Entrevista com Eduardo Bueno, escritor, tradutor, jornalista e editor. Escreveu mais de 20 livros, a maioria deles sobre História do Brasil:
Você percebe que há um interesse maior por parte do leitor, que antes não tinha pelo assunto? Por que esse grande interesse?Eduardo Bueno – O crescente interesse pela história é um fenômeno mundial, de maneira nenhuma restrito ao Brasil. E não se trata apenas da história propriamente dita, mas de diversos gêneros que dialogam com o passado, como biografias, textos memorialistas, relatos de viagem, romances de época etc. Pode soar contraditório, mas as pessoas parecem desejar cada vez mais a presença do passado. Não, elas não querem mais datas para decorar, nomes para lembrar. Querem sentir esse passado, vislumbrar as paisagens, encontrar os personagens, sentir o sabor e o cheiro dos tempos que já se foram, nem que seja para entender os tempos que virão – ou, quem sabe, para escapar deles... Aliado a isso tudo, existe uma indústria editorial cada vez mais dinâmica e atenta aos desejos dos leitores. Criam-se áreas específicas de mercado e, no Brasil, com certeza estamos vivendo a expansão do nicho historiográfico.
Você acredita que tenha uma grande participação nesse contexto? Que seja o principal responsável por essa "popularização"?E.B. – Comecei a perceber que existia uma espécie de "demanda reprimida" por textos desse estilo desde os tempos em que atuei como editor, no início dos anos 80. Lancei, justamente, cartas e relatos de viagens do século 16 (Diários de Colombo, Cabeza de Vaca, Cortez, Pero Vaz de Caminha, Bartolomeu de las Casas e até Marco Polo pela editora L&PM). Foi um sucesso imediato e, para época, bastante inusitado, não apenas pelo tema, mas principalmente por serem textos de domínio público que, ainda assim, chegaram às listas de mais vendidos. As biografias históricas de Fernando Moraes já faziam sucesso, as de Jorge Caldeira também; o último, inclusive, viria a lançar uma História do Brasil em CD-ROM, algo bastante avançado para a época. Mas essas publicações não pareciam ser suficientes para suprir a procura. Com a proximidade das comemorações dos 500 anos do Brasil, percebi que era chegada a hora de escrever livros sobre história – e achei que era o momento certo para investir no chamado período "colonial" do Brasil, que me parecia aprisionado dentro da sala de aula. E, sim, acho que se pode dizer que foi o estrondoso sucesso da coleção Terra Brasilis – com mais de seiscentos mil exemplares vendidos – a gênese do surto editorial que hoje presenciamos. Não apenas a coleção, mas também Brasil: uma história, o livro que agora relanço, me parecem ter sido os óbvios protagonistas desse processo. E eles não apenas abriram espaço para novos títulos, como também ocasionaram o surgimento de revistas especializadas em história.
Sempre gostou de história do Brasil? Mesmo quando era estudante, na escola?E.B. – O colégio foi uma experiência traumática, quase devastadora para mim. Sentia um tédio avassalador. E lamento informar que, de certo modo, isso se repete com minhas três filhas, que não têm paciência para a escola, embora tenha certeza de que estejam bem encaminhadas na vida. Apesar disso tudo, sempre achei que ia escrever sobre história – só não imaginava que seria a do Brasil e muito menos que fosse fazer tanto sucesso.
"Recebi elogios de Hobsbawm e Kenneth Maxwell"Por que decidiu investir nesse nicho?E.B. – Por dois motivos. Primeiro, porque história era um assunto de que eu gostava, especialmente depois de ler, aos 15 anos de idade, Enterrem meu Coração na Curva do Rio, de Dee Brown, um livro maravilhoso que conta a história trágica dos indígenas norte-americanos e que me deu a nítida percepção de que os primórdios do Brasil deveriam ter sido bem mais dinâmicos, movimentados e sangrentos do que faziam supor aquelas aulas insuportáveis. Segundo, como já expliquei, pela minha experiência no mercado editorial, sentia que havia uma demanda reprimida por livros de história no país, escritos em linguagem jornalística. Ou seja, livros de divulgação, desvinculados de certas peias acadêmicas. Quando se aproximaram os 500 anos do Brasil, percebi que aquele seria o meu gancho.
O que acha de alguns historiadores que criticam o fato de jornalistas escreverem sobre história?E.B. – Acho que cada vez mais essa vem se tornando uma discussão desnecessária e tola. No caso particular dos meus livros, coincidentemente ou não, aqueles que perceberam de imediato o significado e o propósito do meu trabalho foram justamente os historiadores que sempre admirei e cuja opinião me interessava. Eles instantaneamente identificaram a óbvia diferença entre uma obra de divulgação – que é o que eu faço – e uma investigação historiográfica – que é o que possibilita o meu trabalho. Desde o início, creio ter obtido a compreensão e o respeito de profissionais renomados, todos eles grandes investigadores historiográficos, entre os quais posso citar Nicolau Sevcenko, Max Justo Guedes, Joaquim Romero Magalhães, Lilia Schwarcz e, é claro, a minha querida amiga Mary Del Priore. Mas o fato é que, a seguir, para minha surpresa e enorme orgulho, acabei recebendo elogios também de Eric Hobsbawm e Kenneth Maxwell. Acho que está de bom tamanho, não? Creio que isso enfraquece – virtualmente pulveriza – a opinião retrógrada de alguns historiadores de menor tirocínio que continuam achando que jornalistas não devem, não sabem ou não "podem" escrever sobre história.
"O passado não precisa ser um fardo"Já teve algum problema sério nesse sentido? Alguém criticar sobre algum dado histórico errado ou algo do gênero?E.B. – Que eu me lembre, não. Com certeza, cometi alguns deslizes, mas julgo que foram todos menores, aliás típicos de jornalista, acho eu. A edição original de A Viagem do Descobrimento, por exemplo, teve 23 erros, depois corrigidos; e 21 deles foram de conversão de pesos e medidas – de léguas para quilômetros, de quintais para quilos etc. Acontece que fiz todos os cálculos de cabeça e, gênio da matemática como sempre fui, errei todos... De qualquer modo, todos meus primeiros livros tiveram historiadores como consultores técnicos – Ronaldo Vainfas na coleção Terra Brasilis e Mary del Priori em Brasil: uma história. Sou grato a ambos, mas atualmente acredito que não preciso mais de consultoria alguma.
O que os livros feitos pelos jornalistas diferem das obras dos historiadores? Acredita que é uma forma leve e divertida de aprender sobre a história do Brasil?E.B. – Como já falei, o que os jornalistas produzem, em geral, são obras de divulgação. Não se tratam de investigações historiográficas originais. Salvo exceções, não fazem pesquisa de arquivo – não vão às "fontes primárias", no jargão dos historiadores. Meu trabalho, em especial, sempre foi pautado pelas ferramentas que a minha profissão original proporciona: escrevo livros com um trato jornalístico no texto e um olhar de editor no produto final. E essa é uma tarefa do jornalista: como comunicador, tornar um tipo de produção em geral inacessível ao grande público em algo mais palpável. Nesse sentido, dotar o texto histórico de uma narrativa mais fluída – inclusive com a aplicação de técnicas literárias a um texto de não-ficção – é, por que não, uma maneira mais leve e divertida de se ler sobre História do Brasil (sem o compromisso chato de estudá-la ou aprender com ela). Afinal, o passado não precisa ser um fardo, ele também pode ser entretenimento, diversão. Acho que essa é uma forma muito mais libertária de encarar a questão – embora certeza não seja, e muito menos deva ser, a única.
"O ponto alto de minha carreira são os livros sobre o Grêmio"E você pretende continuar nesse caminho? Escrever mais sobre a história do Brasil?E.B. – Sim. Na verdade, tenho inúmeros projetos, tantos que chega a ser difícil saber qual deles sairá primeiro. Estou terminando um livro sobre a história da Caixa Econômica Federal. Em 2001, o presidente Fernando Henrique Cardoso solicitou que eu escrevesse sobre os 140 anos daquela instituição. O atual governo encomendou outra edição atualizada, para os 150 anos, que estou finalizando agora. Mas é claro que, além de vários projetos de encomenda e livros institucionais que tenho feito, tenho planos de continuar escrevendo livros para o mercado. Pretendo retomar a Coleção Terra Brasilis, cujo próximo volume deverá tratar mesmo do episódio que ficou conhecido como "França Antártica", quando os franceses tentaram colonizar o Rio de Janeiro, entre 1555 a 1567. Creio que em 2011 ele haverá de estar nas livrarias. Mas, muito possivelmente, não pela mesma editora que publicou os primeiros quatro volumes da série.
Quantos livros exatamente sobre esse tema você já escreveu?E.B. – Escrevi mais de 25 livros, a maioria sobre História do Brasil, embora cerca de 15 deles tenham sido obras institucionais ou de encomenda que não chegaram às livrarias. Por exemplo, escrevi, a convite da CNI, uma história da indústria no Brasil, chamada Produto Nacional; na sequência, também em parceria com minha mulher, a poeta Paula Teitelbaum, fizemos a história da indústria no Rio Grande do Sul, sob o título Indústria de Ponta. Para a Caixa federal, além da história da instituição, escrevi a história da avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, e para a Embratel, a história da avenida Presidente Vargas. Fiz, por encomenda da Anvisa, uma história da propaganda de medicamentos no Brasil, chamada Vendendo Saúde e, para a mesma instituição, escrevi a história da vigilância sanitária, chamado À sua saúde. Além disso, já editei mais de três dezenas de volumes ligados à história. Mas, claro, o ponto alto de minha carreira são os três livros que escrevi sobre a história de meu glorioso time, o Grêmio. Com certeza, são minhas obras mais sérias, equilibradas, ponderadas e profundas, cuja frase de abertura de uma delas já diz tudo: "Futebol-arte é coisa de veado..."
*** "Minha contribuição para a história do Brasil é de linguagem"
Entrevista com Laurentino Gomes, jornalista e autor dos livros 1808 e 1822.
Há um interesse maior pelos livros de história?Laurentino Gomes – O interesse mudou totalmente. História virou um tema popular no Brasil e isso se reflete na lista dos livros mais vendidos. Isso tem a ver não só com uma mudança no mercado editorial, com livros em uma linguagem mais acessível para um leitor não especializado, geralmente escritos por jornalistas, mas também há uma busca por explicações para um Brasil de hoje. As pessoas estão olhando para o passado para entender porque o Brasil é um país tão complicado de construir, de organizar e de pactuar soluções rumo ao futuro.
Há um uso instrumental da historia. E acho que é um uso correto. A história serve para isso mesmo. Ninguém estuda história só para ter informações sobre personagens e acontecimentos pitorescos do passado. O objetivo é outro. É entender as nossas raízes, de onde viemos, como é que chegamos até aqui e para onde nos vamos. E preparar as pessoas para construir o futuro. Uma sociedade que não estuda história não consegue compreender a si própria. Acho que essa é a grande transformação. Mas isso é produto de uma grande novidade na história do Brasil que é um exercício continuado de democracia, são 25 anos de democracia. E acho que a gente alimentou algumas ilusões a respeito do Brasil recentemente, de que era muito fácil resolver tudo. Acredito que as pessoas estão meio chocadas com a persistência da corrupção, da desigualdade social, da criminalidade, da ineficiência do serviço público. E ficam se perguntando: por que somos assim? E aí a história ajuda a responder esse tipo de questão.
Você acredita que ajudou a popularizar esse tipo de leitura?L.G. – Acho que sim. Isso é um motivo de muito orgulho. É uma contribuição. Tenho percorrido o Brasil, dando aulas, palestras, bate papo com leitores, participando de feiras literária. Tenho ouvido com muita frequência: "Eu não gostava de história e passei a gostar por sua causa." Ou, às vezes, até crianças e adolescentes dizendo que por minha causa decidiram virar historiadores, ou jornalistas. Então acho que aí baixa um senso de missão muito forte porque o livro transforma a vida de uma pessoa.
E acho que não é verdade que o brasileiro não gosta de ler por natureza. Especialmente que ele não gosta da história. Mas ele quer uma leitura acessível, que ele consiga compreender, que não seja banal, que não fique apenas no caricato, no pitoresco. Acho que esse é o grande desafio do jornalista: atingir um público mais amplo sem banalizar o conteúdo. Esse é o desafio do jornalista em qualquer área. Como você tornar o relevante em atraente, como transformar uma matéria sobre reforma tributária, medicina, história do Brasil em algo sedutor para um público mais leigo. Acho que o jornalista bem-sucedido consegue enfrentar esse desafiou e vencê-lo. Então o que eu faço nos meus livros é aplicar o que eu aprendi nos meus 30 anos como repórter e editor de jornal e revista. E ser muito acessível na linguagem, facilitar a vida do leitor em favor de uma compreensão. Resumindo: a minha contribuição para a história do Brasil é de linguagem. Não faço pesquisa acadêmica em fontes primárias; o que faço é usar uma linguagem acessível para ampliar o conhecimento nessa área de história do Brasil.
"O jornalista precisa orientação para dar consistência ao trabalho"Você sempre gostou de história?L.G. – Desde criança, gostava muito mais de ciências sociais e humanas do que exatas. Minhas notas sempre foram melhores em português, história, geografia do que física, matemática. E esse interesse me levou para o jornalismo. Trabalhei na Veja, Abril, Estadão; mas eu diria que não existe muita diferença entre o trabalho de jornalista e do historiador. A diferença está na profundidade e na dimensão do tempo. O jornalista escreve história a sangue quente todos os dias, quando cobre uma eleição, um buraco de rua, um acidente, um jogo de futebol. O jornalista está testemunhando e narrando a história acontecendo diante dos seus olhos. O historiador tem uma perspectiva de mais de longo prazo. Muitas vezes, o próprio jornal, a revista, se tornam história no futuro. Hoje, estudar as páginas da Gazeta do Rio de Janeiro, do Correio Braziliense do Hipolito José da Costa, é um documento precioso para os historiadores. Esses jornalistas estavam fazendo história quando ela estava acontecendo, 200 anos atrás. Os dois usam uma ferramenta básica e fundamental, que é a reportagem. De investigar e de tentar chegar o mais próximo da verdade dos acontecimentos. Embora essa verdade absoluta seja inatingível, por uma questão até filosófica, mas a reportagem e a investigação nas fontes permitem a gente chegar o mais próximo possível. Então nesse sentido, o trabalho do jornalista e do historiador é muito parecido.
Chegou a receber críticas pelo fato de não ter a formação de historiador?L.G. – Não, felizmente não. Nunca recebi. No começo, às vezes apareciam alguns blogs. Mas muito pelo contrário, e é uma coisa que me deixa muito feliz: nunca, nenhum historiador me fez uma crítica estrutural, tipo essa informação está errada, não é exatamente assim. Ao contrário; recebi resenhas muito favoráveis de historiadores que respeito muito, como a Mary Del Priore, o Jean Marcel França, da Unesp, Tome Elias Saliba, da USP.
Uma coisa importante: jornalista não pode ser um franco-atirador. Ele precisa de orientação adequada quando vai tratar de um assunto. Por isso que a gente recorre às fontes, faz as entrevistas. E no meu caso, do 1822, eu tenho a orientação de um dos maiores intelectuais e historiadores brasileiros, que é o embaixador Alberto da Costa e Silva. O meu trabalho é jornalístico, mas a consistência da investigação é quase acadêmica. O Alberto viu o projeto do livro, analisou a bibliografia, depois leu, anotou e comentou cada um dos capítulos. E isso foi fundamental pra consistência do livro.
O jornalista pode, tem o direito e a prerrogativa da profissão, se envolver com qualquer assunto, ainda mais se for de interesse público. Mas ele precisa de orientação, fontes adequadas para dar consistência ao trabalho de apuração.
"Desafio da educação é associar o ensino ao prazer de aprender"Como surgiu a vontade de escrever sobre história do Brasil?L.G. – Um foi puxando o outro. O 1808 surgiu por esses bons acasos da vida. Eu era editor da Veja e a revista tinha a intenção de fazer uma série especial sobre história do Brasil e eu fiquei encarregado da equipe que ia investigar a presença da corte do Dom João VI no Rio de Janeiro. Aí, o projeto foi cancelado. Fiquei chateado, num primeiro momento, e segui em frente por minha própria conta. Fazer um livro-reportagem, ao invés de uma reportagem sobre o assunto. E aí aconteceu uma grande surpresa: o livro virou um best seller. Nunca imaginei que pudesse acontecer. Sempre dizem que para fazer sucesso no Brasil nesse ramo, você tem que escrever sobre esoterismo, auto-ajuda ou literatura barata. História do Brasil, nem pensar. E, de repente, o livro vendeu mais de 600 mil exemplares no Brasil e em Portugal, ganhou um monte de prêmios e então eu animei. Primeiro porque iria sair da minha rotina nas redações. Saí da Editora Abril em maio de 2008 e passei a me dedicar aos livros. A consequência obvia do 1808 era escrever o 1822. Porque é quase impossível se entender a independência do Brasil sem estudar o que aconteceu antes, essa grande transformação da colônia portuguesa em função da presença da corte de Dom João VI nos trópicos. Então isso me levou ao 1822.
E já me levou ao meu terceiro livro, que estou pesquisando agora e que é a terceira data-ícone do século 19 na construção do Brasil – 1889, ano da proclamação da República. É o livro que eu espero lançar daqui a três anos.
Essa linguagem mais leve e direta é um dos ingrediente desse sucesso?L.G. – Esse é o desafio do jornalista: oferecer técnicas que se aprendem ao longo do exercício da profissão. Você usar muitas histórias humanas, misturar dados pitorescos, engraçados, com uma análise mais profunda, ter uma linguagem provocativa na capa. Por exemplo, no 1808 foi "Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história do Brasil". É uma linguagem que provoca a atenção do leitor. Eu acho que o jornalista tem essa técnica. Quando a gente faz uma manchete do jornal, uma capa de revista, estamos o tempo todo tentando disputar a atenção do leitor.
Então, são técnicas de comunicação que eu estou aplicando à área de História do Brasil. E isso é uma grande novidade. Porque antes, os livros acadêmicos tinham uma linguagem excessivamente técnica, repleta de jargões próprios da academia e usavam nas capas linguagem muito neutra. O conteúdo muitas vezes é muito bom, muito profundo, mas não consegue chamar a atenção de um público mais amplo. E eu acho que aí é uma virtude do jornalista. Sempre conseguir uma audiência maior para determinados assuntos. O jornalista serve como um divulgador da ciência em geral. Por isso acredito que não há uma competição entre jornalista e historiadores. Nós nos complementamos.
O jornalista tem uma coisa que geralmente o historiador não tem. O uso de linguagem didática, acessível para um público mais amplo. A gente tem um acesso a uma audiência maior. Então, essas duas coisas se complementam. O jornalista pode ser um ótimo divulgador dos historiadores. É o que eu tenho procurado fazer. Não banalizo o trabalho deles e não misturo ficção com não ficção. Não procuro preencher lacunas por conhecimento histórico com romance, literatura. Tudo que eu faço é não ficção. De maneira que isso confere uma grande legitimidade ao meu trabalho. Aliás, esse trabalho de divulgação cientifica é relativamente novo no Brasil.
Estou fazendo, na área de história do Brasil, o que o dr. Dráuzio Varella faz em medicina, o Marcelo Gleiser em astronomia. Eu acho que é um campo maravilhoso. Torço para que em outras áreas de conhecimento, alguma hora chegue um divulgador na área de matemática, física, biologia, porque isso vai facilitar a vida dos nosso professores e estudantes – eles têm que ensinar essas coisas hoje de uma forma muito técnica, muito árida. Imagina uma criança tendo que aprender história do Brasil só decorando data, nome, números, sem entender exatamente o que se passou. Então, acho que esses livros ajudam a chamar a atenção para que essas disciplinas sejam estudadas com prazer. Isso é o grande desafio da educação do Brasil. Como associar o ensino ao prazer de aprender, de ler. Acho que a divulgação científica segue nesse caminho.
"Guerra da independência não teve nada de pacífica"Houve surpresas na sua pesquisa do 1822?
L.G. – História é sempre alvo de manipulação, de construção posterior em cima dos fatos verdadeiros. Por exemplo, o quadro do Pedro Américo, sobre o Grito do Ipiranga. Nada do que está ali é verdadeiro. Dom Pedro não estava vestido como príncipe; estava vestido como tropeiro. Não estava em um cavalo alazão; estava em cima de uma mula de carga, que era o jeito correto de subir a Serra do Mar. Os dragões da independência ainda nem existiam. Eram tropeiros, fazendeiros, sertanejos do Vale do Paraíba, e Dom Pedro estava com dor de barriga na hora do grito do Ipiranga. Tinha comido uma coisa estragada em Santos. O que não torna essa cena da independência menos importante do que ela é. Mas ela é mais brasileira, mais simples, mais bucólica e mais próxima do verdadeiro. Não é aquele quadro épico do Pedro Américo. Isso me chamou a atenção. Mas por que ele fez aquilo? É um quadro que Dom Pedro II encomenda para celebrar um feito da monarquia. Então, o quadro não se propõe a ser uma foto jornalística. Ele é uma alegoria, uma celebração e por isso usa elementos épicos.
Outro aspecto que me chamou a atenção foi de que existe um mito de que a independência do Brasil foi um processo pacífico. Que foi resultado de uma negociação entre Dom João e Dom Pedro. Não é verdade isso. Morreu muita gente durante a guerra da independência, que durou um ano e meio. A minha estimativa é de que morreram, pelo menos, 5 mil pessoas. O que é bastante gente. Mas por que passa essa imagem de que foi pacífica? Porque o imperador Pedro I, que assumiu a coroa, é um integrador, um agente de pacificação, de tentar organizar esse território vasto, diverso, muito complexo, de muitos escravos e muitas diversidade étnicas e culturais. Então esse agente pacificador passa essa imagem de que o processo foi pacífico. Quando na verdade não foi. Essas coisas me surpreenderam bastante.

Como empurrar um pais para o brejo (e ainda ficar contente com isso)

Cada vez que alguém me fala da França, eu sempre penso como tive sorte de, a cada vez que eu passava por lá, era, por milagre, no meio de duas greves, assim que nunca tive o desprazer de enfrentar uma greve de metro, de trem, de onibus, enfim, essas coisas desagradáveis que acontecem todo mês naquele país decadente (mas ainda agradável de se visitar entre duas greves).
Quando o governo, qualquer governo, anuncia que pretende fazer uma reforma num setor qualquer, no dia seguinte podem apostar que vai ter greve...
Enfim, é isso que vai levar a França para o brejo...
Leiam o artigo...

How to Bully a Country into Bankruptcy
by Cristian Gherasim
Von Mises Daily, November 3, 2010

We are all familiar with the power gained by trade unions in present-day Europe. Lately, it seems that they have also gained the privilege to turn to violence each time their demands aren't met. It's safe to say that a union's decision has become as important as a governmental decree.

Trade unions set wages, working time, retirement age, and social benefits; then they oversee and enforce them by going on strike each time the government is unwilling to succumb to their demands. God forbid someone anger the hyperactive trade unions. They will use force, seize the economy, and fervently hunt down anyone who dares to think that each worker is responsible to consumers and not to union leaders.

More than most, French workers have always been at odds with capitalist morality. Recently, we have seen how a country can be run — or run into the ground — by trade unions. In reaction to President Sarkozy's proposed pension reforms, French workers have gone on strike and paralyzed the nation.

Not only did they stop working but they also turned to paramilitary tactics. They seized refineries and fuel depots; they closed fuel pipelines going to Charles de Gaulle and Orly airports, and massively disrupted rail travel. The fuel shortages have crippled the economy. Strikers stopped work at two of France's three liquefied-natural-gas terminals. All 12 French refineries have gone on strike. The country has also started to import electricity as the wave of protest action took hold of energy supplies. Students have taken to the streets, and the police used water cannons and tear gas to disperse protesters in cities like Paris, Marseille, Toulouse, and Bordeaux.

On the other side of the English Channel, Britain's government unveiled plans to slash public spending, eliminate nearly half-a-million jobs, and raise the retirement age from 65 to 66. But the British largely resisted the urge to follow the lead of their French neighbors and flood the streets in angry and sporadically violent protest.

Why is there such a stark contrast between the reactions of French and British citizens to this week's parallel announcements of so-called austerity measures? Some would say that it is a question of national peculiarity and that some nations are more inclined than others to social unrest. This may be one of the reasons, but I believe that things are much simpler than that. It is less an aspect of crowd psychology than a consequence of a lesson learned through economic history.

As Ludwig von Mises tells us, the British have already experienced how trade unions and Keynesian policies can utterly destroy a nation's economy. After World War I, Great Britain returned to the prewar pound-to-gold parity. This caused an overevaluation of the British pound and the purchasing power of every employee increased significantly. In a free-market system, the nominal wage would have gone down in order to counterbalance this phenomenon, without the real wage being altered. But that didn't happen. Why? Because trade unions opposed any wage adjustment to match the new purchasing power of the British pound; real wages continued to rise due to this monetary measure. A full or near-full economic catastrophe followed.

The predominantly industrialized England, which relied heavily on exports, found itself unable to pay for raw materials as the British pound — and with it British goods — increased in value and became more expensive on the world's markets. Exports declined and so did England's economic might. Because wages were artificially forced over the level that would have enabled the full use of the workforce potential, factories and whole industries had to close down, with millions of workers losing their jobs.

Unemployment lasted for years, production reached an all-time low, and the United Kingdom went into recession. The government had to act and they did so by devaluing the pound. But the trade unions caught on to this monetary stunt and demanded that wages be indexed in line with the rising prices, which in turn generated inflation.

"The British have already experienced how trade unions and Keynesian policies can utterly destroy a nation's economy."

Keynes was quite aware of the fact that trade-union-imposed wages generated skyrocketing unemployment. Still, he claimed that workers, despite currency devaluation, can be tricked into thinking that their wages remain unaltered if they keep on receiving the same sum of money. He foolishly thought that full employment could be reached by inflation and not by having a free labor market unhindered by trade unions and government.

The only way of attaining full employment is by having a free labor market. Only it can determine the real cost of labor. Wages can only fluctuate in line with workforce demand. But because there's a group of people who think that full unemployment is unattainable without inflation, labor markets continue to be under the control of governments and wage levels are the outcome of trade-union pressure and violence.

So, the British are content with the announced cuts because they are aware that a deficit-run budget can send them back to the 1929–1933 economic meltdown. They are aware that the infamous European social model is no longer sustainable. It can no longer cope with deficit spending, high labor cost, and state-provided benefits. An aging population and the lack of economic competitiveness weakens Europe's ability to maintain the high living standards that most western Europeans have enjoyed during the last decades.

The French, like other welfare-state beneficiaries, have to come to terms with the end of their art de vivre. From now on they have to work longer, harder, better, and understand that free markets and not trade unions should act as censors. They have to give up the idea that work benefits are collective rights. Work and the search for work benefits are solitary activities upheld by personal skills that only a free market can properly evaluate and repay.

In fact, work has value only within a free-market system. Only in this way can every worker's effort be correctly assessed and remunerated properly. Otherwise it's all a waste of time and energy. This worker-consumer relationship is mediated through the use of money. And the salary, far from being a gift from government and trade unions, is the materialization of the consumers' satisfaction.

There's a lot of hypocrisy in this kind of social movement and national strikes. For workers and trade unions the principles of the free market and capitalism are falling on deaf ears. They want more money for less work, the same benefits even though they are no longer competitive and their manufactured goods no longer sell. As it often happens, their work is unproductive and they end up being heavily subsidized. These absurd antieconomic behaviors are a waste of public money and only stress the need for developing appropriate free-market mechanisms.

Driven by their socialist beliefs, the present-day trade unions act against laissez-faire and the tradition of economic liberalism, discouraging Europe's workforce and generating economic stagnation. This crippling system of social benefits and the trade unions' guerrilla-warfare method of getting their own way have to stop. If they don't, Europe will lag ever further behind and its current relative impoverishment will soon turn into absolute pauperization, ultimately resulting not only in economic but also in cultural and moral decline.

Cristian Gherasim is currently working on a master’s degree in Romanian and European politics at the University of Bucharest. Send him mail. See Cristian Gherasim's article archives.

Republica Sindical do Brasil: os corporatistas nunca desistem...

Editorial do boletim da Anpuh, Associação Nacional dos Professores Universitários de História (talvez devessem mudar o nome para Sindicato dos Historiadores):


HISTORIADORES: OS PROFISSIONAIS QUE PODEMOS SER

A iniciativa da ANPUH de mobilizar seus filiados para acompanharem o projeto de lei sobre a profissionalização de “historiador”, apoiando-o, é ótima. Surgir no Brasil oficialmente a figura do “historiador” poderá, talvez, ajudar as pessoas a aceitarem que o historiador é o melhor para ser contratado e/ou concursado para fazer algumas atividades que outros profissionais exercem
.
(...)

Eu me pergunto se um dia a "profissão" de blogueiro também não será regulamentada no Brasil, reservando-se essa ocupação apenas para aqueles devidamente registrados na Associção Profissional dos Blogueiros e Internautas, recolhendo seu imposto sindical para a máfia da categoria e coisas assim...
Essa coisa de pretender ser historiador não regulamentado é um crime contra a categoria e contra a própria musa da História, que não pode se sujeitar a ser arranhada por qualquer historiador improvisado que aparece por aí, pretendendo fazer história sem as devidas qualificações, como este que aqui escreve. Imaginem se isso é possível e permitido??!!

=================

Um comentário postado por um dos leitores, "caiu" no "post errado", por isso permito-me repostá-lo aqui, embora ele provavelmente tenha mais a ver com o debate entre historiadores e jornalistas, objeto de outro post, baseado em materiais do Observatório do Imprensa. Aqui vai:

Rodolfo deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Como empurrar um pais para o brejo (e ainda ficar ...":

Sou formado em história na USP e acho essa briga cretina. Me parece um corporativsmo estúpido dos historiadores acadêmicos, que, em geral, escrevem mal e de maneira pedante. Denotam nesta polêmica uma monumental inveja do sucesso de quem sabe elaborar textos para um público mais abrangente.
Alguns dos maiores historiadores do Brasil, como Sérgio Buarque de Holanda, Taunay e Caio Prado Junior não cursaram história e só alcançaram postos em cátedras de história depois de já terem obras lançadas. José de Alcântara Machado era professor de medicina legal e em 1929 publicou um trabalho visionário, baseando-se em pesquisas nos testamentos e inventários dos bandeirantes paulistas do séc. XVII: Fez história do cotidiano muitos antes da Escola dos Annales. Evaldo Cabral de Mello, mais importante pesquisador do período de domínio holandês, é diplomata.

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Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...