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domingo, 17 de julho de 2011

O que o chanceler pensa de sua propria politica externa - Entrevista Antonio Patriota

'Não existe país que esteja acima do bem e do mal', diz Patriota
Rui Nogueira e Lisandra Paraguassu
O Estado de S. Paulo, 16 de julho de 2011

Brasil, Índia e África do Sul estão negociando 'gestão diplomática' junto ao governo Sírio; se houver moção pró-independência palestina, o Brasil votará a favor

Em um mundo multipolar, com mais potências emergentes e em fase de realinhamento, não há países acima do bem e do mal. Os direitos humanos não podem ser tratados como uma política em que o grito maior é de quem tem mais força. Essas são sínteses da visão do mundo atual e da ação da diplomacia brasileira feitas pelo chanceler Antonio de Aguiar Patriota em entrevista ao Estado, na quinta-feira passada.
Ministro das Relações Exteriores dá entrevista exclusiva ao 'Estado'
O ministro, 57 anos, é formado em Filosofia, tem dois filhos e é casado com Tania Cooper Patriota, representante do Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP) para a Colômbia e Venezuela. Desenhista e pianista fã de jazz, Patriota aceitou, antes de encerrar a entrevista, responder a mais cinco perguntas bem curtas e que abrem esta reportagem:
- Um pianista de jazz - Brad Mehldau.
- Um filósofo - Friedrich Nietzsche.
- Um filósofo do momento - Slavoj Zizek (se diverte com as performances dele).
- Um grande acerto diplomático - Acabei de ir a Buenos Aires para celebrar os 20 anos da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle (Abacc). É um acerto diplomático extraordinário. Estava lá o diretor-geral da AIEA dizendo que é um exemplo para o mundo. Sedimentou a base de um entendimento com a Argentina que consolidou a relação que temos e o nosso projeto de integração sul-americana.
- Um grande erro diplomático - A invasão do Iraque. Mais que diplomático, um grande erro de política externa, porque de diplomacia não teve nada. Inclusive com implicações sistêmicas muito problemáticas porque passou por cima do Conselho de Segurança. A questão do Irã, em grande medida, tem a ver com isso. Uma das coisas que a invasão do Iraque mais fez foi fortalecer o Irã em um contexto regional delicado.

A seguir, a íntegra da entrevista:
O jornalista e também diplomata Antonio Patriota, hoje com 94 anos, aconselha os filhos a "não dizer tolices, porque a tolice complica". Quanto vale esse conselho?

O uso adequado das palavras, tanto oralmente quanto por escrito, é uma das atividades principais da diplomacia, um instrumento de trabalho.
O sr. nunca foi traído pelas palavras?
A gente vai adquirindo experiência com as palavras. E o diplomata tem de ter essa experiência em muitas línguas, atentar muito para a tradução correta de expressões. Um grande chanceler, talvez um dos maiores da diplomacia contemporânea, que é o Serguei Lavrov, da Rússia, quando faz seus discursos em russo, no Conselho de Segurança, fica com a tradução em inglês no ouvido. De vez em quando, ele para e corrige o tradutor. Isso demonstra bem a importância das palavras. A diplomacia trata de guerra e de paz (aponta para os painéis de Portinari no gabinete). Uma palavra que leve a uma interpretação equivocada é um problema diplomático.
O senhor diz que não vai promover nenhuma reviravolta na diplomacia, que haverá continuidade com ajustes em "nuances, ênfases e desafios". Só isso?
Para começar, é bom lembrar que o que este governo se propõe a fazer na área diplomática tem, em grande medida, a ver com a consolidação de um trabalho do que já vem sendo feito há mais tempo. Há um reconhecimento de uma elevação do perfil internacional do Brasil no mundo, foram abertas novas embaixadas, foram desenvolvidas novas coalizões, como o Ibas (Índia, Brasil, África do Sul), aprofundada a integração sul-americana. Essas linhas todas permanecem linhas de atuação. E meu trabalho aqui é assegurar que elas frutifiquem, se consolidem, se aprofundem. Existem as novas frentes de trabalho, onde se pode incluir a África, o Oriente Médio, um mundo em desenvolvimento que não era tão presente na diplomacia. Existe também um trabalho voltado para governança sistêmica, que envolve a promoção de mecanismos mais representativos, mais legítimos, mais em linha com a distribuição da configuração geopolítica contemporânea. Então, tudo isso permanece como linhas de atuação.
Sobre ênfases novas eu também tenho comentado, por exemplo, a busca de resultados em áreas que contribuirão para um novo estágio de desenvolvimento brasileiro. Sobretudo no relacionamento com países mais desenvolvidos que o Brasil, uma ênfase em ciência e tecnologia, inovação. A presidenta Dilma demonstrou interesse grande em aumentar o número de brasileiros que estudam fora, sobretudo em áreas de ciências exatas. Existe, também, uma preocupação com a diversificação da pauta comercial. Então essas são ênfases que têm sido manifestadas concretamente em comunicados conjuntos com, por exemplo, a China e os EUA.
É verdade que a presidente Dilma, em conversas com o senhor sobre as ações internacionais, tem perguntado: "Concretamente, o que vamos ganhar com isso"?
É, ela tem muito essa visão. Mas essa visão não resume tudo. Isso também não é inteiramente novo. Já era uma constatação interessante, que às vezes a imprensa questionava: por que essa ênfase, no governo Lula, no mundo em desenvolvimento? Depois, quando as economias desenvolvidas entraram em crise, ficou claro - principalmente depois da crise de 2008 - que a diversificação de parceiros foi uma estratégia muito inteligente do ponto de vista da manutenção de um bom padrão de intercâmbio comercial.
Mas eu também comentei outro dia as ênfases baseadas em valores, que têm a ver com a valorização da democracia, a diminuição da desigualdade, do pleno exercício dos direitos humanos de uma maneira não politizada, não seletiva, nas soluções diplomáticas e na resistência ao contemplar o uso da força quando a busca das soluções diplomáticas não esgotou seu curso.
Um bom exemplo de um novo desafio é a cúpula Rio+20. Um desafio que está inscrito no nosso calendário. Estamos nos reunindo de novo no Rio de Janeiro, 20 anos depois da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - desta vez com foco na economia verde e no combate à pobreza. Outro foco é a governança ambiental global. E a partir de um estágio diferente do pensamento brasileiro sobre essas questões e uma evolução do pensamento brasileiro sobre essas questões. Adquirimos uma liderança importante nos biocombustíveis, um país com uma matriz energética limpa, mas, ao mesmo tempo, descobrimos petróleo em grande quantidade. Então temos a capacidade de olhar para os dois lados nessa equação. Fizemos avanços importantes no combate à pobreza e à desigualdade, e o desafio aqui, de certa maneira, é inscrever a variável ambiental nas conversas sobre desenvolvimento econômico e social. É um debate bem contemporâneo, que deve ser feito de maneira que aglutine os países da comunidade internacional, evitando que haja uma polarização entre mais e menos desenvolvidos, que haja um descuido em relação a aspirações legítimas e específicas, como as pequenas ilhas ou de países que sofrem com a desertificação. É um desafio conceitual, de certa forma filosófico, político, diplomático e logístico.
Na questão dos direitos humanos, o governo Lula era seletivo. A presidente Dilma criou uma demarcação nova nesse campo, não?
Eu acho que é um pouco mais complexo que isso. Em primeiro lugar, e aqui eu volto a defender que estamos construindo sobre uma base já estabelecida, os direitos humanos compreendem valores econômicos, sociais e culturais e os direitos civis e políticos. Os avanços do Brasil na política da diplomacia com relação aos direitos humanos têm muito a ver com a situação doméstica deste país. E os avanços do Brasil nos últimos anos foram muito significativos, mas ainda permanecem desafios importantes.
Eu me reúno frequentemente com minha colega Maria do Rosário (ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos), a quem eu prezo muito, e pergunto a ela quais são os principais desafios. São muitos: situação carcerária, violência urbana, direito das mulheres, educação, etc. Mas o governo Lula operou alguns saltos importantes. E isso não sou eu que digo: há um reconhecimento, por exemplo, do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos de que o Brasil foi um dos países que melhor aproveitou - e isso vem de antes do governo Lula - a conferência de Durban (2001, África do Sul) sobre direitos humanos e racismo para se organizar no plano nacional e depois implementar algumas das ideias produzidas na conferência. A secretaria de Direitos Humanos foi elevada a nível ministerial, foi criada uma secretaria de Promoção da Igualdade Racial - um dos poucos países do mundo que tem um ministro para igualdade racial. Foi criada também uma secretaria de igualdade de gênero.
Há outro aspecto que eu acho que entra em Direitos Humanos: combateu-se a pobreza como nunca antes e num ritmo mais acelerado. Isso envolve direitos humanos, direito a uma vida digna, ao emprego, à educação, condições salubres de vida. A partir disso cria-se uma base muito positiva para se defender no plano internacional que, se nós conseguimos melhorar, outros conseguirão. E vamos usar o sistema Nações Unidas, que é universal, que é o que mais prezamos, para defender o acesso do maior número possível de pessoas aos seus direitos plenos.
Mas há problemas de outra natureza. Países onde se pode falar e onde não se pode falar nada.
Aí, às vezes, surgem dificuldades, porque existe uma polarização muito grande entre Norte e Sul nesses debates. Eu diria que não é aceitável a ideia de que violação de direitos humanos só acontece em país pobre. Porque, historicamente, nós sabemos que algumas das violações mais graves, e violações em escala assustadora, foram cometidas por países altamente desenvolvidos, altamente militarizados. Mas, na prática, em uma reunião do Conselho dos Direitos Humanos em Genebra, não se vê lá uma discussão sobre um país desenvolvido. Vai ser sobre um país africano, sobre um país latino-americano.
Às vezes, há uma distorção: a delegação de um país (em uma reunião do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra) está preocupada com a opinião pública doméstica e quer mostrar que condenou certos acontecimento de maneira muito veemente. Mas essa condenação vai levar a uma melhora da situação de direitos humanos naquele país? Não necessariamente. A condenação em si mesma pode gerar uma indignação que, em decorrência, produza algum progresso. Mas também pode não gerar nada. Então, essa preocupação existia e continua a existir. Nós queremos que as manifestações do Conselho de Direitos Humanos e de outras agências da ONU produzam resultados que façam evoluir, produzam maior liberdade de expressão onde ela não existe. Aí, um pequeno passo já será um progresso.
Mas no governo Dilma essas posições ficaram menos dúbias, mais claras.
Se estiver mais clara eu fico satisfeito. Isso volta ao nosso ponto inicial da conversa sobre importância das palavras e da comunicação. Eu me esforço para comunicar da maneira clara. Já passei seis horas no Congresso Nacional abordando esses temas. Mas acho que é importante que a sociedade compreenda que não é através de uma manifestação em um voto em relação ao país A ou B que você contribui para uma melhora na situação dos direitos humanos no mundo. Não necessariamente.
Mas em países como Cuba e Irã a questão de poder falar é relevante.
Uma contribuição muito grande que se pode dar é o exemplo do Brasil. Nós, aqui, damos uma carta branca convite a todos os relatores especiais da esfera dos Direitos Humanos da ONU para visitar o Brasil. Não precisa ter convite. Agora está vindo o relator sobre a situação carcerária. Quando veio o relator sobre racismo, as conclusões foram incômodas para o Brasil em grande medida, apesar de nós termos a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial. Houve muita conclusão do tipo "existem formas de racismo encoberto". Nós, aqui no Itamaraty, estamos tentando atrair o maior número de afrodescendentes, mas um estrangeiro que chega aqui vai dizer: "Gente, este é um país que tem mais de 50% de afrodescendentes, onde eles estão?". Tem algum aqui nesta sala (no gabinete)? Não tem. Então nós queremos, através dessa abertura à crítica, e abertura ao sistema ONU de direitos humanos, demonstrar que ele pode funcionar como uma alavanca para o progresso.
Foi nesse sentido que, por exemplo, votamos a favor do relator especial para o Irã. Porque o Irã estava se recusando a receber os relatores temáticos. Então, na medida em que não haja uma disposição para receber o relator, é justificável que haja isso (o voto). Mas isso não é contra o Irã, é a favor do sistema ONU e a favor de um sistema que funcione de maneira equilibrada e para tratar de situações no mundo inteiro. E quando tratamos desse tema não existe país que esteja acima do bem e do mal. É muito importante haver uma vigilância internacional respeitada. E quanto mais equânime for (a vigilância), mais respeitada ela será.
Que visão o senhor tem do problema dos direitos humanos em Cuba?
Nós queremos para os outros países o que queremos para o Brasil. No Brasil estamos dando exemplo de avanços. E não acreditamos, em primeiro lugar, na condenação como objetivo da política de direitos humanos. Porque isso não produz, necessariamente, uma evolução. Em Cuba tem havido reformas, houve soltura de presos políticos, houve gestos importantes. No sentido também de reformas econômicas que representam maiores oportunidades para o povo cubano. Cuba vive também uma situação específica, de um embargo de um país poderoso, vizinho, onde residem inúmeros cubanos. Isso penaliza o desenvolvimento econômico da ilha. Aquilo gera uma dinâmica negativa para essa questão. Mas, em última análise, os cubanos terão que procurar o próprio caminho da realização.
Mas há aspectos em Cuba que inspiram outros países. Eu tinha um colega núncio apostólico, em Washington, que tinha servido em Cuba. E ele dizia que em poucos lugares do mundo havia presenciado uma superação tão visível do preconceito racial como em Cuba. Cuba tem muito menos afrodescendentes que o Brasil, algo em torno de 25%, mas tem muito mais embaixadores negros. Tem um nível de educação elevado, faz um papel extraordinário no plano internacional de assistência médica. Estamos cooperando no Haiti. E os haitianos mesmo dizem que, se não fossem os médicos cubanos, a epidemia de cólera teria sido devastadora.
No que o Brasil ajuda quando deixa de votar uma condenação no Conselho de Segurança?

São situações completamente diferentes. Vamos mudar de assunto então?
Estamos falando de deixar de votar tanto no Conselho de Segurança quanto no Conselho de Direitos Humanos.

São situações diferentes. Porque quando você está lidando com segurança coletiva, que é o que a ONU faz, é a decisão mais grave que um país pode tomar: o recurso à coerção ou não. E aí a gente tem que medir de maneira muito responsável em que medida a coerção contribuirá para a estabilização e para a paz. Às vezes isso pode não contribuir para a situação dos direitos humanos. Mas aí o que está implícito é saber quem é que a desestabilização em grande escala prejudica mais. Geralmente o mais pobre, o mais desatendido, aquele que é mais vulnerável e cuja situação dos direitos humanos piorará ainda mais. Então, eu costumo dizer: assim como o credo do médico é não piorar a doença do seu paciente, eu acho que a responsabilidade do diplomata em termos de paz e segurança é não piorar uma situação. Não torná-la mais grave, não torná-la mais instável.
Às vezes, a abstenção é uma maneira de sinalizar "olha, atenção". É um sinal amarelo. Nós não temos como impedir - o Brasil não tem poder de veto -, mas podemos dizer "esse caminho comporta dificuldades e pode...". Vamos pegar o exemplo da Resolução 1.973, da Líbia. Cinco países se abstiveram. Rússia e China se abstiveram. É interessante, pois eles poderiam ter vetado. A abstenção de um membro permanente e com poder de veto também significa "vamos deixar ir adiante". Porque nessas questões ninguém tem o monopólio da sabedoria. É uma avaliação que você faz com base na experiência, naquilo em que você acredita. No Brasil acreditamos muito na diplomacia, no poder de persuasão, em resolver as questões pela conversa, pela negociação e não pela força, necessariamente. A força pode agravar muito a situação. Três meses ou mais depois da Resolução 1.973 o nível de violência na Líbia diminuiu? Não. Ouvi do conselheiro nacional de segurança norte-americano, na quarta-feira, em Washington, que não há solução militar para a Líbia. Então vamos conversar mais, vamos procurar um cessar-fogo monitorado, pode ser pelas Nações Unidas, e com alguma parte de avanço político nas aspirações que, aliás, consideramos mais do que legítimas, tanto que votamos a favor da resolução anterior, que condenava explicitamente (a violência na Líbia).
A sua impressão é de que a situação Líbia está mais perto de uma solução?
Está. Está começando a convergir para um ambiente propício a um encaminhamento que terá que envolver um cessar-fogo, um monitoramento de um cessar-fogo e alguma resposta também às aspirações dos manifestantes. No caso da Líbia existe até essa conotação geográfica, existe uma preocupação com a fragmentação do país. E há entendimentos que levem a transição política, que levem a um processo eleitoral, quem sabe!.
Já a situação da Síria?
Já a Síria está em outro estágio. Ajuda contrastar um pouco com a Líbia porque são circunstâncias diferentes, dentro de um mesmo movimento que assolou o mundo árabe. No caso da Líbia havia um consenso dentro da Liga Árabe. A liga suspendeu a Líbia, votou a favor das resoluções dentro do Conselho de Direitos Humanos, votou a favor da Resolução 1.970 e apoiou a criação da zona de exclusão aérea. Depois, na implementação da Resolução 1.973, apareceram vozes dissonantes. Então o embaixador do Líbano -que é o país árabe que está nesse momento no Conselho de Segurança - teve um trabalho menos complexo para fazer porque refletia posições mais ou menos consensuais.
Agora, na Síria, não existe um consenso entre os árabes. Existe, por exemplo, a percepção, em alguns lugares, de que as alternativas ao governo Assad podem ser mais problemáticas em relação, por exemplo, a minorias. Diferentemente da Líbia, existem minorias significativas. Existem os alauitas, existem os cristãos. Aliás, quase todos os que têm dupla nacionalidade brasileiro-síria são cristãos. Então, essa é uma preocupação brasileira também.
O outro aspecto é que há uma polarização maior entre os membros permanentes do Conselho de Segurança. A gente pode discutir se considera legítimo ou não o poder de veto hoje, mas a verdade é que eles têm poder de veto. Então, numa situação de polarização, uma resolução, mesmo como a primeira que houve sobre a Líbia, não será possível porque a China e a Rússia já deram a entender que vetarão. Eles consideram que é um assunto que tem também potencial desestabilizador em uma região que é da mais alta volatilidade, muito grande. Muito maior que o da Líbia. A Líbia desestabiliza um pouco a Tunísia e o Egito, mas aquilo não vai alterar o quadro complexo de negociação para a situação Israel-Palestina. A Síria, sim. É mais complicado.
E o Brasil...
O Brasil conversa com todos os lados da situação. Mas nos coordenamos muito com Índia e África do Sul, que estão neste momento no Conselho de Segurança. Tentamos avançar na ideia de uma declaração presidencial, que é uma manifestação menos contundente que uma resolução, e que é sempre por consenso. Eu até tive luz verde da China e da Rússia para ir adiante (para tentar aprovar a declaração presidencial), o que me animou, mas depois o Líbano disse que não havia condições.
Agora estamos pensando em fazer uma gestão diplomática de Brasil, Índia e África do Sul em Damasco, junto às autoridades sírias, para reafirmar a inaceitabilidade desse elevado número de mortos e feridos e da violência. E da importância - talvez indo um pouco mais longe que os ocidentais iriam, de dar pleno curso àquilo que eles próprios anunciaram que queriam fazer. Dar um voto maior de confiança a esse desejo do governo Assad de promover reformas políticas, da reforma da lei eleitoral.
Os senhores estão só pensando?
Já está sendo articulada (a gestão). Os embaixadores em Nova York estão trabalhando, até mesmo em termos de referência ampla para uma gestão desse tipo.
Qual será a posição brasileira, se a Autoridade Palestina levar mesmo à abertura da Assembleia-Geral da ONU, em setembro, uma proposta de independência, a contragosto de Israel e EUA?
Voltando atrás um pouquinho, vocês acompanharam, no ano passado, o reconhecimento do Estado Palestino nas fronteiras de 1967. Mais de 100 países haviam tomado essa decisão. Aqui, na nossa região, nem tantos, mas a decisão do Brasil teve um efeito dominó e sucessivos apoios surgiram. O responsável pela propulsão do processo negociador é o quarteto, formado pelo secretário-geral da ONU, Estados Unidos, Rússia e União Europeia. No quarteto tem havido muito pouco avanço. Em uma reunião, há dois dias, em Washington, eles não chegaram sequer a um texto consensuado. O quarteto, por exemplo, também não conseguiu emitir manifestações mais contundentes em relação ao prosseguimento dos assentamentos israelenses em território palestino. Parece estar se esgotando a capacidade do quarteto de estimular movimentos nessa direção. Não nos surpreende que, nesse caso, as autoridades palestinas busquem se fortalecer perante a comunidade internacional. E é isso que representaria uma moção (de independência) na Assembleia-Geral.
Aqui tem um aspecto técnico: para um país se tornar membro da ONU ele apresenta um pedido ao Conselho de Segurança. O conselho recomenda à Assembleia Geral e aí tem que ser por maioria. Mas, historicamente, já houve diferentes situações. Bangladesh foi primeiro à Assembleia-Geral. Legitimou-se, e aí foi ao Conselho de Segurança. Podem surgir situações diferentes. Os palestinos ainda não decidiram exatamente o que vão fazer.
Mas é certo que farão?
Tudo indica que eles estão considerando seriamente em fazê-lo. Em qual a hipótese eles não o fariam? Em que houvesse uma sinalização de parte dos israelenses, do governo norte-americano, do quarteto, de que vão trabalhar para que haja avanços significativos na negociação. Na ausência de algum progresso, eles vão adiante. Um cenário é apresentarem à Assembleia-Geral uma resolução dizendo que, assim como Israel, reconhece-se que a Palestina é um Estado. O outro desenho é eles irem ao Conselho de Segurança, independentemente de um veto provável norte-americano ou não. Porque também há quem calcule que uma resolução com 14 votos a favor e um veto é uma vitória diplomática. São considerações que competem aos palestinos.
O que posso dizer é que o Brasil não terá dificuldades de votar a favor de uma moção na Assembleia-Geral ou no Conselho de Segurança, uma vez que já reconhecemos. Nós consideramos que é apenas o justo reconhecimento de algo que estava desde o início no projeto de criação de dois Estados no Oriente Médio.
Quando falamos em reforma da ONU o que é realmente essencial mudar?
O processo de reforma da ONU já vem acontecendo e já ocorreram várias mudanças, muito significativas, depois do fim da Guerra Fria. Por exemplo, foi criado o Conselho de Direitos Humanos. Antigamente era uma comissão que se reunia apenas uma vez por ano. É uma mudança que representa uma elevação do tratamento dos direitos humanos no sistema ONU. Outro exemplo: foi criada a Comissão de Consolidação da Paz. Essa é uma reivindicação brasileira. A ideia aí era a seguinte: às vezes, uma situação é levada ao Conselho de Segurança porque existe um problema de estabilidade que ameaça a paz internacional. Você estabiliza aquela situação e ela sai da agenda do Conselho de Segurança. Só que, frequentemente, você está lidando com países frágeis, vulneráveis, onde a guerra e a violência destroem toda a estrutura. Esse país cai numa espécie de limbo governamental e isso cria condições para que voltem a surgir situações de instabilidade crônica. Então, o que nós defendíamos (e foi criado) foi uma Comissão de Consolidação da Paz. A comissão meio que recebe os pacientes que saem da UTI para tentar reabilitá-los, e ela está funcionando. A comissão trata de Serra Leoa, de Libéria, de Guiné Bissau.
Mas se você me perguntar o que falta de essencial na reforma da ONU, eu diria que o que falta é reformar a composição do Conselho de Segurança. Porque isso é o que vai ter o maior impacto na dinâmica, no tratamento daquilo que é o que mais tem potencial desestabilizador, que é a guerra e a paz. Por que o G-8 pode passar para G-20? Por que a gente pode modificar as práticas na OMC, por exemplo, com o G-20 comercial contribuindo para que as conversas na Rodada de Doha deixassem de ser só negociação entre o Quad (União Europeia, Estados Unidos, Japão e Canadá) para incluir Brasil e Índia. Por que nós não conseguimos reformar o Conselho de Segurança.
A ONU, agora, passa a ter 193 membros. Quando esse conselho foi criado, a ONU não tinha nem 100 membros. Há um consenso internacional de que o mundo está mais multipolar, que há potências emergentes, que o poder está em fase de realinhamento. Ninguém questiona isso. Mas o Conselho está se tornando anacrônico. Isso é preocupante porque, se o conselho se tornar anacrônico durante muito tempo mais, os países, talvez regiões inteiras, podem deixar de respeitar suas decisões. Isso tem potencial para gerar uma crise política séria no ordenamento internacional.
Se o quadro é tão racional e claro, qual é o nó que amarra essa situação?
Na verdade são alguns nós. Mas o essencial, em um esforço de simplificação, eu diria que se houvesse um consenso entre os cinco membros permanentes (EUA, Rússia, China, frança e Reino Unido) é muito provável que a reforma fosse viável e resolvida dentro de um prazo curto.
O senhor não quer nominar o mais reticente dos cinco?
O mais reticente dos cinco neste momento é a China. Não há dificuldade em nominar porque isso é público. Mas até pouco tempo atrás os Estados Unidos eram muito reticentes. A China não é contra a reforma em si, mas resiste ao aumento do número de países com poder de veto. Os Estados Unidos sinalizam que estão preparados para contemplar seriamente uma reforma. E eu acredito que a China também evoluirá no seu pensamento, talvez quando se chegar mais próximo de uma decisão efetiva. De qualquer maneira, essa é uma condição importante mas não é o suficiente. É importante também encontrar apoio de dois terços da comunidade internacional. Estamos muito próximo do apoio de dois terços para fórmulas que envolvam a ampliação nas duas categorias de membros, permanentes e não permanentes. Isso é um trabalho que o G-4 (Brasil, Japão, Alemanha e Índia) faz de coordenação conjunta e, recentemente, escreveram uma carta ao presidente da Assembleia-Geral da ONU com uma lista de assinaturas de países que apoiam a ampliação nas duas categorias. E essa lista se aproxima muito de 100. Mas, verbalmente, mais uns tantos países indicaram que também apoiariam. Isso é significativo porque são necessários 128 votos na Assembleia-Geral para passar uma resolução que reforme o Conselho de Segurança. E, depois, precisa da ratificação de uma maioria de membros da ONU, inclusive os cinco membros permanentes. Mas se um membro permanente não ratificar, não entra em vigor. Então o nó é esse.
O Haiti ainda está no Conselho de Segurança, é um assunto preponderantemente militar. Até quando? O contingente militar da missão de paz da ONU vai diminuir?
Eu acabei de passar pelo Haiti. A operação da paz na ONU contribuiu de maneira muito significativa para reduzir o nível de violência. E isso foi feito graças a uma ação que é unanimemente elogiada das tropas brasileiras, que trabalham, claro, em conjunto com tropas de muitos outros países. De modo que houve uma inflexão benigna, que permitiu, inclusive, que o terremoto do ano passado não voltasse a desestabilizar tudo. Quando o terremoto ocorreu havia vozes que diziam, "ih, todo o trabalho da ONU vai por água abaixo porque prisões ruíram, criminosos perigosos saíram por aí". Não aconteceu isso. A população haitiana deu uma demonstração de civismo extraordinário.
Eu fui várias vezes ao Haiti durante o terremoto. Vocês sabem que minha mulher estava lá durante o terremoto. E o que nós presenciamos foi um comportamento digno, com consciência cívica, sem turbulências graves. De modo que o trabalho da Minustah já tinha servido para estabilizar o país em grande medida. Só que o terremoto praticamente destruiu o país. E aí foram autorizadas tropas adicionais pelo Conselho de Segurança. Mais batalhões de engenharia, porque há conexão entre você conseguir circular pela cidade e a capacidade da cidade sobreviver em condições mínimas de paz e estabilidade. Eu fiquei bem impressionado agora. As artérias principais estão todas desimpedidas, poucos prédios ruindo. Continuam várias praças tomadas por tendas de plástico, mas o número de desabrigados também está diminuindo. E um novo governo tomou posse.
Não foi simples essa transição democrática. Mas nós também temos que lembrar que na história do Haiti essa foi a primeira vez que há duas sucessivas transições democráticas. E, agora, de um partido de mais centro-esquerda para um governo mais de centro-direita. Então, ainda é uma situação que requer um monitoramento para vermos como ela evolui.
Mas a opinião predominante que eu colhi é de que sim, nesse atual estágio podemos contemplar uma redução gradual de efetivos militares. Eu recebi, inclusive, o antigo representante do secretário geral da ONU para o Haiti, Edmond Mulet. Depois que morreu o sucessor dele no terremoto, ele foi chamado de volta. E ele é da mesma opinião, acha que hoje em dia o fundamental é a presença da Minustah em Porto Príncipe e que, gradualmente, se poderá reduzir o número de tropas nas províncias. Talvez o teste derradeiro seja a próxima eleição, a próxima transição. Mas, já em outubro, quando se discutirá no Conselho de Segurança a renovação do mandato da Minustah, estará em pauta a questão no número de efetivos. E o mais provável é que contemple alguma redução.
O desafio, a partir daí, e nós defendemos muito isso no conselho, é implementar uma concepção de que paz e desenvolvimento interligados, contribuir para o soerguimento da economia haitiana, desenvolvimento social, geração de emprego. Não só ajuda, mas também que tipo de gestão pública. Aí também há a questão da reforma constitucional, que permita a dupla nacionalidade. Há uma diáspora haitiana muito bem sucedida no Canadá e nos Estados Unidos. Hoje em dias eles não podem ter (a dupla nacionalidade) e isso afugenta o investidor.
A polêmica sobre os arquivos, a Lei de Acesso à Informação brasileira, isso está superado da parte do Itamaraty? Sim ou não?
Acho que a sociedade precisa ser informada um pouco melhor sobre a lei e fico grato de ouvir você se referir a ela como a uma lei de acesso à informação, porque não é uma lei de sigilo. Isso é uma conquista importante.
A questão do acesso ao trabalho da diplomacia é objeto de tratamento diferenciado em qualquer democracia avançada do mundo. Reino Unido, Estados Unidos, Dinamarca, ou até em um país de nível de desenvolvimento mais comparável ao Brasil, como Índia, África do Sul ou Turquia. Na França tem sigilo de até 150 anos e há temas que não podem ser objeto de consulta, como coisas relacionadas a guerras coloniais. Na Inglaterra, informação confidencial oferecida por outro governo não pode ser objeto de acesso. Então, é normal que haja um tratamento diferenciado dessa matéria.
Nós aqui estamos em um contexto o mais benigno, que é o de convívio harmonioso, de cooperação com todos os vizinhos. O nível e o grau das nossas preocupações é comparativamente menor, mas seria uma irresponsabilidade não examinarmos com cuidado as implicações para a diplomacia neste debate. O que acontece é que o projeto de lei que está no Congresso satisfaz em linhas gerais. Agora, é importante a sociedade saber que é um tema tratado de forma diferenciada em todos os países. Ele envolve uma responsabilidade diferenciada do governo e do agente diplomático. Não é à toa que o soldado que está na origem dos WikiLeaks está sendo processado.
Na relação Brasil-EUA, a questão do Irã, quando o Brasil e a Turquia tentaram intermediar um acordo nuclear, que gerou um mal estar com os Estados Unidos, está superada?
Isso, hoje em dia, enseja uma reflexão interessante. Primeiro, os Estados Unidos foram sempre mantidos informados de tudo que estava ocorrendo. Eu próprio, como vice-ministro e ex-embaixador em Washington, me encarregava de conversar com o embaixador Bill Burns - agora promovido a número dois - sobre o que a gente estava fazendo. Nunca houve uma atitude de fazer uma coisa sigilosamente, foi tudo feito de maneira transparente. E foi feito com base, inclusive, em elementos de uma carta do presidente Obama. Aqueles elementos que fizeram parte do acordo bilateral. O que pode ter acontecido foi uma certa ousadia diplomática. No sentido de dois países que à época eram membros não permanentes do Conselho de Segurança - é bom lembrar, porque é uma maneira de atuar no Conselho de Segurança sem esperar que a iniciativa sempre parta do membro permanente. Isso muita gente aplaudiu, independentemente de achar (que a ação diplomática) foi bem fundamentada ou que deveria ter sido feita.
É bom lembrar o que a medida propunha. Não era solucionar a questão nuclear do Irã. Propunha-se contribuir para uma medida de criação de confiança. Porque aí sim o grau de desconfiança é elevadíssimo entre os iranianos e os norte-americanos. Em função de circunstâncias históricas que a gente conhece. Então, a proposta era essa: um pequeno passo na construção da confiança com base em elementos fornecidos pelos Estados Unidos. Agora, que envolveu uma ousadia, envolveu. E a ousadia pode desconcertar alguns. Mas eu diria que nos Estados Unidos houve muita compreensão também.
Mas o que eu ia dizer, e que enseja uma reflexão interessante, é que à época havia quem defendesse, algumas vozes críticas do acordo Brasil-Turquia com o Irã, que era uma coisa ingênua. Que o que iria levar o Irã a fazer concessões eram sanções adicionais. Bom, as sanções adicionais foram adotadas, inclusive com voto negativo do Brasil e da Turquia. Um ano depois, produziu alguma concessão? Não. O Irã hoje tem mais urânio levemente enriquecido que há um ano. Ou seja, se o acordo tivesse sido implementado teria pelo menos feito com que o Irã tivesse se desfeito de uma porção do seu urânio e o colocasse na Turquia sob inspeção internacional. Então, para mim, isso ilustra de uma maneira muito clara que a alternativa apresentada como mais realista e menos ingênua não produziu qualquer resultado.
Agora, mais uma vez, não era uma panaceia, não era o que iria resolver. A questão é mais complexa. Existe uma desconfiança e, até o Brasil reconhece, uma desconfiança justificada porque o governo iraniano não desfez todas as dúvidas da Agência Internacional de Energia Atômica sobre aspectos do seu programa nuclear. E isso requer uma atenção da comunidade internacional.
O Brasil elegeu José Graziano para a FAO, mas uma das principais preocupações da agência da ONU é com o aumento no preço dos alimentos, o que rende muito dinheiro para o Brasil. Falou-se, no G-20, de alguma forma de controle do preço dos alimentos, mas o Brasil se aliou aos Estados Unidos e não quer nem ouvir falar nisso. Não é uma contradição?
Primeiro temos que ver os mandatos de cada organismo. O que a FAO faz? Ela promove desenvolvimento rural e segurança alimentar. São dois temas em que o Brasil tem muito a contribuir. Essa é a plataforma em torno da qual a candidatura Graziano foi apresentada e foi vitoriosa. Acho que sensibilizou, embora houvesse cinco outras candidaturas. Foi realmente uma campanha que mobilizou o Itamaraty inteiro e eu fiquei muito satisfeito com o resultado porque eu me empenhei pessoalmente.
A outra questão é o comércio internacional agrícola, que é tratado na OMC. E flutuações de preços são indicadas por uma série de circunstâncias, de oferta, demanda, não está sob controle do Brasil. O que gostaríamos de ver, sim, é a eliminação de subsídios agrícolas que distorcem o comércio de uma maneira que prejudica o pequeno agricultor e os países mais vulneráveis. Por exemplo, os produtores de algodão da África Ocidental, que fazem parte da nossa plataforma de condições do nosso painel, que foi vitorioso na OMC, em crítica às práticas distorcidas dos Estados Unidos. E essa é uma injustiça que vai contra a filosofia que a OMC prega para o setor de bens industriais. Essa sim é uma contradição que é muito gritante e que penaliza o mais vulnerável. Agora, questão de flutuação de preços é uma questão que depende de circunstâncias do próprio mercado e da oferta. O que nós queremos é ver o mundo em desenvolvimento, que não tem condições de subsidiar sua agricultura, poder se beneficiar de melhores condições de produção, de desenvolvimento rural e de comércio internacional. Mas comércio internacional não é tratado na FAO.
Sim, o comércio internacional não é tratado na FAO, mas é uma questão que a FAO fala, da alta dos preços dos alimentos. E o Brasil hoje é um dos maiores produtores mundiais de alimentos.
Mas o Brasil também é hoje um importante doador, cada vez mais. Então, a gente quer também colocar os benefícios que auferimos da agricultura, até mesmo da elevação dos preços, a serviço de uma causa equânime.
Os senhores, no Itamaraty, foram surpreendidos pela Primavera Árabe?
A extensão dela é surpreendente. A surpresa não foi para nós, mas para toda a comunidade internacional. É como perguntar "a comunidade internacional foi surpreendida com o fim da União Soviética?" Naquele ritmo de acontecimentos, foi. É difícil encontrar alguém que tivesse previsto. De modo que a extensão do fenômeno foi surpreendente, é surpreendente e é importante. Talvez um dos fatos políticos mais significativos deste ano. E é um desafio diplomático importante também. Porque embora haja um denominador comum de busca por maior expressão da população jovem árabe, e reforma política, emprego e reforma econômica, há especificidades.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Agenda diplomatica bolivariana: ops, um escorregao...

Não é difícil desarmar o Cerimonial, quando do súbito cancelamento de alguma viagem de alto nível, mas algumas despesas -- segurança, automóveis, comida, etc., etc., etc. -- já encomendadas terão de ser pagas.
Será que as FARC pagariam as despesas não contabilizadas?


The FARC Files: Venezuela, Ecuador and the Secret Archive of  'Raúl Reyes'
The International Institute for Strategic Studies (London)
Today, the IISS launched its latest Strategic Dossier The FARC Files: Venezuela, Ecuador and the Secret Archive of  'Raúl Reyes'.

The dossier provides unique insights into the thinking and evolution of the Revolutionary Armed Forces of Colombia (FARC). It is based on a study of the computer disks belonging to Luis Edgar Devía Silva (aka Raúl Reyes), head of FARC’s International Committee (COMINTER), that were seized by Colombian armed forces in a raid in March 2008 on Devía’s camp inside Ecuador.
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Buy the FARC Files now

Read Nigel Inkster's remarks at the launch

Read a summary of the dossier

Watch the Launch

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Segundo relatório, Venezuela teve apoio das Farc após golpe de 2002
O Estado de S.Paulo, 10 de maio de 2011

Chávez teria permitido atuação das Farc no país e pedido treinamento de 'grupos paramilitares'

LONDRES - O governo da Venezuela teve apoio das Forças Armadas Revolucionárias da Colômba (Farc) em sua estratégia de segurança, depois do golpe de Estado realizado em 2002, sem sucesso, contra o presidente Hugo Chávez. A informação foi divulgada em Londres nesta terça-feira, 10, pelo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês), que reuniu em um relatório documentação das Farc.

Entre as principais conclusões do relatório no que se refere à relação entre a Venezuela e as Farc, o IISS apurou que o governo Chávez permitiu que o grupo operasse em território venezuelano.

Além disso, o presidente ofereceu ajuda às Farc em dinheiro e pediu aos guerrilheiros que "treinassem grupos paramilitares para defender a revolução de outros golpes de estado ou invasões externas", segundo o autor do estudo, James Lockhart Smith.

Smith disse, no lançamento do relatório, em Londres, que é necessário colocar a revelação em um "contexto estratégico". "Depois do golpe de abril de 2002, o regime (de Caracas) se aterrorizou, porque notou que o golpe esteve perto de ter sucesso, e porque viu também que não podia contar com a lealdade das Forças Armadas", explicou.

Equador
De acordo com a AFP, o presidente do Equador, Rafael Correa, "pediu" e "aceitou" fundos das Farc durante a campanha eleitoral de 2006. O documento do IISS relata que "os arquivos (apreendidos) e outras fontes sugerem que Correa solicitou pessoalmente e aceitou fundos ilegais das Farc na sua primeira campanha eleitoral em 2006".

Ainda segundo o relatório, "o respaldo político e financeiro da guerrilha teve um papel para garantir a ele (Correa) a vitória".

Apreensão de documentos
O IISS desenvolveu um estudo detalhado sobre a evolução do grupo conhecido como Farc-EP (Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia - Ejército del Pueblo), ou simplesmente Farc.

O levantamento foi feito com base em informações do grupo, apreendidas pelo Exército colombiano durante uma incursão em território equatoriano em 1 de março de 2008. Na operação, o líder guerrilheiro Luis Edgar Devía Silva, conhecido como "Raúl Reyes", foi morto.


Segundo a Efe, entre o material apreendido na ocasião havia oito "dispositivos de memória" e documentos históricos das últimas três décadas sobre as Farc. O diretor do IISS para Ameaças Transnacionais e Risco Político, Nigel Inkster, disse que o governo colombiano solicitou ao organismo uma análise do material, depois de uma verificação feita pela Interpol de que os documentos não haviam sido manipulados.

Com Efe

Veja também:
Gabeira: Livro denuncia relação da Venezuela com as Farc

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Wikileaks: Brasil-EUA e o resto da regiao: ciumes e subterfugios...

A informação relativa à Colômbia já tinha sido postada aqui. Os demais países é novidade, mas não surpresa, nem novidade. Qualquer observador mais atento já teria percebido que o ativismo lulista, ou brasileiro, despertaria preocupações na região.
O que não se sabia era da atuação do ex-chanceler em favor do Sudão...
Paulo Roberto de Almeida

Diplomacia de Lula irritou sul-americanos
Jamil Chade, correspondente
O Estado de S.Paulo, 8 de fevereiro de 2011

EUA escutaram de Colômbia, Paraguai e Chile pedidos para ‘conter’ o Brasil, revela WikiLeaks

GENEBRA - Telegramas secretos da diplomacia americana revelam que, sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, países sul-americanos se incomodaram com a liderança brasileira e chegaram a pedir a Washington que "contivesse" as ambições do Brasil na região. Os despachos foram divulgados pelo grupo WikiLeaks. Entre os que solicitaram à diplomacia americana que atuasse contra o aumento da influência do Brasil estão Colômbia, Chile e Paraguai.

Em 11 de fevereiro de 2004, numa conversa entre o então presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, e uma delegação do alto escalão da diplomacia dos EUA, o incômodo com as ambições de Lula ficou claro. "Uribe disse que sua relação com Lula é complicada", relata o telegrama. O ex-líder de Bogotá e forte aliado de Washington alertou na ocasião para a agenda externa de seu colega brasileiro: "Lula se esforça para construir uma aliança antiamericana na América Latina", teria dito Uribe.

"Lula é mais pragmático e mais inteligente do que (Hugo) Chávez, mas é conduzido por seu histórico de esquerda e pelo ‘espírito imperial’ do Brasil para se opor aos EUA", acusou o ex-presidente colombiano. Em outro trecho, Uribe ainda acusa o presidente brasileiro de não ter cumprido sua promessa de lutar contra o narcotráfico.

Quatro anos mais tarde, as desconfianças em relação a Lula continuariam na Colômbia. Em um telegrama de 2008, o governo americano afirma que foi informado por militares de Bogotá sobre o projeto de criação de um Conselho de Defesa da América do Sul pelo Brasil. "A desconfiança é que seja um projeto, no fundo, de Chávez", teriam alertado os militares.

Em telegrama de 19 de maio de 2005, a então chanceler do Paraguai, Leila Rachid, queixou-se ao embaixador americano em Assunção, Dan Johnson, sobre o comportamento de seu colega brasileiro, Celso Amorim, e sua ideia de convocar uma cúpula entre países árabes e sul-americanos. Johnson, por sua vez, disse que o evento promoveria "gratuitamente tensões entre a comunidade árabe e judaica no Brasil". Ele pediu ainda que, na declaração final, elogios ao Sudão fossem evitados.

"Rachid afirmou que o Brasil teve uma ‘grande disputa’ com vários chanceleres (da América do Sul), incluindo a ministra colombiana (Carolina) Barco e o chileno (Ignacio) Walker, quando Amorim pediu que eles reduzissem as objeções que tinham sobre o Sudão e o processo de paz no Oriente Médio", descreve o embaixador americano.

Rachid diz que gostaria de falar com a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, sobre "preocupações em relação à política externa e comercial do Brasil". "Ela (Rachid) estava preocupada com as ambições do Brasil de se tornar uma voz de liderança na região e pediu que os EUA se posicionassem para conter o Brasil."

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Wikileaks-China: nao se permitem leaks, justamente, nem antes, nem depois

O governo da RPC bloqueia o acesso do Wikileaks a seus cidadãos: faz sentido, pois o Yellow Big Brother já bloqueia dezenas, talvez centenas de sites, e não permite o acesso a blogs, YouTube, FaceBook e outras ferramentas interativas.
Só estão autorizadas, no momento, intrusões no Google, Yahoo e outros serviços ocidentais...
Paulo Roberto de Almeida

China bloqueia acesso ao WikiLeaks

Governo desconfia que haja relatos sobre política entre as Coreias e ataque cibernético no material

AP, 01 de dezembro de 2010 | 2h 08

PEQUIM - A China bloqueou nesta quarta-feira, 1º, o acesso ao site WikiLeaks, em meio a alegações embaraçosas, após o vazamento dos telegramas da diplomacia americana.
Quem tenta acessar o domínio wikileaks.org e cablegate.wikileaks.org, tem a informação de que a conexão com os sites não pôde de ser completada.
Esta é uma resposta padrão quando um site está bloqueado pelas autoridades chinesas, que exercem o rígido controle do conteúdo da internet.
O suposto motivo pelo bloqueio do site WikiLeaks é o vazamento de documentos que envolvem dados de vários países e suas relações diplomáticas.
Entre os documentos vazados poderiam estar inclusas a preparação dos líderes chineses numa eventual interferência na península coreana e os planos do Politburo chinês (órgão de direção do Partido Comunista Chinês) que organiza um ataque cibernético ao Google.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Wikileaks-Brasil: mediando as Farc, ou pelo menos tentando...

Dentro da tragédia americana que representa a revelação de todos esses documentos operacionais, cabe reconhecer que eles auxiliam os historiadores do presente e os analistas políticos a se fazerem uma ideia do duplo discurso das autoridades brasileiras em relação a certos temas, entre eles o do terrorismo das Farc, na Colombia e cercanias.
Eles também revelam quão inconscientes ou ingênuos podem ser certos homens públicos, a menos que seja má-fé deliberada.
Em outros termos, o Brasil reconhece a presença das Farc, reconhece que a Colômbia representa o principal ponto de tensão na região, não faz nada para ajudar o vizinho país a resolver o seu problema, e ainda reclama quando o próprio país adota as soluções que acha mais adequadas para resolver essa ameaça terrorista, inclusive fazendo acordos de cooperação militar com o único país que se declarou disposto a ajudá-la (ainda que por interesse próprio, não importa, mas empenhou recursos, armas, homens, de qualquer maneira, o que o Brasil nunca fez).
Inacreditável, por outro lado, a alegação de que o Brasil pretenderia ser um "mediador" do conflito, o que seria aceitável nas mentes distorcidas dos militantes pró-cubanos e pró-Farc, mas não na cabeça de alguém que se pretende ministro da Defesa do Brasil. Mediar entre um Estado legalmente constituído, com um governo constitucionalmente eleito, e um grupo terrorista, que faz tráfico de drogas, pratica sequestros para sobreviver economicamente e cuja única função atualmente é aterrorisar as populações das regiões onde atua? Em que mundo vivem os dirigentes brasileiros? Num mundo da fantasia?
O Wikileaks ainda vai destruir várias reputações, desmantelar diversas hipocrisias, pegar muita gente mentindo em público e desmoralizar algumas carreiras políticas. Nisso, ele é bem vindo...
Finalmente, mais abaixo, os comentários de alguém, certamente muito odiado nesses meios que tentam "mediar" o conflito entre a Colômbia e as respeitáveis Farc... 
Paulo Roberto de Almeida

Brasil sabia da presença das Farc na Venezuela, segundo Wikileaks

Nelson Jobim, ministro da Defesa, também teria comentado a respeito da situação do Equador

Agencia Efe, 30 de novembro de 2010

O Brasil sabia da "presença" das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) na Venezuela e considerava a Colômbia como a "principal fonte de instabilidade" na região, mostraram nesta terça-feira, 30, os novos documentos revelados pelo Wikileaks. 


Esta informação aparece em documentos enviados em novembro de 2009 da embaixada dos EUA em Brasília, que mostram conversas de uma funcionária americana, Lisa Kibuske, com o ministro da Defesa, Nelson Jobim.
"Falando de temas de segurança regional", diz uma das mensagens, "Jobim reconheceu na prática a presença da guerrilha das Farc na Venezuela e ofereceu sugestões para criar confiança na fronteira entre Colômbia e Equador".
No entanto, Jobim diz que reconhece publicamente a presença das Farc na Venezuela impediria o trabalho de mediação de seu Governo. "Perguntado sobre a presença das Farc na Venezuela, disse que se reconhecesse sua presença poderia arruinar a capacidade do Brasil como país mediador", explica a nota.
Posteriormente, em outra mensagem, Jobim situa a "Colômbia no centro da potencial instabilidade da região" e considera a tentativa do então presidente Álvaro Uribe de optar por um terceiro mandato na Colômbia como "terrível".
Mais adiante, o ministro brasileiro volta a mostrar suas preocupações a respeito de Uribe, a quem "insiste em qualificar como a primeira fonte de tensões" na região andina.
Na conversa entre Lisa e Nelson Jobim, o ministro da Defesa também mostra "inquietação" sobre o acordo de defesa entre EUA e Colômbia, que permitirá que militares americanos utilizem bases no país andino, ao apontar que um dos memorandos que acompanha o acordo deixa em "evidência a falta de compreensão da América Latina" por parte de Washington.
No entanto, a funcionária finaliza com um balanço positivo seu encontro com Jobim, de quem destaca sua "proximidade ao presidente Lula em questões de segurança". "Apesar da tendência do Governo do Brasil de culpar a Colômbia pelas tensões atuais, seus esforços por manter a paz são sinceros e deveriam ser apoiados", afirma na nota.
Trata-se dos primeiros documentos nos quais a Colômbia é citada desde que o Wikileaks começou a publicação em massa no domingo de mais de 250 mil documentos diplomáticos americanos, muitos deles com revelações embaraçosas para Washington e seus aliados.

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O antiamericanismo bocó somado ao personalismo jeca-tatu…
Reinaldo Azevedo, 30.11.2010

O problema dos telegramas vazados pelo site WikiLeaks é que muitos tentam ver como política oficial — ou escolhas de governo — o que está na esfera das considerações, das análises, dos chutes, da fofoca. Já falo mais a respeito. Vamos a um caso em particular.

Em conversa com ex-embaixador americano no Brasil Clifford Sobel (20067-2009), Nelson Jobim, ministro da Defesa, teria definido Samuel Pinheiro Guimarães, então segundo homem no Itamaraty e hoje chefe da Sealopra (lembram-se dela?), como antiamericano; teria dito mesmo que ele “odeia os EUA” e “trabalha para criar problemas na relação”. Clifford enviou a mensagem a seu governo, e agora ela está no mundo…

Jobim já ligou para Guimarães para assegurar que não disse nada daquilo; que conversou, sim, com o embaixador, mas ele interpretou mal o sentido de suas palavras etc e tal. Lula  defende o ministro da Defesa. Vamos pensar.

Digamos que Jobim tenha dito o que lhe atribuem: mentira não é, certo? A hostilidade de Guimarães aos EUA e à política americana não precisa de conversa privada ou de fofoca para se manifestar. Está na cara. É pública. Mais: ao longo de oito anos, nas questões relevantes, o Itamaraty sempre procurou contrastar com os americanos: se eles queriam uma coisa, Celso Amorim demonstrava querer o contrário.

Nem Amorim nem Guimarães mandam em coisa nenhuma. Ambos refletiam as opiniões de Lula — é dele a política externa, certo? Tanto é assim que as relações do Brasil com os EUA pioraram com a eleição de Barack Obama. Já durante a campanha eleitoral do atual presidente americano, notava-se o incômodo de Lula. Ainda que pareça estúpido e mesquinho, o Babalorixá de Banânia achava que o outro era a única figura a lhe fazer sombra no mundo…

Some-se esse aspecto megalômano, delirante, à cultura antiamericana de onde deriva Guimarães, e encontraremos o Brasil a defender o programa nuclear do Irã e a se abster numa votação em que aquele país é condenado por violar os direitos humanos. Foi a soma do antiamericanismo bocó com o personalismo jeca-tatu.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Politica externa: continuidade assegurada...

Talvez não pelos bons motivos, mas cada um tem o direito de dizer o que pensa (ou se não pensa, aquilo que lhe parece conveniente, em função da tal de "correlação de forças").
Talvez o ministro da Defesa (mas parece mais do Ataque) esteja apenas tentando se posicionar como um anti-imperialista de carteirinha, para ficar parecido com outras vozes altissonantes do governo atual, para se credenciar na continuidade, ou talvez até um alto posto na novíssima República ao feminino (que poderia até escolher uma mulher para a Defesa, como foi Bachelet, no Chile, mas isso não creio).

Curiosa sua afirmação sobre Cuba: "país pobre". Pobre? Cuba tinha a segunda ou terceira maior renda per capita da América Latina até 1959. Se ficou pobre depois disso não deve ter sido apenas pelo embargo americano, inclusive porque os outros países sempre puderam comerciar normalmente com Cuba -- a ilha permaneceu no GATT, apesar de ter saído do FMI, durante todo esse período --  e ela desfrutou do "mensalão" soviético durante mais de três décadas. Isso inclusive lhe permitiu investir na saúde e educação, que se tornaram piores agora, mas que já foram satisfatórios justamente porque a ilha podia "concentrar recursos" nessas duas únicas justificativas de uma férrea ditadura. Se a ilha ficou pobre, foi por sua própria culpa. Nos últimos anos ela vem sendo sustentada pelo "mensalão" bolivariano, na forma de generosos subsídios do coronel amigo (e sucessor presumido) de Fidel.

Curioso também que o anti-imperialismo primário ainda seja uma credencial em certas áreas.
Paulo Roberto de Almeida

Jobim faz duras críticas aos Estados Unidos

GLAUBER GONÇALVES - Agência Estado
03 de novembro de 2010 | 21h 29

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, fez duras críticas aos Estados Unidos hoje, no Rio. Em tom áspero, ele afirmou que o Brasil não aceita discutir assuntos relativos à soberania do Atlântico enquanto os norte-americanos não aderirem à convenção da ONU sobre o direito do mar, que estabelece regras para exploração de recursos em águas nacionais. Jobim também condenou veementemente a expansão das fronteiras de atuação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e atacou o embargo dos Estados Unidos a Cuba.
"Os direitos do Brasil aos fundos marinhos até 350 milhas do litoral, onde está nosso pré-sal, decorre da convenção. Ou seja, só é possível conversar com um país que respeite essa regra", disse durante a 7ª Conferência de Segurança Internacional do Forte de Copacabana, no Rio. "Não pensamos em nenhum momento em termos soberanias compartilhadas. Que soberania os Estados Unidos querem compartilhar? Apenas as nossas ou as deles também?", questionou.
Jobim também se disse contrário a alianças militares entre a América do Sul e os Estados Unidos. "Nossa visão é a de que podemos ter relações com os EUA, mas a defesa da América do Sul só quem faz é a América do Sul", disse o ministro. Segundo ele, o Brasil não deve se aliar a forças militares que não possam ser por ele comandadas. "Os EUA não participam das forças humanitárias da ONU porque não admitem ser comandados por outros exércitos. Não podemos aceitar esse tipo de assimetria", declarou.
O ministro mostrou contrariedade à expansão da área de atuação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança militar da qual os Estados Unidos fazem parte. "Aprovou-se uma nova estratégia em que o teatro de operações da Otan passou a ser o mundo todo, em locais em que se possam ferir os interesses dos países membros. Isso significa que teríamos dois organismos internacionais: a ONU e a agora Otan, que também estaria se arrogando a isso. Mas nós somos contra", disse.
Na avaliação de Jobim, as relações entre os países signatários do Tratado Sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares também é assimétrica e penaliza aqueles que buscam gerar energia nuclear. Para ele, não há problemas no interesse da Venezuela em dominar essa tecnologia. "A Venezuela sentiu o problema da sua base de energia elétrica ser hidrelétrica e teve inclusive que fazer racionamento", disse. "A Venezuela fez tal qual o Brasil. E nós aplaudimos", complementou sobre o país vizinho, considerado um problema no continente pelos EUA.
As críticas de Jobim aos norte-americanos ainda abordaram a relação do país com Cuba. "Qual foi o resultado do embargo a Cuba? Produziram um país orgulhoso, pobre e com ódio dos EUA", disse.
Para o ministro, os riscos à segurança da América do Sul e os conflitos do futuro estarão relacionados à água, minerais e alimentos. "Isso a América do Sul tem. Temos aqui o aquífero Guarani, a Amazônia, somos os maiores produtores de grãos e de proteína animal do mundo", enumerou. "Temos que nos preparar para isso", advertiu sobre possíveis ameaças futuras. 

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Ufa!: Fidel Castro salvou os ultimos true believers de serios problemas de consciencia...

Era o fim da picada: tudo ameaçava ruir. Ainda bem que o alívio veio rápido...
Um dos dois últimos dinossauros totalitários do finado socialismo estava causando um choque e uma depressão terrível nos, também últimos, verdadeiros crentes do nosso planeta.
Fidel Castro, um iconoclasta repentino -- mas felizmente temporário -- tinha ameaçado deixar no orfanato ideológico aquele punhado de fiéis do verdadeiro socialismo, os que só tinham Cuba como modelo (sim, pois o outro tirano está muito longe, e de todo modo não deixa ninguém entrar no seu gulag asiático).
Ainda bem que ele se redimiu rapidamente e disse que o jornalista americano -- só podia ser um americano -- tinha entendido al revés o que ele tinha falado: o que está em crise é o capitalismo, não o socialismo, pelo menos na sua modalidade especificamente cubana.
Para provar que o socialismo continua vivo, seu irmão Raul vai colocar meio milhão de trabalhadores cubanos num novo empreendimento socialista: a construção do "hombre nuevo", aquele que sobrevive mesmo sem a ajuda do Estado, o que convenhamos, depois de 50 anos de socialismo centralizado, já não era sem tempo.
O socialismo veio, justamente, para libertar o homem da exploração do capitalismo, e agora eles deixam de ser explorados pelo Estado, para se tornar seus próprios exploradores, num regime inédito nos anais da história econômica mundial.
Oiga Fidel: seus amigos brasileiros, entre eles dois frades dominicanos (assim dizem), meia dúzia de inteliquituais universitários, e toda a tropa do PSOL (deve dar mais de duas Kombis), respiram aliviados por essa importante correção ideológica.
Eles podem voltar a dormir tranquilos, sem essas ameaças de depressão, pesadelos inesperados e outros comichões ideológicos.
Vamos aguardar os próximos capítulos desta novela emocionante:
"Esqueçam o que eu disse" (com Fidel como único ator...).
Paulo Roberto de Almeida

PS: Como me lembra a Maria do Carmo Barbieri, no primeiro comentário a este post, faltou dizer que o Oscar Niemeyer já pode morrer tranquilo: seu herói, seu ídolo, não renega o socialismo...
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Jornalista se diz surpreso com recuo de Fidel sobre modelo cubano
ESTEBAN ISRAEL - REUTERS
13 de setembro de 2010

Segundo Jeffrey Goldberg, líder já havia dito coisas parecidas sobre falência do sistema da ilha
Um jornalista norte-americano a quem Fidel Castro declarou que o sistema cubano já não serve mais afirmou nesta segunda-feira, 13, estar "surpreso" com a retificação apresentada pelo ex-presidente depois da publicação da entrevista.
Fidel diz ter sido mal interpretado por Goldberg

Fidel disse na sexta-feira que sua declaração a Jeffrey Goldberg, da revista The Atlantic Monthly, significava na verdade que é o capitalismo que não serve.

"Não sei como se pode interpretar a frase 'O modelo cubano já não funciona nem sequer para nós' como o contrário", disse Goldberg em teleconferência com jornalistas organizada pelo Conselho de Relações Exteriores, entidade de Washington que também participou da entrevista por intermédio da pesquisadora Julia Sweig.

"Surpreendeu-me o discurso em que (Fidel) disse ter sido mal interpretado, não só porque disse coisas parecidas antes, mas porque a realidade subjacente em Cuba mostra que o modelo cubano não funciona, e é por isso que estão começando uma experiência de privatização em grande escala", acrescentou.

Muitos analistas viram na entrevista de Fidel um sinal de reformas no regime comunista, agora dirigido por seu irmão Raúl.

Mas Fidel disse na sexta que suas palavras foram tomadas "ao pé da letra", e significavam "exatamente o contrário".

Na segunda-feira, no entanto, o governo anunciou que 500 mil empregos públicos serão extintos nos próximos seis meses, para dar mais espaço à iniciativa privada.

Fidel, de 84 anos, passou quatro anos afastado da vida pública, quando deixou a presidência para Raúl devido a problemas de saúde. Recentemente, voltou a aparecer, principalmente para fazer alertas sobre o risco de uma guerra nuclear envolvendo EUA, Israel e Irã.

Muitos analistas dizem que a volta do veterano revolucionário à vida pública pode frear reformas planejadas por Raúl. Mas a pesquisadora Sweig disse na segunda-feira que não notou divergências entre os dois.

"Ele não está bloqueando os esforços do seu irmão. De muitas maneiras, os temas em que não se envolve e as coisas de que não falam indicam que ele aprova o caminho implementado por seu irmão", afirmou ela na mesma.

"Ele tem 84 anos, esteve muitíssimo doente, e parece estar abrindo um novo capítulo da sua vida, em que não se envolve no dia a dia do governo como antes."

domingo, 27 de junho de 2010

Protestos com misterio no G20: contra quem, exatamente, manifestam os manifestantes em Toronto?

Desde meados dos anos 1990 aproximadamente, manifestantes identificados a grupos e movimentos antiglobalização protestam contra toda e qualquer reunião internacional que ocorra em qualquer lugar: as reuniões mais visadas, obviamente, são as de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial), mas também entram no circuito as da OMC, da OCDE, e todo e qualquer summit internacional, especialmente as do antigo G7, as do G8 e agora também as do G20.
Supostamente, as manifestações são para protestar, pacificamente (dizem os organizadores), contra a globalização, contra as desigualdes e injustiças do capitalismo, contra o desemprego, a fome, a destruição ambiental e a poluição, enfim, contra todos e quaisquer dos problemas globais, locais, regionais, ambientais, econômicos, sem falar nas discriminações de raça, de gênero, de religião, etc., etc., etc. (bota etcetera nisso).
Não existe reunião sem manifestantes, que manifestam por causas aparentemente contraditórias, pois eles presumivelmente querem impedir delegados, ministros, chefes de Estado de se reunirem para discutir soluções para aqueles mesmos problemas contra os quais eles estão manifestando. Contraditório, não é mesmo?
Sempre e quando ocorrem essas manifestações, grupos violentos de anarquistas, nihilistas, ou qualquer outra corrente desse tipo irrompem os protestos pacíficos para causar depredações, degenerando por vezes em atos tão violentos a ponto de causar a morte de pessoais (dos dois lados), sem falar dos imensos prejuizos causados a propriedades públicas e particulares.
O direito de manifestação é assegurado em todas as democracias avançadas, e até em algumas menos avançadas também. Só as ditaduras -- e os países que praticam discriminação religiosa, sem qualquer protesto dos antiglobalizadores -- não permitem esse tipo de manifestação democratica.
Ainda que lamentando a violência desses eventos, o que me motiva a escrever esta pequena nota introdutória à matéria de agência abaixo transcrita é o seguinte:
se os manifestantes possuem razões legítimas para protestar e propostas racionais a apresentar, por que eles não as apresentam de forma legível, inteligente, democrática, ou seja, através dos canais de comunicação, submetendo-se ao escrutínio da razão, da lógica e da fundamentação dessas propostas?
Ou será que eles não têm nada de muito inteligente a propor?
Será que eu devo concluir que todos esses manifestantes são apenas idiotas inúteis?
Paulo Roberto de Almeida
(Beijing, 28.06.2010)

Polícia prende mais de 400 por manifestações violentas contra o G-20
Reuters, 27 de junho de 2010

Forças de segurança canadenses se dizem prontas para responder a protestos neste domingo

TORONTO - A Polícia de Toronto prendeu mais de 400 pessoas no centro da cidade canadense depois de manifestações contra a realização da cúpula do G-20 que foram tomadas pela violência no sábado, informaram as autoridades. Neste domingo, 27, último dia do encontro, o governo mantém-se em alerta para a possibilidade de novos distúrbios.

A porta-voz da Polícia, Michelle Murphy, disse que 412 pessoas foram presas na cidade depois do que descreveu como um protesto que "passou da calma ao caos" no sábado. Os detidos são acusado de causar danos ao patrimônio público e atacar oficiais da Polícia, entre outros delitos.

Os protestos de sábado começaram como uma marcha pacífica, mas rapidamente se tornaram violentos quando grupos de pessoas mascaradas se juntaram à multidão e passaram a quebrar vitrines de lojas e bancos e incendiara, ao menos dois veículos policiais. O Canadá havia gasto US$ 1 bilhão para reforçar a segurança durante a realização da cúpula.

A Polícia espera que qualquer protesto marcado para o domingo, último dia do encontro, seja pacífico, mas está disposta a responder qualquer ato de violência. "Se algo fugir ao controle, como no sábado, reagiremos de acordo com isso", disse a porta-voz.

A Polícia admitiu que perdeu o controle da situação em alguns momentos e, por isso, teve de usar gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes. "O que vimos no sábado é uma série de vândalos que queriam expressar pela violência sua diferença de opinião com a Polícia", disse Dimitri Soudas, porta-voz do premiê canadense, Stephen Harper.

Na manhã deste domingo, Toronto, a maior cidade do Canadá, estava mais calma. A cúpula do G-20 reúne as oito maiores economias do mundo e outros 12 países em desenvolvimento.

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Os canadenses estão chocados: a polícia nunca tinha usado gás lacrimogênio antes:

Police arrest more than 600 at Toronto summit
By ROB GILLIES
The Associated Press
Monday, June 28, 2010; 12:48 AM

TORONTO -- Police raided a university building and rounded up hundreds of protesters Sunday in an effort to quell further violence near the G-20 global economic summit site a day after black-clad youths rampaged through the city, smashing windows and torching police cars.

The violence shocked Canada, where civil unrest is almost unknown. Toronto police Sunday said they had never before used tear gas until Saturday's clashes with anti-Globalization activists.

Police said they have arrested more than 600 demonstrators, many of whom were hauled away in plastic handcuffs and taken to a temporary holding center constructed for the summit.

Police adopted a more aggressive strategy Sunday by going into the crowd to make arrests, compared to the previous day when they stood back as protesters torched four police cars and broke store windows.

No serious injuries were reported among police, protesters or bystanders, Toronto Police Constable Tony Vella said Sunday.

Thousands of police officers in riot gear formed cordons to prevent radical anti-globalization demonstrations from breaching the steel and concrete security fence surrounding the Group of 20 summit site.

Security was being provided by an estimated 19,000 law enforcement officers drawn from across Canada. Security costs for the G-20 in Toronto and the Group of Eight summit that ended Saturday in Huntsville, 140 miles (225 kilometers) away, were estimated at more than US$900 million.

Prime Minister Stephen Harper deplored the actions of a "few thugs" and suggested the violence justified the controversial cost. "I think it goes a long way to explaining why we have the kind of security costs around these summits that we do," he said.

The disorder and vandalism occurred just blocks from where U.S. President Barack Obama and other world leaders were meeting and staying.

On Sunday, protesters gathered at a park near the detention center - about 2 1/2 miles (four kilometers) east of where the leaders were meeting.

Plainclothes police jumped out of an unmarked van, grabbed a protester off the street and whisked him away in the vehicle. The protest was then quickly broken up by riot police, who set off a device that created a cloud of smoke that sent protesters running down the street. Vella said it was not tear gas.

Bridie Wyrock, 20, from Cleveland, Ohio, said she was arrested for public mischief for sitting on a street in the financial district. Wyrock, held for 19 hours before being released, said there weren't enough toilets and said some people resisted detention, but said police treated most people with respect.

"They put us in cages, blocked off on all three sides," Wyrock said. "It was cold and dirty."

An anti-poverty group called The Global Call to Action Against Poverty criticized the protesters who committed violence.

"A bunch of pimply faced teenagers trashing shops and burning cars does not help anyone," said Rajesh Latchman of GCAP South Africa. "These hooligans obscure the real issues."

Previous global summit protests have turned violent. In 1999, 50,000 protesters shut down World Trade Organization sessions in Seattle as police fired tear gas and rubber bullets. There were some 600 arrests and $3 million in property damage. One man died after clashes with police at a G-20 meeting held in London in April 2009.

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Associated Press Writers Ian Harrison and Charmaine Noronha contributed to this report.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Politica Externa do Brasil: não se pode ganhar todas...

Garcia reconhece frustração brasileira após sanções
MARINA GUIMARÃES - Agência Estado
10 de junho de 2010

O assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República do Brasil, Marco Aurélio Garcia, reconheceu hoje que a diplomacia brasileira se sente frustrada com a votação no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que aprovou novas sanções ao Irã. "Claro que houve frustração da diplomacia brasileira, mas não por não ter insistido, mas por ter visto que os outros (países) não nos acompanharam. Acho isso um absurdo, uma decisão errada", afirmou, em Buenos Aires, onde participa de um seminário acadêmico como principal orador.

Numa longa análise sobre a quarta rodada de sanções para frear o programa iraniano de enriquecimento de urânio, Garcia considerou ser preciso esperar para avaliar a situação e saber se o episódio pode ajudar ou complicar o Brasil na aspiração de ser membro permanente do Conselho. "Algumas análises dizem que facilitou (o processo de inclusão do Brasil), outras dirão que complicou. Não sei. Ainda estamos sob o impacto da decisão de ontem, que vai ter suas consequências. É preciso dar um tempo para ver como isso vai amadurecer", disse ele.

Garcia argumentou que a decisão de ontem era previsível, mas ponderou que o Brasil conseguiu, pelo menos, realizar o debate sobre o assunto, já que houve uma tentativa dos EUA de não se fazer o debate. "Nós temos relações boas com todos os países, com alguns temos relações muito boas, mas evidentemente não concordamos com as sanções. Isso demonstra que as relações internacionais já não têm mais um alinhamento incondicional", argumentou.

Contudo, ele reconheceu que a votação foi resultado da relação de força internacional. "Entendemos essa realidade, mas o Brasil continuará defendendo os valores multilaterais que historicamente tem defendido, e de forma mais acentuada nos últimos anos", afirmou. "O problema é que os EUA têm força e vão ter durante muitas décadas. Têm um poder que não puderam exercer no Iraque, mas exerceram agora. Na crise do Iraque eles ficaram muito mais isolados, mas tinham tropas", alfinetou.

Batalhas
Segundo ele, o episódio do Irã é só um assunto a mais na agenda externa. "Temos muitas outras questões que vão estar permanentemente na agenda. Por exemplo: o presidente Lula vai a uma reunião do G-20, onde vai vocalizar uma série de posições sobre a crise e os caminhos para sair da crise e muitas outras coisas", destacou. "Não estamos emburrados, estamos preocupados", disse ele, ressaltando que o caso do Irã não foi a última batalha.

"O Brasil é um ator global. O que se votou ontem foi uma composição na qual tiveram votos, de um lado, um grupo de países, e do outro, o Brasil e a Turquia", justificou o assessor, completando que os EUA estão incomodados com a participação de um ator que normalmente não faz parte do jogo diplomático internacional. Mesmo assim, disse ele, a relação com os norte-americanos vai continuar firme. "Temos uma agenda de cooperação muito grande com os EUA e continuaremos dialogando e sempre vamos nos expressar quando tivermos uma diferença", concluiu.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Politica Nuclear do Iran - o compromisso com Turquia e Brasil

Apenas para registrar o que tinha ficado acertado entre os três países. Esta é apenas uma etapa num processo longo, que vem se arrastando pelos últimos cinco anos, pelo menos, e que deve se estender, talvez de modo dramático, pelas próximas semanas ou meses.
Difícil prever o desenlace, mas ele não será feliz, é a única coisa que posso antecipar...
PRA (19.05.2010)

Declaração Conjunta de Irã, Turquia e Brasil
17 de maio de 2010

Tendo-se reunido em Teerã em 17 de maio, os mandatários abaixo assinados acordaram a seguinte Declaração:

1. Reafirmamos nosso compromisso com o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e, de acordo com os artigos relevantes do TNP, recordamos o direito de todos os Estados-Parte, inclusive a República Islâmica do Irã, de desenvolver pesquisa, produção e uso de energia nuclear (assim como o ciclo do combustível nuclear, inclusive atividades de enriquecimento) para fins pacíficos, sem discriminação.

2. Expressamos nossa forte convicção de que temos agora a oportunidade de começar um processo prospectivo, que criará uma atmosfera positiva, construtiva, não-confrontacional, conducente a uma era de interação e cooperação.

3. Acreditamos que a troca de combustível nuclear é instrumental para iniciar a cooperação em diferentes áreas, especialmente no que diz respeito à cooperação nuclear pacífica, incluindo construção de usinas nucleares e de reatores de pesquisa.

4. Com base nesse ponto, a troca de combustível nuclear é um ponto de partida para o começo da cooperação e um passo positivo e construtivo entre as nações. Tal passo deve levar a uma interação positiva e cooperação no campo das atividades nucleares pacíficas, substituindo e evitando todo tipo de confrontação, abstendo-se de medidas, ações e declarações retóricas que possam prejudicar os direitos e obrigações do Irã sob o TNP.

5. Baseado no que precede, de forma a facilitar a cooperação nuclear mencionada acima, a República Islâmica do Irã concorda em depositar 1200 quilos de urânio levemente enriquecido (LEU) na Turquia. Enquanto estiver na Turquia, esse urânio continuará a ser propriedade do Irã. O Irã e a AIEA poderão estacionar observadores para monitorar a guarda do urânio na Turquia.

6. O Irã notificará a AIEA por escrito, por meio dos canais oficiais, a sua concordância com o exposto acima em até sete dias após a data desta Declaração. Quando da resposta positiva do Grupo de Viena (EUA, Rússia, França e AIEA), outros detalhes da troca serão elaborados por meio de um acordo escrito e dos arranjos apropriados entre o Irã e o Grupo de Viena, que se comprometera especificamente a entregar os 120 quilos de combustível necessários para o Reator de Pesquisas de Teerã.

7. Quando o Grupo de Viena manifestar seu acordo com essa medida, ambas as partes implementarão o acordo previsto no parágrafo 6. A República Islâmica do Irã expressa estar pronta - em conformidade com o acordo - a depositar seu LEU dentro de um mês. Com base no mesmo acordo, o Grupo de Viena deve entregar 120 quilos do combustível requerido para o Reator de Pesquisas de Teerã em não mais que um ano.

8. Caso as cláusulas desta Declaração não forem respeitadas, a Turquia, mediante solicitação iraniana, devolverá rápida e incondicionalmente o LEU ao Irã.

9. A Turquia e o Brasil saudaram a continuada disposição da República Islâmica do Irã de buscar as conversas com os países 5+1 em qualquer lugar, inclusive na Turquia e no Brasil, sobre as preocupações comuns com base em compromissos coletivos e de acordo com os pontos comuns de suas propostas.

10. A Turquia e o Brasil apreciaram o compromisso iraniano com o TNP e seu papel construtivo na busca da realização dos direitos na área nuclear dos Estados-Membros. A República Islâmica do Irã apreciou os esforços construtivos dos países amigos, a Turquia e o Brasil, na criação de um ambiente conducente à realização dos direitos do Irã na área nuclear.

Manucher Mottaki,
Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Islâmica do Irã

Ahmet Davutoglu,
Ministro dos Negócios Estrangeiros da República da Turquia

Celso Amorim,
Ministro das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil